Mudança

Capítulo 30


Acordei com o sol batendo na minha cara, nada bom; virei meu corpo e joguei o travesseiro por cima da cabeça. Peraí!Eu joguei o travesseiro por cima da cabeça!?

Tentei de novo, joguei as mãos pro alto em punhos fechados, levantei os dedos um a um; movi minhas pernas e tive o mesmo resultado,minha coluna doía,parecia que uma costela tinha sido arrancada, mas eu podia me mover!Virei rápido demais e bati a cabeça contra as grades do berço.

-Merda!- uma voz sussurrou irritada.

Prestei mais atenção e percebi que aquela voz era minha, falei várias palavras desconexas e sorri mais e mais com cada uma delas.

Ouvi passos,Nataniel estava entrando,parei e tentei parecer como antes, mole e descoordenada.

-Bom dia meu bebê, dormiu bastante depois de ontem não é?- ele perguntou pegando-me no colo.

Ele me trocou colocando um conjunto lilás de inverno cheio de babados pra variar.

-Hoje a Sara vai trazer o Gabs pra vocês brincarem e ele vai dormir aqui, não é legal?-ele disse me levando pra sala.

Meu coração palpitou impaciente no peito, aqueles benditos olhos vieram a minha mente sem permissão deixando-me entregue a suspiros involuntários. Mas ao mesmo tempo eu me lembrei de como ele estava inconsciente nos dias depois daquela data fatídica, de como eu não reconhecia aquela arrogância que me arrebatava. Eu agora estava bem, queria fugir de tudo aquilo, melhor, queria fugir de tudo àquilo com ele.

Fiquei deitada no moisés imersa em pensamentos,eu queria sair dli,correr pra longe segurando sua mão.

Ouvi um motor conhecido roncar, Sara estava ali. A porta bateu e alguém reclamou, meu coração estava a mil e o panaca do Nate não tinha percebido nada.

A campainha tocou, e os segundos que Nate demorou pra chagar até a porta foram torturantes, pereciam intermináveis, quando olhei de soslaio pra abertura quase corri com o que vi: Gabriel estava ali, em pé ao lado de Sara, ele estava bem.

Eu quis correr dali, desaparecer com ele ouvindo sua voz e sentindo sua mão na minha. Seus olhos arrogantes me encaravam parecendo tristes, não sei o porquê, mas eu queria alegrá-lo fazê-lo sorrir nem que pra isso ele tivesse que tirar uma com a minha cara.

Oi Jeh,como você está?- Sara perguntou sorrindo pateticamente pra mim- olha quem veio pra brincar como você.

- Nós temos assuntos a tratar, então vocês dois vão ter que brincar no quarto tá bom?- Nate disse me pegando no colo.

Meu coração sairia pela boca se eu a abrisse, eu era um misto de medo, excitação, alegria e confusão.

Ficamos ali sozinhos, Gabriel veio andando silencioso atrás, já no quarto ele sentou-se na cama enquanto Nataniel me deitava delicadamente.

-Brinquem direito tá bom?- Nate disse saindo.

Com as portas fechadas, o ar parecia mais pesado e o silêncio era palpável.

-Sabe, agora era uma boa hora pra você conversar comigo sabia?Faz tempo que não escuto sua voz, que não te vejo corar- ele disse deitando-se ao meu lado- sinto falta daquela garota persuasiva e covarde por quem me apaixonei.

Fiquei aturdida com o que ouvia, minha cabeça tentava processar aquela mensagem, aceitar o que ele disse sem surtar. Ele estava ali, encarando o teto com aqueles olhos perturbadores, que me faziam e fazem queimar de raiva e desejo, os olhos de meu amado.

-Talvez ela não esteja tão longe, e nem seja tão covarde quanto você pensa- eu sussurrei encarando-o.

-V... Você... Como?- ele perguntou sentando-se.

Sentei ao seu lado abraçando as pernas pra não tomá-lo ali mesmo.

-Acordei assim- eu sussurrei.

-Se eu dissesse que quero fugir?- ele perguntou.

-Eu diria que iria com você até o fim do mundo- eu respondi sorrindo.

-Você é incrível – ele murmurou.

-Eu sei- rebati.

Não resisti e sentei-me em suas pernas, ele corou, mas me manteve firme ali, pousei minha mão sobre seu peito ofegante sorrindo enquanto sentia seu coração acelerado, peguei uma de suas mãos e levei ao meu peito pra que ele sentisse que meu coração também estava daquele jeito. Aproximei meu rosto sentindo sua respiração descompassada sem retirar minha mão de seu peito ou deixar que ele fizesse o mesmo.

-Eu te amo – ele sussurrou olhando-me nos olhos.

-Imagino que não mais que eu- eu rebati cobrindo seus lábios com um beijo delicado, mas que eu esperava que demonstrasse todo o meu amor por ele.

Meu beijo foi correspondido, nossas línguas corriam por nossas bocas desejando por mais, explorando o possível, nossas mãos corriam por lugares impróprios, nossos corpos tão colados como se quisessem se fundir. Era mais do que um simples desejo, era uma necessidade que chegava a doer.

Separei nossos rostos sentindo seu coração pulsar enlouquecido, exatamente como eu imaginava o meu, meu rosto estava rubro, num misto de vergonha e desejo incontidos.

-Não gostou?Por que está assim?- ele perguntou passando a mão por meu rosto agora banhado em lágrimas traidoras.

-Eu te amo tanto, não quero essa vida pra você, não quero essa vida pra nós meu amor- eu sussurrei banhando sua camisa preta com minhas lágrimas.

-Jennifer, não existe feitiço, isso é só uma história nojenta, nós somos livres, se fugirmos, isso vai nos custar à distância de nossas famílias, você faria isso?- ele perguntou me encarando.

Assenti me sentindo forte, com ele ali eu faria qualquer coisa.

-Essa noite, essa noite seremos livres!- eu sussurrei convicta.

-Eu vou dormir aqui hoje, mas como sairemos, e o seu irmão?E os seguranças?- ele perguntou inseguro.

-Você confia em mim?- eu perguntei.

-Você sabe que sim- ele rebateu.

Ouvi passos aproximando-se, e deitei-me novamente quieta, Gabs sorriu pra mim enquanto descia no chão e pegava um brinquedo qualquer.

-Oi vocês dois,Jeh, você não mamou ainda meu amor, vem comigo um pouquinho. - ele disse me puxando enquanto se sentava na cama com a mamadeira na mão.

Nate me amava aquilo era fato, comecei então e pensar nas conseqüências pra ele se eu fugisse, e potencialmente desse certo, comecei a pensar se ele me faria falta, eu sabia que sim, mas como eu disse antes, eu teria que pagar um preço alto pra ser livre.

Terminei o leite e ele me pôs de novo na cama, ao sair eu me sentei sentindo uma lágrima triste rolar por meu rosto.

-Você não quer fazer isso não é?- Gabriel perguntou se aproximando.

-Quero demais, mas deixar meu irmão é algo que... Vai doer- eu disse abraçando-o – mas também é algo que eu terei que fazer, é o preço a pagar.

Ouvi novamente passos se aproximando, Gabs estava quase adormecido ao meu lado enquanto Sara abria a porta.

-Gabe, eu tenho que ir. Se comporte tá bom meu amor?- ela disse pegando-o no colo.

Ele a abraçou forte, deixando lágrimas caírem por seu rosto, eu sabia que ele pensava no que aconteceria com ele quando fugíssemos, mas esse era o preço a pagar, não podíamos esperar, tinha que ser hoje.

O dia passou depois disso como um raio, a tarde ia caindo serena enquanto eu ficava cada vez mais nervosa.

Estávamos na sala, Gabs comia sozinho e ria de mim a cada garfada de peixe, eu me limitava a engolir aquele mingau odioso.

-Sabe Jeh, tenho uma notícia pra te dar- Nate começou- papai e mamãe estarão aqui quando você acordar de manhã, isso não é legal?

Certo, agora é que eu tinha que sair o mais rápido possível dali, eu nunca ficaria longe da vista de nenhum deles enquanto estivesse aqui.

Meu plano era simples, mas me parecia ser eficaz. Eu e Gabriel pediríamos à Lucas pra nos levar até o centro comercial, a desculpa eu inventaria na hora, faríamos isso quando Nate apagasse. Chegando ali, nós daríamos a volta pelo centro sendo o mais discreto possível. Do outro lado do centro comercial, há um ponto de ônibus que levava ao terminal rodoviário das “pessoas comuns”. Entramos no ônibus, compramos uma passagem cada um pra algum lugar, nós dormiríamos num hotel por aí e o resto só o futuro nos diria. E quanto ao dinheiro?Eu não era boba, Nataniel guardava uma boa quantia em seu quarto, seria difícil, mas eu tinha que pegar o dinheiro dele pra sairmos dali.

A noite chegava tudo ali estava ficando escuro. Nate já tinha posto Gabriel e eu no quarto, eu no berço e ele na cama.

Após um tempo eu já começava a escutar os roncos baixos de meu irmão, levantei com o coração apertado, peguei uma bolsa grande colocando nela roupas, saí silenciosa do quarto e entrei na cozinha, onde peguei água e algumas coisas de comer.

Meu coração batia descompassado enquanto eu despertava Gabriel,quando seus olhos se abriram,ele me encarou confuso, como se duvidasse que eu fosse capaz de fazer uma coisa dessas.

-Você vem?- perguntei travessa

Ele sorriu levantando-se e pegando a bolsa dele, tiramos tudo o que tinha nela deixando apenas roupas. Passei a minha pra ele enquanto entrava sorrateira no quarto de Nataniel, abri suas gavetas quase o despertando por uma ou duas vezes, eu suava frio.

Achei na última gaveta alguns bolos de dinheiro, peguei-os todos, no fundo da gaveta tinha um papel em branco, e em cima do criado mudo jazia uma caneta, peguei-os e comecei a escrever.

“Nate, amo você demais, você é o melhor irmão do mundo, cuide da Sara e não tente me achar, você não fez nada de errado, mas agora eu vou em busca da minha felicidade, com amor, Jennifer.”

Beijei delicadamente sua bochecha deixando o papel ao lado de sua cama, saí e fui até o quarto.

-Você quer fazer isso mesmo?- Gabriel me perguntou.

-Mais do que tudo- eu sussurrei.

Abri a porta com Gabriel vindo em meus calcanhares, fechei-a e começamos a dar a volta pelo quintal, Lucas estava sentando onde o vi pela primeira vez.

-Hey, você aqui!Vai sair?- ele perguntou levantando-se.

-Na verdade sim, Eu tenho que voltar com meu amigo pra casa, e por isso tenho que ir até a rodoviária, já que meu irmão não vai poder me levar, você faria esse favor?- perguntei esperançosa.

-Mais é claro, venham comigo, eu vou ligar o carro- ele respondeu enquanto nós o seguíamos.

Entramos no carro, meu plano corria bem, e Lucas nos levaria até a rodoviária, um bônus que eu não esperava. Nos portões que separavam “eles” de “nós”, eu comecei a ficar realmente com medo.

-Você já pegou um ônibus antes?- Lucas perguntou diminuindo a velocidade.

-C... Claro!Não pra casa, mas já peguei um ônibus. - eu respondi gaguejando.

-Acho eu não- ele respondeu pegando alguma coisa do bolso- eles estavam fugindo, estão comigo!- ele exclamou pelo rádio.

-Lucas, o que está fazendo?Abre essa porta!- eu gritava nervosamente tentando sair do carro.

-Você não vai a lugar algum, nenhum de vocês dois!- ele gritou.

Escutei pneus cantarem e peguei nas mãos frias e trêmulas de Gabriel, ele chorava copiosamente. Olhei pra trás e não era Nataniel que estava ali, era meu pai, e ele vinha com duas coisas não mão, ali naquela escuridão eu não podia distinguir o que era.

Quando ele se aproximou meu espírito congelou, em suas mãos balançavam duas reluzentes coleiras de choque. Ele abriu a porta e me arrancou violentamente do carro jogando-me no chão, depois ele pegou Gabriel pelos cabelos e colocou a coleira, o que se seguiu foi macabro.

Gabriel espasmava violentamente com os choques, meu pai sorria macabramente enquanto se aproximava de mim abrindo a coleira, depois disso tudo começou a ficar desfocado, eu não conseguia me mover e...

-Jeh!Jennifer acorda!- eu ouvi alguém sussurrar enquanto me chacoalhava de leve.

-G... Gabriel?- eu perguntei confusa- você está bem!

-É claro que estou meu amor, nossa, você dormiu por quase duas aulas seguidas hein?Tá certo que sociologia é um saco, mais pensa na nossa viagem só nos dois. - ele disse entrelaçando nossos dedos.

Olhei confusa ao redor, então tudo aquilo tinha sido só um sonho?Passei a minha mão livre pelo rosto e depois pelas pernas, não tinha nada ali além de um jeans e abaixo dele uma calcinha. Olhei mais atentamente pra tudo a minha volta e senti lágrimas de felicidade rolar por meu rosto, toda aquela loucura era só um sonho!

-Jennifer, me responda: pra qualquer ser, o que é assegurado para todos, não pode ser definido, não é tangível, mas é condição do ser humano?- o professor me perguntou enquanto o sinal batia- quero a resposta pra próxima aula.

Sorri alegremente, regozijando-me com a resposta, sentindo aquilo em sua totalidade. Eu não precisava e mais um tempo pra responder, eu sabia muito bem o que era.

-Isso é uma coisa que ninguém nunca vai me tirar professor- eu disse.

-É?O que?- ele rebateu.

-Minha liberdade- eu disse sorrindo e com lágrimas nos olhos.

Saímos da escola comigo observando tudo como se fosse novo, eu sorria por tudo me sentia leve, livre. Gabriel estava calado enquanto nós andávamos pelo campus, eu me virei a dei-lhe o meu mais apaixonado beijo que pude,segurei seu rosto enquanto sorri.

-Minha liberdade é tudo, mas não é nada sem você meu amor- eu disse unindo novamente nossos lábios.

Todos nós temos um momento, algo que nos faz despertar, que nos faz lutar pelo que queremos, mesmo que aquilo tudo tenha sido um sonho. Eu e Gabriel desde então estamos juntos sem ninguém me impedir, cheguei em casa e todos estavam bem,nada de me prenderem ou de me tratarem como bebê.Nate estava ali também,envolvendo Sara timidamente com os braços.

Anos se passaram e eu nunca me esqueci daquele sonho, casei-me com Gabriel pouco depois de Nataniel se casar com Sara.

Meses depois de muitas vagens ao longo do globo vivendo cada comento intensamente, eu engravidei e tive uma menina, agora me encontro no quarto esperando a enfermeira trazê-la pra mim ao lado de Gabriel, o pai mais babão e o melhor marido de todos os tempos. Minha porta se abriu e a enfermeira trouxe minha filha enrolada num cobertor lilás.

Ela tinha os olhos de Gabriel, lindos e arrogantes, mas no resto ela era totalmente diferente de nós, nossa junção perfeita. Sorri com lágrimas nos olhos enquanto segurava minha filha e beijava meu marido, aquilo era tudo o que eu poderia pedir, não havia nada mais perfeito do que aquele momento, exceto pelo que se seguiu.

-Qual o nome dela?Você já pensou em algum?- Gabriel perguntou acariciando nosso pequeno anjo.

Eu já sabia seu nome bem antes de eu engravidar, ela era agora a pessoa mais importante de minha vida, depois de Gabriel, o pequeno elo que nos uniria pra sempre, o pequeno mais indestrutível desejo que nos uniu desde sempre.

-Eu já escolhi o nome dela Gabs.

-É?E qual é?- ele perguntou.

-Liberdade.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.