Motivos para mudar

Capítulo 7 - Desculpas Esfarrapadas


— Sim? – Luísa ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços ao mesmo tempo, à espera de uma resposta da parte do loiro.

— Bom, é que eu queria conversar contigo… Sobre o resgate financeiro que vamos ter fazer ao teu país. É que já estamos a ficar sem tempo e as reuniões da União Europeia são tão produtivas como qualquer conferência mundial que tenhamos feito até hoje… – à medida que foi falando, Abel conseguiu recuperar a calma e fazer a sua cara séria de sempre.

— Ah, está bem… – disse, achando que aquela era uma explicação plausível, mas a sua face contraiu-se numa expressão aborrecida logo em seguida – Mas porque vieste tu em vez da Emma? Afinal, tudo o que diz respeito à União Europeia passa-se em casa dela. Ou seja, ela é que devia estar aqui agora, não?

— Ela tinha outras coisas para fazer, por isso vim eu. Algum problema com isso? – cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha.

— Hum… Nenhum! Só preferia que estivesse cá a tua irmã, mas enfim… – desviou-se um pouco para o lado para deixar passar o outro, ainda de braços cruzados – Entra lá, para tratarmos do que temos que tratar.

O loiro entrou e a lusa conduziu-o até à sala de estar, após ter fechado a porta. Chegados à sala, Abel sentou-se no sofá grande que ficava de lado para a televisão e olhou um pouco em volta. Nada tinha mudado desde a última vez que tinha estado ali. Ou melhor, nada tinha mudado desde a última vez que tinha estado ali e tinha tido tempo para observar toda a divisão com a devida atenção.

A sala era espaçosa, mas sem exageros. Como sempre, as paredes brancas possuíam uns quantos quadros pendurados nelas. Eram todos pinturas de algum momento importante da História de Portugal ou da portuguesa com algum rei do seu passado. À esquerda do loiro, paralelamente à porta da sala por onde tinha entrado, estava uma porta de correr em vidro, que dava para o quintal. Ainda do seu lado esquerdo, estava um sofá do mesmo género que o grande no qual se sentara, mas onde só uma pessoa se podia sentar. Por fim, à sua frente, a uns 2 metros do sofá onde se sentara, estava a mesa de jantar retangular e, na parede a seguir a esta, lá estava ele… O quadro de Luísa ao lado da monarca Isabel de Aragão, mais conhecida como Rainha Santa Isabel. Ao contrário de todas as outras pinturas que decoravam a sala, aquela não parecia ter sido feita para fins tão formais como ser exposta nas paredes de um castelo, à vista de todos que por lá passassem. Na imagem, podia notar-se a felicidade no rosto de Luísa enquanto parecia balançar suavemente a corda de um baloiço onde a rainha estava sentada, com a saia do vestido subida o suficiente (demais para a época) para deixar à vista os seus delicados tornozelos. Apesar de já ter alguns séculos, quem tinha feito aquela obra soube captar muito bem os sentimentos que as duas mulheres demonstravam e o holandês deu por si a perguntar-se se não haveria algo mais do que o respeito mútuo que as duas mostravam quando sorriam uma para a outra. Mas antes que pudesse refletir um pouco sobre esse assunto, a portuguesa estalou os dedos mesmo à frente do seu nariz, cortando-lhe o seu raciocínio.

— Olá? Terra chama Abel! Eu fiz-te uma pergunta há quase meia-hora e tudo o que fizeste foi apreciar a decoração da minha sala de estar. – comentou ela com sorriso. Achou engraçada a desconcentração do outro.

O loiro ficou um pouco surpreendido com aquela ação da lusa. Não era comum ela achar divertido nada do que ele fizesse. Mas talvez a culpa disso fosse sua, por ser sério demais na maior parte do tempo. Deixando esses pensamentos de lado, recompôs-se e dirigiu-se finalmente à morena, agora sentada numa cadeira à sua frente.

— Desculpa, estava distraído. Podes repetir o que estavas a dizer? – perguntou com a mesma expressão séria de sempre.

— Eu perguntei se não querias resolver as coisas enquanto jantamos. – o rosto de Abel já começava a formar um sorriso de canto quando Luísa completou – É um jantar de negócios, por isso não te ponhas com ideias.

— Não me passou mais nada do que isso pela cabeça.

— Ainda bem. Até porque não vamos estar sozinhos e eu não quero ver-te fazer figuras tristes. – disse ao pôr-se de pé.

O sorriso do holandês desapareceu-lhe da face e, mesmo que já soubesse a resposta, achou que deveria perguntar, para não parecer suspeito à portuguesa:

— Quem vai jantar connosco? – tinha a sua expressão séria novamente.

— O Toris. Ele está lá em cima a tomar um banho. – foi em direção à porta da sala que dava para o resto da casa – Quando ele acabar, eu também vou tomar um duche rápido enquanto o jantar está no forno. – já estava fora da sala quando recuou um pouco e se virou para trás – E ai de ti se fores lá espreitar-me, ouviste?! – ameaçou a lusa, de sobrancelhas franzidas.

— Ora, por quem me tomas?! – o loiro pôs-se rapidamente de pé, sentindo-se ofendido – Eu nunca faria algo assim! – afirmou ao cruzar os braços.

— Hum… Não sei, não… – semicerrou os olhos, em sinal de desconfiança – Vocês, homens, não são de fiar… De qualquer maneira, ficas avisado! – antes que Abel pudesse contra-argumentar, Luísa desapareceu dali e subiu as escadas.

— Que exagero só por causa de um banho… – voltou a sentar-se no sofá e suspirou de frustração – Quero ver é se ela faz o mesmo com aquele lituano. – cruzou os braços com uma expressão chateada. Será que o báltico seria mesmo uma ameaça à relação que estava a tentar criar com Luísa?

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Quando chegou ao andar de cima, a portuguesa foi até à porta da casa de banho e bateu de leve com os nós dos dedos.

— Toris, ainda vais demorar muito?

— Não, Luísa, estou só a acabar de me secar. Saio já! – informou o moreno do outro lado da porta.

Okay! – Ela foi ao seu quarto, escolher o que iria vestir depois do banho. Abriu o guarda-roupa e, dado que só ia jantar na cozinha com dois amigos, concluiu que vestir algo minimamente apresentável seria suficiente. Assim sendo, optou por uns calções de ganga simples, que lhe dava até ao joelho, e uma t-shirt simples de manga curta azul-esverdeada. Escolheu um conjunto qualquer de roupa interior e deixou tudo em cima da cama. Espreitou pela porta do quarto para o corredor e viu Toris a sair da casa de banho com uma toalha à volta da cintura e outra na cabeça, com a qual tentava secar o cabelo.

— É toda tua! – disse ele antes de se dirigir para o “seu” quarto e fechar a porta do mesmo.

— Obrigada! – agradeceu ela enquanto recuava um passo no quarto para ir buscar a muda de roupa que tinha acabado escolher. Seguiu para a casa de banho e trancou a porta após entrar. Fez isso a pensar no facto de estar sozinha em casa com dois homens. Não que realmente achasse que Toris a iria tentar espiar enquanto tomava banho, mas Abel era bem capaz de o fazer. Sabendo como ele era tarado, preferiu não arriscar. Colocou a roupa que trazia na mão em cima do móvel do lavatório, tirou a que tinha vestida, deixou-a no chão e pôs-se debaixo do chuveiro para um duche rápido.

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No quarto de hóspedes, Toris tinha acabado de vestir umas calças quando reparou que a luzinha de aviso de chamadas e mensagens do seu telemóvel estava a piscar. Pegou no aparelho e desbloqueou-o. Tinha recebido 46 chamadas e 58 mensagens em menos de 2 horas. Arregalou os olhos perante aquela tentativa desesperada de o contactar. No entanto, a surpresa deu lugar ao medo quando o lituano viu quem era o remetente de tudo aquilo: Feliks. Com a conversa ao almoço e o treino logo a seguir, tinha-se esquecido completamente de ligar ao polaco assim que chegasse, como lhe tinha prometido. O moreno nem teve hipótese de pensar se retribuiria as chamadas naquele momento ou se deixaria para depois, pois o telemóvel recomeçou a tocar e era novamente o loiro que estava a tentar falar com ele. Toris inspirou e expirou rapidamente e deslisou o dedo pelo ecrã para atender. Hesitante, colocou o aparelho junto ao ouvido, mas teve que o afastar um pouco logo a seguir por Feliks estar aos berros do outro lado da linha:

— FINALMENTE, LIET! JÁ TE LIGUEI E MANDEI MENSAGENS TANTAS VEZES QUE, TIPO, JÁ PERDI A CONTA! PORQUE É QUE NÃO ME LIGASTE COMO, TIPO, TINHAS PROMETIDO?! — o loiro tinha um tom de voz que demonstrava bastante a sua indignação perante a atitude do amigo.

— Des-desculpa, Feliks! Não foi por mal! É que eu fui logo almoçar mal cheguei a casa da Luísa e distraí-me a conversar com ela e… E… – o lituano tinha voltado a aproximar o telemóvel do ouvido, para se poder explicar, mas teve que o afastar novamente por causa do grito que o polaco deu.

— TRETAS! — Feliks pareceu expirar com forma e recomeçou a falar, já sem gritar, mas ainda era possível perceber-se a irritação na sua voz – E pensar que eu tinha, tipo, uma coisa para te contar que irias gostar, tipo, tanto de saber…

— Oh, o que era, Feliks? – perguntou Toris.

— Não sei se, tipo, um falso amigo como tu merece saber.

— Vá lá, Feliks, eu já pedi desculpa… Por favor!

— Está bem, está bem, eu conto! – cedeu o loiro, sabendo que também não conseguiria aguentar o mexerico por muito mais tempo – Adivinha só quem é que eu, tipo, encontrei, infelizmente, quando estava a voltar com o Petras para Varsóvia.

— Bem, para tu dizeres que foi um encontro infeliz, só podes ter visto a minha linda Natália! – afirmou moreno, com um enorme sorriso.

— Sim, ela mesmoFeliks suspirou. Mesmo que não conseguisse ver a cara do amigo, sabia perfeitamente que este estaria a sorrir que nem o idiota, naquele preciso momento. – Ela já sabe que tu, tipo, estás com a Luísa e deixou transparecer que, tipo, não ficou totalmente indiferente à notícia.

— Es-estás a falar a sério?! – a surpresa e a esperança eram visíveis no olhar do lituano.

Claro. Porque é que eu iria, tipo, mentir-te?

Meu Deus! Eu tenho que ir já contar à Luísa! Eu tenho de-- – a sua euforia foi interrompida pela chamada de atenção do amigo.

— Hey, hey, hey! Calminha, Liet… Tipo, eu só disse que ela não me pareceu contente com a novidade, não que, tipo, teve um ataque de ciúmes ou assim, okay? Porquê essa histeria toda?

— Po-pois, desculpa, Feliks… Tens toda a razão. Acho que me empolguei demasiado. – Toris deu um pequeno sorriso envergonhado. Ouviu o amigo a suspirar novamente.

Não faz mal. Eu sei como aquela mulher consegue, tipo, fazer com que percas a noção das coisas só por, tipo, se falar nela. – o polaco fez uma breve pausa, mas logo recomeçou – Bem, vais contar-me o que é que, tipo, já aconteceu por aí hoje ou não?

— Ah, sim! A Luísa começou a treinar-me hoje depois do almoço.

Já?! Bem, ela não perde mesmo tempo! – exclamou, espantado.

— É verdade! Fizemos um treino mesmo puxado. Acho que amanhã vou acordar todo partido! – riu, conformado.

— Hum… Ela parece estar, tipo, mesmo empenhada, não é? — perguntou o loiro, num tom sarcástico.

— Pois… Mas achas que não deveria? – o lituano estranhou o tom do amigo.

Não é isso… Simplesmente, tipo, nunca pensei que ela levasse, tipo, um homem para casa dela a menos que fosse, tipo, realmente necessário. Além disso, tu e ela nunca foram, tipo, muito próximos.

— Porque é que dizes isso? A Luísa tem alguma coisa contra homens ou assim? – questionou o báltico, sem entender onde o outro queria chegar com aquela conversa.

Bom, mais ou menos… Mas, tipo, não é algo que ela esconda hoje em dia. Tu já devias saber a menos que, tipo, tenhas estado a morar debaixo de, tipo, uma pedra desde os anos 70 do século passado.

Mas já devia saber o quê? Feliks, eu já não estou a entender nada!

Bom, é que, tipo, a Luísa não-- – Feliks não conseguiu acabar de falar, pois foi interrompido pela voz da portuguesa.

— Toris, o jantar já está pronto. Vamos descer? – perguntou ela do outro lado da porta do quarto.

— Cla-claro! Eu vou já! – respondeu à lusa, um pouco atrapalhado pela surpresa de ela o ter chamado de repente – Feliks, continuamos esta conversa depois, está bem? – perguntou ele, agora a falar para o amigo ao telefone.

Está bem… Mas, tipo, liga assim que puderes e, desta vez, NÃO TE ESQUEÇAS! – avisou o polaco, gritando a parte final, o que fez o lituano afastar o telemóvel do ouvido, mais uma vez.

— Sim, sim! Não me vou esquecer, prometo. Até depois! – assim que terminou de falar, desligou a chamada, com medo que o outro voltasse a berrar-lhe aos ouvidos.

Largou o aparelho eletrónico em cima da cama e saiu do quarto, rumo ao andar debaixo, juntamente com a dona da casa.