Moonlight

A Rosa Vermelha


Eu tinha de admitir: eu estava com medo. Apesar de me sentir imensamente leve, sequer considerar a idéia de tudo ter sido um sonho me causava um pavor evidente.

Meus olhos permaneceram fechados. Eu sei que teria de abri-los, mas esse não era o momento para isso.

Ao invés disso fiquei me torturando em minha mente. Eu até já podia ver: em alguns minutos eu estaria deitada na minha nova cama, no meu novo quarto, acordaria, perceberia que tudo fora um mero sonho e continuaria com minha vida. Se é que se pode chamar de vida.

Tudo bem, senti que esse era o momento. Respirei fundo e abri os meus olhos. Fiquei em estado de choque, que logo foi substituído por uma onda de felicidade que eu não sentia desde o acidente que tirou a vida dos meus pais.

Me levantei. Com este movimento, deixei cair algo nos dentes-de-leao. Ouvi o baque suave de algo fazendo um leve impacto contra eles. Sim, eu realmente estava na floresta.

A única coisa que me entristeceu foi: o garoto não estava mais ao meu lado. Mas tudo bem. Sabia que o veria novamente

Antes de sequer olhar para o objeto caído nos dentes-de-leao, respirei fundo, guardando em minha mente o cheiro da floresta, da terra molhada, do orvalho, das flores que brotavam nos cantos da minha campina.

Enfim, me agachei para procurar a coisa. Algo extremamente vermelho se destacava entre os dentes-de-leao. Estendi a mão e a peguei, segurando-a entre as mãos.

Levantei e abri as mãos para observar melhor o objeto. Meus lábios se abriram em um sorriso. Era uma rosa. Vermelha. Desde pequena, sempre amei rosas vermelhas. Elas simbolizam o amor eterno.

Inspirei profundamente, deixando o aroma penetrar em meu corpo. Segurei a rosa em minha mão.

O contraste que ela fazia com meu vestido vermelho e meus cabelos levemente ondulados vermelho escuros era perfeito. Eu parecia fazer parte de uma pintura.

Levando a rosa ao meu peito e segurando-a lá, observo o bosque a minha volta. É tudo tão bonito e... verde. Diferente de como estava durante a noite, suas arvores verde esmeraldas.

Interrompendo meus devaneios, meu estomago ronca. Não se pode fugir para sempre. Suspirei. Eu não poderia esperar pela noite como eu pretendia.

Analisei meu vestido. Não estava sujo de barro, como imaginei. Mas meus sapatos estavam perdidos. Tentei imaginar a expressão de Charles ou Elizabeth ao me verem descalça e com um vestido vermelho. Quase sorri. Mas eu ainda estava preocupada com a recepção que eu teria em minha nova casa.

Eu não podia perder mais tempo aqui, e isso me deixava nervosa. Respirei fundo, tentando relaxar. Não funcionou.

Olhei meu vestido, avaliando suas condições. Estava completamente diferente do que imaginei. Nele não havia lama, folhas ou terra. Ninguem perceberia que eu estava na floresta. Mais parecia que eu acabara de sair de um baile – descalça.

Comecei a andar. Foi só então que percebi que não tinha a mínima idéia de como chegar à mansão. Eu não tinha nada para me orientar. Eu simplesmente saí correndo para qualquer direção. Agora que eu pensava nisso, não me parecia uma atitude tão inteligente.

Suspirei e continuei andando, torcendo para que estivesse seguindo pelo caminho certo. Eu duvidava muito. Meu senso de direção nunca foi um dos melhores.

Olhei à minha volta. Não havia nada que eu pudesse utilizar como referencia. Tudo que eu via ao meu redor eram árvores e... verde.

Continuei caminhando, tentando seguir meus instintos. Eu sabia que nunca conseguiria chegar até a mansão. As árvores eram muito altas, não conseguia ver nada além da floresta.

Levaria horas até que eu conseguisse sair deste bosque. Mas eu estava cansada demais para continuar procurando a saída.

Senti uma tontura repentina. O brilho da floresta foi sumindo aos poucos, até que tudo ficou preto.

Tentei enxergar, mas era impossível. As cores e o brilho foram voltando aos poucos, até que tudo entrou em foco.

“Uma garotinha com cabelos pretos, longos e lisos corria ofegante por uma trilha que saía da floresta, sustentando seu longo vestido verde com as mãos. Folhas estalavam por onde passava. Ela lançou um olhar por sobre o ombro- que me permitiu ver seus lindos olhos esmeraldas e riu.”

“Houve um farfalhar suave nas árvores atrás dela. Ela aumentou a velocidade, ainda rindo.”

“Um garoto de cabelos loiros- prateados – que aparentava ter a mesma idade dela – saltou das árvores e correu em direção à ela, rindo suavemente.”

“Ele era muito rápido, e em instantes a havia alcançado. Os dois caíram, rindo”.

“O garoto olhou preocupado para a garota, e logo sua expressão ficou horrorizada.”

“A garota olhou para ele, depois para seu peito de onde saía uma flecha, e saiu correndo, enquanto o garoto ficava paralisado, sem conseguir se mexer pelo espanto”

“Sua expressão era um misto de espanto, horror e surpresa. Principalmente horror”.

E as cores foram voltando, eu já podia ver a floresta novamente. Mas o rosto horrorizado do garoto continuou em minha mente.

Eu ainda pensava nele quando perdi o equilíbrio, tropeçando em uma pedra. Eu pensava que era uma pedra.

Caí de costas no chão e permaneci deitada por alguns segundos.

Me levantei, procurando o objeto que provocara o tombo. Dei de cara com algo muito estranho.

O objeto parecia feito de madeira, estava meio enterrado, apenas com a ponta para fora.

Sem me importar com o quanto eu estragaria minhas unhas, comecei a cavar.

Contornei com as unhas as bordas do objeto. Era retangular.

Comecei a escavar lentamente nas laterais. Eu pensaria nas minhas unhas depois.

Minha nossa.O objeto aparentava ser profundo.

Com minhas mãos enfiadas no buraco que eu fizera ao redor da coisa,Retirei-a com a ponta das unhas, com muito cuidado. O objeto poderia ser delicado.

Consegui trazer o objeto para fora da terra. Coloquei-o a minha frente e o analisei-a

Aparentemente era uma caixa de madeira, com um cadeado bem antigo e enferrujado.

Bom, para abrir eu precisaria de algo pontudo... Agora eu realmente precisava voltar pra casa. Segurei a caixa contra o peito, ignorando o fato de ela estar completamente suja de terra.

Fechei os olhos, procurando me concentrar. Pensei em minha nova casa, na trilha que eu fiz para chegar onde eu estava... Em tudo.

Eu ainda estava com os olhos fechados enquanto meus pés se moviam para frente involuntariamente. Mas, de algum modo, eu parecia saber por onde ia. Como se eu vivesse neste bosque há anos.

E eu não me esforçava mais. Eu só deixei minha energia fluir.Eu me guiava por instinto, sentindo o cheiro da trilha, a sensação da terra úmida em contato com meus pés descalços...

Quando abri os olhos eu estava em frente à minha casa. Bastava atravessar a rua.

Uau. Eu estava em um tipo de transe.

Tudo bem, Rose, hora de voltar para a realidade.

Eu tinha algumas opções:

a)Entrar na mansão e fingir que nada tinha acontecido.

b)Encarar tia Elizabeth, que, apesar de não conhecê-la direito, estava certa que estaria muito irritada.

c)Não entrar na mansão.

Algo que eu percebi: Eu realmente precisava entrar na mansão. De preferencia sem ser notada. A única falha nisso era Charles, que ao me ver, me denunciaria.

Então, eu precisava entrar na mansão sem ser vista. Eu falaria com tia Elizabeth depois.

Não havia nenhuma chance de eu passar pela porta sem Charles perceber.

Repensei o que eu deveria fazer: De algum modo, entrar no meu quarto, para encontrar um modo de abrir a caixa.

Então, a inspiração me ocorreu. Com um sorriso, olhei para a torre.

Quem disse que para entrar em meu quarto eu tinha que entrar na mansão?