A estação de metrô estava lotada como todos os dias às seis da tarde. Pessoas se contorciam nos vagões dando inveja aos melhores contorcionistas de circo. Por sorte, Amber já tinha um lugar para sentar. Ela era uma garota comum, cabelos castanhos, nem pretos ou meio loiros, e pele cor de âmbar, porque também não era tão pálida nem tão negra como gostaria. Estava lendo seu pequeno livro chamado Ex-Monster. Ela o achou na biblioteca do colégio. Totalmente empoeirado, com as páginas amareladas e, esta era a parte mais intrigante, embaixo da estante de livros. Não dentro dela, como seria o convencional. Parecia o tipo de livro que dá vontade de ler porque estava escondido há tempos e a pessoa certa finalmente havia encontrado-o. Como se o fato de tê-lo achado a tornasse escolhida para algo a mais. Ela queria acreditar que era assim.

O alto-falante anunciou mais uma estação que abarrotaria o lugar com mais passageiros. Provavelmente estavam tentando bater o recorde de pessoas em um único vagão. Amber havia acabado de ler o prefácio e iria para a primeira página. Um homem chamado Jasper Gem estava dedicando o livro a sua família morta e avisava aos leitores sobre os experimentos diários que se seguiam nas próximas páginas. Aquela era a segunda edição. Era supostamente o diário de alguém, embora não estivesse com letra cursiva.

“30 de abril de 1897,

Estava tentando me tornar um monstro. Não porque todos temem os monstros, mas porque os monstros tem poder. Eu não quero que gritem e corram a minha presença, eu quero que contem histórias dos meus feitos e me respeitem. Talvez esse tipo de respeito tenha algo a ver com temor também e uma coisa não possa se separar da outra, dentro de um monstro.”

Uma mão coberta de pó e base se espichou entre as pessoas para interromper a leitura de Amber, tocando as letras com unhas pintadas de azul metálico. Amber emitiu um som surpreso, abafado pelas engrenagens da linha do metrô e sem que ela pudesse reagir o livro fora puxado das suas mãos. Foi algo tão curioso que não conseguiu registrar direito o que acabou de ver. Por um instante até acho que era uma mão sem corpo. Algumas linhas de costuras grossas pendiam do pulso daquela mão esquisita nos poucos segundos que ela conseguiu olhá-la.

Decidiu se levantar e correr atrás do que era seu. Três pessoas se jogaram sobre seu acento para disputá-lo. Conseguir sentar seria o menos relevante se eles tivessem visto o que ela viu. Mas não tinha como explicar para alguém que havia uma mão a solta por aí. Talvez ela mesma encontrasse essa mão solitária ou seus olhos precisassem de óculos e tudo que ela acharia seria alguém com unhas azuis metálicas e as duas mãos no lugar.

Ela se espremeu a esmo por dois vagões. A sua estação era a próxima, mas estava no meio do corredor abraçando sua mochila enquanto braços erguiam-se ao seu redor. Seus olhos tentavam ver além deles. Foi quando ela percebeu um rastro de pó branco nos apoios metálicos que as pessoas seguravam. Seus olhos caíram sobre a mão que lhe roubara. Agora parecia bem amarrada a um corpo e não estava tão coberta de maquiagem assim. Na verdade, sem aquele pó todo, parecia até meio verde menta.

-Ei, você!

Era uma garota provavelmente da sua idade. Longos cabelos loiros, óculos escuros e roupas de manga longa bastante discreta. A estranha simplesmente a ignorou. Vai ver sua voz estivesse abafada pelo som dos trilhos do metrô.

-Eu disse...ei!

Amber chamou novamente, tentando tocar o ombro da desconhecida. Seu toque fez o cabelo dela pender para o lado. Muito estranho. Amber a puxou pelo ombro com mais força e o cabelo desceu quase de vez. Era uma peruca loira, na verdade. Só podia ser. Ninguém mais teria o cabelo sedoso daquele jeito se não estivesse em um comercial de xampu ou o cabelo fosse de mentira.

A garota se voltou para ela com um ar desconcertado e tentou soltar sua mão do apoio metálico para reorganizar sua peruca. Mas a mão ficou lá, pendendo debilmente sobre a cabeça dela como se tivesse vida própria. Com um pulo naquele espaço apertado, ela tentou com pressa reencaixar o pulso ao braço para, finalmente, colocar a peruca no lugar. Ia precisar de mais força na peruca da próxima vez. A estranha não podia usar sua outra mão porque esta segurava fortemente o livro de Amber.

-Esse livro...ele é meu. Pode me devolver?

-Não sei do que você está falando. – respondeu com um sorriso nervoso. Ela logo tratou de descer naquela estação, empurrando Amber do seu caminho.

-Não! Você sabe sim! Ei! –Amber pensou em puxar o cabelo dela novamente e jogar sua peruca longe. Vai ver assim ela parasse de se fazer de desentendida. O problema é que lhe faltava coragem para fazer isso a alguém que podia se desmembrar tão fácil, tinha a pele esverdeada e por algum motivo usava peruca e disfarce. Era praticamente um monstro. O que mais um monstro pode fazer com pessoas normais? Não era hoje que Amber queria descobrir.

A garota atravessou a porta automática do vagão e partiu sem olhar para trás. Enquanto Amber se remoia por dentro por ser tão impressionável e medrosa.

-Essa não era a sua estação? – alguém cochichou bem atrás dela. Agora tinha um novo motivo para se remoer. Haviam notado aquele espalhafato todo.

-Ahn? Era sim! – ela levou a mão até a testa e bateu com força. A estranha desceu na estação dela e ela simplesmente deixou passar. – Você viu o que ela fez? – finalmente tinha alguém para desabafar.

Era um garoto alto, pele avermelhada pelo sol, pequenos cachos negros no cabelo curto e olhos castanhos bem brilhantes. Seu nome era Peter e ele estava no clube de história do colégio. Desde quando se conheceram, Amber sabia que ele era o tipo de rapaz confiável a quem se podia pedir ajuda, mesmo se ele fosse um completo estranho.

-Só vi a Stein descer. O que ela fez? – ele sorriu.

-Stein? Esse é o nome dela? Ela pegou meu livro. Aliás, o livro nem é meu...Vou ter que pagar a biblioteca do colégio por isso.

-É, o livro nem é seu. – o garoto começou a se mover em direção à porta. – Mas acho que você deveria ir atrás dela, Amber. Não é justo.

-Mesmo? – Amber suspirou. – Procurar uma garota que me roubou? Talvez eu só devesse contar para alguém do...

-E você não vai atrás dela? – Peter a olhou, desconfortável com a falta de coragem.

-Por que eu iria?

O garoto não disse nada. Ele só queria um sim como resposta.

-Certo...vamos admitir que precisamos ir atrás dela porque além de tudo ela deve ter algum problema tipo cleptomania...

-Verde. – ele já parecia impaciente.

-Como?

-O problema dela talvez seja ser verde.

-Pois é, não? Nunca vi alguém enjoar por andar de metrô mas...lá estava ela! Meio verde mesmo. – a verdade era que Amber era medrosa demais.

O garoto balançou a cabeça em desaprovação.

-Quer saber, Peter? Por que você não vai atrás dela? Eu estaria bem atrás de você! – Amber irritou-se, afinal, ela era a vítima de roubo e ele não estava ajudando-a muito a se acalmar.

-Por que não admite para você mesma o que viu?

Ele segurou o pulso de Amber firme, sua expressão de segurança deu lugar a um desalento profundo. Ele não pertencia àquele mundo, àquele cenário comum de pessoas banais se comprimindo todos os dias nas ruas. Ele era de fora e naquele instante os dois estavam saindo pela porta do vagão para o mundo dele.

-Ela é um monstro, Amber.

Amber tentou se desvencilhar daquele garoto estranho. Peter não tinha permissão para segurar seu pulso daquela maneira.

-E você sabe que eu também sou um. Agora, você pode me respeitar e ir atrás da Stein ou posso te provar que tipo de monstro eu sou. Você vai ter muito mais medo do que tem agora.

Amber acompanhou os passos dele. Estava tão assustada que tudo o que conseguia ter em mente era o nome de Jasper Gem e como tudo o que o garoto acabou de dizer encaixava perfeitamente na primeira página do diário que lhe fora roubado.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.