Nos Olhos

No profundo abismo

Está a reflexão do aprisionamento

Lá aparece a verdadeira face

Escondida no escuro

Refletida em meia lágrima

Escorrendo de meus olhos

Estou preso nela

Aprisionado em recinto cristalino

De peso infinito

Em cada gota espalhada pelo chão

Mil vezes a dor despejada

Pelo coração em pranto.

(Dalua - O Poeta Sombrio)

***

Ele se desvencilha dos meus braços e se vira de frente para mim. Quase não acreditei no que vi. Não era Mycroft. Aqueles grandes olhos negros e assustadores eram inconfundíveis.

–M-Moriarty...? - eu disse me afastando.

Ele sorriu para mim.

– Sentiu minha falta?

Eu não respondi, estanquei no lugar em que estava, paralisada de surpresa. Ele deu um passo na minha direção para poder tocar meu rosto.

– Você se arranhou. – ele disse passando os longos dedos suavemente por meu rosto. – Sinto muito por ter te assustado com toda aquela cena e o caixão. – Ele não estava nem um pouco arrependido, o canto de sua boca levantou, dando a perceber um quase sorriso. Pude ver certo brilho nos olhos dele, ao tentar me imaginar acordando assustada. Ele piscou algumas vezes e o brilho desapareceu. – Mas eu gosto de um pouco de drama e terror... – ele tira a mão do meu rosto quase que brutamente e vira de costas com as mãos juntas para trás.

– Porque me trouxe aqui? – eu consegui dizer depois de ensaiar mentalmente algumas vezes para não gaguejar ou expressar medo, o que eu sentia muito, mas não queria que ele soubesse. Eu ainda estava um pouco chocada, mas não iria dar esse gosto á ele.

– Porque eu sou apaixonado por contos de fadas! Não é óbvio? - ele se vira novamente e me encara com aqueles grandes olhos assustadores. - Olhe este castelo, é magnífico! Estamos em uma caça ao tesouro, mas não somos amadores. Um Grande Jogo precisa de um grande prêmio. Então eu não posso escondê-la em um lugar qualquer. Um grande tesouro precisa ser zelado, guardado em uma fortaleza. E por falar nisso, suponho que tenha ficado exausta com a escadaria.

– É... Realmente, aqui é muito alto. – eu engoli seco. O pavor me dominava, ele é Moriarty, pode fazer qualquer coisa para conseguir o que quer. Até... Até me torturar... Não sei se prefiro continuar viva á ter que ficar com ele até Sherlock me achar. Se é que ele vai vir, porque eu não me considero importante o suficiente para ele, mas talvez ele venha por causa do jogo. Sherlock nunca deixava um jogo de Moriarty passar.

– Gostou do seu presente de aniversário? – ele pergunta sorrindo.

Por um momento passou por minha cabeça perguntar como ele sabia que hoje é meu aniversário, mas ele sempre sabe de tudo, então empurrei essa pergunta para longe da minha mente. Decidi não dizer nada. Claro que o castelo é lindo e assustadoramente romântico, se fosse Mycroft eu adoraria, porque eu o considero como um irmão praticamente, mas com quem e os motivos de eu estar ali, me assustavam. Aquilo estava errado. Pode até não parecer, mas eu tinha sido praticamente sequestrada e agora estava presa em um castelo. Tentei não pensar em como isso me lembrava da história de Hades e Perséfone, de qualquer forma, no final a garota se apaixonada pelo vilão, o que não é e nunca vai ser o meu caso. Eu tenho repulsa de Moriarty.

– Bom, pelo menos, você fica bem em vestidos medievais... Como uma princesa. Espero que tenha gostado do vestido preto, eu mesmo escolhi, mas infelizmente não fui eu quem te vestiu. – só de pensar nele me tocando, meu estômago já embrulhava.

No momento em que ele disse isso eu me lembrei das últimas palavras que ouvi ante de desmaiar na frente do Barts. Durma princesa.... Foi ele. Agora isso estava claro para mim. De repente uma ideia veio á minha mente.

– Tom trabalha para você? – eu pergunto desejando estar errada.

– Tom? É claro que não! Você acha que eu contrataria alguém tão estupidamente burro para fazer um serviço profissional?! – Me assustei quando ele gritou. O som da sua voz ecoou, pelo pátio que ficava um pouco depois do jardim de neve, fazendo um arrepio percorrer por minha espinha. Seu hálito soprou em meu rosto, fazendo alguns fios do meu cabelo balançarem. Ele tinha um hálito bom de mel. Fiquei zonza por alguns segundos, mas quando me lembrei do que ele tinha chamado Tom, senti uma pontada de raiva. Antes de tudo ele é meu amigo. Moriarty continuou falando. – Não consigo acreditar que um dia esteve noiva dele. – ele riu sarcasticamente. Fiquei tão furiosa que nem pensei antes de dar um tapa em seu rosto. Arrependi-me no segundo depois quando vi a fúria em seu olhar.

– Vá para o seu quarto agora. – ele disse estranhamente calmo, com a mão no rosto do mesmo lado em que eu bati.

– Você ainda não me disse como Tom esteve envolvido em tudo isso. – eu tentei ainda manter meu orgulho, mas minha voz expressou mais medo do que eu realmente sentia. Ele não me respondeu.

– Vá para o seu quarto. Agora!

Ele gritou tão mais alto desta vez que eu não pude conter um susto! Tentei sair correndo, indo em direção á entrada dos fundos do castelo, mas me esqueci de que estava usando um vestido longo e tropecei na barra dele, caindo na neve congelante. Levantei-me rapidamente. Eu já estava cheia daquele vestido e num momento de raiva levantei-o até a metade das minhas coxas e corri o mais rápido que eu pude.

Cheguei ao meu quarto, cansada e suando muito, por causa das escadas que tive que subir no caminho. Meu coração batia tão forte e rápido que considerei a ideia de que ele poderia sair do meu peito, estava batendo assim tanto por causa da corrida quanto pelo medo que ainda sentia. Fichei a porta com tudo, girando a chave até não poder mais. Tirei aquele vestido abruptamente, rasgando-o em algumas partes. O castelo era quente, então não senti frio ao ficar somente de roupas íntimas. Joguei-me na grande cama e comecei a chorar sem parar, tanto que cheguei a soluçar. Eu queria muito que Sherlock viesse e me tirasse daquele lugar o mais rápido possível. Mas... E se ele não viesse? E se Moriarty conseguir matá-lo desta vez? Eu iria ficar ali para sempre? Ou pelo menos pelo rosto da minha vida. Eu não tinha dúvidas de que uma hora ele me mataria. Disso eu não tinha medo. A única coisa que eu ainda tinha receio era do que ele poderia fazer comigo antes de me matar. Torturar-me-ia muito, talvez... Não! Eu não podia deixá-lo fazer isso comigo! Eu tinha que...

– Eu tenho que sair daqui.

***

–John

Chegamos ao cemitério de Kensal Green, um dos mais antigos dos sete cemitérios. Ele tinha mesmo uma aparência bem antiga. Mesmo do lado de fora do portão podia se ver as estátuas de anjos e algumas sepulturas maiores, além de várias cruzes espalhadas pelo chão, de pedras já desgastadas por causa do tempo, quase tampadas pela grossa camada de neve que cobria toda a superfície. Na entrada percebemos que o caminho se divida em dois. Fiquei e dúvida de qual caminho tomar, mas Sherlock rapidamente descobriu a direção.

– O caminho da esquerda leva aos túmulos de turcos, judeus, infiéis e hereges de 1800 e os da direita às sepulturas consagradas. Já que estamos procurando o túmulo de uma princesa, qual dos caminhos devemos tomar, John? - ele perguntou para mim com as mãos para trás como se fosse um professor explicando história para o aluno. Percebi que ele estava inquieto e já sabia qual caminho ir, mas ainda esperava minha resposta.

– Direita.

Sherlock e eu seguimos o caminho da direita, procurando o túmulo da tal princesa Sofia. Eu estava calmo como sempre, mesmo estando em um jogo de Moriarty. Aprendi que não devemos ficar apavorados quando estivermos em guerra, pois isso atrapalhava a concentração, mas Sherlock estava muito agitado, passando os olhos rapidamente por todo o lugar á procura do maldito nome.

Quando finalmente achou a sepultura, encontramos uma flor em cima de seu túmulo. Uma flor azul, com pétalas de mais pareciam espinhos. Eu já tinha visto aquela flor em algum lugar, mas não conseguia me lembrar, precisamente onde. Assim que Sherlock viu a flor, engoliu seco. Pegou-a como se fosse à coisa mais frágil do mundo. Não entendi qual era a da flor. Era só uma flor. De repente Sherlock colocou a pequena flor no chão com delicadeza e começou a empurrar a tampa da sepultura de Sofia.

– Sherlock, o que está fazendo?! Isso é ilegal!

– Já fizemos coisas piores John! – ele dizia com esforço, tentando empurrar a pesada tampa de pedra. Pensei durante alguns segundos, mas desisti e o ajudei a empurrar a tampa.

Dei graças á Deus, por estarmos no inverno. Assim que a tampa caiu no chão, eu já esperava de olhos fechados, o som estrondoso, mas me lembrei da neve que abafaria o som. Assim ninguém ouviria algo que não deveria ouvir em um cemitério. Sons de tampas de pedra caindo. Assustador.

Dentro da sepultura, ainda havia os ossos da princesa e no meio das costelas dela tinha um papel dobrado, branco e limpo. Provavelmente teriam o posto ali esses dias. Sherlock enfiou seus longos dedos entre os ossos da costela e pegou o papel. Desdobrou-o e leu.

– Dois. – ele leu e passou para mim.

– Sherlock, o que isso tem a ver com a flor azul?

– A flor, John... É da Molly. Estava no apartamento dela. Você vê, mas não observa. Estamos no solstício de inverno! É lógico que ele não saiu colhendo por aí, então pegou de alguém. E esse alguém, é Molly! Você consegue ver alguma flor por aqui?!

– Não. – eu disse. Ele estava um pouco estressado de mais. – Mas mesmo se não estivéssemos no inverno, flores deste tipo não estariam aqui. Eu já as vi antes, em outro cemitério, quando eu era criança, mas não nesse. Eu sempre morei em Londres, mas nunca tinha vindo aqui.

Por um momento, eu pude ver certo brilho nos olhos de Sherlock. Um brilho que aparece sempre quando ele tem alguma ideia.

– Isso! John, você é brilhante! – Tudo bem, eu posso ter me sentido quando ele disse isso. Sherlock quase nunca me elogiava. – O número dois, não quer dizer dois exatamente.

– Espera, deixa-me ver se entendi. Então quer dizer que esse número não quer dizer dois, mas sim... Segundo...?

– Isso mesmo. Segundo.

– Segundo de que?

– A pergunta, John, não seria segundo de quê, mas segundo de qual. Moriarty quer nos levar de volta para o passado, e segui-lo cronologicamente. Ele quer que seguemos na ordem do mais antigo cemitério para o menos antigo.

– Então, se Kensal Green foi incorporado em 1832, então o próximo seria...? – dei a deixa para ele continuar. Nunca fui bom em história e ele sabe disso. Sherlock rolou os olhos.

– Os sete Magníficos foram construídos entre 1832 e 1841, então o próximo seria o cemitério de West Norwood, construído em 1837.

– Mas ele foi praticamente destruído durante a Segunda Guerra Mundial. – de guerras eu sabia.

– Sim, mas ainda existem as ruínas e Moriarty deve ter nos deixado alguma pista lá. – ele voltou a segurar a pequena flor entre os dedos e a observou. – Essas flores devem crescer lá, claro que não agora no inverno, mas na primavera sim. – eu nuca tinha visto Sherlock tão carinhoso com uma flor.

Eu assenti com a cabeça e em seguida fomos embora do cemitério, parando na frente dele enquanto Sherlock chamava um táxi. Assim que entramos no carro, percebi que Sherlock admirava quieto a flor.

– Porque gosta tanto desta flor? – eu perguntei, tirando-o de seus devaneios.

– Hoje é aniversário da Molly. – ele disse ignorando a minha pergunta. – Eu devia dar um presente á ela, não? – ele olha para mim.

– Assim que a acharmos. – eu digo e ele volta a observar a flor, como se lembrasse de algo importante.

Seguimos e silêncio no carro, enquanto chegávamos ao outro cemitério. Não sei se foi impressão minha, mas eu podia jurar que ouvi Sherlock dizer Vou matá-lo, e esse será seu presente, Molly com a mão livre fechada em um punho.