Chuva de Novembro

Quando olho nos seus olhos
Posso ver um amor reprimido
Mas, querida, quando te abraço
Você não sabe que sinto o mesmo?

Porque nada dura para sempre
E nós dois sabemos que corações podem mudar
E é difícil segurar uma vela
Na fria chuva de novembro

***

E quando seus medos se acalmarem
E as sombras ainda permanecerem
Oh, sim
Sei que você pode me amar
Quando não houver mais ninguém para culpar
Então não se preocupe com a escuridão
Ainda podemos encontrar um jeito
Porque nada dura para sempre
Nem mesmo a fria chuva de novembro.

(Guns N' Roses)

***

Relembrando o capítulo anterior...

Meu sorriso se desfez no momento em que eu os vi. Eu não queria acreditar no que via.

– Quem está na porta Molly?! – Ouço minha mãe gritando da cozinha. Eu não os respondo.

– Oh, esperamos não estar incomodando, já que está tão cedo. – a mulher diz meio envergonhada.

– Onde está sua mãe, garotinha? – diz o homem tentando ser gentil.

Eu não os respondi, somente andei até a cozinha, onde minha mãe estava, os deixando na porta.

– Quem é? – minha mãe pergunta novamente.

– São... São os Holmes. Os pais de Sherlock e Mycroft. Eles chegaram de viagem...

– Mas já? Parece que foi ontem que eles foram viajar e deixaram os garotos aqui! O tempo passa tão rápido né? – ela disse enquanto se levantava e ia em direção á sala, os convidar para entrar. Era para eu ter feito isso, mas fiquei tão chocada quando os vi que esqueci os bons modos.

Continuei lá, paralisada, no meio da cozinha, tentando colocar meus pensamentos em ordem.

O tempo passou rápido mesmo, mas não deveria ter passado em um piscar de olhos. Havia se passado meses... Desde quando o tempo passa tão rápido para mim? Eu me lembro de quando eu era criança, que o tempo parecia não passar, levava uma eternidade para se passarem os segundos. Eu não sabia se era porque eu sempre ficava sozinha por não ter amigos, ou se era porque eu estava enfrentando a perda de um ente muito querido na minha vida, mas o tempo não passava...

E agora, agora que eu queria que o tempo congelasse, ele corria desenfreadamente. Eu estava tão envolvida em meus pensamentos que quando olhei para o relógio que estava na parede levei um susto! Eu estava lá, parada no meio da cozinha, há uns cinco minutos, o tempo passava mais rápido do que eu imaginava!

Oh, tudo bem, eles são meus vizinhos, eu posso ir visitá-los quando quiser. E ainda tem a escola, eu posso ver Sherlock na escola.

Eu estava andando em direção á sala para cumprimenta-los devidamente, mas paro no meio do caminho antes de entrar na sala, quando escuto a conversa.

– Mas vocês acabaram de chegar! – dizia a minha mãe indignada.

– Desculpe, mas é melhor morarmos perto de onde trabalhamos, e não podíamos deixa-los aqui. – disse a Sra Holmes.

–Tudo bem, mas não querem ficar por pelo menos mais algumas semanas?

– Não podemos, já compramos as passagens, sinto muito. – dessa vez o homem falou.

– Nós somos infinitamente gratos por você ter nos ajudado e cuidado dos nossos filhos. Eles deram muito trabalho? – pergunta a mulher.

– Não, eles não deram trabalho nenhum, são muito quietos, além do normal. Eles são assim mesmo?

– São. – disseram os Holmes em um coro, depois riram.

–E onde eles estão? – pergunta a mulher novamente.

–Estão dormindo ainda.

– Oh, é mesmo, chegamos muito cedo.

–Ah, mas eu tenho um passa tempo para vocês até eles acordarem. – disse minha mãe andando em direção á estante e pegando o que parecia ser um álbum de fotos.

Eu estava meio escondida atrás da parede, mas pude ver com dificuldade que eram as fotos que ela e o papai tinham tirado ontem, antes de Sherlock e eu irmos ao baile.

– Não acredito que esse é meu William! – disse a mãe de Sherlock parecendo animada e orgulhosa ao mesmo tempo.

Depois de escutar coisas como “Oh, mas ele estava tão lindo!” e “ Porque ele sempre sai sério nas fotos? Molly estava tão radiante em seu vestido...”, vindas dos Holmes, eu não aquentei mais o peso do meu corpo e agachei encostada na parede. Meu estômago embrulhava. Ele vai embora.

Levo minha mão direita ao meu peito e sinto o meu coração. Ele bate tão rápido e forte que chega a doer. Deve ser essa a sensação de perda. E dói tanto...

Depois de alguns instantes, me levanto e subo as escadas em direção ao meu quarto sem que percebam. E nem perceberam mesmo, estavam ocupados vendo as fotos e rindo que nem ouviram o barulho dos meus passos ao subir as escadas de madeira.

Tranquei-me no meu quarto e fiquei por lá por tanto tempo que não sei precisar muito bem, mas eu fiquei tempo o suficiente para que me estômago roncasse de fome. Eu queria comer, mas não queria descer.

Será que se eu descer, ainda verei Sherlock? Ou ele já foi embora?

–Molly?

Alguém bate na minha porta, e pela voz grave, percebo que é Sherlock, respondendo aos meus pensamentos. Ele ainda está aqui.

Eu corro em direção á maçaneta da porta e a abro.

– Você não vai almoç-

Não o deixo terminar sua frase e o abraço envolvendo meus braços ao redor de sua cintura o mais forte que eu consigo. O abraço com tanta força que quase não sinto mais os meus braços. Talvez eu esteja machucando ele, mas eu não ligo muito para isso. Eu estava com medo. Como se ele fosse escorregar dos meus braços e sumir para sempre.

– Molly, eu não vou desaparecer. – será que ele consegue ler mentes?

– Mas... Você vai embora.

–Não é para sempre.

–Mas...

– Nada de “mas”. Agora vamos almoçar, dá para ouvir daqui o seu estômago roncar.

Eu o solto, ele entrelaça seus dedos nos meus e descemos para a cozinha. É tão bom segurar na mão dele... Vou sentir falta disso.

Todos nos olham quando entramos na cozinha. Não... Eu acho que eles estavam olhando para nossas mãos juntas. Soltamo-nos e sentamos à mesa.

***

Os Holmes já tinham ido para sua casa quando a noite caiu. Eu estava no portão em frente á minha casa apenas com Sherlock. Nós estávamos nos despedindo.

– Então... Quando vocês vão?

– Amanhã. – talvez eu não tenha demonstrado, mas isso me chocou.

–...

Ele aproxima seu rosto do meu quando eu me calo e me beija. Um beijo de despedida. Nosso último beijo. Tão terno, tão intenso. Eu não queria me afastar, mas era preciso. Afastamo-nos com relutância.

– Amanhã, antes de partir, eu venho te ver mais uma última vez.

Eu não sabia o que dizer então apenas assenti. Aquela noite estava errada. Como o céu podia estar tão estrelado e com a lua tão próxima reluzindo em prata no meio da escuridão, enquanto eu perco alguém?

Estou perdendo. Perdendo tudo. A vida é jogo e eu estou perdendo. De novo, a cada fase da minha vida eu perco alguém. Parece uma maldição! Uma maldição que me rodeia, ou pode ser apenas o destino, tirando tudo o que eu tenho. Tirando tudo o que me faz feliz.

Primeiro, o meu “suposto” irmão. Era para a mamãe ter ganhado um bebê e ele iria ficar no quarto em que Sherlock ficou, mas ela o perdeu e eu também o perdi. Todos perderam. Depois o vovô... Não gosto nem de lembrar. E agora... Sherlock. O meu primeiro amigo. Meu primeiro amor.

Essa noite eu sonhei com ele. Sonhei que ele desaparecia na escuridão na noite. A noite estava linda e quando ele se foi, tudo mudou. Começou a chover e a lua foi perdendo o seu brilho, as estrelas foram se apagando até sumirem totalmente, junto com ele.

Então é assim que o meu mundo vai ficar quando ele se for. E o pior disso tudo é que eu não posso impedir. Não posso fazer nada.

Talvez seja melhor eu não ir vê-lo amanhã, porque isso quebraria o meu coração em milhões de pedacinhos brilhando como estrelas, gritando, me iluminando como Vênus, ou quebraria e milhões de pedacinhos do tamanho de sementes. Sementes que nunca vingarão, pois não haverá terra fértil, não haverá sol, não haverá nada que possa dar chance da vida vingar. Sherlock levará tudo com ele e então só me sobrará a chuva. A fria chuva de novembro.