— A caneta funcionou.

Merida, Soluço e Jack não duraram tão quanto esperavam na madrugada. Dormiram logo em seguida (não que não tenham se esforçado para se manterem acordados) que descobriram que a planta fazia parte daquele todo. No dia seguinte estava calor (e ninguém imaginava que mais tarde choveria) e imprevistos vieram. E um minuto, marcaram com Violeta, Wilbur e Rapunzel de se encontraram na praça dos Caçadores para verem juntos o mapa e conversar, no outro, receberam a notícia que as aulas voltariam ainda naquela manhã. Questionamentos surgiram, mas ninguém disse nada. O combinado mudou e todos se encontraram depois da aula no jardim do prédio. As pessoas pareciam agir como se nada tivesse acontecido. Garotas, como Jude Wapasha, andavam e rebolavam fofocando com seus grupinhos pré-adolescentes. Os jogadores corriam com suas bolas e estragavam o gramado com suas chuteiras imundas e corpos pesados. Mike Butcher, Kalel Everdeen, Roy Lawrence e Mika Marsh, o grupo dos babacas, piscavam para as meninas mais novas e, como Mike Butcher (o babaca maior!) havia ensinado a eles, erguiam as saias das meninas mais velhas para dar uma olhadinha na calcinha do dia e naquilo lá. Para eles valia a pena quando o troco era só um soquinho ou um tapa no braço de um bando de menininha fracote. O que atrapalhava (fodia por completo) era quando a pirralha ia na diretoria (mas só quando a diretoria realmente acreditava na história idiota dela).

— Há algumas coisas escritas em inglês, mas o resto é em alemão — disse Merida.

Os seis entraram no prédio. Assim como o jardim, os corredores estavam cheios e poluídos de gritaria, cheiro de suor e falação espontânea. Eles ouviram risadas e viram Mike Buthcer, Mika Marsh e Roy Lawrence por ali. Os olhos de Mike brilhavam. Ele olhou para Merida, encheu apenas um dos lados de suas bochechas de ar e fez com a mão um sutil movimento de vai e vem. Piscou e mandou um beijinho, passando a mão entre as calças. Jack mostrou o dedo do meio para Butcher, que fechou o sorriso e saiu dali com os babacas.

— A janela foi concertada. Eu vi quando cheguei — disse Violeta — Não vamos poder mais entrar por lá para ver o que está escrito nas paredes.

— Podemos tentar entrar pela porta.

— Existe realmente um tesouro? — perguntou Wilbur.

— Parece que sim — Soluço retrucou — Não sabemos o que, por quê ou até exatamente aonde, mas parece que sim.

Alguém passou empurrando Jack. Era Jude Wapasha.

— Nós podemos alugar um dicionário alemão na biblioteca — Rapunzel sugeriu, prendendo os cabelos louros num coque — Pelo menos podíamos tentar traduzir o que está no mapa até acharmos uma forma de entrar na sala de novo.

Os corredores começaram a esvaziar. As vozes que antes se atravessavam e tombavam uma nas outras, agora ecoavam e tinham espaço de sobra. Ali mesmo foi decidido que Soluço e Rapunzel buscariam o dicionário. Na ordem, eles foram os primeiros a irem embora, seguido de Wilbur e Violeta. Os corredores já encontravam parcialmente vazios, no auto falante tocava a música tema do time de rúgbi do colégio. Merida guardou seus livros no armário e Jack foi ao banheiro e disse que voltaria logo.

Mas ela não esperou.

(ele vai entender, tem que entender, se quiser pode me encontrar, não vou espera ninguém mijar não)

Merida andou apressadamente pelo corredor e subiu as escadas de dois em dois degraus até chegar a sala de seu professor. Quando tentou abrir a porta, estava trancada.

— Senhorita Dunbroch — Merida sentiu uma mão puxar seu ombro. A imagem velha e esbelta de sua professora de artes tomou sua sombra — posso ajudá-la? Perdeu alguma coisa?

— Não, senhora — ela sibilou e afastou um passo — Não perdi nada. Só queria dar uma olhada para dar um relato ao detetive Campbell.

A expressão da senhora professora era fria. Seus olhos estavam desgostados e suas rugas começavam a saltar do rosto.

— Você não mente bem — Odete disse com desdém — O detetive veio mais cedo e recolheu todos os dados que precisava. Agora, se me der licença, as aulas acabaram e esta sala permanecerá trancada até que outro professor substitua. Isto não é da sua conta ou de qualquer outro aluno.

— Trabalho com David.

— E eu não ligo, senhorita. O que todos aqui precisam é seguir em frente, não questione. Agora, ande.

A senhora balançou as mãos como se estivesse tentando assustar um bicho. Merida a encarou e despediu-se, caminhando lentamente e logo descendo as escadas, aonde deu de cara com Mike Butcher. Ele passou as mãos pelo cabelo oleoso, puxando-o pra trás, e aproximou-se de Merida.

— E aí, gracinha? — Butcher disse enquanto seus amigos olhavam encostados no corrimão da escada. Seu hálito era de salsicha em conserva — Quanto que eu tenho que pagar pra uma lambidinha? Dez centavos?

— Vai à merda, Butcher — Merida retrucou, cuspindo no nariz de Mike e dando-o uma cotovelada na costela.

Enquanto Merida aproveitava a chance e descia apressadamente os degraus, os olhos de Mike ardiam de raiva — Sua otário filha da puta! — ele rugiu.

Logo a garota já estava com Jack novamente.

— Eles trancaram. A professora de artes me viu. Disse que logo outro professor ocuparia a sala.

— Você realmente não sabe esperar, não é mesmo? Eu podia ter ajudado.

— Isso não importa agora. Precisamos tentar ir na casa dele. Talvez tenha alguma coisa lá.

— Então nós vamos.

xxx

As casas da cidade de Frost Ville têm praticamente o mesmo aspecto. A maioria fora reconstruída nos anos 50 com aparência colorida e antiga, o que dificultava um pouco a identificação de cada casinha e foi por isso que Jack e Merida procuraram o endereço da casa de John Brown na lista telefônica antes de irem visitá-la. No fim, era uma casa de esquina no encontro da rua Ollgra com a rua Unya. Já de pé na pequena varanda em frente a porta, Merida começou a procurar o molho de chaves que havia encontrado na sala de seu professor na noite anterior. As chaves tilintavam em suas mãos durante a procura até que Jack abafou o som com a mão direita e erguei o dedo indicador até os lábios em pedido de silêncio. Quando o som havia desacostumado de seus ouvidos, conseguiram ouvir barulho de pratos vindo de dentro da casa. Uma luz de dentro estava acesa (e eles se perguntaram a quanto tempo desde que chegaram).

Merida bateu na porta. Demorou e uma senhora abriu.

— Sim? No que posso ajudar?

Jack encarou Merida, confuso.

— Desculpe — disse ele — Acho que erramos de casa.

— Estamos procurando a casa de John Brown. Ele era

— Meu filho, sim — a senhora Brown abriu a porta — Devem ser alunos dele, não é? São? Ah, claro. Podem entrar, por favor.

A casa tinha cheiro de baunilha e anelina. A senhora dirigiu-se para a cozinha cantarolando após guiar Jack e Merida até a sala. Eles sentaram e a senhora Brown voltou com uma bandeja de chá e biscoitos.

— Não se incomodem, está bem? Eu ia tomar chá bem antes de vocês chegarem. Por favor, fiquem a vontade. É chá de cidreira. Gosto de companhias! Tem biscoitos. Fui eu mesma que fiz, viu? Já fui confeiteira.

Merida sorriu e pegou uma xícara. Jack, um biscoito.

— Gostávamos muito dele — disse Merida — Eu sinto muito mesmo. Sei que é um momento delicado, mas podemos fazer algumas perguntas?

A senhora Brown levou a xícara até os lábios e assoprou dentro dela.

— Sem problemas.

Merida bebeu do chá e deixou a xícara em cima da mesinha de vidro no centro da sala.

— John tinha segredos?

A senhora sorriu.

— Todos temos segredos, minha querida.

— Desculpe. Eu quis dizer... segredos que possa levar a morte dele. Foi assassinato, todos nós sabemos. Alguém procurava algo na sala de John. Parecia algo sigiloso. A senhora sabe de alguma coisa assim?

Leide Brown colocou a xícara de volta no pírex e olhou para Merida.

— John era arqueólogo quando mais novo. Não professor. Ele viajava, era convidada a fazer expedições. Escavava lugares, fazia coisas importantes. Já encontrou milhares de coisas, até livros de milhares de anos. Diga-me, com base nisto, John tinha segredos? Quais tipos? Preciso mesmo dizer? John era um homem de negócios inacabáveis, claro que tinha segredos. Ele desvendava os próprios segredos. Segredos que antes de serem dele, já pertenceram a um faraó ou a um diplomata. Mas eu não me intrometo. Pelo menos depois de um tempo, quando ele começou a ficar obcecado. Decidi que seria problema dele, não meu. Criança, para mim John ser assassinado não é uma das maiores surpresas.

Leide voltou a xícara aos lábios e deu um só gole.

— Nós poderíamos ver o quarto dele?

— Fique à vontade.