As luzes brilhantes do ginásio ofuscavam a escuridão da noite daquele maio de 1986, mas não eram mais brilhantes do que a rainha do baile de formatura; Chrissy Cunningham.

A garota havia ganhado a competição por votos unânimes, algo que não era necessariamente uma surpresa para aqueles que a conheciam e estudavam em Hawkins High.

Seu sorriso era estonteante e o brilho de seus olhos competiam com o brilho do globo espelhado que pendia no teto enquanto uma coroa prateada era colocada em sua cabeça e um buquê de lírios rosa era entregue a si. Logo após o tradicional discurso, a garota aceitou o convite de Jason, seu namorado, para dançarem uma valsa que havia começado a tocar.

Quem os visse imaginaria que eram o casal perfeito! O capitão do time de basquete e a capitã das líderes de torcida... praticamente a realeza da escola! No entanto, aqueles que os conheciam bem, sabiam que havia rachaduras na relação há tempos. Ainda que Chrissy tentasse manter o sorriso e o olhar brilhante, ela não conseguia se sentir bem na presença do rapaz e consequentemente se deixar levar pelo ritmo da dança.

—Dança direito, Chrissy! -Jason a repreendeu em sussurros- Se não as pessoas vão começar a falar...

A garota engoliu em seco

—Desculpa. É que eu não estou me sentindo bem... preciso de um ar! -sussurrou uma justificativa, fazendo com que seu acompanhante revirasse os olhos.

—Tudo bem, só deixa a música terminar, pode ser? -disse, impaciente.

Chrissy apenas assentiu.

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Ao final da dança, Chrissy levantou alguns centímetros do vestido azul enquanto se dirigia correndo até o campo de futebol da escola. Sentia seu coração acelerado, mãos trêmulas e uma enorme vontade de continuar correndo.

Cansada, se sentou em um banco da arquibancada enquanto pensava e repensava sua vida até o momento presente. Tirou a coroa de sua cabeça e com ela em mãos, começou a chorar.

O ensino médio havia chegado ao fim, mas será que finalmente poderia se libertar?

Essa e outras perguntas deixavam a mente de Chrissy uma confusão, uma confusão da qual ela não sabia lidar.

Sentiu alguém se aproximando, limpou as lágrimas com o dorso da mão direita e recolocou a coroa em sua cabeça, se preparando para voltar a sorrir e fingir estar admirando a noite. Não importava quem fosse, quem a visse ali deveria acreditar que estava tudo bem.

—Chrissy? O que você está fazendo aqui? A rainha do baile não deveria estar lá dentro?

A garota virou o rosto para encarar a pessoa que a havia lhe dirigido a palavra; era Eddie Munson, o maluco da escola. Todos o temiam, e durante um bom tempo, ela também.

—O que você está fazendo aqui? -respondeu, lhe devolvendo a pergunta- Você não tinha deixado claro no último dia de aula que não viria ao baile?

Eddie sorriu de canto.

—É, eu disse. Acontece que eu estava passando por aqui -girou o dedo indicador para o lado externo do campo- e decidi ver com os meus próprios olhos o resultado desse circo.

Chrissy levantou as sobrancelhas, admirada. A comparação do baile de formatura com um circo se encaixava perfeitamente ao que havia acabado de vivenciar.

Talvez Eddie Munson não fosse tão maluco assim.

Talvez ele fosse o único da escola que conseguia enxergar as coisas a sua volta como elas realmente são!

—É... você não perdeu muito. -disse Chrissy.

—Então o baile está chato? -perguntou Eddie.

—Um pouco... é o mesmo de sempre!

Os dois deram uma risadinha e Eddie se sentou ao lado dela na arquibancada, fazendo com que a ex-líder de torcida se surpreendesse com o gesto.

E se sentisse ainda mais surpreendida por não ter sentido vontade de recuar.

—Você está bem? -perguntou Eddie.

—Por que a pergunta?

—Sei lá... você está sozinha aqui fora, sua coroa está torta...

—Eu não posso ficar sozinha?

—Não é isso. Mas você é a garota mais popular dessa escola, e por causa disso é muito raro te ver sozinha, sempre vem algum puxa saco atrás de você.

—Ei! Não fala assim dos meus amigos!

Era para ser uma repreensão, mas Chrissy começou a rir com a fala do colega, que também riu.

—Desculpa, eu não consigo evitar!

—Tudo bem. -disse a garota- Você também não disse nenhuma mentira...

—Não?

Chrissy balançou a cabeça em negação.

—Eu conheço as pessoas que estão em minha vida, bem mais do que eu gostaria... -fez uma pausa- .

Eddie franziu o cenho.

—Como assim?

Chrissy olhou para ele.

—Por que você está me fazendo tantas perguntas?

—Eu não fiz tantas perguntas!

—Bom, você fez mais do que deveria fazer, nós nem nos conhecemos direito. Acho que a última vez que nos falamos foi naquele show de talentos no ensino fundamental!

—Na verdade foi ano passado, quando você me procurou para saber de coisas proibidas que eu vendia...

O rosto de Chrissy empalideceu. A garota não se lembrava de que havia mesmo procurado Eddie com essa finalidade.

Deixou o olhar cair para o chão.

—Você... v-você se lembra disso?

Eddie assentiu.

—E até hoje não entendi por que você queria aquelas coisas... eu lembro até da sua cara de decepção quando eu disse que não tinha nada. -fez uma pausa- Por que você queria aquelas coisas, Chrissy?

A Cunningham se surpreendeu com o tom da voz do colega. Era a primeira vez que Eddie parecia sério e se importar de verdade com algo.

—Por que você quer tanto saber? Por que está tão preocupado comigo?

—Porque talvez eu possa te ajudar... eu sei que tem algo errado, Chrissy, e sei que você precisa de ajuda, e sinto te informar que não vai ser de ninguém naquele ginásio!

—Você? Me ajudar? Desde quando você se tornou uma pessoa responsável, Munson?

—Mas eu sou uma pessoa responsável, só não gosto de demonstrar! E a maior prova disso é que eu sempre digo para os meninos do Hellfire não bancarem os heróis. Não se isso significa arriscar as vidas deles!

Chrissy permaneceu em silêncio, admirada com o que acabara de ouvir.

Todos sempre tiveram uma ideia completamente diferente e errada sobre quem é Eddie Munson, inclusive ela. E isso não lhe parecia justo!

Mas não era isso que estava mais intrigando a garota no momento.

O fato de Eddie ter sido o único a perceber algo de diferente em si, mesmo não fazendo parte de seu círculo social, a assustava.

Por outro lado, sempre ouvira dizer que quem está por fora enxerga melhor do que quem está por dentro. Chrissy não podia dizer que concordava com essa frase, mas, no momento ela fazia total sentido. Talvez ela nunca mais fosse encontrar alguém assim, e isso também significava nunca mais ter coragem para se abrir sobre o que a tirava o sono. Então, resolveu aproveitar a deixa.

Suspirou e então olhou para o rapaz a seu lado, do qual a olhava com uma mistura de curiosidade e preocupação, ainda que Chrissy não entendesse o porquê ele se preocuparia com ela.

—Você quer mesmo saber?

Eddie apenas assentiu.

—Então foda-se! O ensino médio já acabou mesmo, provavelmente nunca mais iremos nos ver e eu estou cansada de carregar todo esse peso sozinha!

Respirou e aspirou antes de continuar a falar. E nesse meio tempo, pôde observar os olhos de Munson arregalados, nitidamente surpreso com o que havia acabado de ouvir. Certamente não esperava ouvir a garota perfeita da escola falando palavrão.

E certamente não esperava ouvir o que ouviria a partir de então!

—A verdade é que eu sou como um globo espelhado. Sabe o que isso quer dizer?

Dessa vez fora o quem rapaz balançou a cabeça em negação.

Chrissy prosseguiu.

—Eu brilho, mas possuo rachaduras. Eu giro, mas não para o caminho que quero seguir. E quando eu quebro... é em um milhão de pedaços!

—Como assim? -perguntou Eddie, arqueando uma sobrancelha.

—A minha vida, ao contrário do que muitos pensam, não é nem nunca foi perfeita! -deixou o olhar cair para as mãos juntas em seu colo- Desde cedo eu fui criada para ser exatamente o que as pessoas esperam de mim e querem que eu seja, não o que eu realmente quero ser. A minha mãe era a garota mais popular da escola na época dela, foi capitã das líderes de torcida, rainha de todos os bailes -inclusive o da formatura-, foi miss Hawkins por quatro vezes seguidas. Ela queria que eu fosse uma versão moderna dela. Isso parece bom se você olhar de longe, mas, quando você chega perto, você percebe os problemas! Por exemplo, eu nunca comi doce. Minha mãe controla minha alimentação desde cedo, e sempre quando eu aparecia com uns quilinhos a mais ela fazia um completo carnaval lá em casa, me obrigando a dizer o que eu comi escondido. Então com o tempo eu adquiri completa aversão a comida, eu só como para não cair dura nos ensaios e ter energia para estudar. Mas não como por prazer, como eu costumava fazer antes. -fez uma pausa- E eu... eu também nunca usei uma roupa larga! -deu uma risada sarcástica- Minha mãe sempre diz que eu tenho que estar impecável!

Eddie ficou alguns instantes em silêncio.

Ele não esperava que os problemas da colega fossem tão sérios.

Definitivamente, ninguém conhecia Chrissy Cunningham!

—E o seu pai? -perguntou, pensando ser a reação mais lógica.

—Ah, ele nunca teve muita voz ativa para o que a minha mãe faz, mas em contrapartida nunca foi bom para ela. -fez uma pausa- Eles brigam muito, e desde que eu era criança eu presencio as brigas deles. E não são brigas saudáveis, como a dos outros casais, são brigas violentas! Uma vez o meu pai chegou até mesmo a arremessar um objeto no rosto da minha mãe. E o nosso relacionamento nunca foi muito bom também... porque, ele queria um menino, e ficou muito bravo por eu ser uma menina, ele culpa a minha mãe até hoje por nunca ter conseguido ter mais filhos! Inclusive, eu penso que seja por essa razão que minha mãe faz essas coisas, ela desconta as frustrações dela e desse casamento de merda, em mim!

A essa altura os olhos de Chrissy estavam lacrimejados e Eddie se encontrava boquiaberto, sem saber o que pensar exatamente. Ele sabia que havia algo errado com a garota, mas nunca havia pensado que seriam coisas tão pesadas, tão cruéis.

De repente, ele sentiu vontade de abraçar a garota ao seu lado, de consola-la de alguma forma, ainda que essa não fosse sua especialidade.

Chrissy limpou as lágrimas e continuou a falar, dessa vez olhando diretamente para Eddie.

—E aí eu cresci... entrei para o ensino médio e continuei como líder de torcida, mas dessa vez, minha mãe quis que eu me tornasse a capitã delas, e eu o fiz. Meses depois comecei a namorar Jason e pensei que ele fosse me ajudar, mas não. Eu demorei a enxergar mas a verdade é que Jason só se importa com ele mesmo e com os Tiggers! -fez uma pausa- Nosso relacionamento vai de mal a pior... já estamos praticamente rompidos! Mas nossas famílias não querem que as pessoas saibam por agora, -deu mais uma risadinha sarcástica- pois é, até o término do meu namoro tem que acontecer da forma como os outros acham melhor! Mas enfim, foi por isso que eu procurei você no ano passado, eu queria algo para arrancar essa dor de mim. Ou que pelo menos aliviasse um pouco, me fizesse esquecer de tudo...

A garota parou de falar e um silêncio pairou no ar.

Eddie ainda não sabia o que dizer. Afinal, o que deveria dizer? "Eu sinto muito" ou "vai ficar tudo bem?". Não! Ele não poderia dizer essas duas frases, eram clichês demais e em sua percepção não demonstravam muito interesse.

Por fim, o rapaz apenas a olhou profundamente, limpou suas lágrimas com o polegar e... a abraçou! Um gesto incomum para Eddie Munson, o maluco do colégio cuja personalidade e estilo de vida causavam medo aos demais alunos.

—Eu sei que tudo o que eu disser não vai mudar em nada o que você está passando e sentindo. Mas, se eu apenas puder te fazer sentir melhor, nem se for só por cinco minutos, então eu vou saber que te ajudei.

E desfez o abraço, ainda a olhando.

—Obrigada Eddie, de verdade, eu não esperava um comportamento tão solidário vindo de você!

O rapaz deu uma risadinha

—Sério? E por que?

Chrissy ruborizou.

—É porque você tem essa fama de ser mal, gosta daquele jogo que as pessoas dizem ser do maligno e se comporta de uma forma um pouco incomum. Sei lá... talvez eu tenha me esquecido que as aparências enganam!

—Chrissy... eu sei que o meu estilo de vida não é o melhor aos olhos dos outros, as pessoas me tratam mal por causa disso, sempre me trataram. Então, eu precisei criar um mecanismo de defesa, que no meu caso é agir feito um maluco que não liga pra nada nem se importa com as pessoas, quando na verdade eu me importo. Principalmente com pessoas como você!

Chrissy franziu o cenho

—Pessoas como eu?

—Sim. Pessoas que são forçadas a esconderam o que realmente são, que lutam diariamente para enfrentar seus problemas e seguir em frente...

E então, de repente, o rapaz sentiu mais um súbito de coragem e tocou a mão dela, que estava tremendo, (e ele sabia que não era por causa do frio que fazia).

—Chrissy... se fosse possível, eu mesmo arrancaria essa dor de você, e não te daria as drogas!

Chrissy apenas sorriu e abraçou Eddie, rapidamente. Ela não sabia o que dizer, nem o que pensar. A noite havia sido cheia de surpresas e a maior delas foi ter desabafado com o maior nerd esquisitão de Hawkins High.

Se Jason ou suas amigas soubessem disso, provavelmente ficariam perplexos e o primeiro tão enciumado, que seria capaz até mesmo de dar um soco na cara do rapaz.

Mas, eles não estavam ali, e mesmo se estivessem, pela primeira vez Chrissy sentia que -seja qual for o pensamento que teriam-, este não teria importância alguma em sua vida!

Abriu os lábios, como menção em dizer algo, quando ouviu vozes altas saindo do ginásio, o que indicava que o baile havia acabado.

—Eddie, muito obrigada por ter me ouvido e por tudo o que disse. -sorriu- Eu espero que você seja muito feliz agora que finalmente tem seu diploma, você merece ele mais do que qualquer um dos formandos!

Eddie ruborizou levemente com a fala da colega.

—Muito obrigado, Chrissy, te desejo o mesmo!

—Bom eu preciso voltar para o circo agora -deu uma risadinha- afinal, ainda estou me apresentando naquele trapézio...

Eddie apenas assentiu

A garota sorriu mais uma vez e então se levantou, arrumando o vestido e descendo os andares da arquibancada.

Mas, quando deu as costas, sentiu necessidade de vira-las novamente, ainda que não soubesse o porquê.

—Eddie! -o chamou, em um tom um pouco mais alto do que o habitual por ter se distanciado alguns centímetros do rapaz.

E o olhar dele rapidamente encontrou o dela.

—Espero que possamos nos ver de novo algum dia!

—Eu também!

Ambos sorriram e então Chrissy correu para fora do campo de futebol.

E enquanto Eddie a observava desaparecer de vista, seu vestido e seu cabelo esvoaçar pelo vento e os sapatos em suas mãos, ele se perguntava se a garota conseguiria se libertar de todos os males em que vivia.

E, principalmente, se perguntava se algum dia a veria de novo, e se teriam uma conversa tão boa quanto a que tiveram minutos atrás.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.