Marina deitou na escuridão do quarto que estava dividindo com Clara. Um franzido permanente rondava a área entre suas sobrancelhas enquanto ela continuava a pensar na outra mulher. Como ela pode ter sido idiota o suficiente para se apaixonar por uma garota hétero? Ela pensou ter aprendido a lição depois da primeira vez, mas a primeira vez não havia sido daquele jeito. Hoje ela vê que os sentimentos que teve por Nancy não podiam ser comparados nem com a metade do que ela sente por Clara. Ela havia se ferrado de todas as maneiras possíveis dessa vez e não sabia se algum dia conseguiria superá-la.
Ela agarrou o celular que estava em cima da mesa de cabeceira ao lado da cama, e checou o horário. Já passava das 03:37 e Clara ainda não havia entrado no quarto. Marina encarava o teto enquanto cogitava a possibilidade de a morena ter optado pelo quarto junto ás irmãs de Vanessa, ou até mesmo o quarto de Stacie e Amy. Ela exalou um suspiro frustrado e colocou o celular no lugar de origem. Ela virou-se para o lado que costumava dormir, e viu a fresta de luz se espalhar pelo quarto enquanto alguém empurrava a porta com cuidado.
Clara entrou no quarto e quietamente fechou a porta atrás de si. Ela foi até a cama e parou, enquanto observava o sono de Marina, que tinha as costas viradas para ela. Ela teve de contar a vontade de se aproximar dela, deitar ao seu lado e simplesmente dormir nos braços de Marina. Ela suspirou enquanto começava a despir-se.
Os olhos de Marina continuaram abertos enquanto ela ouvia perfeitamente o som do zíper de Clara enquanto ela tirava os jeans. Ela daria tudo para simplesmente jogá-la na cama, beijá-la e simplesmente... Fazer amor com ela. Marina fechou os olhos e sentiu uma lágrima quente descer por suas bochechas. Ela nunca havia se sentido daquele jeito. As duas se conheciam há simples sete meses, como era possível sentir-se daquele jeito? Nem mesmo o divórcio de seus pais havia a deixado tão atordoada.
Clara colocou a última peça de seu pijama antes de puxar os edredons que Marina já usava para cima de si na cama. Ela sentia o arrepio correr por sua espinha e não sabia se tremia por causa do frio no quarto ou por estar deitada ao lado de Marina. Ela deitou de costas e virou o rosto, observando Marina. Ela viu a si mesma sorrir quando Marina virou o corpo para o lado dela, e as duas se observaram.
Marina sentiu os olhos pesarem, mas temia deixar em pensamento a cena á sua frente. Ela hesitou passar os dedos pelo rosto de Clara, que agarrou sua mão quando ela o fez. Ela depositou um beijo na mão de Marina e entrelaçou-as.

Um mês. Só mais um mês e eu vou poder esquecer tudo sobre Marina Meirelles.

Ela respirou fundo enquanto sua respiração se acalmava, fechando seus olhos. Foi aí então que Clara se rendeu á um sono tranquilo e não-solitário.

...

Os olhos das duas mulheres se arregalaram quando o celular de Clara começou a tocar. Clara resmungou antes de puxá-lo de qualquer jeito para perto de si, checando o que queriam com ela tão cedo. Ela franziu a testa quando leu o nome de Cadu na tela inicial.

–Oi. –Ela atendeu, com a voz trêmula e cansada.

–Oi, amor. Eu te acordei? –Marina podia ouvir a voz de Tom do outro lado da cama.

–Sim. –Ela respondeu, sonolenta.

–Desculpa. –Ele respondeu.

–Tá tudo bem, amor. –Ela respondeu. –O que houve?

–Só queria saber como você tá, como tá seu fim de semana, essas coisas.

–Tá tudo bem até agora. Eu tô ansiosa pro chá hoje. –Ela sorriu.

–Eu tô triste que não vou prestigiar isso tudo. Mas tenho certeza que vai ser perfeito, você e a Marina trabalharam bastante pra fazer tudo dar certo.

–Pois é, eu tô triste que você vai perder tudo também. Tô com saudades. –Ela sussurrou. Marina fechou os olhos quando sentiu o ciúme tomar conta de si.

–Também tô com saudades. Mas vamos nos ver amanhã. –Ele garantiu.

–Bom, eu acho que já tá na hora de levantar e começar a agilizar tudo. Me liga mais tarde, tá bom? –Ela pediu.

–Ok, amor. Eu amo você.

Clara congelou quando ela abriu a boca, mas o silêncio continuou predominante.

–Amor? –Perguntou Cadu.

–Desculpa, amor. Tô aqui. Só ainda um pouco sonolenta. –Ela riu.

–Bom, eu vou deixar você agilizar tudo. Nos falamos mais tarde.

–Ok, tchau amor. –Ela disse, desligando o telefone rapidamente. Clara nunca havia tido problemas ao dizer para Cadu que ela o amava, mas, por alguma razão, as palavras simplesmente não saiam e ela resolveu não se forçar a dizer.

–Marina. –Clara sussurrou.

–Hm? –Uma voz sonolenta respondeu do outro lado da cama.

–Nós devíamos levantar e começar a arrumar as coisas para o chá. –Ela sentou na cama e olhou para Marina.

–Ok. –Ela murmurou de volta. Ela continuou deitada, enquanto esperava Clara sair do quarto. Clara continuou com os olhos focados em Marina enquanto ela esperava que ela se levantasse. Quando a morena não demonstrou nenhum movimento perceptível, Clara declarou desistência e se levantou da cama. Ela foi até a porta e parou no meio do caminho.

–Você vêm? –Ela perguntou, incomodada com a indiferença de Marina.

–Uhum, Clarinha, continue vestida. –Ela murmurou enquanto se levantava devagar.

Clara revirou os olhos. –Te vejo lá embaixo. –Ela respondeu, saindo então do quarto e também do chalé. O café da manhã estava provavelmente servido no chalé principal.

–Bom dia. –Felipe sentou-se ao lado de Clara, enquanto segurava uma caneca entre seus dedos. –O café tá na térmica, e tem leite na geladeira. –Ele disse, vendo a irmã levantar-se da cadeira. –Pode se servir.

–Obrigada. –Clara sorriu, voltando a prestar atenção na térmica.

–Como você e a Marina dormiram? –Perguntou, fazendo com que um franzido habitasse a testa de Clara.

–Eu não sei a Marina, mas eu dormi bem. –Ela respondeu, segurando a caneca e voltando para o seu lugar ao lado de Felipe.

–Hm. –Felipe exalou, focando os olhos em cada ação de Clara.

–Você dormiu bem? –Perguntou Clara, devolvendo a pergunta-não-muito-usual feita por Felipe.

–Eu dormi relativamente bem. Muita coisa na cabeça. –Ele disse, sem hesitar.

–Como...? –Ela perguntou.

–Como coisas. –Felipe simplesmente respondeu.

Clara olhou confusa para o irmão, que a encarava com o mesmo olhar. –Você sabe que pode me contar qualquer coisa, não sabe? –Perguntou Clara.

Felipe levantou uma sobrancelha. –Você sabe que pode me contar qualquer coisa também, certo?

Os olhos de Clara focaram-se nos olhos de Felipe. Por que ele estava agindo tão estranho?

–É claro que eu sei. –Clara atravessou a sala de estar, que podia ser observada perfeitamente do balcão da cozinha, que tinha o perfeito estilo americano. –Eu tenho que ir. Começar a arrumar as coisas. Conhecendo a Marina ela provavelmente voltou a dormir.

–Ok. Você quer ajuda? –Felipe levantou-se de seu lugar, mas parou quando viu Clara balançar a cabeça, negativamente.

–Nem pensar. Nós pensamos nisso tudo pra vocês dois. Você só tem que... Sair e fazer tudo que precisa fazer. Mas esteja aqui por volta das três! –Ela sorriu.

Felipe consentiu. –Ok. –Ele sorriu de volta. Clara deixou o chalé principal, sendo observada de perto por Felipe. Algo estava realmente errado com ele.

Clara se chocou quando entrou no quarto e viu Marina de pé, vestida, enquanto tirava das caixas tudo que elas haviam comprado para aquele dia especial.

–Nossa, você tá realmente acordada e fora da cama. –Ela riu, colocando a caneca na mesa de cabeceira enquanto ajudava Marina com as caixas. –Tem café aqui, se você precisar. –Ela disse.

Marina manteu os lábios colados enquanto continuava a tirar toda a decoração de dentro das grandes caixas de papelão. Clara olhou para ela e revirou os olhos. –Ou não. –Ela murmurou.

Marina exalou o ar dos pulmões e olhou para Clara, encarando-a. –Me desculpa se eu não estou de bom humor essa manhã. Eu não sou uma pessoa diurna. –Ela explicou, mentindo. Não queria discutir com Clara, mas ainda estava confusa com tudo o que havia acontecido na noite anterior.

–Dá pra ver. –Ela disse. Clara começou a retirar os banners de dentro das caixas maiores, e coloca-los na mesa.

Se tinha certeza de alguma coisa, essa certeza era de que hoje seria um longo dia.

...

Felipe e Vanessa sorriram enquanto seus pés procuravam pelo chão. Clara e Marina estavam bem atrás deles, guiando-os pela casa.

–Ok, vamos subir a escada agora, então tomem cuidado. –Clara alertou, enquanto abria a porta do porão.

–Ok. –Felipe e Vanessa responderam, ao mesmo tempo. Ela colocou as mãos nas paredes, enquanto se guiava para entrar na sala. Quando ela chegou ao topo da escada, tudo estava tão calmo que Clara podia ouvir os passos cuidadosos de Felipe e Vanessa. As luzes se ascenderam e Vanessa abriu um lindo sorriso quando elas retiraram os dedos do rosto dos dois e eles puderam ver toda a decoração feita por Clara e Marina.

–Clara... Eu... –Vanessa começou, enquanto olhava em volta e via, em cada lado do corredor, a trajetória fotográfica de toda a vida dos noivos.

–É uma ida até o futuro de vocês dois. Vocês gostaram?

–Eu adorei, Clara. –Disse Felipe, olhando em volta. Vanessa disse o mesmo, mas logo continuou a andar até os convidados. Marina a seguiu, mas parou no meio do caminho. Ela ficou ao lado da sala de estar, observando Clara de longe.

–Você está triste, o que houve? –Perguntou Clara, olhando no fundo dos olhos de Felipe.

Felipe balançou a cabeça. –Não. Não é isso. Eu só tô... Emocionada que você fez isso tudo por mim. –Ela sussurrou. Ela chegou perto da irmã e a envolveu num abraço apertado.

Clara se afastou, olhando nos olhos de Felipe. –Não fui só eu. Marina trabalhou muito também. –Ela corrigiu o irmão, que procurou Marina com os olhos. Marina o observava de longe.

Felipe sorriu e foi até Marina. –Obrigada, de verdade, Marina. Isso significa muito pra gente. Pra mim e pra Vanessa. –Ela abraçou Marina, que engoliu seco quando o braço de Felipe continuou em volta dela.

–Não é nada. Eu estou feliz que você gostou. –Ela disse.

Felipe se juntou á Vanessa, que continuava a cumprimentar todos no salão. -Obrigada por terem vindo, todos vocês. –Disse Clara, enquanto ela continuava a seguir os noivos.

Marina voltou a escoar-se num canto escuro da sala, do qual admirava o jeito carismático que Clara cumprimentava todos na festa. Admirava o quão feliz ela parecia enquanto seus olhos brilhavam a cada novo convidado que dava o ar da graça no salão. Ela sentiu uma pontada no estômago enquanto continuava a observar Clara.

–Você falou com ela? –Uma voz adentrou os pensamentos de Marina. Ela olhou para o lado e viu Tracy.

–Não. –Ela murmurou. –Eu mudei de ideia.

Tracy franziu as sobrancelhas. –Por quê? Eu achei que você estivesse apaixonada por ela?

Marina suspirou, exalando. –Eu estou. –Tracy franziu mais ainda as sobrancelhas curiosas. –Mas, ás vezes, quando se ama alguém, você precisa fazer o que é melhor para eles. Nesse caso, o melhor para a Clara é que eu não atrapalhe a vida dela. Com o Cadu. Então... Não é certo, nesse caso, que eu conte para a Clara como eu me sinto.

–Me contar como você se sente? –Perguntou Clara, confusa.

Marina virou-se para Clara, socando-se por dentro. –O quê?

–Você acabou de dizer que contar para mim como você se sente não é a melhor coisa? –Clara levantou uma sobrancelha curiosa.

Marina continuou quieta enquanto sua mente corria para inventar algo para cobrir aquilo... Algo... Qualquer coisa. –Ah... –Tracy a interrompeu.

–É, contar a você como ela se sente sobre o chá. Ela acha que algumas coisas podiam ter sido feitas de jeito diferente, mas não queria discutir com você. Eu disse a ela que você parece uma pessoa acessível e que ela devia ter dito. –Ela mentiu.

–É. –Marina engoliu seco.

–O que você acha que nós devíamos ter feito de diferente? –Clara perguntou, confusa. A frase deixava sua boca num ritmo lento.

Marina suspirou. A que ponto havia chego? –Eu acho que deviam ter mais fotos do Felipe com a Vanessa, porque, você sabe, é o casamento deles... Mas isso não importa agora. –Marina abaixou o rosto e encarou os próprios pés.

–Bom... Se você realmente pensasse desse jeito, teria me dito antes e nós podíamos ter pensado nisso juntas e mais cedo. –Ela terminou.

–Bom, não é como se você tivesse sido muito acessível. –Marina murmurou.

–Como é? –Clara respondeu rapidamente.

–Você me ouviu. Você tem sido uma vadia desde ontem á noite. Você acha mesmo que eu iria me sentir confortável de falar com você? –Ela disse, levantando o tom de voz.

–Ok, já chega. Por quê vocês duas não terminam isso mais tarde? –Tracy cortou-as, ficando em meio ás duas mulheres.

–Não meta seu nariz onde não é chamado. –Clara gritou.

–Como é que é? –Tracy olhou para Clara.

–Isso não é da sua conta, então dá licença. –Ela disse, cerrando os dentes. Tracy sentiu o ódio subir ao sangue, sabendo o que havia acontecido entre as duas na noite passada.

–Eu só estou tentando ajudar. –Tracy corrigiu Clara.

–Bom, então vá procurar um lugar onde eles realmente queiram a sua ajuda. –Clara levantou uma sobrancelha furiosa.

–Qual é o seu problema, Clara? Desde ontem á noite você tá agindo desse jeito, e eu não sei o por quê. Mas por quê você tá descontando em nós... Em mim? –Ela perguntou. Estava farta do comportamento infantil de Clara.

–Não aconteceu nada. Eu só tô cansada dessa sua atitude ridícula e de você pensando que é melhor que todo mundo. –Ela rebateu.

–O que tá acontecendo aqui? –Perguntou Felipe, aproximando-se das três.

Os olhos de Marina focaram-se nos de Clara. –Clara tá sendo uma vadia. É isso que tá acontecendo. –Ela disse.

–Uau. –Felipe disse, quando Vanessa o interrompeu.

–Marina é uma jogadora imatura que não se importa com nada nem ninguém além de si mesma. –Ela gritou. –Nem mesmo quem ela magoa. –Ela murmurou, como se aquilo fosse um segredo.

–Quem eu magoei, Clara? Me fala. Porque a única pessoa que vêm agindo como se estivesse magoada é você e eu tenho certeza que não fiz ou disse nada que te deixasse desse jeito. –Marina gritou de volta.

–Talvez se você abrisse os olhos pelo menos uma vez na sua vida miserável, veria qual o real problema aqui. –Clara gritou. –Mas você é muito cega, não é mesmo? –Felipe observou de perto quando as duas se encararam, ficando á centímetros de distância.

–Talvez se você parasse de ser ridícula e simplesmente dissesse qual o seu problema, talvez eu soubesse qual o real problema aqui. Jesus Cristo, meu sobrinho de oito anos de idade é mais maduro que você, Clara. Cresce! –Ela disse, cerrando os dentes mais uma vez.

–Ok, já chega! –Gritou Vanessa, entrando entre as duas e fazendo com que a distância entre seus rostos furiosos aumentasse. –Hoje é meu chá de panela e se vocês duas vão se sentar aqui e estragar ele por mim, então levem os seus problemas para outro lugar. Até porque, francamente, eu não tenho nenhum interesse nos dramas de vocês e tenho certeza que todos aqui concordam comigo. –Ela disse, olhando em volta. Todos os olhos curiosos estavam neles.

–Quer saber? Que se foda! A Clara pode ficar. Esse aqui não é o meu lugar, de qualquer forma. Eu não me encaixo com vocês ou com nenhum de seus grupos de amigos, então, vocês fiquem e se divirtam. –Ela disse, virando de costas. Os olhos de Clara se encheram de lágrimas, e ela tentou dizer algo.

–Marina... –Ela murmurou. Marina olhou para ela novamente, parando no meio do caminho.

–Não. Não. Fica. Meu lugar não é aqui mesmo, não é? –Ela deu um sorriso forçado, enquanto uma lágrima quente lhe escorria bochechas abaixo.

Ela continuou a andar, enquanto sentia as costas queimarem com todos os olhares.

Precisava sair dali. Ficar longe de todo mundo.

Ficar longe de Clara.