Mirror in the sky, what is love?

Slow dancing in a burning room.


Marina se sentou no banco do carona, totalmente desconfortável. Vanessa havia lhe convencido a dirigir até o galpão. Ela se concentrou na paisagem do lado de fora do carro. Observava os pássaros, as pessoas, os casais. Desejou ter sua câmera em mãos, podendo assim registrar aquele momento delicado e delicioso que todo casal tem, ao se beijar quando o carro para no sinal vermelho. Mas é claro, ela nunca havia tido isso.
Quando ela tinha três anos, seu pai deu um tapa em sua mãe bem na frente dela. Ela cresceu tentando entender o por quê das coisas terem sido tão complicadas com ela. Por que logo ela? Porque logo a criança de olhos inocentes e cabelos nos ombros. Sempre fora tímida, e isso compõe parte de sua personalidade hoje em dia. É claro que ela tem todo aquele jeito saidinho.
Mas a verdade era que Marina era como uma tartaruga. Ninguém via seu verdadeiro eu, sua verdadeira pele, se não passasse por sua casca antes. E aquela era sua casca. Ser sarcástica, ser uma vadia. Alguém que todos menosprezam. Assim, ela não correria o risco de ter ninguém perto o bastante para machuca-la novamente.
Mas, pelo rumo que as coisas estavam levando, parecia que outro alguém iria conseguir quebrar sua casca e, finalmente, ver sua beleza por completo.

–Qual é, Marina. –Começou Vanessa. –Não é nada demais. –Ela revirou os olhos, já de saco cheio de como Marina havia agido ultimamente.

–Você vai me obrigar a ter aulas de dança com você e com o Felipe. Caso você não tenha notado, eu não sou muito do tango. –Ela virou a cabeça para o lado oposto que Vanessa, voltando a prestar atenção na janela.

–Não é tango e você não é a única. Todas as garotas e todos os garotos vão ter que dançar. Eu quero todos perfeitos pra dança de entrada. Você sabe como eu sou.

–Sei. –Ela revirou os olhos. –É impressionante como você consegue ser perfeccionista e chata, enquanto o Felipe é tão relaxado. Vocês dois são o exato oposto.

–Os opostos se atraem. –Ela disse, mantendo o olhar na rua á sua frente e a atenção no volante.

–Então você tá querendo dizer que você pode namorar um serial killer... E amar ele? Claro, sem ser um serial killer. O que... Eu acho que você não é. –Ela riu.

–Do que você tá falando? –Vanessa fez uma cara confusa, e um ponto de interrogação se formou em suas sobrancelhas. –Sério, você devia passar um dia fora do seu corpo pra ver quantas merdas você fala por dia. Eu só quis dizer que quando existem duas pessoas que são o oposto uma da outra, é difícil encontrar alguém que ache que eles irão dar certo. Mas a verdade é que eles balanciam um ao outro. Equilíbrio, sabe? Por exemplo, a personalidade do Felipe pra me mantar calma e relaxada. Caso contrário, eu surtaria todos os dias nos próximos meses. –Ela riu, percebendo sua própria situação.

–Eu só não consigo entender como. Quer dizer, eu me vejo me conectando melhor com alguém que é parecido comigo e sendo o oposto de quem é o oposto de mim. –Ela disse, as palavras confusas bateram no ar perto de Vanessa e ela se confundiu mais ainda com o que Marina havia dito. Marina olhou para o outro lado, não pode evitar pensar em Clara quando Vanessa constatou que existe uma possibilidade dos opostos atraírem um ao outro.

–Marina, se você não acredita no que diz... Como espera que eu acredite? –Ela perguntou, fazendo Marina se calar de uma vez por todas. Ou só por alguns segundos.

–O que você quer dizer? –Ela olhou para Vanessa, a confusão evidente em seu rosto.

–Quero dizer que eu posso escutar a negação, a contestação em sua voz. Eu não sei porque está aí, mas você com certeza não me convenceu com esse discurso barato. –Ela respondeu. –Enfim, a verdade é que, quando você encontra alguém, não importa se ele é como você ou não. Como duas metades, vocês viram um todo. E uma vez nesse todo, é quase que seu dever manter a outra pessoa nos trilhos certos. –Ela explicou.

–E você ainda pergunta porque eu não quero me casar? Eu mal consigo ME manter em trilhos certos, como eu ajudaria alguém a achar os seus?

–Meu Deus, você pelo menos escutou o que eu estava dizendo? Essa conversa está definitivamente ficando muito confusa pra sua mente pequena. –Ela riu. –Eu vou dizer mais uma vez. Opostos se atraem. Tanto que, quando você resolver se casar, só deus sabe quando isso vai aconteceu, eu aposto com você qualquer dinheiro que é mais provável que você encontre alguém calmo, apaixonado, gentil, e, melhor de tudo, paciente e que não tenha medo de relacionamentos. –Os olhos de Marina foram parar no retrovisor enquanto ela tentava entender o que sua melhor amiga havia acabado de dizer.

–Bom, veremos. Como que nós chegamos a essa conversa mesmo? –Ela perguntou.

–Você estava reclamando de ter que dançar no meu casamento. –Ela disse.

–Bom, é idiota e eu não gosto da ideia. –Ela reclamou, mais uma vez. Mas, no fundo, estava pelo menos um pouco animada, porque veria Clara todos os dias por duas semanas. É claro que as duas estavam sempre se falando por mensagens, mas isso não era o suficiente para Marina desde que ela começou a sentir-se confiante sobre essa nova amizade... ou seja lá o que isso for. –E também... Eu não tenho ninguém pra ensaiar comigo.

–Bom, você vai ensaiar com a pessoa que irá andar até o altar com você. –Respondeu Vanessa.

–Espera, eu tenho que acompanhar alguém até o altar? –Ela perguntou, surpresa. –Eu pensei que, como dama de honra, eu ficaria na recepção analisando cada garota que entrasse. –Ela sorriu.

–Na verdade, você será acompanhada até o altar. É uma tradição que a dama de honra seja levada até o altar pelo pajem, nesse caso, uma outra dama de honra, já que o Felipe escolheu a Clara para ser o pajem dele e, pelo que eu saiba, ela tem uma vagina onde deveria ter um pênis.

–Ela podia usar um strap-on durante a cerimônia. –Ela riu, mas logo se deu conta de sua atual situação. Ela teria que levar Clara até o altar e depois... Dançar com ela. Ela teria que dançar uma música lenta, logo com Clara!
Seu coração acelerou quando ela pensou na futura ação. Isso significa que as duas dançariam juntas nos ensaios também? Ah, meu deus, eu esqueci de passar perfume, não esqueci?
Qual o problema, afinal? Clara era amiga dela. As duas se davam bem até demais agora. Deixando de lado algumas piadas e o sarcasmo que sempre fica entre as duas, elas realmente se entendiam bem.

–Marina. –Vanessa a chamou, fazendo com que Marina despertasse de seus pensamentos e a respondesse. –E aí?

–Eu topo. Quer dizer, dançar com uma garota não é nada. Eu as como, então uma dança lenta vai ser fichinha. –Ela sorriu, sabendo que tudo aquilo seria uma das coisas mais difíceis que ela já havia feito.

...

–Para com isso. –Reclamou Felipe, quando assistiu de perto os pés de Clara se chocarem com o chão e voltarem para cima, numa espécie de música que ela estava repetindo há dias. –De onde você tirou todo esse interesse em tocar bateria com as pernas? –Felipe parou no sinal e deu uma olhada em Clara.

–Desculpa, eu bebi muita cafeína. –Ela respondeu, tentando safar-se.

–Mentirosa. –Ele concluiu.

–O quê? Por quê acha que eu tô mentindo? –Ela se assustou.

–Sempre que você bebe muita cafeína, você tem que fazer xixi de quinze em quinze minutos, então... Não. Você não bebeu cafeína, só está nervosa. –Ele concluiu. –Por quê tá nervosa?

–Eu não estou nervosa. –Respondeu Marina.

–Então você pode me contar porque está jogando Drum Hero com as suas pernas? –Perguntou.

–Por quê você tem assistido de perto tudo que eu faço? –Perguntou, cansada de ter Felipe atrás dela.

–Porque... –Ele começou, mas Clara o interrompeu.

–Porque o quê? –Ela exalou, frustrada.

–Vamos falar sobre isso depois. –Disse Felipe, sem tirar os olhos da estrada e suas mãos no volante.

–Não, eu quero falar sobre isso aqui e agora. –Ela parou, voltando a encarar Felipe.

–É porque... Porque você tem ficado muito estranha depois que traiu o Cadu. –Gritou Felipe, de uma vez por todas.

–Abaixa o seu tom de voz. –Ela disse. –O que você esperava? É uma coisa muito importante e eu ainda não me perdoei.

–Eu não quis dizer isso. –Ele retrucou.

–Então o que você quis dizer? –Clara ficava cada vais mais agitada.

–Eu quis dizer que agora você checa seu celular toda hora para ver se tem novas mensagens, e quando não está presa ás mensagens, está sorrindo pro nada que nem uma idiota. Afinal, quem te manda mensagens todo dia? –Ele perguntou, desconfiado. Clara irritou-se com o tom de voz de Felipe quando ele se referiu a ela, e a proximidade do galpão lhe salvou.

–Ninguém. Agora esquece isso e muito obrigada. –Ela sussurrou, enquanto descia do carro com cautela.

–Oi, amor. –Felipe deu um beijo nos lábios de Vanessa.

–Oi. –Ela respondeu ao carinho do noivo. –Aconteceu alguma coisa? –Ela sabia que não estava tudo bem com ele, de acordo com a expressão em seu rosto.

–Nada. Vamos logo falar com a instrutora e ver onde ela quer que nós fiquemos. –Ele respondeu, quase ignorando a pergunta da noiva. Todos o seguiram.

–Então... Me contaram que eu serei sua Baby e você meu Johnny hoje. –Ela gargalhou.

–Espera... Baby? Johnny? Desde quando nos apelidamos com nome de cachorro? –Ela levantou uma sobrancelha confusa.

–Você nunca viu Dirty Dancing, viu? –Ela perguntou.

–Eu... Não? Eu odeio filmes.

–O quê? Impossível! Como?! –Ela ficou confusa. Nunca havia conhecido ninguém que não se agradasse ou entretece com filmes.

–Eu só não sou fã deles. Eu nunca achei um filme tão interessante que me deixou com a atenção presa do início ao fim. Só mesmo Harry Potter.

–Mas Dirty Dancing é um clássico, você tem que assistir. É maravilhoso.

–Bom, eu acho difícil, mas... Obrigada, eu acho?!

–Então é isso. Eu vou pra sua casa depois daqui e nós vamos assistir Dirty Dancing. –Clara juntou as duas mãos, numa ideia que pareceu aterrorizante para ambas.

–O quê? Claro que não! Só existe uma razão pela qual eu levo garotas para casa e tenho certeza que não é para assistir filmes. –Ela gargalhou, e Clara fez uma careta.

–Eu estou ciente disso. –Ela olhou para Marina com uma carinha de cachorrinho caído de mudança. –Mas tenho certeza que você pode fazer uma exceção pra mim, não pode? –Clara sorriu.

–Você sabe como as coisas funcionam, Clarinha. –Ela respondeu, simplesmente.

–Marina. Você tem que me ajudar a planejar o chá de panelas de qualquer jeito, então matamos dois pássaros com uma só pedra, e juntamos o útil ao agradável.

–Ok. O filme toma apenas vinte minutos do meu tempo, se eu não me interessar, vai ser desligado na mesma hora, combinado? –O rosto de Clara imediatamente se iluminou num lindo sorriso, dado de orelha á orelha.

–Rá! Eu garanto que você vai amar. Você vai amar cada segundo do filme. –Ela respondeu, feliz.

No fundo, Marina sabia que não se arrependeria de nenhum tempo passado com Clara, no final das contas. De surpresa, uma morena, alta e magra entrou na sala, fazendo com que todos a encarassem de frente e calados.

–Desculpem o atraso, gente. Vamos começar. Meu nome é Angie e eu vou ensinar o básico de dança á vocês, nada muito difícil. Cada um vai pegar seu parceiro, e ficar de frente para ele. Os meninos colocarão as mãos nas cinturas das meninas e elas colocaram os braços em volta do pescoço deles.

Clara e Marina ficaram paradas, encarando uma á outra e esperando para que alguém desse o primeiro passo.

–Meninas, vocês não tem com o que se preocupar na minha sala de aula. Eu sou a favor dos direitos gays. –Ela sorriu, enquanto chegou perto das duas, surpreendendo-as. –Quem de vocês duas vai liderar?

–Ela vai. –Disse Marina.

–Espera, por quê eu? –Ela perguntou.

–Porque você é o pajem e você vai me conduzir. –Ela sorriu.

–Ok, façam como quiserem. –Disse Angie, que levou as mãos de Marina até o pescoço de Clara e as mãos dela até as costas de Marina.

O toque fez com que as duas se arrepiassem.

Angie suspirou fundo quando viu as duas se envolverem, e acertou a posição da mão de Marina. –Assim. Bem assim. –Ela disse, observando o jeito com que as duas dançavam timidamente. Marina fechou os olhos por alguns segundos para não ter que encarar os olhos lindos e castanhos de Clara.

Marina não pode evitar rir quando “Hear You Me”, de Jimmy Eat World começou a tocar.

–Eu sabia. –Ela deixou escapar.

Angie observou o jeito que cada um dos casais se movimentava. –Isso, gente. Não estamos mais na escola, meninas, vocês podem dançar mais perto. –Ela disse, empurrando as costas de Marina para mais perto de Clara. Os lábios das duas ficaram tão próximos que elas podiam sentir suas respirações e misturando. As duas podiam sentir os nervos tomando conta de seus corpos.

–O que você quis dizer com eu sabia? –Sussurrou Clara, afim de manter a mente ocupada enquanto as duas dançavam.

–Desde que a Vanessa assistiu “A Nova Cinderela”, ela é obcecada por essa música. Eu sabia que ela a escolheria.

Quando o silêncio tomou conta das duas, a dança ficou cada vez mais estranha e íntima. Clara não pode evitar puxar Marina pela cintura para mais perto, fazendo com que seus seios se roçassem e seus narizes também. Pela primeira vez, as duas se mantinham focadas nos olhos uma da outra. Clara via o brilho de Marina, vulnerável e sincera. A Marina que era praticamente só dela. Não a Marina sem dono. E sim a Marina doce. E Marina via... Bom, ela via Clara e seu brilho de sempre. Suas gentilezas, suas fofuras. O oposto. Deus, eu queria que esse momento durasse para sempre.

Marina começou a brinca com alguns fios do cabelo de Clara enquanto as duas continuavam a se olhar nos olhos. Clara mordeu os lábios, sentindo a perigosa sensação de ter Marina tão perto de si. Droga, eu estou me apaixonando por ela.

Clara pressionou os lábios gentilmente sob o pescoço de Marina, depositando um beijo carinhoso ali. As duas juntaram os narizes, e Marina segurou uma das mãos de Clara. Suas testas estavam coladas, e ambas mantinham os olhos fechados. Quando os abriram, estavam á centímetros do que tanto queria. Quando os lábios tinham entre si um centímetro de diferença, Clara percebeu o que estava fazendo e recuou, afastando-se dela.

Eu estou totalmente ferrada. Porra.