Trânsito caótico, o ar condicionado do carro disfarça o clima já abafado nas primeiras horas da manhã, o verdadeiro Rio quarenta graus, como já descrito nos primeiros versos da música interpretada pela cantora carioca, Fernanda Abreu “ Rio quarenta graus, Cidade maravilha, Purgatório da beleza e do caos”.

Do lado de fora, os vendedores ambulantes aproveitam cada momento que o sinal de trânsito fecha interrompendo o fluxo dos veículos, para bater nas janelas dos automóveis oferendo seus produtos aos motoristas. Após uma viagem com o tempo maior do que o imaginado, Mariah desembarca na avenida Presidente Vargas, chegando finalmente em seu trabalho.

Uma atmosfera diferente pôde ser percebida assim que a revisora, adentrou pelas portas do escritório. Pietro um francês alto, pele branca, cabelos e olhos castanhos claros, diretor geral da Editora l'écriture RJ, encontra-se aos prantos, abraçado com Miguel, um rapaz brasileiro, moreno bronzeado, corpo atlético, com estava casado a aproximadamente quatro anos.

Mariah, aproximou-se de duas colegas de trabalho para se informar sobre o ocorrido. Letícia uma das moças diz que Pietro havia acabado de receber a notícia do falecimento de um amigo que havia sofrido agressões físicas no último final de semana, após deixar o bar onde confraternizava juntamente de seu namorado, na companhia de diversos amigos, no bairro da Lapa. Mariah fica sem reação ao receber a notícia das agressões por homofobia.

Seguindo até sua sala, Mariah sentiu-se um pouco incomodada com a notícia. Assuntos ligados a morte, lhe despertavam diversas emoções negativas, refletidas diretamente em sua respiração mais ofegante e pequenos tremores em suas mãos. Na tentaria de estabelecer um auto controle, Mariah inicia exercícios se respiração concentrada, desviando seus pensamentos para observação dos quadros e fotografias que enfeitam sua sala.

Acomodando sua bolsa em uma cadeira, Mariah segue em direção a sala do diretor. Pietro ao ver a moça se aproximando, caminha a passos largos até a porta da sala abraçando-a enquanto, questiona os motivos pelos quais as pessoas não conseguem respeitar as escolhas dos demais. Mariah permaneceu em silêncio, pois sabia que nenhuma palavra dita por ela, seria suficiente para responder os questionamentos feitos pelo amigo.

Miguel, marido de Pietro mostra para Mariah o último vídeo enviado por Dante horas antes da agressão. Dante era um rapaz francês, que estava no Brasil a convite de alguns amigos músicos responsáveis por um projeto social realizado no bairro de Santa Teresa, que ensinava aulas de instrumentos e teatro voltado para o público jovem da região. No vídeo é possível observar Dante dançando e cantando a música de ritmo animado intitulada Vérité da cantora francesa Claire Laffut.

Pietro ao escutar a música sendo interpreta na voz do amigo, comenta o quanto é estranho Dante dançar e cantar uma letra a qual em uma de suas frases, fala justamente de sorrisos falsos, fé, mentiras. Dante era um rapaz que lutava pela igualdade e respeito entre as pessoas. Acreditava na educação, cultura, melhores oportunidades, como base e alicerce para a construção de uma sociedade mais justa e empática. Mariah apenas suspira, voltando seu olhar para a janela que possui como vista a ponte Rio-Niterói e ao longe as cadeias de montanhas que compõe o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, onde se concentram importantes municípios da região serrana do Estado.

— Com licença. – Disse Rafaela batendo na porta da sala.

— Pode entrar. – Respondeu Pietro com voz embargada.

— A irmã do Rapaz que estava com Dante no último final de semana, acabou de ligar para saber se o senhor poderá ajuda-la com as questões no consulado para translado do corpo do rapaz de volta a França.

Pietro acena positivamente com sua cabeça, segurando as lágrimas que inundavam seus olhos. Envolvido por uma onda de emoções o diretor sugere para Rafaela que as ligações destinadas a ele, fossem direcionadas para Natalia que ocupa o cargo de vice diretora da editora. Mariah revira os olhos só de ouvir o nome de Natalia uma mulher loira, alta, pele pálida, comportamento autoritário, que quase sempre elogiava com certo desdém o trabalho realizado pela revisora.

13h:25 da tarde, Mariah avista Natália caminhando em direção a sua sala. Rapidamente, ela escolhe uma música especial em sua playlist “A Reza”.

— Notei que você passou boa parte na manhã na sala do Pietro. – Disse Natalia com voz seria, olhando cada detalhe da sala de Mariah

— Boa tarde, Natália. – Eu e Pietro estávamos conversando a respeito das agressões sofridas um amigo dele que infelizmente não resistiu.

— Não podemos fazer nada pelos mortos. - Todos os dias vários gays morrem e esse tipo de gente, sabe muito bem dos riscos. – Compartilhei com você dois livros para trabalharmos juntas na revisão e criação da capa, contra capa e outros detalhes.

— Ok! – Disse Mariah sem estender a conversa.

— Interessante a letra dessa música. – Qual o nome? – Natalia questiona, sinalizando para Mariah um gesto de silêncio para que pudesse escutar um trecho da letra.

“ Deus me proteja da sua inveja,
Deus me defenda da sua macumba,
Deus me salve da sua praga,
Deus me ajude da sua raiva,
Deus me imunize do seu veneno,
Deus me poupe do seu fim.’

Uma expressão de surpresa surge no rosto de Natalia que sorri com lábio entre abertos, enquanto Mariah a responde:

— A reza da cantora Rita Lee. – Vou anotar no papelzinho para você.

Natália deixa a sala de Mariah, demonstrando um certo espanto com a letra tão impactante da canção. Mal podia imaginar que a música, servia como uma espécie de oração, uma indireta real da revisora, diretamente para a vice diretora da editora l`écriture.

— Insuportável! - Mais uma que trata os homossexuais como "esse tipo de gente". - Resmungou Mariah com expressão de descontentamento.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.