No amor e na guerra

- Não achou a roupa simplesmente divina? – Perguntou Afrodite entrando em seu quarto. Eu a seguia tentando controlar a minha enorme raiva. Fechei a porta atrás de mim, e ela virou-se com um sorriso malicioso – Acho que o Scott gostou dela.

Estava mais do que decidida. Ia brigar com Afrodite por causa disso. Afinal era para essa finalidade que eu era a garota da guerra, não é? Brigar quando necessário, mas só quando realmente necessário. Aquele era o caso.

Mesmo assim, mantive-me calma. Sabia que tinha que manter a cabeça fria e controlada, para não agir de modo imprudente como Ares sempre fazia. Sabia também que eu enfrentaria Afrodite. Ou seja... Ela ia mexer com todas as minhas emoções juntas, na tentativa de bagunçar a minha cabeça. Ou o meu coração, o que era pior.

Mas o meu coração já estava uma bagunça tão grande por causa dela, que mais um pouco de caos não mudaria tanto as coisas.

Estava aí a palavra. Caos.

- Afrodite, você sabe onde a Éris está? – Perguntei calmamente. A Deusa franziu o nariz com certo nojo e irritação, e desviou seu olhar para outro canto da sala.

- Argh. Quem liga? Deve estar por aí arrumando confusão com pobres mortais inocentes. Talvez agarrando caras comprometidos só para bagunçar meus planos e me irritar como sempre faz, ou simplesmente perdida em algum bar de segunda. Talvez nem mesmo volte para o Olimpo, coitadinha. – O “coitadinha” não me pareceu tão sincero. Afrodite deu de ombros depois de falar – De qualquer forma... Tanto faz. A única coisa que ela sabe fazer á confusão mesmo. Não precisamos dela por perto.

- E qual é a única coisa que você sabe fazer? – Perguntei como quem não quer nada, mas eu tinha uma mensagem entre linhas escondida nessa frase. Afrodite olhou para mim em dúvida, e ergueu uma sobrancelha. Não era Atena, mas tinha pego a mensagem.

- O que quer dizer com isso? Que eu causo confusão também? – Perguntou ela cruzando os braços, mas eu não respondi. Se abrisse a boca, as palavras nunca iam parar de sair até que eu jogasse toda a minha raiva na Deusa do amor – Pois bem, é verdade. Mas fique sabendo que eu faço confusão para o bem das pessoas e não para o mal como Éris. Só faço isso porque quero que elas sejam bem...

- E desde quando o meu bem é do seu interesse? – Perguntei calmamente, mas de modo rígido e firme – Por que eu não me lembro de você me ajudando antes.

Afrodite olhou para mim finalmente entendendo onde eu queria chegar. Só que ao invés de começar a brigar, ela sorriu para mim. Um dos sorrisos mais lindos do mundo, mas eu não me importava com ele.

- Ah, Alice, eu sempre me preocupo com o bem das pessoas. Principalmente o seu bem. – Disse ela sorrindo satisfeita – Eu te ajudei antes, querida, mas acho que você nem mesmo sabia da minha existência. Bem... Que chato. Mas só para constar... Fui eu quem juntei você e o Scott pela primeira vez. Sou eu que junto todos os mortais e semideuses desse mundo.

- Ótimo. Mas agora eu sei da sua existência. – Disse cruzando os braços.

- Sabe. – Concordou ela ainda sorrindo – Por isso eu posso te ajudar a fazer as suas escolhas e tornar a sua vida mais interessante...

- Você quer é tornar a minha vida um inferno! – Exclamei sem me controlar, mas depois respirei fundo e me acalmei. Afrodite ergueu uma sobrancelha, mas um sorriso surgiu em seus olhos.

- Ah, amor, é sempre assim. – Disse ela revirando os olhos com um risinho – As pessoas me odeiam, sabe? Elas sofrem por amor, fazem loucuras por amor, até mesmo vivem pelo amor. O amor vira a vida das pessoas de cabeça para baixo, mas no final de tudo vale a pena.

- Como você pode simplesmente dizer para mim que vai virar a minha vida de cabeça para baixo, e fingir que tudo vai ser melhor desse jeito?! – Perguntei trincando os dentes.

- Simples. As pessoas me odeiam por isso. Elas não entendem. Mas só até um ponto. Quando elas finalmente deixam de amar, notam como as suas vidas ficam sem graça. Com falta a emoção de um novo amor. – Explicou ela como se aquilo fizesse algum sentido para mim – A questão é... O amor sempre vale a pena no final.

- É. Pode até ter razão, e disso eu não ligo. – Falei erguendo as mãos em rendição, mas com um tom de raiva – Mas tomar conta da minha vida e escolher qual vai ser o meu final já é outra história.

- Alice, amor, acho que você ainda não entendeu. – Disse ela sorrindo docemente para mim, como se eu fosse um cachorrinho que caiu do caminhão de mudança e agora está sem lar – Eu escolho o final de todo mundo.

- Não o meu! – Exclamei com raiva. Senti meu coração se apertar e uma forte vontade de chorar de repente, mas logo percebi que devia ser algum truque de Afrodite me manipulando novamente. Passei a mão pela testa, e neguei – Pode escolher o final de todo mundo, menos o meu! É a minha vida, e você não tem esse direito, Afrodite!

- Eu acho isso tão fofo. – Disse ela ainda me achando adorável – Geralmente é mais divertido ver a reação das garotas. Elas ficam sonhando com as possibilidades de terem uma longa vida ao lado de seu amado, e pensam nos vestidos de noivas, e dos presentes que gostariam de ganhar dos namorados... Isso tudo é tão romântico!

Mordi o lábio antes de reclamar, pois sabia que Afrodite estava mexendo com o meu coração cada vez mais. Eu sentia muita vontade de começar a chorar, ou entrar em pânico. Inúmeras coisas passaram pela minha mente. Se eu ficasse com Ares ele iria ver outras garotas? Apolo seria meu para sempre, ou ele enjoaria de mim? Scott não conheceria uma garota que gosta tanto de vídeo games quanto ele?

Neguei com a cabeça.

- Vamos, Alice. Ela está te controlando. Você não liga para isso. Ares fica com quem ele quer. Se Apolo pode partir para outra, você também pode. Scott não é nem mesmo seu namorado mais. Ficaria feliz se ele achasse alguém tão louco quanto ele. – Pensei colocando a cabeça no lugar.

Afrodite notou isso, mas resolveu não aumentar a intensidade de sua influência, e sim me pegar de outro jeito.

- Sabe? Aquele seu sonho de estar casada com o Apolo e depois com o Ares foi um jeito de pensar nas possibilidades. Mesmo que fossem terríveis, mas elas podem melhorar. Agora me diga... – Afrodite deu um passo na minha direção e eu desviei o olhar para o outro canto da sala. Ela puxou meu queixo para cima – Qual sempre foi a sua idéia? O que você esperava de um cara?

Meus lábios tremeram á medida que eu dei a resposta automaticamente. Não consegui resistir ao tom de voz doce dela. Minha mente mandava eu parar, mas meu coração deu um chute nela e resolveu responder a pergunta.

- Eu... Eu não sei. Não pensava em ter ninguém depois que me afastei do Scott. – Respondi sinceramente – Mas... Antes... Eu achava que a pessoa certa seria uma que pudesse ficar do meu lado. Envelhecendo comigo e tudo mais.

Senti meus olhos molhados, mas desviei-me de Afrodite e andei até o outro lado da sala. Ela não ia fazer isso comigo. Eu simplesmente não era assim! Eu não chorava á toa ou coisa parecida!

- Você quer dizer que nem o Scott ficou do seu lado? – Perguntou ela para mexer ainda mais comigo – Ou como o Apolo te protegendo no começo de tudo isso? Bem... De certo modo o Ares também está do seu lado, e você do lado dele.

- Chega disso! – Exclamei voltando a sentir raiva – A questão não é essa. Se eu realmente quiser escolher um deles, você não tem nada a ver com isso, por isso pare de brincar comigo desse jeito!

- Ooown, Alice. Não é lindo? – Afrodite parecia verdadeiramente emocionada – Você está tão confusa que não consegue nem mesmo pensar direito. Eu ia ficar tão feliz se um de meus filhos ficasse com uma garota tão fofa quanto você!

- O que você tem na cabeça?! – Exclamei sem acreditar – Afrodite, você não pode controlar a minha vida! Sou eu quem vai escolher um deles, e não você! E não pense que eu gosto de saber que além de mexer comigo, você inferniza o Scott também!

- Ah, eu não fiz nada demais. Só trousse á tona os sentimentos que ele tinha guardado. – Respondeu ela – Coisa inocente.

- Isso é maldade! – Exclamei para ela – Eu não sou mais namorada do Scott! Nós só ficamos juntos por um ano, mas agora acabou! Nos vemos como irmãos e pronto.

- É. Zeus e Hera também são irmãos. – Rebateu ela sorrindo torto. Respirei fundo. Queria dar um soco nela, mas resolvi me controlar novamente.

- Olha... Não em interessa o que você acha disso. Não me interessa o que você quer fazer, ou com quem quer que eu fique. Eu só quero que você me deixe em paz, e deixe o Scott em paz também. O Ares e o Apolo de certo modo também merecem ficar em paz. – Disse olhando fixamente para ela – Ouviu?

- Desculpa, amor, mas isso está divertido demais para eu deixar de lado assim. Acredite. No final vai me agradecer. – Negou ela.

- Se não me deixar em paz, eu vou fazer você pagar por isso! – Ameacei, mas Afrodite só riu um pouco.

- Querida, eu sou uma Deusa. Você não pode me atingir assim tão fácil. – Riu ela, mas eu sabia como atingir.

Eu virei as costas e fui direto para o quarto dela. Afrodite não entendeu o que eu estava fazendo, mas a fixa caiu quando eu voltei para a sala com alguns vestidos na mão.

- O que vai fazer? – Perguntou ela confusa, mas eu não respondi. Com um movimento irritado eu rasguei um dos vestidos ao meio. O queixo dela caiu – Não! Era de marca!

Afrodite arregalou os olhos quando eu rasguei o outro. Parecia que eu tinha acertado o seu peito com um punhal e repetido a ação várias e várias vezes.

- Vai me deixar em paz agora? – Perguntei calmamente, mas ela estreitou os olhos para mim e negou com a cabeça – Ótimo.

Rasguei o terceiro vestido, e ela quase desmaiou.

- Legal. Agora vamos aos Scarpins. – Disse indo para o quarto dela novamente. Afrodite soltou um grito agudo de desespero.

- Não! Meus preciosos, não! – Berrou ela quase chorando – Volte aqui, Alice!

Eu saí correndo e cheguei até a prateleira de sapatos, enquanto Afrodite ainda estava parada na porta. Comecei a jogá-los longe com a maior força que tinha, e pude ver que aquilo os deixaria arranhados. Ao menos aqueles que não quebraram o salto, é claro.

- Alice Kelly! – Berrou Afrodite em desespero, raiva e vontade de chorar – Pare imediatamente!

- Pare você de se meter na minha vida! – Exclamei de volta.

- Nunca! – Berrou ela de volta tentando se manter firme, mas quando eu quebrei o salto alto de mais um deles, Afrodite colocou a mão na testa de modo dramático – Eu... E-Eu... Não acredito nisso!

Acho que nós estávamos gritando tanto uma com a outra, que chamou a atenção de alguns Deuses. De começo, só de um. Ares entrou no quarto com o cenho franzido, sem entender o motivo da gritaria.

Ele me viu com um salto alto na mão, e Afrodite fazendo técnicas de respiração.

- Mas o que está acontecendo aqui? – Perguntou ele sem entender.

- É a sua noiva me fazendo desaforos! – Exclamou Afrodite em choque – Ela simplesmente enlouqueceu!

- Você que enlouqueceu se achou mesmo que eu ia deixar você bagunçar a minha vida! – Exclamei de volta, e Afrodite me lançou um olhar de raiva – Pode até falar mal da Éris, mas para mim você é tão baixa quanto ela!

O queixo de Afrodite foi para o chão, e Ares arregalou os olhos para mim como se estivesse me vendo dentro de um caixão.

- Retire imediatamente o que você disse! – Exigiu ela batendo o pé no chão, mas eu disse que não e quebrei outro salto. Afrodite agarrou a gola da camisa de Ares, que ficou com medo dela – Acabe com ela.

- Acabar com quem?! – Perguntou ele sem entender.

- Ela! Eu quero que você quebre cada osso do corpo dela agora mesmo, Ares! – Exigiu ela, mas Ares olhou para mim com um sorriso levemente torto e depois para Afrodite.

- Ela está fazendo isso, porque você está bagunçando a vida amorosa dela? – Perguntou ele calmamente – Bem... Sinto muito, pombinha, mas na minha humilde opinião... As musas de Apolo deveriam ser livres para se expressar. Deixa ela.

- O que?! Seu imprestável! – Exclamou Afrodite e depois olhou para mim novamente – Alice, eu estou falando sério. Se você pensa que pode se meter com os meus scarpins e sair impune disso, está enganada!

Eu ia dizer alguma coisa, mas notei que Afrodite tinha mudado sua estratégia. Algo bateu contra o meu peito, e me forçou a perguntar...

- Ares, você sabia que ela estava fazendo isso comigo? – Perguntei em um tom magoado, mas depois neguei com a cabeça afastando aquele sentimento de mim. Ares desviou o olhar e sorriu coçando a cabeça.

- Ahm... Não é do jeito que você pensa... Eu sabia, tentei mudar as coisas e tudo mais, mas... – Ele tentou se explicar, mas eu o interrompi.

- Chega. Eu não ligo para isso. Não estou nem aí se o mundo inteiro sabia, eu só quero que você pare. – Disse para Afrodite.

- Ah, por favor. – Disse ela tentando esconder a irritação com um sorriso lindo – Você acha mesmo que pode me fazer parar? Eu tenho muito mais poder do que uma musa de Apolo. A minha vontade é que sempre prevalece, e eu digo que vou continuar e que vou escolher com quem você vai ficar.

- É aí que você se engana. Pode ser uma Deusa e tudo mais, mas eu posso terminar com o seu joguinho bem rápido. – Disse e ela ergueu uma sobrancelha duvidando – Já parou para pensar se eu resolvo voltar para o Dylan? Ou ficar com outra pessoa totalmente diferente?

Afrodite arregalou os olhos, mas depois negou com um sorriso.

- Tsc. Seria mesmo capaz de esquecer os três? – Perguntou ela em um tom de deboche. Eu estendi a mão e peguei uma bolsa. Uma das favoritas de Afrodite, pois ela ficou completamente imóvel e começou a fazer trabalhos de respiração novamente.

- Ah, amor, eu tenho a eternidade para isso. – Arrebentei as alças da bolsa, no mesmo segundo em que Hermes e Apolo entraram no quarto. Afrodite soltou um tipo de gemido e desmaiou. Meu pai a segurou antes que caísse no chão, e franziu o cenho sem entender. Apolo olhou para mim confuso.

- Ahm... O que foi isso mesmo? – Perguntou ele. Todos os três olharam para mim, e eu revirei os olhos.

- Nada. Só uma reunião de família. – Respondi indo em direção a porta. Eles saíram da frente e eu passei direto para o meu quarto. Porém, Apolo e Ares me seguiram.

Acho que Ares explicou tudo para ele, pois Apolo começou a olhar para mim surpreso.

- Espera... Você fez tudo aquilo para afastar a Afrodite dessa história toda de casamento? – Perguntou ele – Eu idolatro você agora.

- Você tinha que ver a cara que ela fez quando a Filhinha de Hermes disse que ela era tão baixa quanto a Éris. – Riu Ares e Apolo riu também imaginando a cena. Só que eu não. Estava com tanta raiva, e com um nó tão grande na cabeça, que não queria rir de nada.

Eles estavam prestes a entrar no meu quarto comigo, quando eu parei na porta e me virei para eles.

- Não. – Disse negando com a cabeça.

- Não o que? – Perguntou Ares.

- Não vão entrar comigo. Não vão ficar comigo. – Expliquei – Eu quero um tempo para pensar e acabar com isso de uma vez por todas. Vou aproveitar que ela está desmaiado para escolher um de vocês, e ficar livre dessa maluca para o resto da minha vida.

- Então... Vai escolher um de nós agora? – Perguntou Apolo com um sorriso no rosto – Ok. Eu te dou espaço para isso. Mas quando vai contar a sua escolha?

- Eu digo no jantar. Mas enquanto isso... Não estou com nenhum dos dois. – Disse e fechei a porta deixando-os do lado de fora. Acho que eles não gostaram muito de ouvir o fim da frase, e nem de ter que esperar até o jantar para saber o que eu escolhi, mas não liguei.

Eu tinha realmente que pensar bem naquele momento, pois eu sabia muito bem que a minha decisão colocaria um fim em tudo isso.