Minguante

Tonight We'll Feel Normal Again


Hae Soo já está farta.

Ela não disse nada quando ele veio ao quarto dela do nada, durante o que ela sabia ser um dia muito cheio, e arrastou-a para fora, segurando a mão dela com força. Ela continuou quieta quando ele caminhou em um ritmo apressado, puxando-a atrás dele, como ele tendia a fazer sempre que estava impaciente com algo. Ela continuou em silêncio, esperando por uma explicação enquanto eles praticamente corriam pelo jardim até o lago, e ele pediu que ela entrasse no barco dele. Mas agora ela está farta.

— Algum motivo para estarmos aqui? — Ela assiste ele entrar no barco e o desamarrar de uma árvore enquanto continua de pé.

— Ei, sente-se antes que caia na água, — ele vai até o banco atrás dela e pega os remos, — Daí eu vou ser obrigado a pular pra te pegar, e a água não está tão quente assim.

— Não sento até você dizer porque estamos aqui, — ela cruza os braços e teria batido o pé no chão se o piso dela fosse mais estável.

— Eu te conto nestante, agora senta.

Depois que ela se recusa a se mover, ele suspira impaciente. Por um instante ela sente que vai ganhar e finalmente receber uma resposta, mas então o barco balança subitamente, fazendo ela arquejar de surpresa e quase cair na água antes de recuperar o equilíbrio. Soo se vira para ele e encara furiosa o falso sorriso inocente dele, e então ela se senta relutantemente no banco em frente.

Satisfeito com a sua posição, ele então afasta o barco da margem e começa a remar lentamente.

O sorriso dele desaparece depois de alguns segundos e seus olhos se desviam para o lago em volta deles, sem focar em nada específico, e ela se resigna a observá-lo em silêncio. Ele parece estar tão concentrado por um momento que ela se lembra que ele nunca faz nada sem ter um motivo. Ela só precisa esperar um tempo para entender o que o trouxe ali naquele dia, o que o fez ignorar todas as suas responsabilidades. Ela logo saberá quais são seus bons motivos.

— Isso é errado! — Ela praticamente grita quando ele conta a ela quais são os seus motivos, que não são nem um pouco bons, e olha de volta para a terra que agora parece estar longe demais, mesmo se ela ousasse nadar.

— Está dizendo ao Rei que ele está errado? — A voz dele tem um tom intimidador, mas na verdade ele está se divertindo. Ela sabe que ele está. Ele conseguiu enganá-la, e ela não tem como fugir dessa situação.

— Você está faltando no trabalho!

— E? — A bronca dela parece não afetá-lo, e ele continua a remar.

Se eles estivessem em qualquer outro lugar, ela teria feito ele voltar para a sala do trono. Ela teria o empurrado e puxado, e se ele continuasse sem se mover, ela encontraria outro jeito de fazê-lo retomar seus deveres. Mas agora, presa no meio do lago, sem qualquer forma possível de convencê-lo a remar de volta para a terra, os dois sabem que é ele quem decide quando voltar.

Ela nunca pensara que ele algum dia realmente fugiria dos ministros, dos conselheiros, e de todos os deveres reais que ele deveria cuidar, e fosse para o único lugar onde não pudesse ser seguido e interrompido.

— Os ministros não vão gostar nem um pouco disso...

— E eu ligo? — O sorriso dele de diversão retorna.

— Pyeha!

— Relaxe, Soo-yah.

Ela suspira frustrada, tentando parecer calma e contida.

— Você não precisa fazer isso por mim, — ela diz com uma voz suave.

— Convencida, não? — Ele fala quase rindo, — Não estou fazendo isso por você. Estou fazendo por mim. Aquele lugar me sufoca, e eu quero respirar por um tempo.

— Então por que eu estou aqui? — O tom de zombaria dele acabou com qualquer calma e serenidade que ela ainda tinha.

— Para complementar a vista.

Ela teria virado de costas para ele se o barco não estivesse balançando tanto.

— Ei, — ele reclama de bom humor, — Por que é que quando você quer me tirar do palácio para visitar o mercado não tem problema, mas quando eu te levo num passeio tranquilo de barco você age como se fosse o fim do mundo?

— Nós tínhamos motivos diferentes. — Ela se recusa a olhar para ele.

— Você queria sair. Eu queria sair. Você queria me levar pra dar uma volta. Eu queria te levar pra dar uma volta. Parecem bem parecidos pra mim.

Ela não tem como replicar o argumento dele, mas ainda pode encontrar um novo.

— Pyeha...

— Aproveite o passeio, Soo-yah, — ele a interrompe antes mesmo que ela comece a formular sua fala, — Quem sabe quando poderemos voltar aqui de novo.

Ele olha para ela gentilmente, e ela não tem como ficar irritada com ele quando ele faz aquela cara. Além do mais, o pedido dele para que ela relaxe faz sentido, e logo ela está desfrutando o tempo com ele. Mesmo embora ela ainda ache que ele deveria remar um pouquinho mais rápido.

— Achei que não usasse esse barco, — ela se pega falando depois de um tempo.

— Eu não o uso faz anos, se é que você se lembra.

— Lembro.

— Que bom, — ele olha diretamente para ela, — Então eu não sou o único.

Ela olha de volta para ele, com todo o tempo do mundo para apreciar seu rosto.

— Você parece estar feliz, — ela diz com facilidade e ele dá de ombros.

— Nós não brigamos, faz o quê? Quatro semanas? Cinco?

— Três e meia.

— Um breve debate sobre o nome de uma constelação não conta.

— O nome dela é Orion.

— Se você tá dizendo.

— Tá certo.

— Mas agora estamos aqui. Juntos. E você está rindo.

É aí que ela percebe que está, de fato, sorrindo, que a ação veio naturalmente para ela, que o som não parece estranho aos seus ouvidos. E é também aí que ela percebe o quanto tinha sentido saudades de rir.

— Eu não fazia isso há tempo, não é? — Embora o comentário carregue um pouco de tristeza, ela não consegue parar de sorrir.

— Me desculpe por isso, — o sorriso dele também não desaparece, — Seu bem-estar devia ser minha prioridade.

— Não quando você é rei.

— Como você é uma de minhas súditas, é sim.

— Mas como eu sou sua companhia à noite, não, não é.

Ele para de remar. As palavras dela são ditas em tom de brincadeira, mas depois de tudo que aconteceu, ele se sente obrigado a fazer essas pequenas afirmações.

— Você sabe que é mais que isso, não sabe? — Ele puxa os remos para dentro do barco, deixando-o à deriva por um tempo.

— Sei. — Ela sorri um pouco mais em confirmação, — Mas foi você quem decidiu que queria fazer de Goryeo um lugar melhor.

— Um lugar melhor para você.

— Não só pra mim, e nós dois sabemos disso. — Ela se aproxima um pouco mais dele e deixa que ele veja seu coração, que não há mágoa nele, — Não se preocupe, isso não me incomoda.

— Ah, que alívio! — Ele exclama e suspira de forma teatral, e ela não consegue evitar o riso de novo.

— Já pensou a dor de cabeça que seria se me incomodasse? Eu não te deixaria em paz por um instante.

— Mas você não deixa, — ele franze o cenho numa confusão dissimulada, e ela chuta o calcanhar dele.

— Retire o que disse antes que eu decida nadar de volta para a margem.

— Você não nadaria mais rápido que eu.

— Por que não?

— Porque eu sou o Rei.

— Ei! — Ela chuta ele novamente, — Pare de usar esse argumento comigo!

— Por que eu faria isso? É um bom argumento.

Ela está prestes a chutá-lo mais uma vez e pular na água só pra fazer ele ir atrás dela, quando outra coisa lhe passa na mente.

— Você gosta? De ser rei?

Ele olha para o céu em meditação, pensando com cuidado na sua posição, antes de responder.

— Era muito mais atraente antes, — ele se recorda de quando desejou se tornar rei para mudar a realidade para melhor, — Agora é só um incômodo.

— Lembre-se, você tem o poder de mudar a nação inteira, — ela não consegue resistir à oportunidade de dar um sermão a ele, — Para ser alguém com tanto poder, era evidente que os Céus iriam lhe tomar algo em troca.

— Foi por isso que você sempre odiou aquele trono.

— Mais ou menos. Você não o odeia também?

— Eu não acho que já tenha gostado de uma posição minha. Um filho adotivo. Um cão-lobo. Mesmo quando era um príncipe eu fui forçado a abandonar coisas que eu queria.

Há um momento de silêncio entre eles, no qual ela assimila suas palavras. Ela nunca realmente entendeu os fardos da nobreza, já que sempre esteve sendo protegida por sua prima ou vivendo como uma dama da corte. No entanto, como a cicatriz dela ainda prova, ela já tivera uma porção de dificuldades apenas por carregar o nome da família Hae. Ela só podia imaginar que tipo de dificuldades ele enfrentou só por ser o filho do rei e carregar uma cicatriz.

— Da última vez que viemos aqui, você estava prestes a se casar, — ela se lembra de dias melhores, ao mesmo tempo em que recorda um dos sacrifícios dele.

— Sim.

Ela fica quieta por um tempo, ponderando se deveria continuar nesse assunto, e finalmente decidindo que não faz mal perguntar.

— Ela vai voltar para a corte algum dia?

— Se ela quiser.

A resposta tão direta e tão a cara dele não deveria surpreendê-la, mas surpreende.

— Isso não irritaria a Rainha?

— Provavelmente. Mas eu não estou muito a fim de agradá-la, — ele dá de ombros e depois cruza os braços sobre os joelhos, — Você também irrita a Rainha.

— Sim, mas eu já a irrito há um tempo. Mesmo antes de virar uma ameaça para ela. — A memória do seu primeiro encontro com Yeon Hwa ainda faz ela querer dar uns tapas na mulher.

— Isso não me surpreende.

Ela devia mudar de assunto agora, mas sua curiosidade parece sempre tomar controle sobre ela.

— Ela sempre foi assim? — A pergunta escapa pela boca antes que Hae Soo sequer pense em fazê-la.

— Por que me pergunta?

— Bem, você é irmão dela. Você já a conhece há um tempo, não?

— Eu conheço muita gente.

— Claro que conhece. Mas eu perguntei sobre ela.

Ele endireita a postura, as mãos voltando aos remos e os olhos se afastando dela.

— Eu realmente não quero falar sobre ela.

— Você está tentando mudar de assunto! — Soo quer chutá-lo de novo, mas qualquer vontade de abandonar a embarcação antes de conseguir respostas já desapareceu, — Isso quer dizer que é culpado de alguma coisa!

— Por favor, não vamos brigar, — ele implora, ainda segurando os remos, mas sem colocá-los na água.

— Não estamos brigando. Ainda. Agora responda a pergunta!

Ele suspira e escolhe as palavras com cuidado.

— Ela costumava ser mais simples. Mais gentil. Ela era a única que se aproximava de mim por vontade própria. E apesar de se incomodar com minha máscara, ela não me tratava como um cão ou um parente distante.

— Então se interessou por ela?

— Não quero falar sobre isso.

— Se interessou, sim! — Ela começa a se levantar, dessa vez decidida a voltar para o quarto, — Eu não acredito...

Ele a interrompe, segura-a pelo ombro e a força a continuar sentada, os olhos dele pedindo que ela o escute.

— Ela foi a coisa mais próxima que tive de uma amiga por um longo tempo. Até que a família dela foi banida e ela virou o que é hoje. — Ele retira a mão e enlaça os dedos uns nos outros, olhos perdidos no passado, — Talvez perder a vida que tinha despertou o pior que havia nela.

— Você também perdeu tudo. Eu não vejo você menosprezando as pessoas à sua volta que nem ela.

Ele é trazido de volta para o presente e para a realidade, na qual Yeon Hwa e seu irmão são as fontes de todos os seus problemas atuais, e qualquer compaixão que ele pudesse ter encontrado dentro de si é inteiramente perdida.

— Então talvez ela sempre teve essa arrogância dentro dela, — ele respira fundo, não muito disposto a passar seu tempo livre com Hae Soo falando sobre sua esposa indesejada, — Eu não sei, estou te dizendo. Não é como se nós fossemos os irmãos mais chegados do mundo.

— Mas você ficou na casa dela antes de vir para o palácio.

— Os Hwangbo fariam qualquer coisa para agradar meu pai e irritar minha mãe ao mesmo tempo, — ele ri com escárnio, e quando ela faz uma expressão de confusão ele percebe outra coisa, — O que foi? A máscara de gentileza do Wook te enganou?

— Um pouquinho, — os dedos dela ficam inquietos e seus olhos mudam de foco ansiosamente, então ele decide pôr um ponto final no assunto.

— Bem, pra resumir, minhas memórias de Yeon Hwa criança são de uma garota legal. Minhas memórias dela como adolescente são de uma irmã vã e frívola. Minha impressão dela só vai piorando, e o único motivo para eu não a ter matado ainda é que ela é filha de meu pai.

Ele percebe que pode ter ido longe demais quando ela arfa horrorizada.

— Você mataria sua esposa?

— Aquilo não é uma esposa. É uma serpente. Se eu não tiver cuidado, ela vai me matar.

— Ainda assim! Você não pode matá-la!

— Relaxe. Estou só desabafando um pouco.

Ela então percebe o tom de brincadeira nas palavras dele. Não que ele não despreze Daemok, mas ele não seria tão extremo só para satisfazer seus desejos pessoais.

As palavras dele, apesar de serem num tom de brincadeira, não põem um ponto final no assunto.

— Mas você acha que, se não fosse por mim, você poderia se apaixonar por ela?

Ele revira os olhos e suspira, frustrado.

— Por que é que você continua me perguntando sobre uma mulher que eu já disse nunca ter gostado, mas eu não posso nem ter nem uma pista sobre o homem que você quase casou?

Como ele toca num ponto que ela não deseja revelar por agora, ela deixa o assunto morrer.

— Tem razão, vou calar a boca agora.

Ele põe os remos de volta na água e volta sua atenção para o lago, sem destino algum definido, só para manter a distância entre eles e o mundo lá fora.

Ela o observa em silêncio, mas a possibilidade dele se apaixonar por outra mulher não ajuda a apaziguar suas inseguranças.

— Mas só pra ter certeza...

— Foi sempre só você, Soo-yah, — ele a corta com um sorriso leve, — Só você.

Ela sorri e assiste o sol se pôr nas águas calmas do lago.

— Vamos voltar, — ela diz quando só resta o crepúsculo e manchas laranjas no céu, — Estou com frio.

Ele está descansando os braços depois de tanto remar, e não parece ainda estar pronto para pôr um fim ao momento. Não quando ele não sabe quando outra chance como essa aparecerá. Então ele estica o braço para pegar algo atrás de si e joga um lençol para ela, que ela nem tinha percebido que estava no barco para início de conversa.

— Cubra-se, então.

Ela enrola o lençol nos seus ombros, mas querendo mesmo é se aninhar no peito dele para se aquecer.

— E você?

— Eu estou bem. Estava sentindo falta do ar fresco.

— Mesmo?

— Eu costumava dormir ao relento quando ia caçar. Estou bem mesmo.

Ela ri um pouco quando uma imagem dele cochilando em meio às flores e vestido com seus robes escuros e reais aparece na sua mente.

— É um alívio que você tenha largado esse hábito. Já pensou, você matar uma dama da corte de susto por ter emergido da grama?

— Existem coisas piores que isso. Talvez uma dama da corte me afogasse ao tentar molhar as plantas.

A jovialidade dela é substituída então por indignação.

— Isso aconteceu uma vez, — ela deseja estar mais perto só para poder empurrá-lo na água.

— Uma vez foi o bastante. — Ela não sabe como ele consegue manter o rosto sério quando a fica provocando tão descaradamente, mas isso só a irrita mais.

— Bem, não foi minha culpa! Você não estava visível!

— Não, eu acho que você estava tentando se vingar.

— Pelo quê? Por você ter me empurrado do seu cavalo? — Ela se sente satisfeita quando o brilho convencido nos seus olhos some.

— Você sabe mesmo guardar rancor, hein? Eu também salvei sua vida naquele dia, lembra?

— Foi você quem a colocou em perigo, pra começar!

— Eu só estava passando! Você que não estava prestando atenção.

— Ainda assim, não precisava me empurrar do seu cavalo como se eu fosse um saco de batata! — Ela grita, ainda afetada pela forma que foi tratada, — Você podia ter esperado eu descer sozinha.

— Você ficou me encarando por tempo demais, já estava ficando esquisito.

— Eu estava em choque!

— Não, eu acho que você estava deslumbrada com meu belo rosto.

— Estou prestes a empurrar seu belo rosto desse barco.

— E de volta pra violência...

— Bem, é o que você merece! — Ela o chuta de novo, só pra mostrar que ela pode, — E eu não estou com medo do castigo por bater num rei, se é o que você vai dizer!

Ele ri e ela esquece do porquê estava tão irritada.

— Eu senti saudades desse lado seu, Hae Soo.

Esquece, ela já lembrou porquê.

— O quê? Agora eu sou engraçada?

— Antes você saía proclamando suas crenças para toda Goryeo. — Ele sorri, mas seu tom é sério e coloca seus impulsos violentos em segundo plano, — Você falava sobre justiça e que os nobres não deveriam ser arrogantes por causa do poder que têm, e você não tinha medo de bater num príncipe por passar dos limites. Você dizia sua opinião. Num mundo de falsas cordialidades e elogios, era um alívio.

— Bem... Isso foi antes de eu começar a temer que minhas palavras causassem a morte de alguém. — Ela logo se lembra de Oh Sanggung, e decide mudar o assunto da conversa sobre ele, — E você também era menos refreado, Pyeha. Você não ligava pro que as pessoas pensavam de você, não era mesmo?

— Bem... Isso foi antes de eu começar a me importar com outras pessoas além de mim.

Outra preocupação dela volta de vez na sua mente, mas dessa vez ela não tem medo de conversar com ele sobre ela.

— Você acha que eu te mudei?

— O quê?

— Oh Sanggung uma vez me disse que as pessoas não mudam, mas eu acho que ela estava errada. Todo mundo muda. Eu só queria saber se eu mudei alguém pelo menos uma vez.

Então eu saberia que posso mudá-lo de novo, se necessário.

— Talvez algumas pessoas mudem e outras não. Talvez elas não mudem e pareçam ter mudado, — ele diz depois de pensar um pouco, — Mas você não quer saber sobre meu passado, quer?

Ela não fica surpresa com a velocidade com que ele entende seus conflitos internos.

— Não.

— Quer falar sobre isso agora?

Ela está prestes a negar, mas a chance de compartilhar um de seus maiores segredos, e a expectativa do alívio que lhe traria, abalam sua decisão.

Se é ele, vai ficar tudo bem, não é?

Mas e se isso mudar tudo?

Por fim, ela decide contar a ele como se sente, mesmo que não diga o que a fez se sentir daquele jeito.

— Só promete que não vai ficar com raiva.

— Não vou ficar com raiva. Prometo.

— É só que... Eu não sei... Talvez tenha sido essa distância que abriu entre nós depois do seu casamento, mas eu só... Às vezes sinto que não te conheço mais.

— Me desculpe por isso.

— Não, eu não estou com raiva! Estou só... com medo?

— Com medo que eu te machuque?

— Não! Não é isso... Com medo que você machuque outra pessoa... — Ela tenta, ao máximo, colocar suas inseguranças em palavras que não soem acusatórias, mas acaba desistindo, — Quer dizer, você tinha acabado de ser coroado quando começou a mandar executar pessoas!

— Pessoas ruins.

— Você precisa ser tão impiedoso e frio?

Ela o encara e ele a encara de volta, os dois em silêncio por um instante até que ele fala.

— Você é gentil demais para esse mundo, Soo-yah... — Dessa vez a suavidade na voz dele a incomoda.

— Não me trate como criança.

— Não estou tratando. Estou falando sério. — O sorriso dele some, mas suas palavras ainda são gentis, — Você fica revoltada até mesmo se um servo apanhar. Você despreza a escravidão. Você não liga para a nobreza. Você realmente tem um coração muito gentil, que está sempre aberto a todos. Esse mundo é muito sujo e cruel para alguém como você. Você nasceu na vida errada.

— Talvez sim, — ela suspira quando pensa na ironia de suas palavras, — Mas o que seria de você se eu não tivesse vindo para essa vida?

— Não é ótimo que a gente não tenha que descobrir?

— E se eu tivesse ido embora? — Ela não consegue parar de tentar descobrir, — Você teria mudado?

— Onde quer chegar, Soo-yah?

Ela pausa e respira fundo, e então fala devagar e com cuidado.

— Há um tempo atrás... Eu tive uma visão.

— Uma visão? — Ele levanta uma sobrancelha e ela imediatamente se arrepende de contar para ele.

— Esquece. Você não acredita nessas coisas mesmo.

— Não acredito. Mas acredito em você. O que você viu?

— Eu vi você se tornar rei. Você estava vestido como está agora. Mas parecia mais frio. E mais cruel. Foi só um relance, mas eu senti medo e horror. Era como se você fosse uma pessoa completamente diferente... — Ela se sente sem palavras mais uma vez e só pode esperar que ele consiga entendê-la, — Acha que estou sendo ridícula?

— Nem um pouco. Na verdade, eu queria que você tivesse me contado isso mais cedo, assim eu poderia tranquilizar sua mente. — Ele fica em silêncio e ela consegue ver que ele está repetindo suas palavras na cabeça, compreendendo porque ela estava com tanto medo de falar com ele e acabou vivendo entalada com isso por tanto tempo, — Foi por isso que se opôs tanto a eu me tornar rei? Foi por isso que ficou?

— Eu fiquei por você. Mas eu realmente me opus à sua ascensão ao trono por ter medo que você se tornasse um tirano sanguinário.

— Então, deixe-me garantir agora mesmo: isso não vai acontecer.

— Mas minha visão...

— Foi só um relance, não? Talvez esteja fora de contexto. — Quando ela faz uma cara de ceticismo, ele cruza os braços novamente sobre os joelhos, — O quê? Vai me dizer que não tem vezes que eu não pareço ser frio e cruel? Você até tinha medo de mim quando nos conhecemos.

As palavras dele explicam a sua visão, mas não o conhecimento que ela tem do futuro. No entanto, ela não pode contar a ele como ele será lembrado em mil anos.

— Tem razão.

— Claro que tenho.

— Mas o trono não é um fardo qualquer. Você mesmo disse. Ele...

— Embora me deixe numa posição solitária, eu já me acostumei a ele. Já me acostumei às pessoas se afastarem de mim.

— Mas e se ele te levar longe demais?

— Então vou contar com você para me segurar.

— E se não for o bastante? E se você estiver com raiva demais para prestar atenção em mim?

— Então bata em mim. Acho que vai funcionar.

— Estou falando sério, Pyeha!

— Eu também! Estou te dizendo que não vou mudar por causa do poder, mas se você temer que eu esteja indo longe demais e não te der ouvidos. Se você se sentir distante e como se não me conhecesse, então bata em mim. Direto na cara, se achar necessário. Então eu vou parar e conversar, e voltar a ser racional.

— E se você não parar?

— Bata com mais força. Sinta-se à vontade para me nocautear.

Ela não está achando graça, a risada dele não a acalma nem um pouco. Então ele estende a mão para pegar nas dela e confortá-la.

— Ei, eu ainda sou eu. Ainda não matei uma pessoa sem motivo, ainda não fui descuidado com minha espada.

— Ainda assim... — ela murmura tristemente, — Você costumava ser melhor.

— Então não vamos mais ficar longe um do outro. Você me faz querer ser melhor.

As palavras dele são verdadeiras, e ele também é. Então ela afasta a negatividade e foca no calor de suas mãos calejadas.

Ela sente a distância, mas dessa vez ela pode respirar.

Dessa vez ela o deixa segurar sua mão.

A sensação de normalidade que se estabelece sobre eles parece um pouco estranha no começo. Ela não percebe o quanto havia se acostumado com a distância fria, até que ela começa a desaparecer. Quando ela põe o chá na bandeja antes que alguém o leve para ele, ela não deseja mais que um dia ela consiga alcançar o seu coração. Quando ela caminha pelos jardins, ela não precisa lembrar de como eram as coisas entre eles em um passado distante.

As coisas estão certamente mudando, mas dessa vez é para melhor. Dessa vez ela sabe que pode se apoiar nele sempre que sentir que está caindo.

Compartilhar um fardo realmente o deixa mais leve.

É por isso que ela para de se segurar. Ele já deu tudo para ela, as suas partes boas e as ruins, então ela deixa que ele veja a Hae Soo ruim, e assim as sombras dela ficam menos assustadoras à noite. A vida dela dói menos, e ela se sente aliviada por finalmente poder respirar com facilidade.

Ela ainda prepara a comida e o banho dele, mas um dia ela coloca um pequeno botão de uma peônia debaixo de seu prato antes que a dama da corte o leve para ele. Ela não tinha nenhum motivo extraordinário para isso, e só queria deixá-lo saber que ela sempre estaria lá para ele. Mas quando ela o vê naquela noite, o sorriso dele é a maior recompensa para seu pequeno gesto, e ela se vê querendo fazê-lo sorrir daquele jeito de novo.

É por isso que, naquela tarde em especial, ela coloca o grampo de cabelo de peônia, sabendo que, para ele, aquele sinal não seria nem um pouco sutil, e que a única outra coisa que ela poderia usar para transmitir seus sentimentos adequadamente seria agarrar no pescoço dele e beijá-lo vigorosamente.

E quem sabe? Se ela tiver sorte, vai poder fazer as duas coisas.

— Você está muito grudento hoje, — ela ri quando ele corre o nariz pelo pescoço dela, um braço enrolado firmemente na sua cintura.

— Eu estou muito feliz hoje, — ele a segura, impedindo-a de se afastar demais dele, muito menos se sentar na sua cama.

— Eu estou vendo.

Ela finalmente consegue se livrar dos braços dele, e começa a se arrumar ou só parecer mais apresentável quando ele percebe que ela está prestes a ir embora.

— Não vai ficar aqui hoje?

— Provavelmente não é uma boa ideia, — ela responde brevemente e ele grunhe, decepcionado.

— Eu pensei que tínhamos desistido de ter boas ideias.

— Só se elas não fizerem sentido.

— Você dormir em outro lugar e não aqui, não faz sentido. Então fique. — Ele segura uma das mãos dela, e não a deixa arrumar o cabelo.

— A gente vai acabar brigando pelo cobertor no meio da noite.

— Se é isso que quer evitar, então eu te dou ele agora.

— Pyeha! — Ela reclama num tom de birra.

— O quê? — Ele imita o tom dela.

— As pessoas vão falar.

— As pessoas já falam; falar é tudo o que elas fazem, — So resmunga e faz bico como um menino mimado, — Elas sempre encontram algo para me criticar, então você me deixar aqui sozinho e abandonado não vai mudar nada.

— Ainda assim...

— Você quer mesmo voltar para o seu quarto agora?

Não, eu não quero! Eu quero ficar aqui para sempre! Só nós dois, ignorando o mundo lá fora, nos preocupando só com nós mesmos.

— Eu não deveria ser egoísta.

— Sim, você deveria. Você tem todo o direito de ser egoísta. Faça algo por você mesma.

— Boa tentativa. — Ela pula rapidamente da cama dele, mas ele consegue continuar segurando a mão dela.

— Por favor... Não é como se eu sempre te pedisse pra ficar.

— Na verdade, você pede sim. Sempre que eu venho. E quando você vai pro meu quarto, você se recusa a ir embora.

— Eu poderia lhe ordenar que ficasse.

— Vá em frente e veja se isso me impede.

Ela ri e começa a se preparar para uma corrida, quando a outra mão dele a segura com força, uma carência urgente emanando do seu toque.

— Soo-yah... Por favor... Fique. Ficamos distantes por tempo demais. Estou com saudades.

Ela sorri com deleite, confortando seu pobre coração.

— Eu estou bem aqui, bobo. Não vou pra lugar nenhum.

— Mesmo assim... Brigamos por tempo demais. Por noites sem fim eu dormi sozinho, imaginando se algum dia eu te teria de volta. — Ele olha para ela com olhos lamentáveis, — Se me deixar sozinho hoje, vai parecer que as últimas semanas foram só um sonho, e que você ainda está sofrendo no seu quarto.

Ela resiste àqueles olhos, resiste àquelas palavras, e resiste àquela cara. No entanto, ela se vê se aproximando dele.

— Se você triscar nesse cobertor, eu vou embora.

O rosto dele se ilumina com um sorriso, e ele rapidamente abre um espaça para ela na cama, e a cobre com o cobertor.

Os braços dele estão em volta de seus ombros e ela descansa a cabeça no seu peito, o silêncio do quarto dela trocado pelas batidas altas do coração dele quando ele começa a falar.

— Agora que estamos aqui, eu tenho medo que tudo desmorone de novo.

— Quem poderia saber...

— Eu te amo. Então eu não devia te magoar. — Ele suspira e as suas próprias inseguranças tomam conta dele, — Eu estou destruindo até mesmo você.

— Não está não. Esse lugar está.

— Então eu devia te deixar ir embora. — No escuro, com ela segura em seus braços, é fácil declarar seus piores medos, — Eu não devia te magoar.

Ela se apoia em um cotovelo, pairando sobre ele, e põe uma mão sobre seu coração.

— Você me magoa porque eu te amo. Porque tem coisas que eu não gosto e que você deve fazer. Coisas que nem incomodariam se eu te odiasse.

— Isso não faz sentido.

— Não precisa fazer, — ela sorri para ele, — Isso é amor.

— Está disposta a apostar seu bem-estar nisso?

— No nosso amor? Eu estou disposta a apostar qualquer coisa.

Quando ele puxa o cobertor dela, ele não quer se embrulhar.