Milenares

10 de setembro de 2052, Cidade de Nova Iorque.


10 de setembro de 2052, Cidade de Nova Iorque. Localização atual: planeta Terra. Cinco anos após a queda do Milenar.

A noite estava fria e sombria, enquanto o céu reluzia todos os raios que passavam pelas nuvens a quilômetros por hora, enquanto a zoada dos trovões roncava e estrondava todo o planeta Terra, enquanto a chuva inundava cada canto das ruas.

Os pés dele tocaram ao chão, derrubando o sobre seus joelhos, pendendo seu corpo para frente. Suas lágrimas se misturavam com a água da chuva. Em suas costas a camisa branca cobria a cicatriz enorme que antes pertencia às suas belíssimas asas, que mais pareciam um lindo coração gigante.

A viagem do seu planeta até aquele ponto havia durado cinco longos anos e considerando que havia sido banido por terceiros, ele não podia interferir.

— Senhor, você está bem? – uma mulher se ajoelhou em frente a ele e tocou seu ombro, ela tinha cabelos e olhos escuros.

Em sua mão, segurava um guarda-chuva amarelo, que protegia ao menos a cabeleira loira e encharcada dele.

— Senhor – ela chamava insistentemente, ele não lhe respondia, apenas chorava, como se a dor fosse insuportável para ele – está sentindo dor? Alguma coisa? Fale comigo.

— Onde... onde eu... onde eu estou? Que planeta é esse? – ele pergunta fraco, dolorido, quebrado. E de alguma forma ela podia sentir isso nele, ela havia sido atraída até ali, sentiu vontade de ajudá-lo assim que o viu de baixo daquele dilúvio.

Talvez fosse sua profissão, mas definitivamente era algo a mais, era mágico, sobrenatural.

— Planeta? – ela sussurra, meio perdida, confusa, afinal, o que aquele rapaz tinha? – quem é você?

— Sou um Milenar, me chamo Park Jimin, vim de Anteros – ele responde, mas para ela praticamente nada daquilo fazia muito sentido, quem era aquele cara tão misterioso e tão confuso.

Ela se aproxima um pouco mais colocando ele de baixo do guarda-chuva.

— Precisa de ajuda? – ela pergunta decidindo ignorar a resposta dele, se ele estivesse em algum tipo de surto ou alucinando, ela suspeitaria de que em algum momento passaria depois de levá-lo ao hospital – posso levá-lo a algum lugar? Te ajudar em algo.

Ela toca as costas dele e sente algo gosmento, diferente da água, aquilo era mais espesso, e ao levar a mão na direção dos seus olhos, ela pôde ver que era sangue. A camisa branca estava marcada com sangue, e o corte era enorme.

— Meu Deus – ela se assusta e olha para o loiro que a encarava sem expressão, como se estivesse morto, como se aquele corpo fosse apenas uma casca – precisamos ir ao hospital, vamos.

Ela o segura e levanta, ele estava descalço, suas pernas estavam bambas, seu corpo frágil, mesmo assim ela o levou até seu carro, o colocando deitado no banco detrás. Ela correu até o volante e logo deu partida no carro, o homem não pronunciou mais nenhuma palavra durante todo o trajeto, parecia que ele era feito de silêncio.

Assim que chegou ao hospital, ela chamou por ajuda e os enfermeiros vieram para ajudá-la, levando o rapaz em segurança para dentro.

O corte nas suas costas já estavam fechados, mesmo assim havia uma cicatriz enorme, e ainda parecia estar aberto, como se sangrasse o tempo inteiro. E foi no momento em que tocaram suas costas que ele surtou, enquanto gritava pelo seu amado, enquanto chorava em prantos invocando os Milenares.

— Chamem a doutora Kim – um enfermeiro gritou enquanto tentava segura-lo, o que parecia impossível, considerando que ele já havia derrubado os dois seguranças.

Uma enfermeira saiu correndo e segundos depois voltou com a aclamada doutora Kim. Ela parecia confusa, enquanto olhava aquela cena atípica na emergência.

— Larguem ele – ela grita e todos a obedecem quase que imediatamente – ei, Jimin não é? Sou eu, lembra de mim?

Ele parou para encara-la, seus olhos reluziam a cor dourada, aquilo não era uma miragem, não era uma ilusão, era real, mais real do que qualquer um poderia dizer.

— Saiam – ela ordena para os outros que a olham meio assustados e confusos – está tudo bem, apenas saiam.

Os cinco enfermeiros e os dois seguranças assentem e saem da sala, deixando-a a sós com o rapaz.

— Eu sou Kim Jennie – ela fala com as mãos levantadas – seu nome é Park Jimin, certo?

Ele apenas acena com a cabeça.

— Eu preciso fechar o corte nas suas costas, é perigoso deixá-lo assim.

— Já estão curados, o que você vê é uma ilusão doutora Kim – ele rosna para ela – não podem tocar as marcas de um Milenar sem permissão.

— Certo – ela fala meio pensativa e olha para o pano na bacia cheia de água – deixe-me pelo menos limpar o sangue em suas costas, prometo não o desrespeitar.

Ele semicerra os olhos para ela e empina o nariz, mas não como um ato de superioridade, mas sim porque ele estava cheirando o ar ao redor dela.

— Você tem cheiro de lírios, doutora – comenta e ela lhe lança um sorriso tímido – está permitida em tocar-me.

— Obrigada – ela fala se aproximando aos poucos e tratando de pegar os materiais para limpar as costas dele – pode tirar a camisa um momento?

Ele a obedece, arrancando o pano branco e deixando amostra toda a sua pele alva, que abrigava uma marca sem fim nas costas. Estava explicado porque sangrava, aquilo nunca se fecharia, e fosse o que fosse, ela tinha certeza de que não podia ajudar.

— O que houve com suas costas? – ela pergunta enquanto limpava ao redor da marca.

— Arrancaram as minhas asas – ele sussurra, mas ela estava perto o suficiente para ouvir.

— Sinto muito.

— Não sinta terráquea, aqueles que o fizeram não sentiram – ele funga, enquanto as lágrimas teimavam a voltar a cair – elas eram mais belas que as asas de um cupido, arrastavam ao chão sempre que eu andava.

Aquela conversa estava meio alucinante, mas por hora, ela apenas acreditaria nele, até que pudesse realmente descobrir quem ele era, e onde poderia encontrar sua família. Família, era isso, precisava saber onde estava a família dele.

— Sua família sabe onde você está? – pergunta meio incerta sobre estar fazendo a pergunta correta.

— Não – ele limpa o rosto e olha para as mãos pequenas e fofas – minha soulmate e minha âncora acham que estou morto, e talvez eu preferisse estar.

— O que seria um soulmate e uma âncora?

— Bem, um soulmate seria a sua metade, como manda a lenda de Akai Ito. Nós milenares nascemos perto das nossas almas gêmeas e nos complementamos.

Ela já havia ouvido falar sobre a lenda de Akai Ito, mas nunca havia se entregado tanto assim a coisas que parecessem impossíveis de se ter, de acontecer.

— E âncora? O que é uma âncora?

— Bem, a âncora ao contrário da sua soulmate, é o que te mantém estável, com todas as suas emoções e sentimentos – fala meio sonhador – te mantém vivo.

Ela termina de limpar um lado e passa para o outro.

— E por que eles acham que está morto? – torna a perguntar, tentando entender o contexto daquele rapaz.

— Nossas asas é a ligação do nosso mundo, sem elas, somos apenas seres não mais divinos, somos seres profanados, e quando isso acontece toda ligação é quebrada.

— Por isso preferia estar morto? Por que foi profanado?

Ele apenas assente, enfim ela estava começando a compreender os pensamentos dele, ou pelo menos o superficial.

— Como veio parar aqui Jimin?

— Fui banido pelos nômades – ele responde, ela faz uma careta confusa, ótimo, mais um termo e um conceito que não compreendia, ele ri provavelmente entendendo a confusão dela – Nômades são os primeiros sobrehumanos do universo, cada um deles veio de um lugar no mundo, mas não sabemos a sua origem.

A doutora Kim arregala os olhos espantada, ela sabia sim o que eram nômades e a lembrança lhe veio à mente, Jimin não era o primeiro a citar algo sobre nômades, milenares, asas, e sobrehumanos, havia outra pessoa, uma que poderia ajudá-la a compreender o que Jimin falava.

— Eu conheço alguém que pode lhe ajudar – ela fala terminando de limpa-lo e colocando a faixa em torno do seu torso – vou te levar até ela, o que acha?

— Parece memorável – ele sorri fofo.

Para compreender do que Jimin falava, precisava entender seu mundo, e com isso, talvez ela descobrisse uma forma de ajuda-lo a voltar para casa, talvez aquilo fossem delírios ou alucinações, ou apenas uma verdade desconhecida e mais real do que acharia que fosse em toda sua vida. De qualquer forma, ela não estava preparada, pelo menos não para descobrir que eles não estavam sozinhos no universo.