Foi no verão de 1793 que percebi, com clareza, o quanto meu filho mais velho podia ser desafiador. E o quanto nós dois, igualmente, podíamos ser orgulhosos, teimosos e, sim: fortes, também.

Anthony tinha oito anos. Era o rei de Aubrey Hall. Dominava cada um de seus recantos com a confiança que ainda faltava a Benedict, então com seis, e que Colin, ainda com dois, custaria a alcançar. Daphne, então, nem se fala: na época não contava nem um ano de vida.

Anthony não reinava sobre Aubrey Hall apenas por conhecer todos os seus segredos, entradas, saídas e histórias. Ele era o rei porque era a sua casa. Por direito e por amor. Ele adorava aquele lugar e sofria quando íamos passar a temporada em Londres, estendendo sua insatisfação aos irmãos mais novos. Para amenizar o sofrimento das crianças (e o meu também, para ser fiel à verdade, já que era torturante tê-los de mau-humor), eu concordava em retornar no mês de julho, quando o calor tomava conta da capital e o clima de Kent parecia muito mais atraente do que o movimento sufocante da ton.

O episódio começou de forma quase insignificante: uma discussão tola sobre um passeio. Edmund estava fora, inspecionando outras propriedades. E Anthony meteu na cabeça que daria conta de sair sozinho para dar uma volta a cavalo, coisa que ainda não tinha autorização do pai de fazer.

— Não — foi a minha resposta. —Sozinho, não.

— Posso levar Benedict.

—É claro que não! Nem pense nisso.

— Mamãe, eu vou fazer nove anos. A senhora não pode me tratar como se eu fosse um bebê.

Tentei não rir da sua noção de maturidade e expliquei:

— Seu pai não está em casa. Pode ser perigoso.

—Vou mandar, então, que um criado me acompanhe.

Prático. Cheio de atitude. Eu poderia até admirar a forma como ele solucionara o problema, se a frase não tivesse sido dita em um tom arrogante, de quem tem consciência de que aquilo tudo, na verdade, já lhe pertencia.

— Os criados estão ocupados consertando o telhado e preparando a casa para receber as visitas, daqui a alguns dias.

Ele sabia que a última chuva havia causado alguns transtornos inesperados, como algumas telhas arrancadas. Também já era ciente da preparação exigida para receber convidados e costumava respeitá-la. Mas, mesmo assim, insistiu:

— Há de ter alguém que possa dar uma volta comigo.

De repente, me pareceu muito importante ganhar a discussão daquele incipiente projeto de visconde. E eu neguei:

— Não, Anthony.

Mas ele já estava fazendo menção de deixar a sala, fazendo planos, como se não tivesse me ouvido:

— Já sei até quem chamar!...

— Anthony! — ralhei, subindo o tom de voz o suficiente para fazê-lo parar. —Eu disse não!

—E eu disse que posso dar um jeito!

Fiquei de pé com a intenção de intimidá-lo, me aproveitando do fato de que a minha altura ainda era superior à dele. Era preciso aproveitar essa vantagem, que não tardaria muito a desaparecer.

— Eu disse “não”, Anthony. E quem manda aqui sou eu, não você.

Encaminhei-me para a porta, fazendo questão de ter não só a última palavra, mas também a primazia de deixar o local. Estava de costas quando ouvi a voz dele chegar por trás, clara, desafiadora, sem nenhuma hesitação:

—Mas, um dia, quem vai mandar aqui sou eu. E quando isso acontecer, eu vou andar a cavalo na hora que quiser andar, com quem eu quiser!

Girei nos calcanhares, irritada. Por nada. Aquilo era coisa de criança. E por tudo. Ele era muito novo para eu perder uma discussão (e as rédeas) desse jeito. Mas a verdade é que, em parte – em grande parte – porque meu orgulho foi ferido, eu ordenei, sentindo que meus olhos deviam estar soltando faíscas:

— Para o seu quarto! Agora!

Ele chegou a respirar fundo para dar uma resposta. Não deixei que chegasse nem na primeira sílaba.

— Agora, Anthony! Você está de castigo até a hora do jantar.

Ele mordeu o lábio inferior. Provavelmente, para conter uma resposta atrevida que já devia estar na pronta para sair. Ergueu o queixo, como se estivesse me desafiando para um duelo e, em seguida baixou a cabeça. Não em sinal de humildade (nunca!), mas como um touro novo prestes a investir contra alguém. Não sei como ele conseguiu se controlar. Só sei que saiu pisando duro em direção às escadas sem dar uma palavra.

O resto da tarde passou sem que eu pensasse mais em Anthony ou na punição dada à sua insolência. Eu sabia que ele não gostava de ficar preso no quarto, mas tinha certeza de que acabaria lendo um livro ou mesmo tirando um cochilo.

Não era a primeira vez que o mandava para seu quarto como forma de punição ou de fazê-lo controlar seu gênio. Nunca por um período de tempo tão grande, é verdade; no entanto, como o limite do castigo (a hora do jantar) era claro, eu não pensei mais naquilo. As gracinhas de Daphne e Colin (que não parava quieto um minuto!) e as descobertas de Benedict em relação às palavras – estava aprendendo a ler – ocuparam minha tarde e contribuíram para que eu me distraísse. Quando dei por mim, estava quase na hora do jantar.

Eu podia ter pedido que alguém fosse chamar Anthony em seu quarto. Considerando, porém, que aquilo era um castigo, decidi eu mesma subir e dar por oficialmente terminado seu período de reclusão. Com ambos mais calmos, eu conversaria com ele sobre o acontecido, chamaria sua atenção e tudo terminaria bem. Como tinha de ser.

Quando abri a porta do quarto, o cômodo estava quase às escuras. A luz do fim de tarde permitia, no entanto, que eu percebesse um vulto deitado na cama, enrolado nas cobertas. Por um momento, senti uma pontada de culpa em fazer com que um menino de oito anos, saudável, cheio de vida, tivesse de passar uma bela tarde de verão trancado no quarto. Mas me lembrei de sua expressão atrevida quando se dirigiu a mim mais cedo, e sosseguei. Toquei-o com suavidade.

— Anthony...

Havia alguma coisa errada. Ele estava mole demais. Como... Como um travesseiro!

Dei um puxão nas cobertas, confirmando o que eu já desconfiava: meu filho de oito anos havia me passado para trás e desrespeitado minhas ordens: ele não estava no quarto!

Sentei no escuro e aguardei. Não demorou muito para que a janela se abrisse. Eu havia chegado a considerar trancá-la, mas tive medo de que, ao fazer isso, ele caísse da árvore que lhe dava acesso ao quarto. Por isso, deixei tudo como estava e fiquei à espera.

Minha raiva era tanta que somente uma pequena parte de mim conseguiu ficar aliviada por vê-lo de volta inteiro, já que eu tinha quase certeza de que Anthony havia saído para cavalgar sozinho. Antes que, no escuro, ele começasse a desfazer o cenário montado para enganar quem abrisse a porta do quarto, eu o peguei pelo braço. Foi com tanta força que tenho certeza de que a marca das minhas unhas ficaram cravadas nele.

— Onde você estava, Anthony?

Ele estremeceu. De leve, mas estremeceu.

—Mãe?... O que a senhora está fazendo aqui?

—Onde você estava?

— E-eu... Eu estava...

Ele nunca gaguejava e quase nunca titubeava. Era raro exibir momentos de insegurança. Apertei mais ainda seu braço e aquilo, em vez de intimidá-lo, pareceu dar forças para que ele conseguisse responder, altivo:

— Eu fui dar uma volta a cavalo.

— Ou seja, conseguiu me desobedecer duas vezes: saindo do castigo e fazendo exatamente o que eu falei que você não podia fazer!

— A senhora pode soltar meu braço? Está me machucando!

Eu o apertei ainda mais, se é que era possível, e comecei a chacoalhá-lo. Nunca fiquei tão furiosa com um filho como naquele momento.

—Não, eu não posso soltar você! Venha comigo agora e não ouse me desobedecer, Anthony Bridgerton!

Comecei a arrastá-lo comigo escada abaixo. Alguma coisa no meu tom de voz fez com que ele não criasse nenhuma resistência e me acompanhasse até o escritório de Edmund, onde eu o sentei na cadeira como se fosse um boneco de trapos.

Anthony não dizia uma palavra, apenas acompanhava meus movimentos com os olhos castanhos arregalados.

Trêmula de fúria, eu peguei um livro com as folhas em branco, tinta e uma caneta, colocando tudo na frente dele.

— Você vai escrever cem... Não, cem é pouco! Você vai escrever mil vezes que deve respeitar e obedecer a sua mãe!

Os lábios dele se entreabriram surpresos. As mãos não esboçaram nenhum movimento. Por isso, abri o livro, molhei a caneta na tinta e coloquei-a na mão dele.

— Ande, pode começar!

Não houve lágrimas, protestos ou pedidos de desculpas. Ele apenas pegou a pena e começou a escrever, repetidamente, de forma organizada:

1 - Devo respeitar e obedecer a minha mãe.

2 - Devo respeitar e obedecer a minha mãe.

3 - Devo respeitar e obedecer a minha mãe.

—Voltarei mais tarde — declarei. — E é bom que você esteja aqui quando eu passar por aquela porta.

Ele não ergueu os olhos do papel.

Não preciso dizer que perdi o apetite. Ainda estava zangada com Anthony. Mas estava quase tão zangada comigo mesma por ter me deixado dominar pela fúria daquela forma.

Edmund nunca tinha problemas com nosso filho mais velho. E não é porque Anthony não testasse os limites com o pai. Ele o fazia, é claro, como todas as crianças fazem. Principalmente uma criança que sabe que herdará um título de nobreza, propriedades e poder. Mas meu marido era muito mais habilidoso do que eu em contornar essas situações.

Pela altura da sobremesa, eu já me sentia a pior mãe do mundo. Pedi que a babá colocasse Benedict e Colin para dormir (Daphne já estava em seu berço há algum tempo) e abri, devagar, a porta do escritório.

Anthony continuava no mesmo lugar que eu havia deixado. Era como se tivesse sido congelado ali. Eu não tinha percebido antes, mas seus pés mal tocavam o chão. A escrivaninha de mogno também ainda era grande demais para ele.

Olhei por cima do seu ombro. A numeração das frases repetidas se aproximava do número 100. Era óbvio que ele não terminaria tão cedo. Sem contar que desde a hora do almoço ele não bebia ou comia nada. Devia estar faminto e com sede.

Eu sabia que não podia voltar atrás no castigo. Infelizmente, ele teria que escrever, mil vezes, que deveria me respeitar e obedecer. Mas eu poderia temperá-lo com alguma clemência. E foi o que resolvi fazer.

— Anthony.

Ele parou de escrever, mas manteve os olhos baixos, fixos nas páginas do livro que começavam a ficar cobertas com sua caligrafia infantil. Estava esperando calado, mas ainda havia no ar um clima de desafio. Sempre havia.

—Já é tarde — observei, sentindo-me magnânima. —Você pode parar por hoje e comer alguma coisa. Amanhã você continuará a escrever.

—Não estou com fome — foi a resposta dele, em um tom de voz baixo, suave até demais, mas firme.

— Você não come nada desde o almoço. Deve estar com fome.

—Não estou.

—Então, vá se deitar.

— A senhora mandou que eu escrevesse mil vezes para respeitá-la e obedecê-la. Ainda não terminei.

Tive de me segurar para não gritar com ele. Anthony conseguia me desafiar mesmo quando obedecia as minhas ordens. Era enlouquecedor!

Cuidadosamente, respondi:

—Está bem. Escreva até quando quiser. Só quero que saiba que tem minha permissão para continuar a tarefa amanhã.

Ele assentiu sem me dar nenhuma pista do que realmente pretendia fazer. Segurei minha vontade de lhe dar um beijo de boa-noite (não me pareceu adequado fazer isso durante um castigo) e fui me deitar.

Dormi mal. Mas resisti à tentação de verificar até que horas Anthony havia ficado acordado, escrevendo. Levantei cedo, com o sol raiando e mal me vesti, resolvi passar pelo quarto dele. Ao abrir a porta, uma nova surpresa me aguardava: sua cama estava intacta. Ele não havia subido para dormir!

Com o coração apertado, desci as escadas correndo. Com um suspiro de alívio, vi que ele ainda estava sentado à escrivaninha, determinado a cumprir a tarefa imposta por mim. Os ombros estavam curvados e havia olheiras acinzentadas debaixo de seus olhos. Os dedos da mão direita, que usava para escrever, estavam sujos de tinta e de sangue.

— Anthony... — murmurei.

Ele não ergueu os olhos. Apenas contava.

—Novecentos e noventa e três...

Durava uma eternidade passar de um número para o outro. Seu braço devia estar doendo muito, assim como seus dedos. Tive de me controlar para segurar as lágrimas até chegar ao final. Pareceu demorar mais do que nos números anteriores. Finalmente, ele fechou o livro e me entregou.

Eu não queria tocar naquilo. Fosse inverno, ele teria ido parar na lareira acesa, tamanha a minha aversão de tocar em algo que havia causado tamanho sofrimento ao meu filho. E a mim também, pois, a determinação de Anthony, sem querer, havia transformado em uma punição para mim o castigo que eu mesma impus a ele. Mas não houve jeito de evitar o livro. Anthony continuava estendendo-o para mim e eu não podia ignorá-lo.

Tentei tocar o rosto sujo de tinta do meu filho, que se encolheu como um animalzinho ferido. Respeitei sua mágoa e recolhi a mão.

—Você comeu alguma coisa? —consegui perguntar.

Ele fez que não com a cabeça.

—Bebeu, pelo menos?

— Um pouco de água.

—Deixe-me limpar seus dedos, meu filho.

—Não precisa.

— Estão machucados.

Ele sacudiu a cabeça, como se aquilo não tivesse importância. E pediu:

—Posso ir para o meu quarto?

Eu fiz que sim, tentando disfarçar as lágrimas que começaram a correr dos meus olhos. Mas acho que ele estava tão exausto que nem percebeu. Deixei que fosse embora e desabei na cadeira do escritório, chorando.

Depois de algum tempo e uma boa xícara de chá, consegui me refazer o suficiente para subir as escadas, levando comigo toalhas limpas e uma bacia de água morna.

Abri a porta do quarto de Anthony devagar. Ele estava dormindo por cima das cobertas. Não havia nem trocado de roupa. Só conseguira tirar os sapatos.

Pousei a bacia na mesa de cabeceira. Delicadamente, peguei sua mão direita, limpando, da melhor forma possível, os machucados deixados pelo castigo. Mesmo no sono, ele se encolheu um pouco.

Beijei sua testa e acariciei seu rosto, reparando que lágrimas haviam aberto caminho em meio às manchas de tinta que seus dedos cansados deixaram em sua face. Com água morna, limpei suas bochechas também.

Peguei uma manta no armário e cobri-o, murmurando:

— Desculpe-me, meu filho. Fui muito dura. Mas você, às vezes, me tira do sério...

Puxei as cortinas das janelas para escurecer o quarto e desci com a bandeja. Sabendo que era provável que a fome não o deixasse dormir muito tempo, subi mais uma vez e deixei no quarto uma bandeja com comida. Também escrevi um bilhete, que coloquei de forma visível, na bandeja.

Meu filho

Acredito que esteja com fome ao acordar. Coma o que desejar. Quando puder, venha falar comigo.

Mamãe

Desci e fui ver como estavam os outros. No entanto, hoje, ao contrário de ontem, nem todas as gracinhas de Daphne, traquinagens de Colin ou descobertas de Benedict conseguiam tirar minha mente e meu coração de Anthony.

Ele desceu logo depois do almoço, usando uma roupa limpa. Eu estava sozinha na sala, bordando, enquanto as outras crianças descansavam.

Chegou quieto. Seus olhos castanhos fitavam os meus ainda ressabiados, na defensiva. Sorri para ele de forma tímida, mas carinhosa.

—Nós acabamos de almoçar. Você se alimentou ao acordar, meu filho?

Ele fez que sim com a cabeça.

— Quer almoçar?

— Não. A senhora queria falar comigo?

Fiz um gesto para que se sentasse no sofá, perto de mim. Ele obedeceu, com o jeito de animalzinho acuado ainda estampado nos olhos e nos movimentos do seu corpo.

— Anthony, eu gostaria de dizer que fiquei muito magoada com o seu comportamento de ontem.

Os olhos se encheram de lágrimas e acusações, como se dissessem: “e eu, não fiquei magoado com o seu?”.

— Eu sei que você também está magoado pelo castigo. Mas se não fosse sua própria teimosia, ele poderia ter sido cumprido de uma forma um pouco mais suave. Ele só não poderia ter deixado de ser dado, pois, ao fugir do seu quarto ontem à tarde, você não apenas me desobedeceu. Sabe o que você fez?

Os olhos dele se apertaram intrigados. Eu prossegui:

— Você traiu minha confiança.

Ele não falou nada. Apenas abaixou a cabeça, fitando os dedos machucados.

— Eu achei que você estava em seu quarto. Mas você me enganou e foi andar a cavalo sozinho. E se você se machucasse?

—Isso não iria acontecer — murmurou ele. —Eu nunca caí de um cavalo.

— Mas poderia ter caído!

Ele ergueu os olhos das mãos para me fitar.

—Eu tomei cuidado. Sempre tomo.

— Anthony, essa não é a questão. A questão é que eu confiei em você. E fiquei muito, muito desapontada quando vi que você tentou me enganar.

Ele ficou em silêncio por alguns instantes.

— É por isso que você ficou tão zangada comigo?

—Fiquei zangada com você por várias razões. Mas, sim, esse foi o motivo principal. Entende?

—Entendo.

Ficamos em silêncio. Eu sabia que esse devia ser o momento em que ele me pedia desculpas. Nada. Nem uma palavra, embora parecesse desconfortável por ter traído minha confiança. De repente, ele ficou de pé.

— Posso ir até o lago?

—Nós ainda não acabamos nossa conversa...

—Pensei que já tinha terminado.

—... e além do mais, o que o senhor quer fazer no lago?

— Nada demais. Só estou cansado de ficar trancado em casa.

Ele estava com jeito de quem não estava falando toda a verdade. Adverti:

— Eu posso deixar você ir até o lago. Mas nem pense em entrar dentro dele.

O rosto dele se desanuviou.

— Ah, eu nem estava pensando nisso!

—Posso confiar em você dessa vez, Anthony?

Ele fez que sim com a cabeça.

— Então, vá. Mas não demore muito, está bem?

—Não vou demorar.

— E prometa que não vai entrar no lago.

— Não preciso prometer. Eu não vou fazer isso.

Fiquei curiosa sobre suas intenções, mas dei a ele um voto de confiança.

De fato, fosse o que Anthony tivesse ido fazer no lago, não foi demorado. Ele logo voltou e se juntou aos irmãos na sala onde brincavam. Enfileirou soldados de chumbo com Benedict, jogou bola com Colin e escondeu objetos atrás das almofadas para Daphne encontrar.

Nós jantamos e coloquei as crianças na cama, sempre na ordem inversa na qual nasceram. Quando chegou a vez de Anthony, ele estava quase dormindo. Efeito da noite em claro, pois quase sempre estava bem acordado a essa hora. Ajeitei as cobertas ao redor dele e beijei sua testa.

— Boa-noite, meu filho. Durma bem.

— Boa-noite, mamãe.

Nenhum pedido de desculpas. Ele não era fácil. Mas não havia aquele ar de desafio nem em sua voz, nem em seu rosto. Contentei-me com isso e deixei o quarto, carregando comigo a vela que me acompanhara no que Edmund chamava de minha “ronda noturna”.

Quando cheguei ao meu quarto, fui surpreendida por um ramalhete de flores em cima da cama. Estava amarrado de forma meio desajeitada com uma fita, mas pareceu o buquê mais bonito do mundo para mim. Primeiro, porque reconheci as flores que cresciam próximas ao lago. E, depois, porque havia com elas um cartão, onde estava escrito, com uma letra caprichada:

Mamãe

Não quis trair sua confiança. Eu irei sempre proteger e amar você. Perdoe-me.

Anthony

P.S.: A senhora ainda me ama?

Alguma coisa dentro de mim se revirou, como se eu tivesse levado um soco no estômago. Doía que um filho meu pudesse pensar que eu deixaria de amá-lo, ou o amaria menos. Eu podia amá-los de forma diferente, pois eles eram diferentes uns dos outros, mas amar menos? Nunca!

Voltei ao quarto de Anthony e puxei-o para mim, sem me incomodar que ele já estivesse dormindo. Tonto de sono, ele apenas entreabriu os olhos e murmurou:

— Mamãe?... O que foi que eu fiz dessa vez?

Tive que rir, apertando-o em meus braços e beijando seus cabelos.

— Nada, meu filho. Você não fez nada. Eu só não pude esperar até amanhã para agradecer as flores.

Ele esfregou os olhos, esboçando um sorriso.

—A senhora gostou?

—Muito. Obrigada por elas. E por seu pedido de desculpas.

— Então, eu estou perdoado?

— Está. Mas eu espero que não faça de novo.

— Não farei — ele assegurou, desvencilhando-se do meu abraço para me fitar nos olhos.

Não consegui saber ao certo o que ele não faria mais, mas como domar Anthony (o termo era exatamente esse) não era tarefa fácil, deixei passar. Qualquer coisa que eu conseguisse, fosse me obedecer, não me enganar ou mesmo não andar a cavalo sozinho estava bom. No entanto, ele ainda precisava saber do mais importante:

— Está bem, querido. Pode voltar a dormir. Eu só queria que você soubesse de uma última coisa... Ou melhor, de duas.

Ele inclinou o rosto para o lado, os olhos castanhos cheios de curiosidade.

— O que é, mamãe?

Peguei a mão dele entre as minhas.

— A primeira delas é que eu sempre amarei você. Mesmo quando sua mão for muito maior que a minha.

Ele fitou nossas mãos entrelaçadas, achando graça. Parecia uma meta quase impossível, mas ele sabia que um dia isso aconteceria.

— E a outra?

— A outra é que, para seu azar, o meu amor por você se manifesta de uma forma ainda maior e mais forte justamente quando eu estou chamando sua atenção ou puxando suas orelhas.

Ele levou as mãos às orelhas, em parte por instinto, em parte por brincadeira. Nós dois começamos a rir. Finalmente, acomodei-o de novo nos travesseiros e puxei as cobertas. Foi quando ele me surpreendeu com um pedido:

— Conta uma história?

—Eu?

— Quem me fez perder o sono?

— Está bem. Mas depois não reclame. Era uma vez...

— É história de cavaleiros?

—Não.

— De piratas?

—Não.

—Não me venha com história de meninas!

—Quem pediu a história, afinal de contas? Além disso, eu conheço histórias feitas para serem contadas a pessoas. Qualquer uma delas. Não sei o que o senhor entende por “história de meninas”.

Ele sorriu. E o sorriso permaneceu em seu rosto mesmo ao perceber que vinha pela frente um conto de fadas.

— Era uma vez, em um país distante, um jovem príncipe, que vivia em um reluzente castelo. Embora tivesse tudo que quisesse, o príncipe era orgulhoso e arrogante...

— Gosto desse príncipe — afirmou Anthony, com um leve tom zombeteiro na voz. — Mas na outra vez em que ouvi essa história, ele era mimado e egoísta.

— Pois na minha versão, esse príncipe é arrogante, orgulhoso, muito, muito teimoso e gosta de provocar a mãe dele! — devolvi, fazendo cócegas em sua barriga.

Ele caiu na gargalhada. Foi tão sonora que teve de esconder o rosto no travesseiro para abafar o barulho. Eu mesma tive de fazer força para conter o riso enquanto ralhava com meu filho, de um jeito que parecia severo, mas estava longe disso:

— Shshshsh! Quer acordar seus irmãos?

— Não. Hoje, a história é só para mim. Continue, mamãe.

— Bem, onde eu estava mesmo?

— Vai começar a tempestade. Eu gosto de tempestades.

— E eu não sei? Você nasceu no meio de uma. Era final de verão... Cada raio de arrepiar...

Fui baixando a voz para acalmá-lo. Ele dobrou o travesseiro em dois, ajeitando-se como gostava. E eu pude seguir adiante:

— Em uma noite de tempestade, uma velha mendiga veio ao castelo e ofereceu a ele uma simples rosa, em troca de abrigo para o frio. Repugnado pela aparência dela, o príncipe zombou da oferta e mandou-a embora. Porém, ela o aconselhou a não se deixar enganar pelas aparências e, quando ele voltou a expulsá-la, ela se transformou em uma linda feiticeira. O príncipe tentou se desculpar, mas era tarde demais, pois ela percebeu que não havia amor no coração dele. Como castigo, a feiticeira o transformou em uma fera horrenda...

Anthony acompanhou a história com interesse, mas o sono tomou conta dele ao final da narrativa. Fiquei com pena que ele não estivesse acordado para conferir a transformação da fera em príncipe.

Lamentei também que esse momento tenha acabado. Afinal, talvez tenha sido a última oportunidade que tive de lhe contar uma história antes que ele crescesse ainda mais e começasse a me escapar pelos dedos, como já estava fazendo. Mas algo me diz que meu príncipe arrogante e orgulhoso ainda descobriria o final dessa história sozinho... Ou com a ajuda de uma princesa muito, muito determinada que pudesse enfrentá-lo e, ao mesmo tempo, amá-lo.

Por hora, a única certeza que tinha é que eu sempre amaria o menino e, mais tarde, o homem que havia debaixo dessa fera.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.