Death

Novamente, o velho homem andou entre os túmulos do cemitério. As únicas coisas que se podia ouvir eram os passos lentos, as batidas ritmadas da bengala e o profundo silêncio de solenidade majestosa que apenas um cemitério possui. Estava sozinho. Como sempre, ele andou até certo ponto e parou, em frente a uma lápide que dizia, com letras elegantes e um tanto floreadas:

"Aqui jaz Trafalgar D. Nami, uma ruiva esquentada, uma boa esposa, boa mãe e a melhor pessoa que já existiu."

E, então, ao lado, outra lápide:

"Monkey D. Luffy, um bom homem, tanto como marido quanto como amigo e uma pessoa sem igual."

- Já faz um tempo, não? - O velho questionou para a segunda tumba - Eu cumpri minha promessa, Monkey-ya. Até o final. – Sorriu de canto e fitou a outra lousa fria – Olá, minha ruivinha estressada. Parece que você sempre vai embora primeiro, não? – Deu uma risada baixa e cavernosa – Eu prometi que estaria com você até o último momento, só não disse que seria até meu último momento. – Olhou a sua volta.

Nada. Não havia absolutamente nada para ver ali. Nada de bom, ao menos. Aquele lugar era como um cemitério de histórias de terror. Todo cinza. Todo pintado de tristeza, saudade e solidão. As árvores, que árvores? Mais pareciam gigantes distorcidos, com suas faces aterrorizantes de cruel prazer, como se a ideia de velar os mortos e assistir as dolorosas explosões de angústia lhes agradasse, assim como agradava ao carrasco ter cabeças para cortar. O céu estava nublado e uma leve brisa brincava com os cabelos brancos, antes tão negros quanto à noite, do velho senhor. Ele ergueu a cabeça, um sorriso pequenino surgindo em seus lábios, enquanto o vento acariciava seu cavanhaque e suas costeletas, cujo dono nunca as retirara. Afinal, ela dissera que gostava. Ela o impediu de tirar, confessando que o deixava charmoso. E ele os deixou, não só porque também os apreciava, mas em memória dela. Abaixou a cabeça e olhou o túmulo novamente.

- Sabe, Nami, outro dia eu estava me lembrando de umas coisas... – Começou a conversar, mesmo sem ter ouvinte.

Ele dialogava com tudo ali, e, ao mesmo tempo, com nada dali. Ele apenas falava seu monólogo, sem esperanças de que o vento ou as árvores lhe respondessem. Porém, continuava a contar mil e uma coisas. Pois sabia que aquela ruiva em especial o estava ouvindo, com um grande sorriso no rosto, os olhos castanhos sempre calorosos e aconchegantes, os longos cabelos bailando no ar... Bastava apenas fechar os olhos, que a imagem dela lhe vinha à mente, sem rugas, sem sofrimento, sem dor, sem cabelos brancos, sem tosses e sem doenças. A imagem dela que o idoso possuía não era da senhora de quase 90 anos que mal saía de casa por culpa do corpo envelhecido e fraco, e sim da jovem de faces angelicais e cabelos alaranjados.

- Você se lembra daquela vez em que sorriu para mim pela primeira vez? Para mim, e somente para mim, você lançou seu mais belo e puro sorriso. Foi quando te ajudei a pegar uma laranja que estava mais em cima. Sempre fui mais alto que você, sua nanica. E depois, fez questão de dividir a fruta comigo, o que fez Eustass me bater, dizendo algo como "Você não deve mexer com a ruiva dos outros, idiota!" – Soltou mais uma risada – Eu me lembro de que foi você que me socorreu e, ruivinha, você era forte, hein? Eustass ficou com um belo olho roxo por quase uma semana. Madame Nora nem se importou, aquele menino era a "desgraça da vida de uma babá", como ela mesma dizia. Depois disso, ficamos cada vez mais próximos, até sermos amigos. A morte de Bellemere-ya foi o que selou nossa amizade para sempre. Tenho lembranças de todos os abraços que tive que te dar para você parar de chorar, e quantas vezes eu tive que passar a noite com você na casa da árvore, por causa de seus pesadelos? O chão duro quase acabou com minhas costas, mas não tínhamos outro lugar e eu não queria te ver chorando ou triste. Também tinha meus pesadelos, você se lembra? Sempre que isso acontecia, você deitava minha cabeça em seu colo, afagava meus cabelos e cantarolava a música preferida de Bellemere-ya, "O Sakê de Binks". Isso, somado ao seu delicioso cheiro de laranjas, me acalmava de um jeito que você não pode sequer sonhar em imaginar.

Por alguns minutos, tudo ficou em mais profundo silêncio. Uma garoa fina resolveu cair. As gotas beijavam o chão com suavidade, porém o velho não estava dando atenção. Ele respirou fundo e soltou o ar. Fechou os olhos. Abriu. Levantou a cabeça de novo e sentiu os pequeninos lábios da chuva em seu rosto. Lábios gelados. Um sorriso cansado surgiu no rosto de homem. Os olhos cinza faiscaram de vontade louca e repentina de gritar. E foi o que ele fez. Gritou. Não se importava com o fato de que o zelador, o coveiro, o padre ou qualquer outra pessoa pudesse estar perto. Gritou, mas não de dor. Não. O senhor gritou pelo simples motivo de estar cansado. Cansado de estar ali. Não ali, no cemitério, mas ali, no mundo. Já havia cumprido sua missão, já era a hora de ir. Hora de ir descansar. De preferência, ao lado de uma laranjeira, com a cabeça em cima do colo de uma ruiva especial. Seu grito, rouco de tal modo que a voz parecia raspar-lhe a garganta como lixa, continuou por mais um tempo, até o fôlego abandonar seus pulmões. Sua voz foi morrendo, e logo não passava de um eco ao longe. O homem puxou um pouco de ar, com evidente dificuldade, e fez um último comentário:

- Estou indo, Nami-ya. Espero que ainda não tenha desistido de me esperar. – Dito isso, continuou sorrindo, até que seu coração se calou. Nisso, Trafalgar D. Luke, uma cópia do pai, com seus cabelos negros e olhos cinza, chegou ao cemitério, junto com seus irmãos Luffy, Perona, agora com os cabelos rosados, e Gisa, uma cópia de Nami.

- Pai? – Luke chamou hesitante e se aproximou – Pai. Pai? – Nada. A pessoa ficou lá, quieta, sem se mover, apenas apreciando a beleza fria da Dama Branca – PAI?!

E naquele dia, Trafalgar Law, médico renomado, pai de quatro filhos, morreu, com um sorriso infantil no rosto enrugado, em frente à lápide de sua mulher, Trafalgar D. Nami.

O0o0o0o Em algum lugar cuja localização a autora desconhece o0o0o0O

Law fitou o lugar onde estava. Era um jardim. Um grande e verde jardim. Law nunca estivera naquele lugar, mas sentia que o conhecia e que nada tinha a temer. Deu alguns passos em certa direção, onde havia uma laranjeira. E, detrás da planta, saiu um vulto. Um vulto muito conhecido.

- Você demorou, Law. – Disse.

- Sinto muito, Nami, por fazê-la esperar tanto. – Sorriu, andou até ela e a abraçou.

Ele estava feliz. Ela estava feliz. Nada mais importava. Apenas os dois e a laranjeira, que nada mais era o resultado do vínculo de amor deles. Aquela árvore fora semeada quando o casal não passava de duas crianças, e foi se alimentando dos sentimentos deles. No tempo em que passaram separados, a laranjeira, ainda com suas flores, porém sem frutas, ameaçara murchar. No entanto, agora estavam juntos, como o destino previra, e belíssimas laranjas a carregavam. Porém tudo isso, eles só descobririam depois, quando assistissem, por entre as nuvens, o casamento de Luke com a filha adotada de Portgas, Portgas D. Monet, pois nesse dia, só nesse dia, encontrariam o arbusto de rosas amarelas que Monet passara a gostar depois de ganhar uma dessas do Trafalgar do meio, quando ainda eram pequenos.