Midgard Heroes - A Canção de Glast Heim - Livro 1

Capítulo 5 - E o pesadelo chega ao... Fim?


Labirinto da Floresta, 3° andar, 1:15 da tarde

Os lados haviam se invertido. Dessa vez, era o Menestrel que disputava, inutilmente, sua força contra Michael. A Cigana, agora, também estava paralisada — Jean, o mestre, tinha avançado em sua direção e, atingindo alguns pontos vitais de seu corpo com seus dedos, colocou ambos em uma paralisia eterna que só podia ser quebrada segundo a vontade dele.

Era de se esperar que ambos estivessem assustados, mas seus olhos não demonstravam sentimento algum. Era como olhar para um espelho; tudo o que você via no reflexo daquelas pupilas era sua própria alma.

Não era segredo para ninguém a intenção de Jean com aquela habilidade. Desta vez, entretanto, sua habilidade demoraria um pouco mais para ser preparada. Eram pouco mais de cinco segundos o tempo que o Menestrel teria para defender sua parceira novamente. Dois desses segundos, inclusive, foram gastos para criar um plano.

De súbito, o Menestrel começou a correr e Michael, que obviamente não permitiria que ele se distanciasse muito, disparou em sua direção. Era fácil perceber que os olhos do Menestrel analisavam a distância entre os dois, o que preocupou o Paladino. Em certo ponto, o músico apenas parou em seu lugar, empunhando novamente seu instrumento e emitindo um som bastante estridente com ele. Uma dissonância extremamente aguda, que penetrava os ouvidos de Michael com uma força enorme, impedindo-o de continuar sua perseguição.

Foi apenas um golpe, mas foi o suficiente para levá-lo ao chão. Com isso, o Menestrel conseguiu avançar por mais alguns metros, focando em alcançar sua parceira. Daniel, que interferiu pela primeira vez, diminuiu sua agilidade, mas não foi o bastante para impedi-lo, que virou-se por um rápido momento, ainda em movimento, para atirar-lhe uma flecha incorpórea de sua habilidade. O Sumo Sacerdote foi forçado a esconder-se mais uma vez. Ele não podia ser detido, não naquele momento.

O ódio do homem que se aproximava de Jean era agora bastante palpável. O Mestre, bastante sensitivo, conseguia ver a aura negra que se formava ao redor dele quando se encararam. As veias de seu braço se dilataram e ele estava pronto para atacá-la, mas… Não ia dar certo, ia? Algo dentro dele dizia que aquilo não seria o suficiente. Não, não ia, mas já era tarde demais para recuar.

Quando a habilidade paralisante do Mestre se desfez no curto milésimo que ele mirou sua habilidade mais poderosa em direção à Cigana, os dois inimigos se entreolharam, o sorriso maligno voltando aos seus rostos. A primeira nota foi tocada pelo Menestrel nesse momento, e o primeiro movimento do corpo da Cigana, livre de sua prisão, criou uma grande aura rosada ao redor dos dois, expandindo rapidamente, empurrando o Mestre para trás.

A luta acabava ali. Sem tempo para reagir, caído no chão à frente deles, o Mestre recebeu uma saraivada infinita de flechas que perfuraram cada milímetro disponível de seu corpo. O mesmo aconteceu com o Professor, apenas um pouco mais distante, mas tão vulnerável quanto o outro.

— Desculpem-nos a demora… — disse a Cigana, sem pestanejar, levantando sua mão direita na direção do outro.

— … Mas vocês sabiam que ia terminar assim. Estava escrito nas cartas! — terminou o Menestrel, também levantando sua mão, esquerda, com uma asa de borboleta no meio, levando-a em direção à mão dela.

Apertando-se uma contra a outra, o item foi completamente amassado e ambos foram teleportados no mesmo momento para fora daquele lugar.

Depois de se recuperar da dor dentro de seu crânio, Michael percebeu que já era tarde demais. Tudo o que fez foi se aproximar dos corpos, as pernas trêmulas, caindo de joelhos em frente ao Mestre, mais próximo dele. Às suas costas, Daniel deu alguns curtos passos para se aproximar e apoiou a mão no ombro do paladino.

— Chegamos tarde, Daniel… — disse Michael, a voz bastante vacilante.

Um certo silêncio tomou conta do lugar conhecido como labirinto da floresta. Apesar de ser uma região em geral bastante pacífica, o silêncio era diferente daquela vez. A própria floresta parecia em luto pelas mortes dos dois Guardas Reais.

A situação, bastante mórbida, exigiu dos olhos de Daniel, que encheram-se de lágrimas.

— Vamos, Michael. Vamos levá-los à Prontera… Eles merecem isso.

Michael hesitou um instante e levantou novamente o corpo.

— Sim, você tem razão… — respondeu, cabisbaixo. — Estou certo que merecem…

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Glast Heim, dentro da Abadia, 2:15 da tarde

O som do metal se cruzando ressoava atrás de si mas, do lado de dentro, as coisas pareciam bem mais calmas que de costume. Glast Heim era uma cidade conhecida por todos, afinal, como um lugar aterrorizante, repleto de almas penadas prontas para sugar toda a felicidade de seu corpo. Mas… Não era o caso dessa vez. Não haviam Druidas, nem Almas Penadas, nem mímicos, nem nada. Era apenas Tristan e seus pensamentos em meio à uma estranha corrente de ar que circulava pelos corredores.

Era definitivamente uma sensação muito ruim imaginar que o pior pudesse acontecer, mas era tudo o que se passava na mente do rei.

No momento, ele nem tinha tanta certeza de onde deveria ir. Mesmo que o edifício tivesse apenas uma saída, com exceção de onde viera, estava um pouco confuso sobre como andar por ali. O local estava completamente em ruínas, parecendo agora mais um labirinto que a Abadia que foi um dia. E o pior de tudo… O silêncio. Aterrorizava-o de tal maneira que sua respiração e os batimentos de seu coração se aceleravam a cada passo que tomava.

Tentava imaginar onde, dentre as várias profundezas de Glast Heim, seu adversário o esperava.

Acreditava que a melhor saída fosse seguir para a Cavalaria e foi o que fez. Seria até mesmo… nostálgico encontrá-lo ali, o local de tantas batalhas que enfrentou na vida. “O palco perfeito para o fim” pensou, um calafrio percorrendo-lhe a espinha.

Sem nenhuma dificuldade ou resistência, o rei alcançou logo a Cavalaria. Todos os lugares por onde passou estavam desertos. Ele alcançou uma parte um pouco menos conhecida e de difícil acesso no interior da cavalaria. Sentiu o corpo tremer ligeiramente com uma sensação estranha. Estava perto do fim; era nesse lugar que o embate final aconteceria.

Sabendo que precisaria contar com o cenário durante a batalha, sendo o homem experiente que era, Tristan começou a analisar tudo ao seu redor. No centro, havia apenas uma mesa de mármore montada, vazia como todos os locais que tinha visitado anteriormente. Atrás desta mesa, um enorme altar mal planejado se instalava, parecendo que cederia à qualquer sopro que fosse dado perto de si. No topo, um trono, de mesmo material da mesa, com um ser sentado sob a escuridão.

Tristan soube nesse momento que era esse ser quem ele precisava encontrar.

— Zéfiro — disse, a voz bastante calma e contida, olhando para o topo do altar com a mão apoiada sobre a bainha de sua espada. — É você que está aí, não é?

— Hm…? Como adivinhou? — o homem no topo respondeu-o, levantando-se do lugar. — Talvez seja óbvio que eu estaria aqui, não é mesmo? Este é o meu reino agora — e gargalhou, alto o suficiente para gerar bastante eco ao longo de todo o ambiente.

— Você é louco, sabia disso? Deveria tê-lo matado quando tive a chance.

Zéfiro encerrou sua gargalhada nesse instante. Apesar de ainda estar nas sombras e ser difícil enxergá-lo daquela distância, Tristan pôde reparar em seu semblante, que tornava-se subitamente bastante sério.

— Não teria matado nem que quisesse, Tristan. Você é fraco — ele respondeu, a arrogância nítida em seu tom de voz. — Você é como seu pai, um tolo! Ser rei não o torna forte, é apenas um título… E, aqui, esse título não tem valor algum.

— Cale-se, Zéfiro — interrompeu-o Tristan. — Você não sabe o que diz.

Em um movimento apressado, o inimigo levantou sua mão direita. Sem esforço algum, um portal desenhou-se subitamente no teto, um símbolo vermelho reluzente de uma estrela rodeada por dois círculos e vários inscritos em linguagem antiga. Deste portal, um grande meteoro começou a se formar, apontado em direção à terra.

Ele foi impedido, no entanto. Algo atingiu-o, uma pedra pequena, mas certeira contra sua testa. O movimento do corpo de Zéfiro com o impacto desconcentrou-o de sua habilidade, destruindo o meteoro acima deles em minúsculos fragmentos, desaparecendo antes mesmo de se formar por completo.

Tristan, confuso, mirou a direção de onde a pedra tinha vindo e percebeu uma Algoz estagnada à porta, carregando um corpo morto junto à ela. Ele demorou algum tempo à reconhecê-lo, mas a armadura denunciava-o: era Gerhard, o guarda mais próximo a ele.

— N… Não… — sussurrou o rei, um misto de desespero e ódio crescente por Zéfiro, o responsável indireto por mais aquela morte.

— Sim… Sim! — exclamou Zéfiro, de onde estava, seguido de uma rápida gargalhada, que ele parou antes de continuar: — Estão todos mortos… Meu trabalho está cumprido…

Uma imagem se formou, nesse instante, acima da cabeça de Zéfiro. Como um fantasma, ou um holograma, a figura tinha rosto afinado e uma espessa barba branca sobre a boca, além de um tampão cobrindo um de seus olhos. Na cabeça, um capacete dourado reluzia como à uma estrela nos céus, estampado por chifres pontudos, um de cada lado.

— Loki! — Zéfiro chamou, levando seus olhos para a figura. — Finalmente cumpri minha parte do acordo. Quero minha recompensa!

Aquele, que supostamente seria o Deus das mentiras nórdico, não disse palavra alguma. Poucos movimentos foram percebidos em seu rosto antes que uma aura começasse a brilhar em torno do corpo de Zéfiro, levantando-o no ar. Uma forte ventania surgiu, saindo de seu corpo, enquanto Isabela tentava se aproximar do rei, agora ajoelhado no chão logo à frente. Era um trabalho difícil, mas ela precisava, tinha que entender ao menos o que estava acontecendo ali.

— Majestade!

Tristan virou seu rosto em direção à voz, que era difícil de ouvir em meio aquele vento todo. Seus ouvidos estavam quase completamente tampados, mas a voz dela era alta o bastante para que ele a ouvisse de perto. Mantendo o braço em frente ao rosto para tentar manter os olhos abertos, ele parecia bastante assustado pela presença da Algoz, não sabendo de onde aquela garota tinha saído, nem exatamente se era sua aliada.

— Quem é você?! — Ele praticamente gritava para ser ouvido. Um imenso ruído começou a sair da boca de Zéfiro, que berrava de dor. — O que faz aqui, menina?!

— Vim lhe ajudar, senhor, Nicolas me mandou segui-lo — Ela se aproximou ainda mais de Tristan, que ficou mais calmo ao descobrir ser alguém de confiança. — Quem é este homem? Zéfiro, certo?!

— Sim, ele é Zéfiro — o rei respondeu, virando um olhar triste e desgostoso para o homem à frente. — É uma longa história e não temos tempo para explicações. Apenas saiba que eu o conhecia quando jovem e, hoje em dia, ele quer a minha morte.

Isabela pareceu espantada com o que tinha acabado de ouvir, mas não teve tempo para reagir. Zéfiro, que parava de gritar, estava em movimento, retornando ao chão.

— Espero que esteja pronta para lutar… — afirmou Tristan, voltando novamente seus olhos aos dela. Para Isabela, sua voz soava extremamente desesperançosa.

Quando a aura do corpo de Zéfiro se dissipou e ele retornou seus pés ao chão, tinha uma aparência completamente diferente. Seus longos cabelos, antes avermelhados e compridos, estavam curtos, ligeiramente espetados para cima e completamente brancos. Seus olhos possuíam um contorno azul que destacava a escuridão de sua pupila. Em seu corpo, uma roupa de cor amarelo-claro substituía a anterior, que era marrom. Duas estalagmites estavam presas ao seu ombro, como partes de uma armadura, completamente congeladas.

Ao ver o novo poder, Zéfiro não conteve uma nova risada estrondosa.

— Era isso mesmo que eu precisava… Consigo sentir o poder fluir em minhas veias.

Recobrando a atenção aos seus adversários, percebeu que ambos fugiram, escondendo-se atrás de uma pilastra próxima à porta. Ele decidiu que deveria acabar com tudo de uma vez por todas; não tinha mais tempo para perder com conversas, afinal, ele queria Tristan.

Começou, então, a descer as escadas lentamente. O rei e a Algoz saíram de seu refúgio com um certo receio doque viria a acontecer. Estavam em dois, mas não importava — Zéfiro estava em um novo patamar agora. Aquele ser que havia surgido anteriormente tinha feito algo com Zéfiro e era difícil prever o que aconteceria dali para frente.

A Algoz, impetuosa, tomou a dianteira do avanço. Pegando as escamas invertidas em suas cinturas, ela avançou sem precaução alguma contra seu adversário; acreditava que, como se tratava de um Arquimago, poderia vencê-lo ao menos na velocidade. Até certo ponto, não estava errada: ela era muito mais veloz e mais forte fisicamente que ele.

Mesmo assim, o inimigo, de aspecto desconhecido, também era habilidoso. Com apenas um estalar de dedos, um feitiço foi lançado contra Isabela, que paralisou no lugar onde estava, apoiada em apenas um pé no chão. Apesar de não conseguir ver de onde estava, o rei também tinha sido paralisado pela mesma habilidade.

O Arquimago ignorou a Algoz, aproximando-se de Tristan.

— Me diga, velho amigo: ainda se lembra da última vez que usou o cérebro? — perguntou, inclinando-se para olhá-lo nos olhos. Era estranho, para Tristan, encará-lo tão de perto. Aquela íris contornada de azul lhe causava os mais amedrontadores calafrios. — Aposto que se arrepende até hoje do dia que me traiu. Poderíamos ter tudo o que queríamos… — E deu uma pequena pausa para suspirar, um suspiro profundo e desgostoso. — Hoje, veja só, que irônico, estamos os dois aqui novamente. Dessa vez, porém, você não terá tanta sorte;

Levantando a mão ao alto, Zéfiro começou a conjurar um novo feitiço desconhecido. Naquele momento, Tristan apenas podia contar com a sorte que, felizmente, parecia estar ao seu lado.

O Arquimago foi interrompido mais uma vez, dessa por um golpe repentino em seu abdômen, do soco desferido pelo próprio Tristan. Não percebeu, distraído com o feitiço que preparava-se para lançar, que, de alguma forma, o rei tinha se libertado da paralisia.

Zéfiro foi ao chão de joelhos sem conseguir respirar, apoiado sobre as mãos e os joelhos.

— Você luta do lado errado, Zéfiro — explicou Tristan, bastante sério. Agarrando Zéfiro pelo cabelo, ele levantou a cabeça do mago para olhá-lo novamente nos olhos e dizer: — Você sabe muito bem que fiz a escolha certa… Era você ou Prontera, e eu luto pelo meu reino.

Mirando-lhe mais um soco, em cheio em seu rosto, o Arquimago foi atirado longe. Aproveitando-se da brecha, Tristan correu em direção à Isabela, desembainhando, finalmente, sua espada.

— Perdõe-me por isso — pediu, ofegante —, é o unico jeito.

Mirando um golpe ao tornozelo da Algoz, o rei tirou-a de sua paralisia. Isabela foi ao chão também, mas recuperou-se bem mais rápido que Zéfiro, bastante mais resistente à dor que ele. Ela levantou-se, com um aceno em agradecimento ao rei, e pegou suas armas, encantando-as com seu Veneno Mortal. Bolando um plano mentalmente, tentando ser mais precavida que da última vez, ela encarou Tristan uma última vez antes que seu corpo simplesmente desaparecesse.

Zéfiro, nesse ponto, já estava de pé novamente, mas ignorou a Algoz mais uma vez. Tristan, que também estava pronto, agora em posição de ataque, mirou a lâmina de sua espada contra o inimigo, investindo contra ele, uma velocidade surpreendente para alguém de sua idade.

— Se tivesse ficado ao meu lado nós teríamos poder! — exclamou Zéfiro, de alguma forma desviando de todos os golpes.

— Não partilho… dessa loucura… Zéfiro! — Tristan gritava, entre os cortes de sua espada. — Isso não passa de uma ilusão! Abra seus olhos, Zéfiro… Abra os olhos! Esta insanidade está te cegando!

Nesse instante, Isabela retornou a aparecer, atrás do Arquimago. Zéfiro não se intimidou, entretanto; ao invés disso, sorriu amargamente, sabendo que estava em desvantagem, e teleportou-se para fora do local. O golpe que Isabela mirou contra ele por pouco não atingiu Tristan, que desviou por milímetros da lâmina envenenada da Katar — não fossem seus reflexos, provavelmente estaria morto.

Ao fundo, uma voz ressoou, ecoando pelo grande salão em que estavam.

— Encontre-me se puder, velho amigo!

Uma quarta voz surgiu ali perto, chamando a atenção de Isabela e de Tristan.

— Quem disse isso?! — questionou, da porta de saída, Nicolas, acompanhado de todo seu time. Ele assustou-se ao levar os olhos a Gerhard caído à sua frente, mas julgou que não teria tempo de ajudá-lo porque estava claramente morto. Assustado, ele levou o olhar do corpo ao rosto de Isabela mais uma vez. — Foi ele quem fez isso…?

Porém, foi de Tristan a resposta:

— Não temos tempo para isso, precisamos nos apressar!

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Glast Heim, Cavalaria, 2:40 da tarde

Não precisaram andar muito para reencontrar o grupo de inimigos. Era até estranho Zéfiro ter dito aquilo naquelas condições, porque não estava tentando se esconder.

De qualquer maneira, estavam todos reunidos ali: a Lady, o Atirador de Elite, a Cigana e o Menestrel.

— Lhes apresento meus amigos: Hayley, Takashi, Ellen e Afonso — indicou-os, um de cada vez, em ordem.

Com um movimento brusco, o líder levantou a mão, mas parou-a no ar por um instante, sorrindo para eles. Quando o instante acabou, no entanto, foi necessário apenas um estalar de dedos para que o ataque se iniciasse.

O embate todo começou com o primeiro avanço, que foi da Lady, Hayley: mirando Tristan, ela arrancou em grande velocidade, parando apenas quando foi impedida por Nicolas, que chocou as lâminas de sua Katar com a espada dela, gerando faíscas. O segundo a agir foi Takashi que, com uma certa distância, mirou flechas flamejantes em direção ao mesmo alvo, que foram desviadas habilmente por Isabela, atingindo-as no ar com sua Katar direita, tremeluzindo com o tom esverdeado do veneno. Mirando-o nos olhos, a Algoz saiu em sua perseguição, tentando alcançá-lo.

Do outro lado, estavam Michael e Daniel. Como o Sumo Sacerdote não era tão capaz quanto ele de lutar, os dois uniram-se em um só time contra a Cigana e o Menestrel, o Paladino mirando golpes de sua grande espada contra eles enquanto o Sacerdote o abençoava com suas preces e protegia-o e a si mesmo com escudos invocados no chão.

Pelo que tinha acontecido na última batalha que tiveram, um pouco por vingança, um pouco por saber que o Menestrel estava entre os mais perigosos, Michael mirou a maior parte de seus golpes nele. Beatrice fazia o mesmo, mas mirando suas flechas na Cigana, tentando evitar que ela reagisse. Tudo o que aconteceu foi de forma a deixar Tristan e Zéfiro livres para resolver, de uma vez por todas, suas pendências.

Aproveitando-se da deixa, o rei desembainhou novamente sua espada. Dessa vez, a luz que passava por entre as fendas no teto e nas paredes da ruína que era aquele lugar estava mais intensa e podia-se ver claramente se tratar de uma Espada Curva, herdada de sua família à gerações. O fio da lâmina, apesar de flexível, tinha um aspecto rígido, criado incessantes aprimoramentos desde a primera geração…

Zéfiro, por sua vez, lutava de mãos vazias.

— Temos uma certa injustiça por aqui, não? — perguntou o desarmado, distraindo-o, forjando uma estratégia mentalmente.

O rei deu um risinho desacreditado, dando lentos passos em direção ao Arquimago.

— Quer mesmo falar de justiça comigo, Zéfiro…?

Sem perder mais tempo, Tristan valeu-se novamente de sua velocidade para investir contra o inimigo, preferindo por uma abordagem mais agressiva dessa vez. A lâmina de sua espada gerou eletricidade a cada estocada contra Zéfiro, fazendo diversos cortes na vestimenta do Arquimago, mesmo que ele não mostrasse sentir tanto o impacto. Tentando contra-atacar, Zéfiro usou uma de suas habilidades com o movimento de sua mão, fazendo com que Tristan sentisse algo arder dentro de si. Teve de parar por alguns instantes para se recuperar, mas, tentando não dar tempo para Zéfiro propriamente reagir, voltou prontamente com os ataques. O adversário, completamente impotente, não fazia nada além de esquivar, procurando pela mínima brecha que fosse para terminar com aquilo de uma vez por todas.

Até que…

— Então era isso? — Zéfiro sussurrou, com um sorriso bastante macabro, percebendo que tinha sido empurrado contra uma parede.

O rei, irritado pela provocação, acabou por baixar a guarda. Sua euforia fez seu corpo tornar-se avermelhado por inteiro e ele, simplesmente, avançou contra Zéfiro, talvez seu maior erro até então. Foi uma última estocada e a lâmina arroxeada de sua espada acertou-o em cheio no peito… E a cabeça de Zéfiro abaixou-se em direção ao chão.

… Porém, não tinha acabado. Não ainda.

Tudo o que Tristan ouviu foi uma gargalhada, enquanto o Arquimago levantava novamente sua cabeça. Ele ainda estava vivo.

— Huh… — riu, aproximando o corpo do outro, ignorando a espada fincada contra seu peito como se não se importasse de ser cortado ao meio. — Acho que sou mais forte do que você pensa, Tristan… — E uma intensa aura branca começou a se formar ao redor de Zéfiro, mostrando que tinha sido aquilo que o defendera.

Tristan percebeu que algo estava muito errado quando Zéfiro estendeu ambos os braços, entre gritos e gargalhadas, abertos a frente de seu corpo.

Os olhos do rei voltaram-se para cima, de onde um som ensurdecedor saía e algo novo surgia. Ele largou sua espada onde estava, prendendo Zéfiro contra a parede, e levou ambas as mãos às orelhas, tentando proteger os ouvidos do ruído. Todos na sala fizeram o mesmo, na verdade, menos o próprio Arquimago. Ele não se importava com o ruído, ainda que seus ouvidos sangrassem pela dor. Sua risada era engolida pelo som do cometa que se formava acima de sua cabeça. Suas últimas palavras, entretanto, puderam ser ouvidas, bastante distorcidas ao longo da sala.

— É agora… É agora! Eu… Eu venci? Tristan, eu venci! Eu ven…

Os olhos do rei voltaram-se à Zéfiro mais uma vez, que tinha parado de berrar. Toda a sala, na verdade, foi engolida pelo silêncio quando o cometa tornou-se poeira acima deles, mais uma vez, assim como o meteoro, como um aviso do que viria em seguida, que se formara e se destruira momentos antes dentro da Abadia.

— Como… Como ousa… — Zéfiro sussurrou, sentindo o corte na lateral de sua cabeça.

Isabela, mais uma vez, tinha arremessado algo em Zéfiro; dessa vez, sua própria Katar, esverdeada pelo veneno. Atingiu a lateral da cabeça do Arquimago, que já não tinha mais a proteção da aura branca que o defendeu anteriormente. Assim como a dor na lateral da cabeça, Zéfiro levou os olhos à espada em seu peito, a qual Tristan voltava a empurrar para cima, abrindo seu peito em direção ao seu ombro.

— Não… Não… Eu deveria ser… o ser mais forte…

Foram suas últimas palavras antes que o sangue começasse a escorrer de sua boca, assim que a espada de Tristan venceu a resistência e alcançou a carne de seu ombro, abrindo-o em dois. Todos ali assistiam ao fim de Zéfiro, uma morte silenciosa de um homem que não tinha mais forças para gritar de dor.

A dor, entretanto, era, de alguma forma, compartilhada com Tristan, que aproximou seu rosto ao de Zéfiro. Chocando sua testa com a dele, o rei olhava Zéfiro nos olhos, com pena da existência miserável que o amigo tinha se tornado. Lágrimas escorreram de seus olhos quando ele falava as últimas palavras para o Arquimago, antes que ele perdesse totalmente a consciência.

— Você é um tolo, amigo… Não era imortal antes, não é agora e nunca será…

A existência de Zéfiro se esvaiu a partir daí. O contorno azul de suas pupilas foi progressivamente se desfazendo conforme seus olhos, negros, tornavam-se completamente brancos de fora para dentro. O corpo do Arquimago caiu de costas aos pés de Tristan, que usou-os para virar seu rosto para cima. Era o fim de Zéfiro e o fim de tudo.

Assim como ele, no mesmo instante em que seu corpo caiu, todos os seus súditos começaram a ir ao chão. Pareciam sentir uma dor intensa pelos gritos ensurdecedores que emitiam quando o brilho completamente branco começou a vazar de seus olhos e bocas. Quando o silêncio retornou à cavalaria de Glast Heim, uma última coisa foi ouvida, ecoando por toda a cidade amaldiçoada…

Era a risada de Loki, feliz com a concretização de seus planos.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.