Meu querido sonâmbulo

Meu querido sonâmbulo (EPÍLOGO)


Jeon Soojin exalava um perfume doce, porém igualmente suave, de baunilha durante as vinte quatro horas dos seus dias e, depois de um ano e alguns bons meses convivendo com aquela essência, a mesma acabou se tornando a minha preferida. O seu cheirinho de baunilha estava em suas roupas, no sofá da sala, no banheiro da suíte que dividíamos e, obviamente, na minha parte preferida da casa: na nossa cama. Mas calma, seus pervertidos, porque a cama não tem a minha preferência por conta do motivo que provavelmente está se passando nessas mentes poluídas; mas sim porque é lá onde eu encontro a sua essência de baunilha pela primeira vez no meu dia, o que automaticamente faz do mesmo um dia melhor.

Brega, eu sei, porém é a mais pura verdade.

E não foi diferente naquela manhã ensolarada de primavera. Na verdade, eu me lembro até hoje daquela data em específico: dois de março, o dia no qual Jeon Soojin quase me matou do coração. Era domingo e, quando eu finalmente acordei — a noite tinha sido longa, se é que vocês me entendem — logo senti minhas narinas sendo alegremente invadidas pela essência de baunilha da Jeon, mas a própria não estava ao meu lado. Não eram raros os finais de semana nos quais ela acordava primeiro do que eu, contudo, ela geralmente permanecia deitada ao meu lado até que eu finalmente despertasse; às vezes admirando a minha beleza e outras apenas mexendo no seu celular, isso variava de acordo com o seu humor matinal. Por isso, se não fosse por um tal objeto posicionado estrategicamente sobre o seu travesseiro, eu não teria estranhado a sua ausência.

Mas a carta estava lá, apenas esperando para que eu a avistasse e, curioso como sou, a abrisse para lê-la. Uma folha branca dobrada ao meio, aparentemente inocente como qualquer outra parente A4, mas que foi capaz de derrubar Park Jimin com o seu conteúdo.

Limpei minhas remelas, alcancei a tal folha e comecei a ler o conteúdo da carta sem entender nada, pelo menos a princípio.

“Meu querido sonâmbulo,

Acho que já não posso mais chamá-lo assim, não é mesmo? Faz dois anos que você invadiu a minha casa, esse mesmo quarto onde hoje você dorme ao meu lado, mas já se passaram doze meses desde o dia no qual você se curou. Foi difícil, eu sei, mas eu confesso que hoje me sinto feliz por ter tido a chance de estar ao seu lado enquanto você passava por tudo aquilo. Eu ainda me lembro como se estivesse vivendo essa cena nesse exato momento, de quando você segurou a minha mão ao ouvir as sentenças perpétuas de Hoseok e Seokjin e, em seguida, chorou por duas horas no meu ombro tamanho o misto de dor, alívio e contentamento. Eu também estava lá quando o seu tio resolveu deixar tudo para trás, inclusive a empresa por completo para você, e também quando você decidiu dissolvê-la e doar o dinheiro das ações para os funcionários. Você disse que aquela tinha sido a decisão mais difícil de toda a sua vida, mas também a mais reconfortante de todas.

Por isso, eu agradeço por você ter compartilhado esses e mais tantos outros momentos comigo. Também serei eternamente grata por você estar lá nos meus momentos; o casamento do Jungkook, a reforma completa da casa para afastar os fantasmas do passado que nos assombravam e também quando eu finalmente pude fundar a minha própria empresa, tímida, porém hoje fielmente estável graças ao seu apoio e conselhos.

Obrigada por tudo, meu querido sonâmbulo, mas esse não é o real motivo pelo qual eu escrevo essa carta hoje.

Você é uma pessoa com um raciocínio extremamente lento, Park Jimin, o que me obrigou a recorrer ao antigo meio da escrita. Eu prometo que tentarei ser o mais breve e direta possível, assim também não corro o risco de você continuar não entendendo todas as minhas dicas e sinais.

Você se lembra do dia no qual me deu aquele colar? No caso, esse que eu carrego sempre junto ao meu pescoço até hoje, todos os dias da minha vida. Você me arrancou algumas lágrimas e, pela primeira vez, eu admiti em voz alta o quanto eu lhe amava e amo até hoje. Foi lindo, um momento o qual eu guardarei com todo o zelo na minha memória para sempre, mas... Não é mais o suficiente. Eu sinto muito, Jimin, mas hoje eu necessito carregar algo no meu dedo, mais especificamente no anelar.

Por isso, meu querido sonâmbulo, eu lhe escrevo todos esses parágrafos com o intuito de lhe fazer uma única pergunta: você aceita se casar comigo?

Bem, eu espero que sim, pois eu não estou lhe esperando aqui embaixo desde sete horas da manhã por nada.

Com amor, a sua Jeon.”

E foi assim, através da carta mais peculiar que eu já tinha recebido e lido em toda a minha vida, que eu me dei conta de que Jeon Soojin seria capaz de me surpreender pelo resto da minha vida. E céus, sim, eu estava mais do que disposto a passar todos os meus futuros anos ao lado daquela mulher. Soojin tinha me salvado, me curado e posto um fim aos meus constantes pesadelos de um jovem que se julgava impotente por não ter feito nada para salvar os próprios pais da morte, quando sequer havia algo que eu pudesse ter feito. Meus dias ao lado dela eram intensos, acalorados e às vezes um tanto fora do comum, mas também era ela a única pessoa capaz de trazer aquela calmaria da qual eu necessitava no fim do dia. Eu amava o seu jeito teimoso, o seu sorriso enquanto me observava desenhar — na verdade, fora ela quem me incentivara a investir naquilo que eu tanto gostava e, se hoje eu era um feliz calouro numa faculdade de design, era graças ao seu apoio — e, obviamente, eu amava o seu cheiro de baunilha.

Eu seria um lunático desregulado da cabeça se negasse ter aquela mulher ao meu lado pelo resto da minha vida.

E foi por isso que, aos tropeços, eu desci as escadas correndo o suficiente para sequer notar que nem minhas sandálias eu tinha calçado. Quando cheguei no primeiro andar da casa, sem fôlego pela corrida e também pelo momento, eu me deparei com Soojin sentada no seu adorado sofá de camurça — sim, ela tinha se recusado a se desfazer daquele sofá — e me dirigindo um sorriso travesso. Vestia um vestido vermelho de alcinhas que, feito de um tecido leve, descia solto até um pouco acima dos seus joelhos. Os cabelos, agora compridos e tingidos por um castanho bem claro, estavam soltos e volumosos exatamente como eu gostava.

— Bom dia, Park. — ela disse e, sinceramente, eu me sentia o homem mais sortudo do mundo por aquela ser a primeira vez que eu passaria a ouvir todas as manhãs pelo resto da minha vida. — Desculpe, mas hoje eu passei na sua frente. — afirmou e apontou para o copo de café sobre a mesinha de centro da sala.

Eu ri diante da sua referência. Mesmo nos dias nos quais eu não tinha aulas de manhã e, consequentemente, não precisava acordar cedo, eu ainda insistia em levantar antes dela só para ir até a cafeteria da esquina comprar o seu cappuccino favorito e, sentado naquele mesmo lugar do sofá, esperá-la descer as escadas pronta para enfrentar toda a sociedade de uma única vez se fosse necessário, contanto que ela tomasse o seu café sagrado de todas as manhãs. Meu sorriso naturalmente se abria ao ouvir o barulho dos seus saltos batendo contra os degraus da escada e bem, até aquele dia em específico, eu não sabia como era estar do outro lado da cena.

E eu tinha adorado descobrir, obviamente.

— Eu vou deixar passar dessa vez, Jeon. — embarquei no teatro, o que aumentou o sorriso no rosto dela.

Assim, Soojin se levantou, apanhou o café sobre a mesinha de centro e veio calmamente até mim. Quando estávamos de frente um para o outro, ela ergueu o copo de papelão e o balançou, o que produziu um som oco e completamente inesperado para mim. Franzi o cenho e ela riu.

— Tem um ingrediente especial. — afirmou e esticou o copo na minha direção. — Espero que goste.

Não pensei duas vezes antes de pegar o objeto e, quando abri a tampa do copo, me deparei com, na verdade, um único ingrediente: uma aliança. Parecia ser feita de ouro branco e, só de olhar, eu sabia que caberia perfeitamente no meu dedo.

Céus, essa mulher só poderia estar querendo me matar do coração e ficar viúva antes mesmo de se casar.

— Como você adivinhou que esse era o meu ingrediente preferido? — brinquei e, àquela altura do campeonato, estava rindo feito um palhaço abobado.

Ela ergueu a mão direita na minha direção e me mostrou o anelar que carregava uma aliança idêntica àquela que estava dentro do copo.

— Eu tenho bom gosto para essas coisas. — disse, convencida.

Sem me segurar mais, eu quebrei a distância entre os nossos corpos e, puxando-a pela cintura, selei nossos lábios em um beijo caloroso, porém igualmente terno. Seus lábios eram macios e lá estava o seu perfume de baunilha, aquele que eu tanto amava.

Provavelmente por conta da pessoa que o usava.

— Desculpe por não ter percebido o que você queria antes. — eu disse assim que interrompi o beijo, porém sem me afastar nenhum centímetro dela.

Com um sorriso no rosto, Soojin levou suas mãos até a minha nuca.

— Tudo bem, contanto que você saiba que, agora, não tem mais como você escapar de mim, Park Jimin. — informou, o que me fez rir.

— Sorte a minha.

Selei nossos lábios novamente e isso, caros leitores, foi há cinco longos anos atrás — antes de eu me formar e conseguir um bom emprego em uma gráfica, antes da empresa da Soojin crescer o suficiente para se manter por dois anos consecutivos entre as dez mais bem cotadas do país e, bem... antes do nosso primeiro filho.

Hoje, Park Seonhee está completando belíssimos e muito sapecas oito anos de idade, mas ela tinha apenas seis quando a adotamos. Foi uma decisão que partiu da Soojin e, sinceramente, eu tinha a adorado e concordado logo de cara, especialmente depois de ver os olhinhos bem puxados e a pele extremamente alva de Seonhee. Soojin tinha levado em conta o fato de como ambos crescemos sem os nossos pais por perto e por isso, antes de qualquer coisa e até da própria pensar em engravidar, ela queria poder fazer por uma criança aquilo que ninguém tinha feito por nós dois. Assim, nós demos um lar para Seonhee e, em troca, ela nos deu a coisa mais preciosa que eu tinha hoje: uma família.

Agora, Seonhee aguarda ansiosa e alegre a chegada de Seungjae, mesmo que esteja inconformada de que terá que esperar por mais quatro meses para conhecê-lo. “Por que ele não sai logo da barriga da mamãe?” é o que ela pergunta todos dias quando pula na nossa cama para nos acordar. Ah, minha cara e amada Seonhee, se você soubesse o quão inesperada essa vida pode ser, estaria curiosa sobre muitas coisas além da demorada chegada do seu irmão.

Se você soubesse que essa história começou com um sonâmbulo maluco invadindo a recém-comprada propriedade da mulher do par incrivelmente caro de sapatos Louboutin, você nem saberia sobre o que perguntar.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.