Meu amado é um lobisomem

Capítulo 9: Dúvidas


As flores se abriram, a neve se foi e a primavera chegou.

As árvores mostravam seu verde novamente e os frutos começaram a crescer. A frente de casa estava colorida com as flores e, sentada na entrada em meu vestido rosa, eu podia ver Yuzo trabalhando na horta. Ele estava arando a terra com a enxada e usava calça e uma blusa sem mangas. Com o esforço que fazia, começou a fazer calor para ele. Porém eu observava seus pés, ele estava descalço. Eu me surpreendia com cada ato incomum dele, e sorria. Yuzo gostava de sentir a terra em seus pés e havia dito para eu não trabalhar na horta para não me esforçar.

Toquei minha barriga, já estava no terceiro mês de gestação e o tempo parecia passar rápido. A pequena saliência estava crescendo e arredondando a cada dia. Sorri e a afaguei, olhando para Yuzo. Ele agora ficava quase o tempo todo em casa, estava indo para a floresta a cada quinze dias, porém ficando apenas um ou dois dias e voltando com peixes ou patos. Yuzo estava caçando para me trazer comida. Me perguntava se era seu instinto de lobo sobre sua cria ou se ele queria me ver comendo bem. Talvez fossem os dois. E era engraçado pensar dessa forma. Yuzo era realmente uma mistura de homem com lobo, pois mesmo estando como homem suas atitudes às vezes pareciam ser vindas de seu instinto animal. Havia muitas coisas que eu não sabia sobre esse seu lado. Porém estava descobrindo aos poucos, calmamente.

Me sentia enjoada todos os dias. Esse era o lado negativo de uma gravidez. Eram muito raros os dias em que não enjoava. Normalmente eu ficava deitada na cama com um balde ao meu lado. Yuzo ficava deitado ao meu lado, afagando minhas costas. Era um enjoo incontrolável. E quando sentia vontade de pôr tudo para fora – que nem sei de onde vinha – precisava ser naquele momento. Às vezes eu passava um dia inteiro deitada na cama assim, com Yuzo me abraçando.

Yuzo estava dando duro no trabalho. Enquanto as verduras e legumes cresciam na horta com o tempo passando, Yuzo colhia as frutas que as árvores davam. Como ele não queria que eu trabalhasse, ele acabava indo todos os dias na cidade para vender. No fim das contas Yuzo precisou se dar bem com as pessoas. E creio que conseguiu, pois senhora Kei me contou um dia quando viera me visitar que ele era educado e gentil com todos. Yuzo também contava como eu estava, e aos poucos todos na cidade descobriram que eu estava grávida.

No quarto mês de gestação, foi o casamento de Sana.

Tive medo de enjoar e não conseguir ir, porém aquele dia foi meu dia de sorte. Nenhum enjoo avista. Fomos de jipe para a cerimônia, e Yuzo que dirigia. Desde a descoberta da gravidez, eu estava o ensinando a dirigir. Na verdade Yuzo me pedira, pois caso precisasse me levar ao hospital por alguma emergência com o bebê e eu obviamente não pudesse dirigir, ele mesmo dirigiria. E ele realmente estava dirigindo bem. Chegamos no templo antes dos noivos, senhora Ryoko parecia nervosa e tenho certeza de que desejava o marido ao seu lado.

Sana entrou vestida em sua linda Yukata branca com flores de cor salmão. Seu cabelo estava preso no alto como uma presilha prateada em forma de flor. Haku estava ao seu lado e não parava de olhá-la. A cerimônia foi linda e em seguida fomos para a festa. Como a casa de Sana não tinha espaço para receber todos os convidados, a festa foi feita no parque central da cidade. Todos frequentavam o parque, e como Haku trabalha na prefeitura foi fácil receber a permissão para fazer a festa. As mesas estavam sob toalhas brancas com detalhes alaranjados e flores avermelhadas. Toda a cidade foi convidada para o casamento, então a grande família de Sana de fora da cidade não parecia mais tão grande. Com a cidade, a família de Haku e a família de Sana, foi um grande casamento.

Yuzo e eu nos sentamos à mesa, acompanhados por alguns primos e primas de Sana. Yuzo se mantinha quieto, olhando para as pessoas ao redor, porém sorria de forma convidativa. Ele segurava minha mão constantemente, acariciando-a com o polegar. Sana e Haku cumprimentavam a todos e os pratos foram servidos na festa. Estavam deliciosos, porém algumas coisas eu não conseguia comer, o cheiro me deixava enjoada. Yuzo então afastava o prato quando eu colocava a mão sobre a boca.

— Você está bem? – perguntou ele.

Assenti com a cabeça, respirando fundo. Uma mulher na mesa nos olhou e notou minha barriga sob meu vestido florido e meu leve casaco rosa.

— Parabéns. – disse ela, sorrindo – Para quando é?

— Outono. – sorri.

— Vocês são um belo casal. Há quanto tempo estão casados?

Sorri, engolindo em seco. Yuzo e eu não éramos casados e eu estava grávida. Estávamos juntos há apenas poucos meses. O que a mulher diria? Como nos olharia? Não tinha ideia do que responder. Porém Yuzo tomou a iniciativa.

— Nos casamos há seis meses. – Yuzo sorriu, obviamente mentindo.

— Oh, que adorável. E já esperam um bebê, que benção. Sabem qual é o sexo?

— Ainda não. – falei.

— Terão o bebê no hospital da cidade?

— Provavelmente. Ainda estamos planejando.

— Vocês vão se sair bem. Meu irmão teve seu primeiro filho há alguns meses e a esposa se saiu bem pelo o que ele me disse. – ela sorriu.

Sorrimos para a mulher que nem ao menos se apresentou e foi chamada em seguida por algumas amigas para tirar fotos. Depois da conversa, voltei a comer continuando a pensar no que ela havia perguntado. Yuzo e eu ainda não havíamos pensando em nada disso. Onde o bebê nasceria ou se queríamos saber o sexo do bebê. E agora eu não sabia nem se nosso bebê nasceria com características totalmente humanas. E se nascesse como um lobo? Tive medo que os médicos levassem meu bebê e talvez até a mim por ter dado a luz a um lobo.

Yuzo e eu voltamos para casa um pouco antes da festa acabar. Nos despedimos de Sana e Haku, que sorriam sem parar, e chegamos em casa pouco tempo depois. Me sentei à mesa da cozinha, pensando. Yuzo trocou de roupa e perguntou se eu queria algo. Neguei com a cabeça, pondo a mão em minha barriga. Ele se sentou ao meu lado, notando minha expressão confusa.

— Tudo bem?

— Hum... – o olhei – Yuzo... Como você nasceu?

— Ahm... – ele sorriu sem entender – Não sei ao certo, nunca perguntei a minha mãe.

— Você sabe pelo menos... Com qual aparência você nasceu?

— Por que...? Ah. Tsuki...

— E se ele nascer como um lobo? Não quero que o tirem de nós. – segurei em sua mão.

— Vai ficar tudo bem. Vamos conseguir pensar em algo.

Assenti, receosa.

— Será que podem ver pelo ultrassom? E se virem orelhas grandes?

— Podemos tê-lo aqui. Em casa.

— O que?

— Se não sabemos o que vai acontecer, vamos ter o bebê aqui. Compramos as vitaminas para a gestação e pensamos numa forma.

— Como sabe sobre as vitaminas?

Ele abaixou o olhar, envergonhado.

— Fui à biblioteca da cidade e li alguns livros.

Sorri, acariciando seu rosto.

— Vamos fazer isso juntos, não é?

Yuzo assentiu.

Nos meses seguintes, Yuzo pegou alguns livros emprestados da biblioteca. Como para fazer uma carteirinha da biblioteca precisava de sua identidade, e ele não tinha por ter deixado tudo aos doze anos, Yuzo não pôde fazer a carteirinha. Porém a senhora que trabalhava na biblioteca era uma de nossas clientes e conhecia Yuzo, sabendo também que eu estava grávida. Com isso ela deixou que ele levasse os livros com a condição de que os trouxesse de volta no tempo de qualquer outra pessoa.

Lemos vários livros juntos. Sobre o desenvolvimento de um bebê durante a gestação, sobre parto natural, sobre o que esperar quando o bebê nascesse e sobre os cuidados que precisaríamos ter com ele. Yuzo também pegou um livro em especial sobre parto natural em casa. Geralmente precisaríamos de uma parteira para isso, porém não queríamos ninguém presenciando o nascimento. Nem nós sabíamos com que rosto o bebê nasceria.

Com nosso planejamento e as compras de vitaminas para a gestação, as pessoas começavam a perguntar em qual hospital eu daria a luz e se já sabíamos o sexo. Eu queria muito saber se nosso bebê era menino ou menina, porém não queríamos arriscar e dizíamos a todos que desejávamos que fosse surpresa e que faríamos isso sozinhos. E seria mesmo uma surpresa, pois sem saber o sexo do bebê acabamos comprando roupas de todas as cores. Sempre imaginava comprar coisas azuis ou lilases quando tivesse um bebê – nunca gostei muito de rosa. Porém agora estávamos curiosos para quando o bebê chegasse.

Quando fiz sete meses, compramos um lindo berço de madeira em formato oval. O quarto do meu pai seria o quarto do bebê. Hesitei por um tempo em mudar a decoração por causa do meu pai, mas não mudar nada seria como se ele estivesse ainda ali. E não estava. Penduramos luminárias brancas no teto e colocamos o berço ao lado da parede. Tudo estava pronto para sua chegada, faltava apenas o bebê.

Quando cheguei aos oito meses de gestação, Yuzo não me deixava mais sozinha. Ele tentava voltar o quanto antes das vendas. A qualquer momento minha bolsa se romperia e ele queria estar comigo quando acontecesse. Já sabíamos o que deveríamos fazer, e eu sabia o que deveria fazer se Yuzo estivesse fora no momento. Mas desejava que ele estivesse comigo, ao meu lado.

Minha barriga estava enorme e meus pés inchados. O máximo que conseguia fazer era pegar um copo de água para mim com dificuldade ao tentar levantar. Mas estava contente pelo outono já ter chegado. O verão foi terrível por causa do calor, eu suava constantemente mesmo com o ventilador na minha frente. O outono trouxe um pouco do frescor do clima e alívio para mim.

Quando Yuzo saía para trabalhar, senhora Kei me visitava para cuidar de mim à pedido dele. Eu estava sentada em frente de casa, usava em um vestido e casaco. Avistei-a vindo e acenando, segurando uma pequena bolsa. Recentemente em suas visitas ela vinha trazendo dango para mim e Yuzo.

— Oi, Tsuki. Como está hoje?

— Bem, senhora Kei. Apenas enorme.

Ela sorriu.

— Também fiquei grande quando estava grávida da minha filha. Mas logo vai acabar.

— Tomara. Quero poder levantar sozinha de novo. E não sentir mais tanto calor no verão.

— Com certeza você vai. – ela sorriu – E como vão os planos? Ainda o terão em casa?

— Sim, senhora. Não queremos ir para o hospital. Achamos que em casa é melhor.

— Ryoko está nervosa por causa disso. Ela acha que é melhor você ir para um hospital, ter a ajuda de médicos experientes.

Sorri.

— Ela sabe das coisas, mas nós já sabemos o que vamos fazer. Espero que tudo ocorra bem.

— Qualquer coisa me ligue, Tsuki.

Assenti, sorrindo.

— A senhora quer ver o quarto do bebê?

— Claro. – ela sorriu.

Me ajoelhei com dificuldade e levantei com a ajuda de senhora Kei, indo em seguida para o quarto do bebê.

Quando Yuzo chegou, eu estava novamente na frente de casa, observando as árvores ficarem pouco a pouco sem folhas. Elas caíam constantemente por causa do vento forte de setembro, deixando o chão encoberto. Logo não conseguiríamos plantar mais, porém ao menos teríamos mais tempo para o bebê. Já pensava no frio do inverno e nele tão pequeno. Acho que não sairia com ele até que chegasse a primavera.

Numa noite, ventava muito. Ouvi os galhos das árvores baterem contra a madeira de nossa casa e acordei. A janela estava fechada, porém ainda conseguia escutar o sopro forte do lado de fora. Não havia acontecido nenhum tufão em Okayama como em outros lugares no Japão – que normalmente ocorre em setembro –, porém o mês ainda não havia acabado. Faltavam apenas duas semanas para meus nove meses, seria no meio de outubro. Porém as dores começaram, fazendo-me sentar com dificuldade. Torci a expressão, pondo a mão em minha barriga.

— Yuzo... – o chamei, sentindo a cama molhada – Yuzo, está na hora.

Ele acordou e me olhou ainda sonolento.

— O que? – se sentou.

— Começou. – gemi de dor.

— Tudo bem, tudo bem! – ele levantou nervoso e gaguejando, correndo até a cozinha.

Yuzo pegou toalhas, a tesoura esterilizada que separamos para esse dia e acendeu a luz do quarto ao voltar.

Aquela foi a noite mais longa da minha vida. A dor era intensa e o vento soprando do lado de fora me deixava preocupada. Eu estava deitada na cama enquanto Yuzo olhava entre minhas pernas, vendo o bebê saindo aos poucos. Ele dizia que tudo ficaria bem e que era para eu fazer mais força, pois o bebê já estava saindo. Fiz o máximo de força que pude, apertando as cobertas e torcendo a expressão. Ouvi um choro e olhei para o sorriso de Yuzo, que segurava nosso bebê. Deitei minha cabeça, tentando recuperar o fôlego que perdi em meu último empurrão. Yuzo cortou o cordão umbilical e enrolou o bebê numa toalha, deitando ao meu lado e pondo-o entre nós. Pus a mão sobre sua barriguinha, era um menino. Nascera completamente saudável e um bebê normal. Ele tinha um pouco de cabelo, bem parecido com o de Yuzo e seus olhos estavam fechados. Ele acabara de se acalmar, mexendo um pouco seus bracinhos.

— É perfeito. – sorri, emocionada.

— Como vamos chamá-lo?

— Quer escolher? – sorri para Yuzo.

Ele sorriu, fitando nosso filho e pensando.

— “Shouya”?

— Hum. – assenti, sorrindo – É perfeito. Nosso Shouya.

Yuzo pôs a mão sobre meu braço, afagando-o como se eu tivesse lhe dado o melhor presente que ele já havia ganhado. Mas foi ele quem havia me dado tudo.