Meu amado é um lobisomem

Capítulo 5: Divergências


Yuzo se mudou para minha casa.

Estávamos morando juntos há cinco dias. E esses dias estavam sendo maravilhosos. Fazíamos todas as refeições juntos – quando ele não desaparecia um dia ou outro –, cuidávamos da horta juntos assim como da casa, e pela primeira vez descobri o que era dormir com alguém. Com meu desânimo em namorar outra pessoa por sempre esperarem algo que eu não poderia oferecer, nunca experimentei. Nunca passou de poucos meses. Mas com Yuzo foi rápido. Nos aproximamos e de repente começamos a morar juntos. Era diferente, espontâneo. E acho que o amo.

Yuzo trabalhava. Não sei em que, mas ele saía e se ausentava por dois dias ou três dias. Às vezes até uma semana. Ficou explicado por que ele desaparecia às vezes e por que não soube da morte do meu pai – mas ainda não explicava a história da flecha. Quando estava em casa, me ajudava com a horta. Ensinei a ele tudo que pude nesses dias. Ele esperava aprender para me ajudar não apenas a colher. Mas pelo que vi, papai o ensinara algumas coisas. Yuzo me ajudava a vender nossas verduras e legumes, mas em nossa rua. Na verdade em quatro casas apenas. E uma delas era de senhora Kei, claro. Ela o conheceu em uma das vendas e pareceu gostar de Yuzo. Me contou depois em uma de suas vindas a minha casa para tomarmos chá que ele parecia ser um bom rapaz e eu fiquei contente, já que senhora Kei me pediu para ter cuidado. Ela perguntou também como fora a mudança de Yuzo, se ele estava se adaptando, e eu disse que foi ótima.

Na verdade não houve exatamente uma mudança, ele apenas foi morar comigo com as roupas do corpo. Achei incomum e perguntei por que ele fez isso, mas ele apenas me disse que vendeu tudo. Vendeu tudo? Até suas roupas? Fiquei calada, pensando se talvez ele tivesse apenas estas roupas. Nunca o via com roupas diferentes. Talvez uma camisa ou outra, mas nada além disso. Deveria ser por isso que ele ficava sujo de terra antes. Não trocava as roupas e elas sujavam. Mas por que ele tinha apenas aquelas se tinha um trabalho? Depois que pensei nisso, decidi comprar roupas novas pra ele.

Fui até uma loja e pedi ajuda de Sana para comprar roupas para Yuzo. Ela o vira duas vezes apenas quando fora me visitar, porém era ótima para adivinhar o tamanho das pessoas. Sana fazia isso constantemente com Haku quando queria comprar algo para ele. Fomos até os cabides e peguei duas camisas, mostrando a ela.

— Que tal? – perguntei.

— As cores são ótimas, mas é pequeno para o tamanho dele.

— Hum. – bufei – Sou péssima nisso.

— Deveria ter perguntando o tamanho dele.

— Eu já te disse. Ele saberia por quê.

— Então... Estas desse tamanho e essas calças. Que tal alguns pijamas? Ele tem isso?

— Não...

Fomos até os pijamas e ela pegou dois bem chamativos.

— Sana, ele mais simples. – ri – Que tal esse?

— Também serve. – ela sorriu – Está começando a aprender.

— Engraçadinha.

Após fazermos compras, fomos tomar café da manhã na lanchonete. Saí cedo e Yuzo estava dormindo. Ele havia chegado tarde em casa por causa do trabalho e eu não quis acordá-lo. Nos sentamos em uma das mesas e fizemos os pedidos, que chegaram em alguns momentos.

— O casamento vai ser na primavera, em maio. – disse Sana, contente – Estou ansiosa.

— Isso é ótimo.

— Quero que vá. – ela sorriu – E Yuzo também.

— Bem... Ele não gosta muito de pessoas.

— Como assim? – ela riu – Tsuki, arranjou alguém igual seu pai?

— Ele não é igual, mas...

Ela gargalhou.

— Tudo bem. Mas tente convencê-lo, eu quero que vocês venham.

— Vou tentar.

— Que tal sairmos juntos hoje pra começar? Se ele estiver com vergonha, vamos fazer isso. – exclamou Sana, animada – Você e Yuzo. Eu e Haku.

— Eu acabei...

— Tente. – ela pediu.

Suspirei, sorrindo.

— Tudo bem.

Cheguei em casa tentando fazer o mínimo de barulho possível com o jipe. Tirei os sapatos na entrada como sempre e andei na ponta dos pés, tentando não pisar nas tábuas que sempre rangiam e eu nunca descobria quais eram. Pus as sacolas ao lado da porta do quarto e entrei, vendo Yuzo ainda deitado. Olhei para a cicatriz da flecha em suas costas e tirei o casaco, deitando ao lado dele e afagando sua cabeça. Eu havia desfeito o que havia empacotado semanas antes, mas não contei à Yuzo sobre a mudança que pretendia fazer. Também faltava ir à imobiliária para retirar a oferta de venda da casa. E não sabia como contar tudo isso à ele.

Yuzo suspirou e abriu um dos olhos para me olhar, fechando-o novamente.

— Bom dia. – sorri – Te acordei?

— Eu ouvi o carro.

— Hum. – resmunguei – Tentei não fazer barulho.

— Aonde foi?

— Comprar algumas roupas pra você.

— Obrigada. Eu queria ter comprado.

— Se não forem do seu tamanho, podemos trocar.

Ele assentiu. Hesitei em contar sobre o pedido de Sana, mas precisava. Ela não era o tipo de pessoa que esquecia as coisas. Logo me lembraria de perguntar à ele mais cedo ou mais tarde. Pessoalmente ou por telefone. E ela preferia pessoalmente, claro.

— Sana nos convidou para o casamento dela. – falei.

— Quando vai ser?

— Em seis meses, na primavera. E... Tem outra coisa.

— O que?

— Sana nos chamou para sairmos com ela e Haku hoje.

Yuzo abriu os olhos, me olhando como se eu já soubesse a resposta. Ele se deitou de lado, me encarando.

— Tsuki...

— Por favor. Apenas um jantar com eles. Prometo que será rápido. Não vai ser nada demais, se quiser podemos ir à lanchonete. – sorri.

Ele pensou, me deixando ansiosa com seu silêncio, porém abriu levemente um sorriso.

— Apenas um jantar.

— Obrigada. – o abracei, beijando-o.

À noite, nos encontramos com Haku e Sana na lanchonete. Yuzo usava uma das roupas novas que eu havia comprado mais cedo e eu estava arrumada para variar. Sana estava bonita com sua saia jeans e Haku parecia o mesmo de todos os dias. Yuzo pareceu ter ficado um pouco desconfortável, porém segurava em minha mão e sorria. Claro que ele estava fazendo aquilo por mim e não por querer. Por isso fique tão feliz.

O jantar foi ótimo. Comemos hambúrgueres e bebemos refrigerante. Yuzo pareceu gostar bastante, como se há muito tempo não comia aquilo. Conversamos sobre o casamento de Sana e Haku, sobre a cidade e até algumas histórias de colégio quando estávamos no fundamental. Yuzo riu bastante das histórias de Haku, porém ele disse algo que temi ter estragado tudo.

— A escola era divertida. – disse Haku – Mas então terminamos o fundamental e nos separamos.

— Pára com isso. Fomos para o mesmo colégio depois. – Sana riu – Tsuki que foi embora, nos deixou.

— Fala sério, eu fui estudar! – ri.

— E sentimos sua falta, majestade. – Haku me reverenciou na mesa – Sabe, Yuzo, Tsuki sempre quis sair da cidade. Estudar e trabalhar na cidade grande. Acho que ela nunca gostou daqui. – ele riu.

Yuzo sorriu.

— Eu amei crescer aqui, Haku. – reclamei – Agora estou de volta.

— E isso é ótimo. – disse Sana.

— Então está tudo resolvido. Pelo que Sana me disse pensei que você se mudaria em alguns dias.

Engoli em seco e Sana notou minha expressão. Yuzo pareceu não entender e me olhou, esperando que eu falasse algo, mas eu não conseguia pensar em nada.

— Você não voltou pra ficar? – perguntou.

— Isso foi antes. – o olhei, tentando explicar – Eu tinha uma proposta de emprego e estava tentando vender a casa.

— Não me contou nada disso.

Haku e Sana se entreolharam sem saber o que dizer. Nem eu sabia. Yuzo se levantou, pedindo licença e indo embora. O olhei partindo através da janela da lanchonete. Haku pediu desculpas, assim como Sana. Mas nenhum dos dois sabia que Yuzo não sabia sobre meus planos. Não foi culpa deles.

Peguei o jipe e voltei para casa. Quando cheguei, apenas a luz do quarto estava acesa. Parei na porta, vendo-o sentado no tatame. Ele estava com raiva e me olhou com o olhar sério que há um tempo eu não via.

— Yuzo...

— Não me contou nada.

— Me desculpe. – pedi – Pretendia contar, mas... Tudo estava indo tão bem. E eu ia à imobiliário para tirar a oferta de venda.

— Mentiu pra mim. – ele disse, me encarando – Disse que gostava desse lugar, mas você ia embora. Quando pretendia me contar que planejava ir embora? Eu acordaria aqui sem você e com a casa vendida? Essa casa é sua, não minha.

— É nossa casa!

— Mentirosa. – ele levantou e passou por mim, indo para a cozinha.

O segui, agora zangada.

— Mentirosa? – exclamei – Você nunca conta quem é. Nem sei seu nome de família ou qual é o seu trabalho. Você às vezes some por dias e nem imagino onde era sua casa antes de vir pra cá. E você apareceu com uma flecha nas costas uma vez! Eu nem sei direito quem você é!

Yuzo não disse nada, apenas me encarava. Ele se irritou e pegou seu casaco, vestindo-o e passando pela porta após dizer:

— Vá para onde quiser. Essa é sua vida, são suas escolhas.

— Yuzo!

Foi assim que Yuzo desaparecera. Fiquei mais duas semanas à sua espera, mas ele não voltou mais. Eu ficava sentada em frente de casa ou observando a horta, mas nada acontecia. Ele não voltava e isso partiu meu coração. Acabei também perdendo a proposta de emprego por nunca mais ter entrado em contato com a empresa. Retirei a oferta de venda da minha casa. Agora ela era tudo que me restava.

Mina conseguiu uma vaga de emprego para mim na empresa em que ela trabalhava em Tokyo. Ao invés de planejamento de produção, eu trabalharia agora no controle de qualidade. Seria ótimo. Mas eu apenas queria ir embora de Okayama. Prometi à Sana que voltaria para seu casamento na primavera. Então em dois dias arrumei tudo de que precisava e parti.