Meu amado é um lobisomem

Capítulo 29: As coisas mudam - Parte I


Muita coisa mudou em apenas quatro meses. Shouya começou a trabalhar por causa de Hanabi, Hanabi e eu descobrimos que Mai e Hayato dormiam juntos e Hanabi... Bem, muita coisa mudou. E é melhor explicar do começo.

As coisas começaram a mudar muito antes desses quatro meses. Durante aquele ano as coisas não iam bem para Hanabi e estávamos preocupados com ela. Depois que Shouya e ela terminaram, Hanabi ficou arrasada por meses e não sabíamos o que fazer para ajudá-la além de apoiá-la. E enquanto Hanabi tentava se recompor, meu irmão a observava todos os dias quando ela ia para a floresta. Eu achava que isso era loucura, mas sabia que ele ainda a amava – que nunca deixou de amá-la, na verdade.

Meu aniversário daquele ano foi o melhor. Passei com Ichiro, meus amigos e minha família. Foi estranho ver Hanabi e Shouya no mesmo lugar sem se falar. Eles apenas se olhavam às vezes, desviando o olhar quando um notava que o outro também olhava. Foi um pouco desconfortável para todos. Mas quando as aulas voltaram depois do verão, eles também voltaram. Foi dramático e quase traumático por causa de Hosokawa, mas nada aconteceu com Hanabi. Shouya matou alguém para protegê-la e de alguma forma eles reataram o namoro em seguida.

Hanabi não entrou em detalhes sobre o porquê eles voltaram – além do óbvio –, então o que eu imaginava seria que teriam se encontrado e conversado, resolvendo tudo. Principalmente porque algumas semanas depois, quando eu estava prestes a sair para o colégio, vi Shouya tirando o mato do terreno ao lado. Eu estava pondo meus sapatos ao lado da entrada quando vi. Ao terminar de fazê-lo, endireitei-me sem entender por que ele estava capinando o terreno.

— Mãe, por que Shouya está arrancando o mato? – perguntei, ainda o olhando.

Mamãe colocava um copo de suco para o meu pai, que estava sentado à mesa.

— Ele quer construir algo. – ela sorriu.

— Eh? – a olhei.

— Tsuki recebeu de herança do seu avô o terreno ao lado. E o demos para Shouya. – disse papai.

— Por quê? – me perguntei – Por que ele iria querer o terreno ao lado?

— Pergunte à ele. – ele sorriu.

Olhei para os dois sem entender aqueles sorrisos intencionais. Pus a alça da minha bolsa escolar no ombro e saí.

— Até mais.

— Boa aula. – ambos disseram em coro.

Desci os degraus da entrada e andei até o terreno ao lado, sem precisar sair do quintal e dar a volta. Desde que me entendia por gente aquele terreno era repleto de grama alta, mas Shouya havia tirado a maioria até aquele momento. Minha mãe nunca se interessou em fazer algo com o terreno, ela tinha tudo o que precisava em casa. Naquele momento Shouya usava apenas uma calça e tirava o mato com uma enxada. Ele o erguia e o atingia no chão, arrancando o mato do lugar.

— O que está fazendo? – perguntei.

Ele me olhou, limpando o suor da testa.

— Ame?

— O que está fazendo?

— Tirando o mato.

— Isso eu vi, mas por quê? – perguntei – Papai disse que eles te deram o terreno.

Ele abaixou o olhar por um momento, sorrindo.

— Quero... Construir uma casa. – disse ele.

Fiquei surpresa, tentando imaginar para que ele iria querer isso.

— Vai sair da caverna?

— Vou. Bem... Vou continuar indo para a floresta, mas vou sumir por um tempo até terminar isso.

— Para que quer construir uma casa?

Shouya me olhou, sorrindo. Arregalei os olhos.

— Hanabi? Você vai mesmo...?

— Não conte à ela. Quero contar quando souber como.

Abri um sorriso, não conseguia contê-lo.

— Pare com isso. – ele disse, deixando escapar uma risada – Vai pra escola. E não se esqueça, não conte nada.

— Tudo bem. – sorria.

Me virei quase pulando pela alegria que me invadia e entrei na trilha. Precisei me conter ao ver Hanabi andando pela trilha. Me aproximei dela dando pulinhos e a cumprimentei. Ela achou graça pelo meu comportamento e precisei dizer que não era nada quando ela perguntou.

A aula durante a manhã foi repleta de matérias novas para as provas. Esse final de ano letivo seria mais difícil, mas com nosso grupo de estudo eu sabia que me sairia bem como nas outras provas. Ao final da aula, notei que Hanabi estava calada. Ela não era de falar nas aulas, mas não ficava tão quieta. Não parecia triste, parecia corada.

— Hanabi?

— Eh? – ela me olhou, despertando.

— O que você tem? – sorri, sentada em minha carteira.

— Ah... Hum. – ela abaixou o olhar, pensando – É Shouya.

— Eh? O que o idiota do meu irmão fez? – ri.

Ela me olhou como se fosse dizer algo ruim, mas não foi isso que aconteceu.

— Shouya está... Trabalhando no mercado.

A olhei sem entender. Isso não era algo ruim. Não sabia por que ele estava trabalhando, mas depois que ele me contou que estava construindo uma casa por causa de Hanabi, creio que também queria dinheiro para os dois.

— Há uma semana, – ela continuou – eu cheguei no mercado e ele estava lá. Meu chefe disse que era para eu ajudá-lo a saber onde tudo ficava no estoque e os caminhos mais fáceis para chegar até as casas que pedem entregas. Shouya contou que ele era meu namorado e meu chefe disse então que eu já sabia o que fazer.

— E isso é ruim?

— Claro que não! – ela sorriu, surpresa – Fiquei feliz, mas triste ao mesmo tempo. Eu sei que ele gosta da floresta, e não quero que ele deixe de ir para lá por minha causa.

— Mas ele disse isso?

— Sim. – ela assentiu – Quando perguntei, ele disse que não queria que tudo ficasse sobre minhas costas. Falou que também queria ajudar com dinheiro. Mas não quero que ele deixe de fazer o que gosta por minha causa, por isso estou trabalhando.

— Ha-na-bi. – cantarolei, sorrindo – Acho que ele gosta do que está fazendo. Afinal, é por sua causa. E ele vai continuar indo para a floresta, só não mais como sempre.

Hanabi parecia culpada por Shouya não ficar mais tanto na floresta como antes, porém seu sorriso mostrava como sua felicidade transbordava. Deixei uma risada escapar. Shouya sabia o que fazia, e eu fiquei feliz por ele ter começado a trabalhar por Hanabi. Ele nunca fizera nada do que está fazendo por ninguém. Apenas por Hanabi. Seria ela com certeza. Seria com Hanabi.

No almoço, Ichiro e eu fomos para o terraço do prédio. Enquanto comíamos em nossos obentos, não consegui guardar aquele segredo de Ichiro. Precisava contar! Olhei para todo o terraço para saber se havia alguém e quando constatei que não tinha, olhei para Ichiro e disse:

— Adivinha o que meu irmão está fazendo?

Ele sorriu.

— O que?

— Construindo uma casa para ele e Hanabi.

— Sério? – ele ficou surpreso.

Assenti com a cabeça.

— Minha mãe tinha um terreno do lado da nossa casa, meu avô deixou pra ela. E ela o deu para Shouya.

— Que legal! – ele sorriu – Então eles vão casar logo, né?

— Com certeza Hanabi vai aceitar quando ele pedir, mas não sei. – ri – E não podemos contar pra ninguém, é um segredo.

— Ou seja, você não podia ter contato pra mim.

— É... – desviei o olhar, corando – Mas não ia conseguir esconder isso de você.

Ele deixou uma risada escapar e virou carinhosamente meu rosto em sua direção, dizendo:

— Ao contrário de você, eu sei guardar segredo.

Sorri e ele me beijou. E eu sempre corava quando ele me beijava, não importasse quanto tempo passasse.

— Tá... – sorri, corada e me ajeitei no banco – O que você pretende fazer depois do colégio?

— Estamos no segundo ano.

— Estamos no final do segundo. – falei – E então?

— Ah, não sei. As universidades só ficam nas cidades grandes.

— Verdade. Haru ficou fora por alguns anos para faculdade. Não gostaria de ficar tanto tempo fora, mas nem sei ainda o que quero fazer.

— Eu tenho duas ideias, não sei qual ainda. Mas mesmo ficando fora da cidade por um tempo, quero voltar. Gosto daqui e é melhor pra você.

— Como assim? – o olhei sem entender.

— Eh... – ele gaguejou, pensando um pouco – É que... Hum... Eu pensei em...

Eu o olhava, corando levemente ao supor o que ele queria dizer.

— Pensei que continuaríamos juntos... Mesmo indo pra faculdade.

Com certeza quando sorri meu rosto ficou completamente vermelho.

— Seria ótimo. – falei.

Ele me olhou com suas bochechas levemente coradas e sorriu singelamente. Continuamos a comer e conversar, até que o sinal soou para voltarmos para a sala de aula.

Na verdade eu nunca pensei sobre como Ichiro e eu ficaríamos após o colégio. Não fazia ideia. Não tinha ideia ainda de que curso queria fazer, então ainda não sabia para quais faculdades desejava ir. Logo, não havia como calcular probabilidades de como nos veríamos, que trem pegaríamos para nos ver ou que feriados deixaríamos livres para irmos para casa ou nos ver. Mas quando Ichiro disse que pensava que continuaria comigo mesmo indo para a faculdade, me deixou feliz. Pensar que ele queria ficar comigo após o colégio, me fez começar a pensar que eu também queria ficar com ele.

Logo faríamos um ano de namoro e não era muita coisa, mas tudo estava indo bem e agora pensava em como queria ficar com Ichiro.

Depois daquilo, alguns meses se passaram. As provas chegaram e se foram, assim como outubro, novembro e dezembro. E assim como natal. Em uma semana seria o ano-novo e minha família planejava ir para a praça central, onde ocorreria a comemoração pela virada do ano.

As meninas e eu conversávamos no corredor do colégio sobre o que vestiríamos para a festa. Eu queria colocar um vestido, assim como Mai. Usaríamos casaco de toda forma, mas pensava em um vestido em especial. Hanabi ainda planejava, pois disse que algumas de suas roupas não estão mais entrando nela. Achei graça, pois Hanabi nunca foi de engordar. Mas como todos dizem, o namoro nos faz engordar às vezes. E Shouya já me contara que quando eles se encontram, comem um ou dois Pan. Imaginava que seria isso.

Na volta para casa, estávamos apenas Ichiro e eu. Hanabi fora direto para o trabalho com o uniforme em sua bolsa escolar. Ichiro segurava minha mão enquanto caminhávamos e chegamos à ponte. Na metade dela, ele parou de repente. Fiz o mesmo, um pouco mais a frente. O olhei, ainda de mãos dadas com ele.

— O que foi?

Ele olhava para baixo, para o rio.

— Ichiro. – chamei-o, preocupada.

— Eu estou um ano mais velho.

— É, eu sei. – sorri, gaguejando e me aproximando – Eu fui ao seu aniversário.

Ele se voltou para mim, levantando o olhar e vendo minha expressão de preocupação. Abriu um sorriso repentino.

— Ei, não me olhe assim. Eu não vou pular. – se aproximou – De novo.

Abaixei o olhar. Ichiro franziu a testa, ainda sorrindo.

— Desculpe...

— Hum. – balancei a cabeça – É bom você sorrir, mesmo sendo por isso. Mas eu me lembro.

— Daquele dia?

— Eu estava ali quando te vi. – apontei – Pensava se deveria cumprimentar você. Eu não fui muito legal na época. Quando olhei de novo, você estava subindo aqui. – coloquei a mão sobre a madeira – E pulou. – olhei-o, meus olhos marejaram.

— Ame... – disse ele, surpreso, pondo a mão carinhosamente em minha bochecha.

Pus minha mão sobre a dele, olhando para baixo.

— Fico pensando se estou fazendo as coisas direito. – falava – Tenho medo de um dia, depois de me deixar em casa como sempre faz, você voltar aqui pra terminar o que começou. – olhei-o novamente, as lágrimas caíam.

Ichiro abaixou o olhar e sua mão, parecia pensar.

— Eu sou mais feliz hoje. – disse e me olhou – Graças a vocês. Principalmente você, Ame. E não vou terminar nada. Quero fazer muitas coisas. Pra mim... Pra você.

Enrubesci levemente.

— Sempre vou direto pra casa depois de te levar. Não se preocupe.

Assenti, ainda chorando.

— Ei... – ele limpou minhas lágrimas e pôs sua testa contra a minha – Você não vai me perder. – sorriu – Eu... Amo você.

Levantei o olhar, surpresa e corada. Ele se afastou, sorrindo. Quis chorar mais ainda, mas estava feliz ao mesmo tempo. Abracei-o, afundando meu rosto em seu peito e dizendo:

— Eu também... Amo você.

Ichiro sorria levemente, as bochechas estavam coradas. Quando cessei o abraço, ele pôs as mãos delicadamente em meu rosto e me beijou. Ao cessarmos, abrimos os olhos ao mesmo tempo, vendo a expressão corada um do outro. Abaixei o olhar naquele momento, envergonhada.

— Vamos. – disse ele.

— Hum. – gaguejei.

Ao passarmos pela ponte, e a vergonha também passar, continuamos a conversar.

— O que vai fazer depois que chegar? – perguntei.

— Sei lá... – ele pensou – Talvez ver televisão ou jogar videogame. E você? Vai ajudar sua mãe com a horta?

— Não. Meus pais não estão em casa, disseram de manhã que iriam estar fora quando eu chegasse.

— Quer ficar lá em casa enquanto eles não chegam?

— Tudo bem. – sorri.

Fomos para casa de Ichiro. Quando meus pais chegassem e não me achassem em casa, ligaram com certeza. E não havia nenhum problema ficar na casa de Ichiro. Seu padrasto estaria trabalhando, mas sua mãe estaria em casa. Ela dissera uma vez que gostaria de voltar a trabalhar apenas quando o irmão de Ichiro entrasse na escola. Mas ele ainda estava com dez meses, então demoraria um pouco.

Quando chegamos e subimos as escadas, cumprimentamos a mãe de Ichiro, avisando que havíamos chegado, e fomos para o quarto dele. Ichiro deixou sua mochila no chão e eu fiz o mesmo, pondo a minha ao lado da sua. Ichiro ligou a televisão, mudando de canal até achar algo que nos agradasse. Nos sentamos em sua cama e passamos a assistir um filme.

Ao passo que o filme acontecia, enquanto conversávamos acabávamos mudando de posição até que, por fim, Ichiro estava deitado com a cabeça sobre meu colo e eu mexendo levemente em seu cabelo.

— Como é ter uma família grande? – Ichiro perguntou.

— Era divertido quando Shouya e Haru moravam em casa.

— Seu irmão foi embora primeiro?

— Mais ou menos. Ele meio que ainda morava conosco quando terminou o colégio, mas quando Haru foi pra faculdade, ele se mudou.

— Ele mora na floresta, né?

— Perto da montanha.

— Deve ser bom.

— Hum. – sorri.

— Você gostaria de morar na floresta como ele?

— Não sei. – pensei – Eu gosto de ir pra floresta, morar perto dela, mas... Não sei.

Acho que eu gostaria de viver como pessoa. Viver como loba era quase o mesmo que abdicar dos meus amigos e talvez até da minha família. E eu quero ter minha própria família um dia.

— Ame? – Ichiro me chamou.

— Uh?

— O que estava pensando? – ele riu – Parecia que estava dormindo acordada.

— Desculpa. – sorri – Eu quero ter uma família. – disse sem pensar, corando em seguida.

— Eu também. – disse Ichiro, pegando em minha mão.

Sorri ligeiramente, e Ichiro se sentou e me olhou. Pensei que iria dizer algo, porém ele me beijou. Corei, e mais ainda quando Ichiro pôs as mãos em minha cintura. Sentia seu toque. Não eram muitos os momentos em que nos tocávamos assim. Era ótimo. E era raro ficarmos tanto tempo sozinhos no quarto.

As carícias aumentaram, fazendo-me ficar ofegante. Ichiro beijou meu rosto e pescoço algumas vezes, até que me deitou na cama. Ele apoiou as mãos na cama, olhando meu rosto e notando minha respiração ofegante. Contraí as pernas, sentia uma sensação ao qual nunca havia sentido antes.

Ichiro beijou minha bochecha, voltando a me beijar nos lábios. Ao passo que a sensação aumentava, as carícias também aumentavam mais uma vez. Ichiro mantinha as mãos sempre acima do meu quadril, porém ao mesmo tempo em que não sentia vergonha por ele descer os toques, sentia vergonha justamente por ele subi-los. E antes de uma de suas mãos se aproximar e tocar um de meus seios por cima do uniforme escolar, encolhi-me e segurei sua mão. Ichiro parou, me olhando.

— Desculpa. – ele disse, ofegante.

Ichiro sentou na cama, acalmando a respiração. Sentei-me, ainda sentindo a sensação de ele estar prestes a tocar seio. Abracei meus joelhos, envergonhada.

— Ame, desculpa.

— Hum. – balancei a cabeça – Tudo bem. É que... – abaixei as pernas – Nunca chegamos nesse... Passo, eu acho.

— É... – ele sorriu – Desculpa, de novo.

Achei graça, rindo.

— Pára com isso.

Me aproximei de Ichiro, sentando ao seu lado.

— É uma coisa nova, mas... – corei – Estou feliz que seja com você. – sorri.

Ichiro sorriu, beijando meu rosto. Encolhi meus ombros, contente. Meu celular começou a tocar dentro da bolsa, pensei que era minha mãe. Porém quando levantei e o peguei de dentro da bolsa, era Hanabi.

— Hanabi?

— Ame, preciso que venha aqui em casa, por favor.

— O que houve?

Ela não respondeu, ficou quieta.

— Hanabi?

— Por favor, só vem.

— Tudo bem, estou indo.

Ao desligar a chamada, olhei para Ichiro, que não entendeu.

— Hanabi precisa que eu vá pra casa dela.

— Ela não estava trabalhando?

— Também não entendi. Preciso ir lá.

— Eu te levo de bicicleta. – ele levantou – É mais rápido.

Agradeci, pegando minha bolsa escolar.