Meu amado é um lobisomem

Capítulo 15: Aluno novo


Nossos colegas de classe pareciam curiosos com o aluno transferido que chegaria. Era inesperado, pois em duas semanas seriam as férias de verão. Porém como Seiko da 1-A contou para alguns que um menino seria transferido, e logo todos descobriram, as meninas da minha turma estavam ansiosas.

Seiko poderia ter sua prima como informante, porém eu tinha Haru. Na verdade eu não tinha muita curiosidade em saber quem era o garoto, porém minha curiosidade existia. Fui ao apartamento de Haru no domingo e enquanto eu estava deitada no sofá com os pés para cima, ela corrigia trabalhos da minha turma.

— Ei, Onee-chan... Quanto eu tirei? – perguntei.

— Só saberá na segunda-feira.

— Chata.

Ela sorriu, pondo mais um trabalho sobre a mesa de centro. Estiquei o braço para pegar um dos trabalhos, porém Haru bateu em minha mão.

— Não pegue o trabalho do seu colega de classe.

— Chata! – exclamei, sentando corretamente – Haru.

— Hum.

— Estão dizendo que um menino novo vai se transferir para nossa classe. E um caminhão de mudança chegou há alguns dias na cidade.

— Está correta.

— Sabe o nome dele?

— Sim.

— Vai me dizer? – sorri, intencionada.

— Não. – ela cantarolou.

Revirei os olhos, olhando para a janela e vendo as cortinas balançando levemente com o pôr do sol se aproximando.

— Você conhece Satoru-sensei?

— O professor de matemática?

Assenti.

— Ele parece ser uma boa pessoa, mas não o conheço muito bem. Por quê? – Haru me olhou – Está apaixonada? – ela sorriu.

— Não. – franzi levemente as sobrancelhas – Ele parecia um pouco estranho quando entreguei o que você me pediu naquele dia.

— Como assim?

— Satoru-sensei perguntou se eu morava aqui há muito tempo, se nossa família é daqui e falou que se mudou há dois anos, mas ainda não conhece algumas coisas. Eu disse que você poderia mostrar a ele o que ele não conhece.

— Ah... Então foi por isso que ele se aproximou no intervalo de sexta. Foi mesmo estranho.

Apoiei os braços em meus joelhos, curiosa.

— O que houve?

— Bem... – ela deixou a caneta de lado e me olhou – Eu estava no corredor conversando com Hanabi. Ela queria saber nomes de alguns livros que eu poderia indicar.

— Hum.

— Satoru-san se aproximou depois que ela saiu e me cumprimentou. Porém ele parou e ficou me olhando por um tempo. Foi um pouco desconfortável.

Achei graça, lembrando-me do gesto estranho que ele fizera quando pus a papelada na mesa. Satoru-sensei era um pouco estranho.

— Por que desconfortável?

— Ele me chamou pra passear na floresta de uma forma estranha. Satoru-san sorriu repentinamente e simplesmente perguntou.

Gargalhei.

— Será que ele gosta de você? Não seria surpresa.

— Se gosta, essa foi uma forma bem esquisita de demonstrar. Mas muitas meninas gostam dele.

— E daí?

— Isso partiria o coração delas.

— Você se importa demais com os outros. – peguei uma revista de cima da mesa de centro.

— Toma. – disse ela, me dando meu trabalho – Veja a nota e me devolva.

— Um 9? O que eu fiz de errado?

— Alguns erros na pontuação e um na gramática.

— Você é professora de literatura!

— E isso dispensa correção?

Cruzei os braços e Haru voltou a corrigir os trabalhos em seu colo.

Na segunda-feira de manhã chegamos no colégio e tudo ocorreu normalmente na primeira meia hora. Hanabi e eu chegamos juntas, nos encontramos como sempre na trilha. Hayato observava Mai trocar seus sapatos em frente aos armários e desviava o olhar para seu armário, como sempre fazia. Hanabi e eu trocamos nossos sapatos e cruzamos nossos braços com os dele ao nos aproximarmos, levando-o para a sala de aula. Ele parecia mais desanimado naquele dia.

Nos sentamos em nossos lugares ao chegarmos. Eu no canto ao lado da parede, Hanabi à minha esquerda e Hayato atrás dela.

— Hayato. – o chamei – O que você tem?

— Eh? – ele me olhou, despertando – Ah, nada.

— Fala logo.

Ele suspirou, pensando por um tempo. Quando abriu a boca para falar, Haru entrou na sala com uma folha em suas mãos.

— Bom dia, turma. – disse ela – Tenho uma notícia para vocês.

Ela parou ao lado de sua mesa e olhou para a turma, que se silenciou.

— Vamos ter um novo aluno na classe e espero que vocês deem boas vindas à ele. Entre, por favor.

Todos olharam para a porta, que foi aberta para o lado. Um menino entrou na sala de aula e despertou o interesse de muitas meninas, que iniciaram os cochichos. Ele era alto, tinha cabelos médios marrons e olhos cor de mel pelo que vi da quarta carteira na fileira do canto. Ele parou ao lado de Haru, que era menor que ele talvez dez centímetros. Sua expressão parecia desanimada e até mesmo triste. Haru sorriu e continuou:

— Nosso novo colega veio de Tokyo e é novo na cidade. Espero que todos o tratem bem e o ajudem a se habituar. Por favor, apresente-se. – ela sorriu, finalizando.

O garoto levantou o olhar para a turma e se apresentou.

— Meu nome é Kirishima Ichiro. Espero que possamos ser amigos.

Sua voz era um pouco arrastada, porém desconfiei que fosse apenas naquele momento. Ao terminar de falar, ele abaixou o olhar em direção ao chão novamente. Haru pôs a mão em seu ombro e sorriu, fazendo-o olhá-la por um momento.

— Muito bom. Por favor, sente-se naquela carteira, atrás de Yoshiro Ame.

— Hum.

Kirishima-kun olhou para mim depois que Haru apontou seu lugar. Ele caminhou para a mesa e se sentou atrás de mim. Haru começou a aula e nos pediu para pegar o livro e abrir na página 35.

Senti alguém me cutucar levemente. Me virei e vi que era Kirishima-kun.

— Ahm... Não ouvi o número da página.

— Eh? Ah! – me apoiei nas costas da cadeira e peguei seu livro, pondo na página – Página 35.

— Obrigado.

— Hum. – sorri – Bem-vindo.

Me endireitei e prestei atenção na aula.

Durante toda a primeira aula me senti um pouco desconfortável, como se alguém não parasse de me olhar. Ignorei e passei a prestar atenção nas meninas que direcionavam toda sua atenção à Kirishima-kun no intervalo entre as aulas. “Você veio mesmo de Tokyo?”. “Sim”. “Tem muitas pessoas como todos dizem?”. “Sim”. “Como era sua escola antiga?”. “Legal”. “Tem irmãos?”. “Não. Ahm... Sim”.

Me virei para olhá-lo, ele parecia triste como antes. Por que Kirishima-kun errou e se consertou ao dizer que tinha um irmão? Ele tem ou não? Bem... As meninas ficaram bastante interessadas por ele. Até mesmo Mai, o que deixou Hayato com ciúmes. Foi aí que descobrimos porque ele estava desanimado. Era por causa do novo aluno.

Para nós, Mai não parecia estar tão interessada como ele dissera, mas para Hayato isso o deixava furioso. Depois da segunda aula, fomos para o terraço do prédio para o almoço. Comíamos em nossos obentos e Hayato reclamava.

— É Satoru-sensei. É o novo aluno. Por que nunca sou eu? – exclamou.

— Todas as meninas estão dando atenção para ele – disse Hanabi – Não é nada demais. Mai ainda continua interessada em Satoru-sensei. Eu a vi olhando para ele no corredor.

Hayato abaixou a cabeça, isso não o ajudou.

— O que ele tem de tão interessante?

— O professor é bonito e mais velho. O novo aluno é novato. É isso. – disse Hanabi, comendo.

— Concordo. Em alguns dias tudo voltará ao normal. – falei e vi Kirishima-kun entrando no terraço – Oh, olha ele. Kirishima-kun! – chamei-o.

Hayato cruzou os braços, enciumado. Kirishima se aproximou com um lanche comprado na escola e nos cumprimentou, sentando conosco.

— Pensamos que ficaria com as meninas. – disse Hanabi.

— Hum. – ele negou com a cabeça – Elas estavam me sufocando um pouco.

— Não se preocupe, isso vai passar. – falei – Bem, é muito cedo ainda, mas como está indo?

— Ahm... Não entendi algumas coisas, mas acho que é questão de me acostumar.

— Isso é bom. Tokyo era diferente?

— Muito. Havia muitas pessoas e eu gostava dos parques. Aqui é bem diferente, em tudo. – ele abaixou o olhar.

— Eh... Quis dizer na escola.

— Ah. – ele me olhou – Sim.

Engoli em seco.

— Se mudou por que, Kirishima? – perguntou Hayato, olhando-o com desconfiança.

O belisquei e ele torceu a expressão.

— Hum... – disse Kirishima-kun – Minha mãe se casou de novo e o meu padrasto queria um lugar tranquilo porque minha mãe vai ter um bebê.

— Então vai ter um irmão? – disse Hanabi enquanto eu compreendia por que ele havia se confundido antes com as meninas.

— Ter um irmão é legal. – sorri – Eu tenho dois.

— Você é a mais velha?

— Não... – pus a mão na cabeça, envergonhada – Sou a mais nova. Meu irmão é o mais velho, depois vem Haru e eu.

— Yoshiro-sensei? Sua irmã é a Yoshiro-sensei?

— Sim.

— Hum. São parecidas.

Sorri sem jeito. Sempre achei que Haru fosse a irmã mais bonita, mesmo nós duas sendo “parecidas” e mesmo ela não se importando para beleza. Mas claro. Pessoas bonitas não se importavam com isso já que possuem beleza. Fiquei surpresa por Kirishima-kun descobrir que Haru era minha irmã e não dizer “Yoshiro-sensei é bem bonita” como todos faziam. Fiquei até feliz.

Nós quatro conversamos até o final do intervalo. Percebi enquanto Kirishima-kun falava que ele estava um pouco infeliz por ter se mudado para Okayama. Ele nos falava como Tokyo era ou parecia ser melhor que nossa cidade. Não com estas palavras, mas seu olhar às vezes parecia indicar isso. Nós pelo contrário, meros mortais de Okayama, falávamos sobre como a cidade era legal mesmo não sendo como Tokyo.

Não tínhamos parques como a populosa cidade, mas tínhamos florestas. Não tínhamos diversas escolas, mas nossa escola era ótima e conhecíamos todos na cidade. Os lugares eram um pouco longe para quem não morava no centro da cidade, mas isso não significava muito. Havia ônibus! E pelo que ele contou, Kirishima-kun morava um pouco longe. A rua dele era há dois quilômetros do colégio. Eu conhecia bem seu desânimo à respeito disso, a minha casa era há três quilômetros do colégio.

Quando o sinal soou, descemos do terraço. Hanabi e Hayato iam à nossa frente na escada enquanto eu continuava a conversar com Kirishima-kun.

— O ônibus demora um pouco e o caminho é longo. – disse ele.

— Você pode tentar ir pela trilha.

— Me falaram sobre ela, mas disseram que tem várias bifurcações para outras ruas.

— Sim, mas há placas indicando o caminho. Não se preocupe sobre se perder.

— Hum.

— Podemos ir juntos na saída. Hanabi e eu sempre vamos pela trilha. Não é, Hanabi?

— Não vai dar hoje, vou direto para o trabalho. – disse ela.

— Ah, então vamos juntos. – falei, achando graça.

Chegamos à sala de aula e tudo estava indo bem, porém ao passo que Hanabi e Hayato entravam na sala, Kirishima-kun me perguntou algo.

— Yoshiro-san.

— Pode me chamar de Ame. – sorri.

— Hum. – ele desviou o olhar por um momento – Você tem cachorro?

— Por quê?

— É que seu cabelo tem um cheiro diferente.

— Diferente? – o olhei, envergonhada – De cachorro?

— Eh... Não quis ofender.

— Hum. – neguei com a cabeça – Tudo bem.

Apressei o passo e entrei na frente dele, me sentando e ficando calada. Kirishima-kun ficou sem jeito e me pediu desculpes através de um pedaço de papel dobrado, mas eu não respondi. Fiquei desconcertada por ele dizer que tenho cheiro de cachorro. Sou metade lobo, porém nunca pensei que tivesse mesmo algum cheiro semelhante. Enquanto a aula acontecia, minha cabeça se mantinha baixa pela vergonha.

Na saída, troquei os sapatos com Hanabi ao meu lado. Nossos armários eram lado a lado e esperava que ela pudesse negar o que Kirishima-kun dissera.

— Hanabi, você acha que tenho cheiro de cachorro? – perguntei.

— Por que essa pergunta?

— Curiosidade.

— Não acho, mas quando conheci você parecia que sim. Sua mãe disse que vocês tinham um cachorro.

Minha mãe dizia muito isso quando alguém escutava meus uivos em casa. E talvez Hanabi não achasse mais que eu tinha cheiro de cachorro por estar acostumada comigo, claro. Nos conhecíamos desde pequenas.

— Mas por que está pergun...?

— Yoshiro-san. – Kirishima-kun me chamou logo atrás de mim.

Ao me virar, percebi como ele era alto. Era mais alto que Hanabi e Hayato. Deveria ter desconfiado já que Haru e eu tínhamos a mesma altura.

— Ame, estou indo. Depois me diga aquilo.

— Hum. – assenti e me voltei para ele – Kirishima-kun.

— Nós ainda vamos... Ir juntos?

Quis dizer não e provavelmente meu olhar me entregou, porém assenti e fomos juntos. Fiquei calada todo o tempo enquanto Kirishima-kun olhava as árvores e o caminho ao qual fazíamos. Ele pareceu admirado pela ponte do rio e ao chegarmos à bifurcação que dava para sua rua, Kirishima-kun parou e me olhou.

— Yoshiro-san.

— Sim? – o olhei, entristecida.

— Hum... Espero que nós... Ahm...

Ele abaixou o olhar e negou com a cabeça, indo embora depois de se despedir. Cheguei em casa minutos depois, meus pais estavam trabalhando na horta. Entrei, cumprimentando-os com desânimo e fui direto para o quarto, deitando no tatame mesmo e pondo a cabeça sobre minha bolsa escolar. Poucos minutos depois, minha mãe apareceu na porta, batendo levemente na parede e entrando.

— Ame?

Olhei para ela e me sentei. Mamãe veio até mim e sentou ao meu lado, ajeitando uma mecha do meu cabelo.

— O que houve?

Desviei o olhar por um momento.

— Tem um aluno novo na minha turma.

— E isso é ruim?

— Não. Ele é legal, veio de Tokyo e parece triste por ter se mudado. – falei – Mas... Quando voltávamos do intervalo, ele perguntou se eu tinha cachorro... Porque meu cabelo tinha um cheiro diferente.

— Cheiro... De cachorro?

Assenti, querendo chorar.

— Eu tenho cheiro de cachorro... – olhei-a.

— Não tem, não. – ela me abraçou.

— Tenho sim. Você só está acostumada com todos nós, mas a gente tem cheiro de cachorro!

— Ame! – exclamou mamãe, repreendendo-me – Não ligue para isso. Ele com certeza irá esquecer isso quando a conhecer melhor. Você não disse que ele era legal?

— Hum. – assenti – Não quero ficar como Haru, Okaasan.

— Não vai. – mamãe me abraçou novamente – Haru fez uma escolha. Você ainda tem tempo para se decidir.

Assenti, acolhida em seus braços.

Na última semana de aula, não falei muito com Kirishima-kun. De certa forma, eu fui uma pessoa ruim. Ele acabara de se mudar e eu o ignorei quase que totalmente depois de sua pergunta. Kirishima-kun pareceu ter ficado confortável conosco, o que deveria ter sido bom. Como já se sentava próximo a nós, ele passou a conversar e ficar com a gente. Porém o problema era que quando ele se aproximava, eu me retirava. E Hanabi percebeu isso tanto quanto Hayato. Eu não era assim, na verdade eu era sociável com pessoas novas. E ela não entendeu.

— Ame. – Hanabi me chamou, porém continuei a andar pelo corredor do colégio – Ei, Ame. Quero perguntar uma coisa. Ame.

Caminhava na esperança de que ela desistisse e fosse embora, porém Hanabi apressou o passo e se pôs a minha frente.

— Ei. – disse ela, irritada – Quero perguntar uma coisa.

— O que? – desviei o olhar.

— O que você tem? Está muito estranha. Alguma coisa errada?

— Não.

— Mentira. O que Kirishima fez? Você parou de falar com ele há uma semana e toda vez que ele se aproxima, você sai de perto.

— Não é nada. Pare de perguntar.

— Você gosta dele?

— Não.

— Então responda.

— Não é nada.

Hanabi suspirou.

— Ame... Você é tão idiota.

Ela se virou e foi embora. Abaixei o olhar. Eu era mesmo idiota, mas não queria que Kirishima-kun descobrisse nada. Eu não detestava essa parte de mim como Haru, porém não queria que ninguém soubesse. Se ele ou até mesmo meus amigos descobrissem que eu era uma espécie de lobisomem, eles nunca mais me olhariam como antes. O que pensariam sobre mim? E se descobrissem também que minha família era como eu?

Por isso continuei a não falar com Kirishima-kun. Mas isso só piorou tudo. Na última semana de aula, ele não veio para o colégio. Sua carteira ficou vazia e ninguém sabia por que ele havia faltado à aula. Mesmo não falando com ele, fiquei preocupada. Tive medo de que fosse por minha causa.

Nosso verão, ou pelo menos as primeiras semanas, seria com alguns trabalhos para fazer. Hanabi disse que já começaria logo na primeira semana para ficar livre e Hayato disse que faria depois da primeira semana, pois queria jogar no seu videogame novo. Acho que eu faria o mesmo que ele, já que meu aniversário era na primeira semana do verão. Meu aniversário sempre era acompanhado de chuva e essa era a razão do meu nome.

Ao final da nossa última aula, pegamos nossas coisas para ir embora e eu fui até Haru, que arrumava suas coisas.

— Yoshiro-sensei. – falei – Você sabe o que houve com Kirishima-kun?

— Kirishima? – ela me olhou – Ele faltou essa semana, não?

— Hum. – confirmei – Ele está bem?

— A mãe dele ligou para o colégio e disse que ele não estava se sentindo bem.

— A semana toda? – franzi a testa.

Haru assentiu.

— Por que não vai à casa dele e entrega os deveres para o verão? Todas as matérias estão aí. – ela me entregou uma papelada com exercícios – Eu ia pedir a um de seus amigos, mas como ele é novo não sei ao certo se ele ainda tem algum.

— Tudo bem.

— O endereço dele está na frente. É no caminho que você faz.

— Eu sei. Uma vez eu fui embora com ele.

— Isso é bom.

— Por quê?

— Mudar-se para uma cidade totalmente estranha pode fazer com que ele se sinta deslocado. É bom que ele saiba que tem uma amiga.

Abaixei o olhar.

— Sim, ele tem.

Hayato foi para casa na saída e Hanabi iria direto para o trabalho. Ela trabalhava meio período no mercado e eu conseguia vários descontos com ela, o que era ótimo. Fui pela trilha como sempre e quando chegou a bifurcação para a rua de Kirishima-kun, caminhei por ela. Tinha o papel com seu endereço nas mãos e andava pela rua asfaltada. Eram poucas as ruas distantes que eram asfaltadas. Desci a rua, olhando os números das casas e os nomes de família ao lado das caixas de correio.

O nome dele era Kirishima Ichiro. Seu nome de família era Kirishima, então por que o nome que estava em sua casa era Minoru? Parei em frente, olhando para o papel e para a casa. Estava correto, era essa a casa. Passei pelo portão e toquei a companhia. Momentos depois um homem atendeu a porta.

— Boa tarde. – disse ele.

— Boa tarde... – disse sem jeito – Essa é a casa de Kirishima Ichiro?

— Ichiro? Sim. O que ele fez?

O homem parecia irritado.

— Nada. – gaguejei e abri a bolsa escolar, tirando a papelada de exercícios – A professora pediu que eu trouxesse os exercícios do verão para ele. Ele não foi pra aula essa semana.

— Não foi? – ele franziu as sobrancelhas – Ayako! – chamou.

Logo após chamar o nome, uma mulher bonita de curtos cabelos marrons se aproximou. Ela estava grávida e sua barriga era pequena. Pensei na hora que seria a mãe de Kirishima.

— Sim, querido.

— Ei, Ichiro não foi para o colégio essa semana?

— Não. Ele não se sentia bem. – disse ela – Boa tarde.

— Hum. – sorri sem jeito – A professora pediu que eu trouxesse os exercícios do verão para Kirishima-kun.

— Hum. – ela sorriu feliz e pegou a papelada – Obrigada...

— Yoshiro Ame.

— Obrigada, Yoshiro-san. É ótimo saber que Ichiro tem amigos. Ele estava um pouco triste com a mudança.

Seu marido suspirou e pegou a papelada.

— Ele logo vai se acostumar. Vou levar isso pra ele.

— Obrigada, querido. – disse ela.

— Minoru-san. Certo?

— Sim.

— Espero que Kirishima-kun melhore logo. – me curvei rapidamente – Pode dizer a ele que... Ahm...

Ela sorriu.

— Obrigada, você é uma boa menina.

Assenti, agradecendo e fui embora. Que covarde eu era. Por que não disse simplesmente que estava preocupada com ele? Idiota.

Bem... Minoru Ayako era sua mãe. Minoru alguma coisa era seu padrasto. Sua mãe deve ter mudado de nome quando se casou e Kirishima-kun deve ter mantido o nome de seu pai. Esperava que ele ficasse bem. Fiquei um pouco preocupada.

Quando o verão chegou, chegou meu aniversário. Fiz 16 anos e Hanabi e Hayato vieram na minha casa. Mamãe fez um bolo pra mim e Shouya chegou em casa com Haru. Foi ótimo e ganhei presentes. Um vestido azul de Hanabi, um perfume de Hayato – mas eu sabia que Sana-san que comparara –, um quite de shampoo de Haru, sandálias da minha mãe, um colar do meu pai, um livro do vovô e no fim de semana seguinte depois das chuvas, ganhei um passeio na floresta com Shouya.

Andamos até sua caverna e deixamos nossas roupas lá, virando lobos e passando o dia na floresta. Subimos a montanha e eu vi como o céu ficava bonito depois das chuvas. Voltamos para a floresta e vi novos filhotes de raposa na floresta. Eles corriam um atrás do outro enquanto a mãe os vigiava da entrada da toca e o pai trazia um coelho para eles se alimentarem. Fomos para perto da trilha e vimos Hanabi caminhando. Ela parecia triste, usava um vestido branco de alças finas. Shouya se sentou, observando-a.

— Ela anda vindo bastante para a floresta. – disse ele.

— Pra ver você provavelmente.

— Por que ela faz isso?

— Ela gosta de você.

— Eu sei, mas... Por que ela não desiste? Eu não dou nenhum motivo pra ela continuar a gostar de mim.

— Não precisa, Shouya. – falei, coçando minha orelha com a pata – Ela gosta de você, é só. Você não precisa dar motivos.

Ele continuava a observá-la. Hanabi sentou-se numa pedra e permaneceu ali por meia hora, creio. Ficamos olhando-a e observando a natureza até que ela foi embora. Apenas quando Hanabi foi embora que Shouya e eu também fomos. Ao voltarmos para a caverna e nos vestirmos, nos tornando pessoas novamente, perguntei algo a ele.

— Você vê Hanabi com frequência na floresta?

— Sim.

— E fica olhando para ela até que vá embora?

— Não é porque não gosto dela como ela gosta de mim que não me preocupo. Quero que ela vá para casa com segurança.

— Hum. – sorri – Obrigada por hoje.

— Podemos nos ver semana que vem.

— Ok.

Hanabi e eu saímos para ver um filme durante a semana. Ela trabalharia à noite naquele dia, então fomos na sessão da tarde. Ela estava trabalhando um período inteiro nas férias para economizar. Sempre me perguntei o que ela queria economizar, mas ela nunca me disse. Talvez fosse para a faculdade, mas ela nunca me dissera o que desejava cursar no futuro.

Depois do filme, Hanabi me levou até a entrada da trilha e voltou para a cidade, indo em direção ao mercado. Andei pela trilha com calma, respirando fundo o ar puro. Eu usava o vestido azul de alças finas que Hanabi me dera de presente e as sandálias que minha mãe me dera. Cheirei meu cabelo, lembrando rapidamente da pergunta de Kirishima-kun. Eu estava usando o shampoo que Haru me dera e meu cabelo estava com um cheiro bom.

Quando levantei o olhar novamente, vi a ponte se aproximar e notei que alguém estava nela. Engoli em seco e parei. Vi Kirishima-kun. Pensei no que iria dizer, se deveria apenas cumprimentá-lo ou também pedir desculpas pelo meu comportamento. Porém quando voltei a andar, arregalei os olhos e parei novamente.

Kirishima-kun subiu no parapeito da ponte e ficou em pé sobre ele. Olhou para o rio, observando-o. A correnteza estava forte por causa da chuva do dia anterior. Arregalei os olhos, não consegui gritar.

— Kirishima...kun?

Ele estava com o cabelo um pouco grande e bagunçado, que tampava seus olhos. Seus punhos se cerraram, porém ele os relaxou.

— Kirishima-kun? O que...?

Ele pôs o pé para frente, prestes a dar um passo para o vazio. Abri minha boca e finalmente gritei:

— ICHIRO! – corri.

Ele pulou.