Meu Marujo Alegre e Bom

Eu sempre voltarei para você


No momento em que os olhos dele se encontraram com os meus, pude perceber que ele não era como os outros. Ele não era um pirata.

Na verdade ele, assim como eu, tinha estado junto daqueles piratas contra sua vontade. E agora que ele estava livre, pude ver que ele realmente era diferente.

Ele me lembrava algo...

Pode parecer loucura minha, mas ao olhar dentro daqueles olhos, senti que o conhecia de algum lugar. Ele não me parecia estranho, era como se eu realmente o conhecesse, como se nós dois, de alguma forma, nos conhecêssemos em alguma outra vida, talvez. Senti meu corpo ficando quente, e mesmo molhada e com a cauda ainda no mar era como se eu fosse um carvão em chamas. Senti que essa não era a primeira vez que havíamos nos visto. Senti um tremendo choque em todo meu corpo, causando-me estranheza e, devo admitir, um certo alívio, uma sensação boa. Senti meu coração sendo perfurado, como se uma flecha estivesse atravessando-o.

"Tenho a flecha do cupido..."

De repente, lembro-me exatamente o porque me sinto dessa maneira...

Londres com certeza é um lugar lindo, mas aquele dia, em especial, parecia horrível. Ao menos para mim.

— Syrena, eu voltarei para você em breve e, assim que eu voltar, iremos nos casar. - Ele disse com convicção.

Seus olhos, incrivelmente verdes, assim como o mar, estavam de encontro aos meus e, por mais que ele estivesse tentando me passar confiança, era capaz de enxergar a tristeza em seu olhar.

— Philip... Temo que você nunca mais volte...Temo que... Que... - abracei—o com força, esperando que conseguisse transmitir à ele toda a minha dor esperando que desistisse de partir.

— Meu amor, eu voltarei para você... Está bem? Mesmo quando tudo parecer perdido, ou quando parecer que é impossível, eu sempre, sempre, sempre, voltarei para você. - ele havia me apertado com tanta força, que agora, depois de tanto tempo, pude perceber que era como se eu pudesse sentir que ele também estava com dor por ter de me deixar. - Eu te amo, Syrena. - e então ele me beijou. Pela última vez.

Philip, por fim, subiu no navio, embarcando. Mantivemos nossos olhares fixados um no outro por muito tempo, até o navio distanciar-se o suficiente para parecer apenas um pequeno ponto no horizonte e, por fim, desaparecer.

Naquele momento, após o navio desaparecer no horizonte, conter as lágrimas se tornou algo impossível de fazer.

Philip, embora religioso, amava o mar e por isso tornou-se marinheiro. O mar era como se fosse seu verdadeiro lar. Eu me sentia da mesma forma, eu amava ir de navio com meu pai fazer entregas de suprimentos em outras ilhas para observar a imensidão do mar. Até porque, mamãe deu-me o nome de Syrena graças ao fato de eu ter nascido na praia e, dessa maneira, acreditar que além de ser filha dela, também seria filha do mar.

De qualquer forma, não havia como explicar tamanho buraco que tinha se formado em meu peito desde que ele partiu. Havia se passado um ano e ainda era difícil para mim. Nem mesmo meus pais entendiam tamanha dor. Nem mesmo eles eram capazes de me confortar...

A sensação de que jamais nos veríamos era dolorosa e torturante o suficiente para eu tomar uma decisão que, de certa forma, mudaria minha vida para sempre.

Eu iria fugir.

"Sou filha de um mercador.

Eu deixei os meus pais e 3000 por ano sim, senhor"

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Mesmo depois de ter fugido, – para bem longe diga-se de passagem – não fazia ideia de como chegaria até Philip. Mas eu tinha fé de que, assim como ele havia me prometido, ele voltaria para mim. De alguma forma, ele voltaria para mim.

Eu guardava essa esperança em meu peito, sempre confiante de que ele me encontraria e que, dessa maneira, ficássemos juntos para sempre, até o fim de nossas vidas.

Mas os anos foram se passando e essa esperança já havia desaparecido de meu peito. Eu já não acreditava mais que o encontraria, muito menos que ele voltaria para mim. Era impossível, afinal.

Eu já não estava mais no pequeno barco que havia conseguido pegar no porto no dia em que fugi. Eu estava em uma ilha, onde a única prova de que algum ser humano já esteve ali alguma vez era o enorme farol que ali se encontrava. Eu já não sabia mais o que fazer, não tinha nem mais lágrimas para chorar.

Sobrevivia com os frutos que encontrava e, algumas vezes, pescava alguns peixes, assim como fui ensinada por meu pai quando pequena. Perto das árvores, encontrei água potável, podendo assim manter-me hidratada durante todos esses anos.

Ficar sozinha não era bom, muito pelo contrário. Eu sentia tanta falta de conversar ou ver outra pessoa, qualquer que fosse, que achei que estivesse começando a enlouquecer.

Enquanto caminhava pela areia, comendo um dos frutos que encontrei, pude ouvir – não tão claramente quanto gostaria – uma melodia graciosa, tão bela quanto as flores e tão doce quanto a mais saborosa maçã. Foi então que, ao olhar para o mar, pude ver três mulheres nadando. Elas estavam nuas, e eram tão belas quanto a melodia que cantavam.

Claro que tendo passado anos sozinha, isolada do resto do mundo, eu só poderia estar imaginando coisas, certo?

Ao anoitecer, fui até uma das enormes pedras e me deitei... E como todas as noites desde que Philip foi embora, lágrimas silenciosas rolavam pelo meu rosto.

Foi então que ouvi novamente a mesma melodia, mas, dessa vez bem mais próxima a mim.

Elas falaram comigo, sim, aquelas mulheres que estavam cantando para mim. Elas disseram-me que me observavam desde o dia em que coloquei os pés naquela ilha... Mas como? Não havia ninguém ali quando cheguei. Aliás, não havia ninguém ali mesmo depois.

Fechei meus olhos e deixei que elas me levassem para baixo, junto com elas...

Ao abrir os olhos, eu já estava completamente submersa e ainda ouvia a melodia que aquelas mulheres cantavam. Mas, ao olhar em volta, não eram mais três mulheres, na verdade eram milhares. Olhando atentamente pude ver que nem mesmo mulheres elas eram. Elas eram...

Sereias.

— Como é seu nome? - uma delas perguntou

— Sy... Syrena... - respondi, receosa.

Foi então que, enquanto ela tocava meu coração e sussurrava em meu ouvido coisas que eu não entendia, percebi minhas pernas tomando a forma de uma longa, delicada e maravilhosa cauda.

As vozes passaram a ficar mais nítidas, passei a ouvir e entender o que elas diziam, além de poder ouvir a música que cantavam de forma mais clara. Eu também já não precisava mais prender a respiração, agora conseguia respirar debaixo d'água.

Eu havia me tornado uma sereia.

— De agora em diante e para todo o sempre — ela disse - Você será Syrena, a sereia.

"Venham todas, belas damas, daqui deste lugar

Que amam um bravo marujo cruzando o alto mar"

Ao olhar para aqueles olhos que, assim como o mar, eram incrivelmente verdes, lembro-me de tudo o que havia me esforçado a esquecer.

Agora eu sei, eu entendo perfeitamente...

Ele corre até onde estou e me pega no colo, para em seguida, levar uma de suas mãos para meu rosto, acariciando-me.

Minha cauda começa a sumir lentamente, dando lugar para minhas pernas. E então, me levando até a areia, sou colocada no chão.

Não consigo dizer nada. As lágrimas correm de meus olhos como cachoeiras, minhas pernas tremem e meu coração está disparado. Eu não sei o que sentir, apenas sei que sinto algo. Algo forte o suficiente para me fazer lembrar de tudo o que tanto forcei-me a esquecer. Algo que não consigo controlar, por mais que eu tente.

"E só pode consolar-me, meu marujo alegre e bom."

Ele está aqui, por mera coincidência, ou talvez por obra do destino... Mas isso é o de menos, ele está aqui!

— Você... É... - tento dizer algo entre soluços, ainda sem conseguir conter as lágrimas.

— Não diz... - ele me abraça, aninhando-me em seus braços. Seus dedos percorrem minhas costas, e a outra mão acaricia meu cabelo - Não diga nada... Não ainda...

E então, sinto como se o chão já não estivesse mais ali, como se tudo em volta tivesse desintegrado e apenas eu e ele fizéssemos parte do mundo.

Seu beijo é doce, suave, delicado. Mas, ao mesmo tempo, é feroz, apaixonado, quente... Como se todos os sentimentos reprimidos durante todo o tempo estivessem sendo soltados em apenas um momento.

O momento perfeito!

— Eu amo você, Philip - digo, agora totalmente convencida de que é ele e que também se lembra.

— Eu te amo - ele diz, dando uma longa pausa e, por fim, concluindo - Syrena.

E mais uma vez, seus lábios encostam os meus.

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"Mesmo quando tudo parecer perdido, ou quando parecer que é impossível, eu sempre, sempre, sempre, voltarei para você"

Uma vez, Philip me disse isso.

Ele estava falando a verdade.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.