A primavera finalmente chegara para ficar. Naruto via Hinata empolgada com o tempo quente, louca para sair de casa o tempo todo e, na maioria das vezes, levando ele com ela. Feiras eram uma paixão recém-descoberta da jovem ninja – todos os dias ele descobria algo novo a respeito de Hinata, e gostava da sensação de conhecê-la além do que a antiga amizade permitia. Por exemplo, a gagueira estava quase sumindo definitivamente, e o loiro notou que só aparecia quando a Hyuuga ficava muito nervosa. Algo cada vez mais raro, ele agradecia.

E naquele dia, a futura Senhora Uzumaki estava animada como nunca!

O rapaz desconfiava que o progresso se devia à conversa que tiveram na cama, da declaração boba que ele tinha feito há poucas noites. Mas não falou nada. Apenas a apreciou enquanto tagarelava durante o café-da-manhã e cantava lavando a louça.

— Aonde vamos hoje?

— Naquela feirinha aqui perto. Quero comprar lã.

— Para quê?

— Para tricô — respondeu simples, o puxando pela rua, empolgada. — Quero fazer um cachecol — respondeu à careta confusa do rapaz.

— Cachecol? O inverno já passou.

— Eu gosto de tricotar. Me acalma.

Lã vermelha. A moça da venda falou que realçava cabelos claros. Naruto fingiu que não ouvia, olhando para o outro lado e sentindo uma gostosa sensação no peito. Estava se acostumando com aquilo... sempre acontecia quando Hinata estava por perto.

— Sonhando acordado?

Sakura tinha um sorriso debochado, e ele coçou a cabeça envergonhado.

— Naruto-kun faz muito isso, não é? — Hinata apareceu com uma sacola, se dirigindo à amiga. — Teve uma vez que o encontrei na piscina do hospital, boiando e com esse sorriso bobo no rosto. Ele tem vergonha de me contar o que estava pensando.

— Prometo conseguir essa informação para você.

— Obrigada, Sakura-san!

Sorriram cúmplices, como se o rapaz nem estivesse ali. Naruto cortou as gracinhas, levando-as para andar mais um pouco. Pararam perto de meio-dia, quando encontraram Chouji e Shikamaru, e, juntos, resolveram ir para a churrascaria. Hinata pediu ao garçom para que trouxesse uma colher, assim Naruto não se limitaria a comer, como antes. Comeram o quanto Chouji deixava, mas aproveitaram que era sábado para completar a fome com dangos.

— E então? — Sakura perguntou à Hinata, com discrição, aproveitando o papo descontraído entre os meninos. — Como tem sido a convivência com Naruto?

— Maravilhosa! — a morena respondeu com sinceridade. — Muito melhor do que eu esperava.

— É mesmo? — A outra ficou surpresa.

— Sim. Naruto-kun é uma pessoa muito fácil de conviver, desde que...

— Esteja bem alimentado — completou, fazendo Hinata rir baixinho.

— Exatamente.

— E quanto ao noivado?

Hinata corou.

— O que tem?

— Como assim o que tem? Não deviam começar os preparativos? Ou ao menos anunciar que estão noivos?

A Hyuuga tentou se esconder por baixo da franja, fingindo continuar a comer para prolongar o tempo de resposta.

— N-Não acho... não acho que seja... a hora. Ainda.

— Mas vocês estão há... quanto tempo mesmo? Quase dois meses morando juntos? Todo mundo sabe.

— Todo mundo sabe que estou morando com Naruto-kun para cuidar dele. Uma missão — salientou.

Sakura tentou argumentar, mas Hinata a calou:

— Melhor deixar acontecer naturalmente. Não quero forçar Naruto-kun a nada. — O sorriso tranquilo pareceu acalmar a amiga. — Já basta tudo que ele faz por mim.

Hinata olhou para o loiro, que lhe sorria abertamente. Ela provavelmente acharia que sorria por causa da conversa com Chouji e Shikamaru, pensou Naruto.

A verdade era que ouvira toda a conversa entre as duas.


“Desculpe a demora. De novo.
Comecei um treinamento novo, para me adaptar a fazer jutsus com apenas uma mão. Tem sido um sufoco até agora, e quase não tenho parado de tentar, por isso a demora em escrever. Até agora consegui fazer um clone. Você ficaria desapontado. Aposto que já consegue fazer mil apenas com a mão esquerda...
Karin tem me ajudado com uma paciência incrível! Como é uma ninja sensitiva, ela percebe se estou controlando direito o chakra antes de fazer os selos. Ela me reprovou em todos os testes até agora. Estou cansado, exausto, exaurido...
Mas aprendi a ser teimoso com certo alguém.
Mande lembranças à Sakura, por favor. A carta dela (ou de vocês) me animou um bocado.
Sasuke.
P.S.: ainda não consigo escrever cartas longas.”

— Ele é um homem de poucas palavras e mais ações — concluiu Hinata.

Ela tinha acabado de ler a carta que o loiro recebeu e, revoltado, jogara para um lado.

— Não estou chateado com isso. — Ele coçou a cabeça, nervoso. — Você leu o que eu li? Ele já faz um clone, Hinata! E eu mal sei comer direito com a mão esquerda!

— Ai, meu Deus... — Já prevendo a explosão dele, Hinata correu para a cozinha.

— Pelo amor de Deus, ele pensa que estou treinando também! — gritou o rapaz — E acha que faço mil clones!

A morena esperou até que ele descarregasse a frustração para voltar. Naruto estava jogado no sofá, descontando a raiva no controle remoto. Ela sentou ao seu lado, um sorriso paciente no rosto.

— Por que está tão zangado, Naruto-kun? — Era uma pergunta retórica. Hinata não esperou que ele respondesse para continuar. — O fato de você ter apenas um braço não deve mais ser visto como uma limitação. Esse tempo já passou. Você já faz as coisas muito mais rápido.

— Mas... o Sasuke...

— Sasuke-kun não se deixou abalar por isso — interrompeu. — Ele viu toda a situação como mais uma barreira a enfrentar e superar. Não acha que ele aprendeu direitinho com você?

Naruto abaixou o rosto, com vergonha pela atitude infantil. Hinata sorriu e foi até a cozinha rapidamente, voltando com um pratinho de bolo de chocolate. Pela primeira vez em muito tempo, ele não sentia vontade de comer.

— Vou falar com Tsunade-sama amanhã — ela falou, chamando sua atenção. — Vou perguntar se você já pode voltar aos treinamentos também.

Os olhos dele brilharam. O sorriso finalmente voltara.

Acabou o doce antes que Hinata alcançasse o controle remoto para mudar de canal.


A hidroterapia terminou naquela mesma sexta-feira. No dia seguinte Tsunade permitiu que Naruto fizesse exercícios leves pela manhã. Ninjutsu também não seria um problema, desde que Naruto não sentisse dor ao fazê-lo. Como Hinata possuía o Byakugan, o taijutsu do aspirante a Hokage poderia ser aperfeiçoado, com a Hyuuga controlando o seu chakra durante os treinamentos.

Chegaram ao campo de treinamento 3 bem cedinho. O sol tinha acabado de nascer quando Hinata e Naruto colocaram as mochilas sob a sombra de uma árvore. O rapaz tirou o casaco, tão animado que mal podia se conter. Foi até o meio da clareira e esperou que a morena sentasse e ativasse o doujutsu.

— Não se esqueça. Movimentos simples no começo — ela alertou. — Até que você reencontre o seu ponto de equilíbrio.

Naruto não deu ouvidos. Tentou realizar um golpe ágil, soco seguido de giro e chute, e acabou caindo. Hinata apenas ergueu as sobrancelhas. Temendo uma bronca, o garoto levantou rapidamente, decidido a não testar a paciência da amiga tão cedo.

Demorou algumas horas, entre quedas e frustrações, para que o Uzumaki tivesse o controle do corpo. Movimentos lentos até que soubesse equilibrar-se e agir com apenas um braço. Hinata enfim se levantou. Naruto notou que ela desistira do Byakugan logo no começo, e ficou receoso de que ela estivesse entediada ao vê-lo treinar sozinho.

— Você quer alguma coisa? — Ela pegou a cesta que trouxera. — Você não tomou café direito.

O estômago dele roncou. Parou para comer algumas frutas e tomar bastante suco. Voltou até onde estava. Hinata foi também.

— O que foi?

— Vou acompanhá-lo agora.

As íris azuis demonstraram surpresa. A morena tirou o casaco, largando-o em cima do dele.

— Não se preocupe. — Ela riu de seu estado atônito. — Não vou usar o Byakugan.

Ele tentou rir também, meio nervoso. Foi por puro reflexo que desviou do primeiro ataque da Hyuuga.

— Você não falou que ia começar!

Hinata deu um sorrisinho superior, atacando-o com uma série de golpes rápidos. Naruto desviou de todos.

— Muito bom — falou orgulhosa. — Que tal tentar se defender agora?

— Não acha...?

Ela não esperou que terminasse. Os mesmos golpes. Naruto desviou, mas quando foi tentar se defender no último golpe, perdeu o equilíbrio ao erguer o extinto braço direito. Hinata o atingiu com uma força inesperada, e ele tombou a muitos metros longe dela. Novamente, ela não foi acudi-lo.

— Um pouco pesado para um primeiro treinamento — resmungou, segurando o ombro direito dolorido.

— Não seja um bebê. Eu nem comecei.

Os olhos azuis se arregalaram de novo. A Hyuuga não esperou mais um segundo para que ele descansasse. Repetiu os movimentos. O resultado foi o mesmo, dessa vez com o outro ombro atingido.

— Eu fiz alguma coisa errada, não foi?

— Do que está falando?

— Está descontando sua raiva em mim por algo que eu fiz, não é?

O rosto de Hinata mostrava uma genuína surpresa. Em seguida, ela desatou a rir.

— Você está sedentário, Naruto-kun — falou entre risos. — Você é mais forte que isso. Meus golpes são brincadeira de criança perto dos seus.

— Mas eu não posso realizar meus golpes — rebateu, chateado.

— E por que não?

O sorriso no rosto dela o provocava. Naruto finalmente entendeu.

Ele podia se defender atacando.

— Mostre-me o que você tem, Naruto-kun.

Naruto aceitou o desafio. Deu um sorriso confiante antes de partir na direção da morena, atacando como podia e se defendendo sempre que ela via uma brecha em seu ataque. Ainda era uma “luta” lenta, se comparado com a velocidade que ele atingia antes da luta com Sasuke, mas não podia reclamar. Hinata era uma professora muito paciente e acompanhou sua velocidade, mesmo ainda inferior à dela. Os resultados foram alguns arranhões e ombros muito doloridos da parte de Naruto.

Hinata ficou apenas um pouco ofegante.

— Temos que fazer isso mais vezes — ela comentou quando enfim decidiram encerrar o treino.

— Por quê? Para você me matar?!

Ela riu, guardando suas coisas. Levou-o até o Ichiraku – onde ele terminou cinco tigelas de seu lámen favorito – e prometeu uma massagem depois que ele tomasse um banho. Naruto correu para o banheiro assim que chegou em casa. Hinata foi também, assim que ele terminou. Ela o encontrou deitado na cama, de bruços, os cabelos úmidos ensopando o travesseiro.

Naruto ficou agradecido que seu rosto estivesse parcialmente escondido no travesseiro, pois ficou vermelho como um tomate quando ela sentou nas suas costas e começou a massageá-las. Não conseguiu conter os gemidos de satisfação ao sentir todos os músculos sendo pressionados com força para em seguida ficarem relaxados. Estava prestes a adormecer no instante que Hinata parou.

— Tem razão — ele comentou, sonolento, sem sair do lugar. — Devemos fazer isso mais vezes.


No dia seguinte foi acordado cedo por um aroma delicioso. Hinata fazia alguma coisa assada, e cheirava muito bem. A moça apareceu logo depois, com a intenção de acordá-lo, mas o encontrou deitado com um sorriso sonhador.

— Pão-de-queijo — ela respondeu à pergunta muda.

— Meu Deus, eu vou ficar com cento e cinquenta quilos!

Hinata riu, entrando no quarto e sentando ao seu lado.

— Vou ao mercado reabastecer a despensa. Não devo demorar.

Ela beijou a bochecha dele com carinho e se levantou. O gesto inocente e não-planejado o acordou no mesmo instante, o coração acelerado. Hinata era sempre doce e gentil, mas quase nunca o tocava, a timidez nesse quesito ainda não superada. E o beijinho inesperado era algo que não devia se desperdiçar.

— Eu vou com você!

Não deu tempo para que ela dissesse que não precisava. Saiu da cama num pulo e ficou pronto em menos de um minuto.

— Ao menos tome café, Naruto-kun! — Sorria. — Não vamos sair com você de estômago vazio.

Comeu tão rápido quanto, Hinata o repreendendo e lhe dizendo que ia ficar enjoado. Não ligou. Comeu, calçou as sandálias e ofereceu o braço a ela.

— Que cavalheiro — ela brincou, aceitando o braço e andando com ele orgulhosamente pela rua.

Hinata escolhia tudo enquanto ele empurrava o carrinho. Ele tentava empurrar doces para dentro do carro, mas ela devolvia a maioria, tentando manter-se séria, mas não resistindo a alguns pacotes de biscoito recheado. Naruto também conseguiu convencê-la a levarem uma caixa de chocolate com trinta bombons sortidos, rindo ao ver a dúvida nos olhos perolados antes de render-se às guloseimas.

— Desse jeito, quem vai ficar com cento e cinquenta quilos sou eu — reclamou baixinho.

— Até parece! Está magra como um palito!

— M-Mas eu... — Ela corou, falando ainda mais baixo. — Eu engor... engordo com facilidade.

Naruto parou de andar e a olhou de cima a baixo, deixando-a ainda mais vermelha.

— Uns quilos a mais não iriam lhe fazer mal, Hinata — confessou. — Você já é bonita. Escondendo esses ossos deve ficar mais ainda!

— V-Vamos... vamos voltar às compras, Naruto-kun.

Ele voltou a acompanhá-la, rapidamente fazendo-a esquecer da vergonha e engatando numa conversa divertida sobre receitas que eles deveriam experimentar. Compraram alguns pedaços de porco por impulso, Hinata prometendo fazer um assado que o faria babar!

Saíram do mercado com várias sacolas, Naruto insistindo em carregar a maioria, deixando Hinata levar apenas duas. Houve um momento em que ela se distraiu com a vitrine de uma loja de roupas, e o olhar do rapaz voltou-se para a rua, depositando-se numa garota de cabelos curtos e castanhos. Poderia ser qualquer uma, mas ele acabou prestando mais atenção. As roupas finas a destacavam dos demais, de vestes simples no centro comercial da vila. Somente quando ela se virou, atendendo ao chamado de sua tutora, que Naruto a reconheceu. Pelos olhos.

Os olhos brancos de um Hyuuga.

— Hinata — ele a chamou baixo, tentando não chamar muita atenção. — Vamos para casa.

— Está tudo bem? — A jovem ficou preocupada com o tom repentinamente sério.

— Sim. Apenas vamos embora, ok?

Ela concordou sem relutância, mas quando se virou para a rua, seus olhos recaíram no ponto em que Naruto não queria. Hinata parou, atônita. Há meses não via a irmã caçula, e pelo olhar dela, o loiro achou que o último encontro não tinha sido dos melhores. Quando enfim Hinata se recuperou, já era muito tarde – Hanabi os avistou, caminhando sem hesitar na direção do casal.

— Bom dia, Hanabi — a irmã mais velha falou, sem gaguejar ou mostrar receio. Naruto ficou surpreso. — Bom dia, Natsu-san.

— Bom dia, Hinata-sama — respondeu a senhora que acompanhava Hanabi. — Não seja mal-educada, Hanabi-sama. Dê bom-dia para sua irmã.

Ela ignorou Naruto completamente.

— Bom dia... — A pequena hesitou. — Hinata.

Hanabi olhou para o rapaz, mas limitou-se a acenar com a cabeça.

— Você parece radiante — Hanabi comentou, tentando não mostrar nenhuma emoção, mas falhando miseravelmente. Era óbvio que não lhe agradara nem um pouco ver a irmã feliz. — Eu a vi no mercado, mas não me aproximei. Mas agora que nos viu, não encontrei motivos para evitá-la.

— Evitar-me?

A sinceridade da mais nova magoou Hinata. Naruto largou as sacolas e segurou a mão dela, tentando lhe passar segurança. O gesto não passou despercebido para Hanabi.

— Não sei por que a surpresa — respondeu friamente. — Você nos abandonou. Preferiu ficar com Naruto-kun do que com sua família.

— Hanabi...

— Papai diz que é uma vergonha para o clã. E, honestamente, não consigo entender o que os anciões do Conselho viram em você.

— Ok, seu show acabou, Hanabi! — brigou Naruto. — Hinata, vamos para casa.

Ele a puxou, mas a morena ficou firme no lugar. Não só queria ouvir o que a caçula tinha a dizer, como também tinha algo preso na garganta.

— Você só olha para o próprio umbigo, Hanabi. — Hinata tinha o tom sério, no nível que Naruto temia. Pelo visto, pegara a menina de surpresa. — Ficou tão chateada por ter sido rejeitada pelos conselheiros que desistiu de ver o que se passava ao seu redor.

— Só o que acontecia ao meu redor era você roubando o meu lugar!

— Eu nunca quis a liderança, Hanabi, e você sempre soube disso! Deixe de ser mimada e preste atenção no mundo à sua volta! — Hinata deu um passo na direção de Hanabi, pisando firme e falando ameaçadoramente baixo: — Use seu Byakugan, criança. Seus olhos são tão bons quanto os de um adulto. Dê uma boa olhada em mim.

— Ela não vai fazer nada — interrompeu Naruto novamente, puxando Hinata de volta. — Nós estamos indo para casa. Agora!

Hanabi fez os selos mais rápido do que o loiro esperava. Ativou o doujutsu, deixando cair o queixo quando olhou Hinata. Naruto temeu aquele olhar.

— O quê? — perguntou assustado. — O que está vendo?

Ela não deu ouvidos ao rapaz. Os olhos brancos voltaram ao normal, e ela gaguejou ao falar:

— O que... o que é... tudo isso?

— “Isso” é o resultado dos treinamentos com papai — falou fria. — “Isso” sou eu não querendo machucá-la nos treinos. — Deu mais um passo na direção da irmã, abaixando o rosto para ficar na mesma altura que a menina. — “Isso”, Hanabi, foi o que eu ganhei desistindo dos meus sonhos e assumindo os seus.

Hinata se afastou, enfim decidindo ir embora. Segurou o braço de Naruto e se virou, mas voltou logo depois, sentindo a necessidade de terminar:

— Mande um recado ao nosso pai, Hanabi. Diga-lhe que estou bem, que nunca me senti melhor! E que nunca, nunca mais, vou desistir dos meus sonhos por causa dele ou por qualquer outro Hyuuga.

A garota engoliu em seco, soltando a mão de Natsu quando Hinata voltou a dar-lhe as costas.

— Qualquer outro Hyuuga, hein? — provocou Hanabi, rebelde. — Está abandonando mesmo a sua família, não é? Não sei por que estou surpresa! Papai bem que me falou que você não passava de uma va...

Hinata segurou Naruto a tempo. Os olhos de Hanabi se arregalaram quando se deparou com a mão do loiro a poucos centímetros de seu rosto, amparadas habilmente pela irmã mais velha.

— Não faça isso, Naruto-kun — Hinata brigou. — Ela é só uma criança.

— Uma criança com a boca muito suja para o meu gosto! — Naruto recolheu a mão, lutando contra a fúria. — Você perdeu sua chance, Hanabi — falou duramente para a menina. — Achei que poderia estar arrependida, que quisesse reatar os laços com sua irmã. Mas pelo visto me enganei... o sangue de barata de Hiashi também corre em suas veias.

Hanabi deu um passo para trás, se distanciando do loiro, precavida.

— A partir de hoje — continuou — eu não quero mais que se aproxime de Hinata. Quero você bem longe dela, de forma que eu fique sabendo se chegar a pelo menos cinquenta metros de distância de nós dois!

— Quem você pensa que é? — revidou a garota. — Você não tem poder nenhum sobre minha irmã! Não passa de um paciente...

— Sou o noivo e futuro marido de Hinata — calou-a falando mais alto. — E, portanto, tenho sim autoridade no assunto! Vou falar só mais uma vez: fique longe de Hinata!

— No-Noivo?

Naruto não se dignou a responder. Pegou as sacolas e a mão de Hinata novamente, levando-a para longe de uma Hanabi chocada. A morena tremia quando chegaram ao prédio onde moravam. Naruto pediu educadamente que o porteiro levasse as compras para cima, alegando que precisava levar Hinata para o hospital. O rosto pálido da Hyuuga convenceu o senhor facilmente, e o loiro a levou para o campo de treinamento do dia anterior. Ela não falou nada durante todo o caminho.

— Agora todos irão saber que estamos noivos.

A brincadeira não arrancou o mínimo sorriso. Hinata tinha os pensamentos longe dali, um alerta soando na mente de Naruto.

“Não me deixe sozinha com meus pensamentos de novo. Por favor”.

— Ei... — Levantou o rosto dela delicadamente, falando de mansinho. — Fala comigo.

Os lábios dela tremeram. Os olhos ameaçaram marejar.

— Ela... ela não sabe de nada...

“Ela”, Naruto percebeu, era Hanabi.

— Papai a enganou... fez com que ela acreditasse que eu a abandonei... que eu queria roubar seus sonhos...

Hinata desviou o olhar, abraçando o próprio corpo, trêmula.

— Ela não sabe... não sabe que papai me expulsou de casa. Ela está sofrendo também.

Naruto viu o rosto choroso, mesmo ela tentando esconder. Aproximou-se devagar, enxugando as lágrimas teimosas.

— Hinata, por favor... Hanabi não merece que chore por ela.

— Ela é minha irmã! — rebateu, nervosa. — E apenas uma criança.

— Uma criança que já foi corrompida por seu pai!

— Não... — Ela balançou a cabeça veementemente. — Não... ela viu... hoje ela me viu. Viu a verdade que papai escondeu.

— Do que está falando, Hinata?

Ela negou com a cabeça de novo, calando-se novamente. Naruto resolveu tomar uma atitude drástica.

— Ok, já chega! — Ele voltou a segurar o rosto delicado da moça. — Hora de colocar esses sentimentos para fora de outro jeito.

Puxou a confusa Hyuuga até a árvore mais próxima.

— Vamos, bata aqui. — Bateu de leve no tronco. — Bote tudo para fora. Sem pena.

Ela ainda mantinha o semblante em confusão.

— Você me pediu para não deixá-la sozinha, lembra? — Ela lembrou, confirmando emocionada. — Se não quer falar, ao menos não prenda tudo isso no peito.

Hinata acenou com a cabeça. Fechou os olhos e respirou fundo, concentrando o chakra nas mãos e atacando a árvore num só golpe.

A árvore foi partida ao meio.

Na vertical.

Naruto engoliu em seco, dando um sorriso nervoso.

— Talvez não tenha sido uma boa ideia... — Pensou melhor e chamou Hinata novamente. — Ok, novo plano: ataque a mim.

— O quê?

— Vamos! Me ataque com tudo o que você tem.

— M-Mas... Naruto-kun, eu posso machucá-lo! — falou preocupada.

— Mas, diferente da coitada da árvore, eu posso tentar me defender. — Garantiu com um grande sorriso. — Não tem problema, Hinata, pode vir. Não se esqueça que eu ainda tenho Kurama.

Hinata concordou depois de um bom tempo, segura de que Naruto usaria o chakra da raposa de nove caudas para se defender caso algo saísse do controle.

— Venha!

A velocidade dela o assustou a princípio. Quase não conseguiu desviar dos primeiros golpes. Viu o rosto dela decidido, concentrado em atacá-lo. Naruto se defendeu de mais alguns. Hinata pareceu chateada por não o acertar, então aumentou sua velocidade.

O que foi um erro.

Naruto ainda não estava preparado, e não teve tempo de se proteger com o manto de Kurama. Num piscar de olhos, Hinata desviou-se do contra-ataque e o acertou no meio da barriga, bloqueando o chakra do garoto no mesmo instante. Naruto foi jogado longe, cuspindo sangue. Hinata deu um grito assustado.

— Naruto-kun!

Correu até ele, que desmaiou momentaneamente com a queda.

— Naruto-kun, por favor, fala comigo!

Ele abriu os olhos, sentindo o corpo todo dolorido quando Hinata acomodou sua cabeça no colo dela. Deu um sorriso devagar, orgulhoso.

— Não disse... que ia tentar me matar?

Hinata deixou escapar mais algumas lágrimas, chorando amargamente de arrependimento.

— Por Deus, por que eu dei ouvidos à sua loucura? — ela reclamava entre soluços.

— Estou ótimo, Hinata. — Riu. — E você? Se sente melhor?

— É claro que não! Eu machuquei você!

— E tenho certeza que pode desfazer o que quer que tenha feito.

Ela engoliu em seco, enxugando tolamente o rosto.

— Vai ser ainda pior — confessou, chorosa. — É melhor esperar a recuperação naturalmente, Naruto-kun.

— Quanto tempo?

— Um dia, no máximo. — Os olhos azuis se arregalaram em surpresa. — Talvez menos com a ajuda de Kurama.

— Nem pensar — ele respondeu rapidamente. — Diminua esse tempo. Sakura-chan disse que ia jantar conosco hoje.

— Por favor, Naruto-kun! É complicado...

— Por quê?

— Porque vai doer ainda mais! — respondeu ansiosa. — Você ficará desacordado por horas!

— Quantas?

— Duas, talvez três horas. Já vi pessoas acordarem até cinco horas depois!

Naruto parou para pensar, sentindo-se um idiota ao aproveitar o carinho que Hinata fazia em seu cabelo e rosto.

— Cinco horas é melhor do que vinte e quatro — falou decidido. — Pode fazer.

Hinata não conseguiu convencê-lo do contrário. Respirou fundo antes de deitá-lo cuidadosamente sobre a grama. Ela passou uma perna por cima do garoto e posicionou-se, em pé, na altura da barriga dele. O Byakugan surgiu, seguido de uma série de selos que Naruto não foi capaz de distinguir. Um segundo depois e a palma da Hyuuga desceu com uma velocidade inacreditável sobre seu tórax.

Naruto deu um ofego de profunda dor antes de tudo escurecer.


— Me desculpe...

Ele sentiu sua mão ser agarrada com força, alguém a beijando longamente. Abriu os olhos devagar, com dificuldade para se acostumar com a claridade que invadia...

Seu quarto?

Como foi parar ali?

— Me desculpe...

Virou o rosto para o lado. Encontrava-se confortavelmente sobre sua cama, o braço esquerdo esticado para fora, Hinata no chão chorando copiosamente sobre ele.

— Eu sou patética, não sou? — Ela não tinha percebido que ele acordara. — Uma tola que não consegue controlar as próprias emoções... uma tola! Eu queria tanto ser forte como você! Não deixar que pequenas coisas me abalem. É minha culpa, Naruto-kun... é tudo minha culpa...

Observou-a chorar por longos minutos, a dor do próprio corpo esquecida aos poucos. O peito, no entanto, continuava a machucar. O coração sofria terrivelmente ao vê-la naquele estado. Falava baixinho, gaguejando e soluçando, o coração partido por tê-lo machucado.

— E eu ainda fui ouvir suas loucuras... como eu pude aceitar aquilo?! Era tão óbvio que iria acontecer alguma coisa! Eu fora de controle e você ainda recuperando as forças. Céus, como eu fui idiota! Me perdoe, Naruto-kun.

Hinata finalmente levantou o rosto para olhá-lo. Tomou um susto ao encontrar as íris azuis fixas sobre si, uma lágrima caindo no rosto e manchando o travesseiro.

— Naruto-kun!

Ela se jogou sobre o corpo ainda sensível do rapaz, que deixou escapar um gemido de dor. Hinata o abraçou forte. Ele se sentou devagar para retribuir o aperto. Afastou-se dele, devagar, passando as mãos sobre as bochechas com três marquinhas. A moça se emocionou ao vê-lo de tão perto.

Era a primeira vez que o via chorar.

— Naruto-kun...

— Pare de falar besteira — disse tristemente. — Você não tem culpa de nada.

— Naruto-kun...

Foi a vez dele de puxá-la para perto. Hinata nem se importou quando ele a trouxe para seu colo, encostando-se na cabeceira da cama e a deixando soluçar sobre seu peito. Naruto a abraçou como pôde, ora segurando a cintura pequena, ora passando a mão pelo rosto delicado e beijando longamente sua testa, chateado consigo mesmo por deixá-la naquele estado por causa de ideias absurdas.

— Desculpe, Hinata. Eu quis ajudar e só piorei tudo.

Ela apertou a camisa dele nas costas, escondendo ainda mais o rosto no pescoço dele.

— Você devia saber... — falou baixinho, causando um arrepio no rapaz. — Só de estar perto de você, Naruto-kun... eu já me sinto bem.

À medida que Hinata ia se acalmando, o coração de Naruto ia se aquecendo, batendo forte, aliviado por tê-la ali, tão perto, sentindo-se segura ao seu lado.

Naruto tinha consciência da mudança. O sentimento forte que crescia em seu peito, a vontade de protegê-la a todo custo, de fazê-la feliz... A amizade já estava fortalecida, e nada nesse mundo seria capaz de quebrar o laço que se formou entre os dois. Nada mais poderia separá-los.

Seguro desse sentimento, Naruto beijou a testa de Hinata uma última vez antes de adormecer novamente.


Já estava escuro quando voltou a acordar. Hinata não estava mais ali, mas o deitara novamente, acomodando-o com todos os travesseiros e compressas em pontos estratégicos do corpo. Provavelmente devia ter usado o Byakugan para ver as áreas mais afetadas e tratá-las adequadamente.

— Um anjo — deixou escapar, bobo.

Levantou devagar, apenas por precaução. Ao sentir o corpo completamente livre de dores, e com a confirmação de Kurama de que estava tudo no lugar, Naruto correu na direção da vozinha que cantava.

— Você é uma boba! — Era a voz de Sakura vindo da cozinha. — Por isso você e Naruto se dão tão bem juntos! Dois bobões.

— Pode ser — Hinata falava risonha. Ele se escondeu na sombra que o corredor projetava, sem saber direito porque não queria participar da conversa. — Mas é um bobo que consegue me convencer a fazer besteira e que ainda assume a culpa. Não posso perder essa chance.

Sakura riu.

— Tem sorte que ele gosta muito de você. Tive a impressão que o estômago dele tinha virado uma pizza.

— Acho que apertei o tenketsu errado... — Mesmo sem olhá-la, Naruto imaginou seu rosto envergonhado, o que acabou por arrancar-lhe outro sorriso. — Naruto-kun é um anjo! Qualquer outro teria me matado assim que acordasse.

— Ele não é nenhum anjo. — O tom de voz da candidata a jounin mudou para um mais profundo. — Você sabe... ele gosta mesmo de você.

Outra vez imaginando o rosto de Hinata, dessa vez corado até a raiz dos cabelos.

— Q-Que bobagem, Sakura-san! E-Eu e Naruto-kun somos apenas bons amigos.

— Não se dependesse de você, não é?

— N-Não di-diga bobagens, Sakura-san! Naruto-kun é...

— O que eu sou?

Apareceu de repente para as meninas, um sorriso inocente de quem não vira ou ouvira nada. Elas acreditaram.

— Naruto-kun! — Hinata correu até ele, abraçando-o apertado. — Como está se sentindo?

— Faminto! — Ele abriu um sorriso, olhando de Sakura para Hinata. — E então? O que estavam falando de mim?

Foi naquele instante que percebeu a péssima mentirosa que Hinata era. Causou-lhe um alívio ao descobrir esse fato, mas mesmo assim ficou incomodado que ela escondesse a verdade dele.

— E-Eu estava... estava dizendo à Sakura-san que você... que você é um anjo por ter... por ter me perdoado.

Engoliu a mentira e abraçou uma Hinata envergonhada. Queria que ela completasse a frase “Naruto-kun é...”. Queria saber o que significava na vida da morena, se havia algo além da amizade, como Sakura insinuou.

Seu rosto desapontado foi captado pela amiga de infância.

Naruto, ainda abraçado à Hyuuga, colocou o indicador sobre os lábios.

Um pedido para que Sakura não o denunciasse.