Viviane continuava a conversar com Emilly, até conseguir acalmar-se antes de entrar em cena; e enfim, chegou o último ato e sua vez de aparecer no palco junto com as mesmas pessoas do seu grupo e outros do elenco. Ela seguiu caminho rumo ao palco, com as pernas quase trêmulas, e tratou logo de sorrir e dançar delicadamente. Como antes, Viviane olhava para os lados das coxias, tentando achar quem a estivesse criticando ou elogiando, porém, era em vão, uma vez que todo o elenco dançava no palco, e a única viva alma que a observava era o Edward — que via, não só Viviane, mas todos, incluindo sua irmã, da mesma forma séria e dura. Sua opção era olhar para o público que tinham rostos praticamente indescritíveis. E por várias vezes engolia seco enquanto movia-se pelo palco com o coro.

Fora isso, estava dançando divinamente bem a coreografia; tanto nesse ato quanto no anterior, sincronizava muito bem os movimentos e seguia o grupo de dançarinos por onde quer que fossem.

E por fim, a peça acabou, e todos foram bem aplaudidos, o que aliviou o nervosismo de Viviane, só que não o fez sumir por completo; estava pensando no que os bailarinos mais experientes iriam dizer. Ela deixou os pensamentos de lado e fez uma reverência, agradecendo ao público com um sorriso antes das cortinas fecharem.

— Até que um dia acabou. — Viviane vira para Emilly, suspirando aliviada. — Juro pra você: mais um minuto e eu corria daqui!

— Ah! Quanto drama! — Emilly sorriu, virando os olhos. — Aposto que se deixasse ficaria mais alguns anos ali. Mas já te aconselho a se preparar. Daqui a pouco vamos ter outra apresentação, seguida de outras.

— Se eu tiver me saído bem nessa, talvez eu participe das próximas.

— Você se saiu super bem! Acho que foi o maior destaque entre todos do coro!

— Se eu sou dramática, você é exagerada. Mas... Quem sabe? Talvez tenha me destacado até dos bailarinos principais. — Viviane riu do seu comentário junto com Emilly.

— E eu é quem sou a exagerada?!

As duas começaram a andar para fora do palco, em direção ao refeitório, ainda rindo e conversando, onde estavam poucas pessoas da equipe técnica do palco, e alguns bailarinos. Elas pegaram duas das frutas que estavam dentro do cesto no centro da mesa de mogno, sentaram-se, e conversaram com os outros, e o assunto era, claro, sobre a apresentação. E Viviane mudava, discretamente, de assunto quando pediam sua opinião da peça, na qual ela nem prestara atenção, a não ser na sua parte.

Enfim só, em seu quarto, Viviane só queria deitar-se em sua cama e dormir até o anoitecer de amanhã, porém as saudades da irmã mais velha a convenceram de pegar o celular e conversar com ela.

— Estou muito atrasada? — Ela escrevia e lia sua própria mensagem cochichando, e riu após terminar de reler o que enviara.

Depois de poucos minutos, sua Vitória leu sua mensagem, e enviou uns emojis rindo, mandando, logo em seguida:

— Um pouco... — Depois de uns segundos, Vitória foi direto ao assunto. — Mas e então? Conta aí! Como é que foi? Se saiu bem?

Viviane travou por um momento antes de responder. O que iria dizer a sua irmã? Diante seu nervosismo, ela só lembrava do seu desmaio, dos olhares dos outros bailarinos, do seu professor e da platéia; olhares difíceis de saber se eram exatamente voltados à ela. Por uns segundos, agradeceu pela irmã não estar por perto para ver sua preocupação.

— Me saí muito bem! Até me destaquei dos outros do coro!

— Fantástico! Quer dizer... Já era de se esperar, né?

As irmãs riram.

— Bem... mas e você? Algum aluno seu se destacou na prova?

— Literalmente a metade! Sabe como eles são...

De repente Viviane ouviu alguém bater na sua porta. As batidas a fizeram saltar da cadeira que sentara, e ela deixou escapar um fraco grito.

— Pode entrar. — Falou, após se recompor do leve susto, e fitou a porta para sabe-se lá quem abri-la; logo estranhou a demora dele ou dela de fazer isso. — Está aberta. — Ainda assim, não ouve resposta. Devia estar ouvindo coisas. Quem raios iria até o quarto dela as 23:47 da noite?! Definitivamente, ela não era uma pessoa famosa o suficiente para merecer aquela atenção. Não fez nada além do esperado de uma simples figurante. E se fosse para falar, com certeza falariam logo, ou pelo menos fariam um esforço para procurá-la mais cedo.

Ela balançou a cabeça e voltou a ler a mensagem... Ou melhor, as mensagens da sua irmã.

—... têm uns que querem algo a mais, têm grandes futuros pela frente... Já outros, nem tanto. Típicos de universidade. — Em seguida, leu a outra mensagem, de um minuto após aquela. — Você tá aí?

— Calma, apressada. Eu tô aqui, sim. — Ela mandou emojis rindo, que foi copiado pela irmã.

— Desculpinha, mas eu já te disse... — Vitória fez aquela pausa de propósito, prevendo que ora Viviane reviraria os olhos, ora diria “não precisa repetir isso toda vez que conversamos”.

— Claro. Sei disso. — Outra vez a porta bateu, e outra vez Viviane se assustara. Dessa vez, ela pousou o celular na penteadeira, e se levantou para ir até a porta para encontrar o (a) engraçadinho (a) que a batia. Mas antes mesmo de tocar na maçaneta da porta, foi surpreendida com um barulho de algo arrastando-se no chão poucos centímetros dela. Quando olhou para baixo, viu que estava um envelope, que tinha uma rosa carimbada na parte da frente, bem no centro do papel. Viviane abaixou e pegou o envelope, então abriu a porta e olhou para os lados, mas, como era esperado, não viu ninguém. Então ousou andar para fora de seu quarto, e tentar achar a pessoa; ela foi até o meio do cômodo e olhou em volta, mas lá estava tão vazio, que quase dava para escutar os roncos de algumas pessoas.

Sem sucesso, a dançarina voltou ao quarto, fechou a porta e começou a abrir o envelope em suas mãos, depois de certificar que era realmente para ela, vendo seu nome escrito no verso do papel, que analisando bem, era, aparentemente, um papiro. Pegou o bilhete — que tinha uma tira preta contornando os lados — de dentro do envelope e o leu:

“Você foi simplesmente esplêndida esta noite. Seu jeito de dançar é impressionante, e me encantei ao perceber a vida que deu à peça. Espero que não desista, e que continue a me surpreender com seu belo talento ao dançar.

E.D.”

Ela sorriu com as belas palavras da amiga. Sim, ela percebeu que as iniciais “E.D.” indicavam “Emilly Drick”. Mas, por outro lado, poderia bem ser “Edward Drick”. Ele, às vezes, tem um jeito meio nobre de falar... Tá bem. Um homem tão rígido como ele, escrever algo daquele modo, e ainda por cima para ELA! Além do mais mandar aquele bilhete! Não era do feitio dele; já do da Emilly sim. A mesma até já contara para Viviane que deixava bilhetes no armários de seus amigos — e até de alguns paqueras. Seja lá quem enviou, já tinha conseguido fazê-la sentir-se muito melhor. E isso foi o suficiente.

Ela deixou o bilhete, já guardado de volta no envelope, na penteadeira. Ela pegou de novo seu celular, sua irmã não estava mais usando o dela, mas deixou as últimas mensagens.

— Você sabe, sim. — Vitória riu — Bem, a conversa foi boa enquanto durou. Como sempre. — Tinha um emoji piscando — Mas eu tenho que ir. Aula em cinco minutos, e não posso me empolgar aqui. Você sabe como é... Até mais, Vivi.

Apesar de não poder conversar mais com a irmã naquela noite, ela ainda mandou um “Até logo, Vita.” antes de desligar seu celular, apagar a luz e deitar-se em sua cama.

Por mais que o tempo fora gasto conversando com a irmã, Viviane só pensava em cada palavra que fora escrita no bilhete. Aquelas palavras... Cada uma em sua mente. Nunca recebera algo tão profundo, que começava a duvidar que as iniciais eram mesmo da Emilly, ao mesmo tempo em que sabia que a amiga era uma poeta nata. Ela já ficara sem jeito diante uma carta, mas ficar sem jeito, e ainda por cima intrigada? Tudo parecia mais confuso. Mas por quê? Somente por causa do bilhete? Jurava que era da sua amiga ao mesmo tempo em que não acreditava que era dela. Bem, amanhã resolveria esse assunto, mas claro não seria tão direta.

Ignorando essa dúvida, virou-se e dormiu, ainda com as palavras do bilhete durante o sono.