Os grandes generais, comandantes de outros setores, outros médicos, outros soldados, outras vidas se interligam no grande salão onde a festa se passava.

Se perguntava quem estaria defendendo as fronteiras agora.

Morpheu caminhava pela sala, observando com certo ceticismo seu copo de champanhe, mentalmente declamando o quanto desprezava champanhe.

Questionando-se qual a utilidade de uma festa num cenário de guerra, mas sorrindo e sendo o político que a situação o obrigava a ser.

Observava o aglomerado de hipocrisias acumuladas esperando que as horas se passassem e ele pudesse dormir apenas, dormir...

Ele diz dormir, com tudo sabia que apenas sairia de lá e iria de novo para sua sala assinar papeis e fazer requisições. Ainda que fosse agradável poder mentir para si mesmo por algumas horas mais.

Mas agora que pensara em sua sala, não havia visto o doutor durante toda a noite, mas não tinha como dizer nada, apenas observava enquanto mais um de seus superiores falava sobre a felicidade que tinham em ver seus avanços comparados aos outros superiores a administrar aquela área.

Ele apenas sorria, amável e domado, em silêncio irremediável, observando a noite se passando num borrão, afundando-se naquele espumante nojento e fingindo estar feliz com os caminhos das burocracias militares.

Por fim a noite chega a um fim, um fim anestesiado, cansado, insuportável, quando ele finalmente carrega seu peso até seu quarto, onde pretendia permanecer por quanto tempo deus permitisse.

Mas rumando até sua sala de qualquer modo, encerrando as mentiras que havia feito para se manter são durante a festa e voltando a realidade brutal. Sua sala precisava mais dele que sua cama.

~*~

A manhã seguinte começou nublada, esmagadora, com a luz solar implacável vinda da janela...

Quem diria que champanhe podia causar ressaca... Olhou os arredores com cautela, olhando seus móveis de madeira primeiro o móvel a cabeceira, depois a cadeira no canto do quarto, depois o cabideiro ao lado da porta, então o armário de casacos, em seguida a cômoda... Klaus?

– Pelo amor de deus doutor o que faz aqui?

Ele permaneceu parado, em suas roupas pretas usuais, e seu jaleco branco, apoiado no extremo da cômoda, observando a paisagem fechada do lado de fora da janela.

– Não é o único com uma chave mestra, Morpheu... Sou médico, preciso entrar em lugares.

– Que horas são? – ele esfrega o rosto com as mãos, cansado.

– Um mês.

– Que?

– Um mês.

– Doutor eu acabei de acordar, do que está falando?

– Um. Mês. – disse novamente se afastando da cômoda e caminhando até a porta.

– Não me disse o que veio fazer aqui.

– Eu sei. – ele diz, abrindo a porta.

Saindo pela porta, ele observa em silêncio enquanto os passos do comandante se afastam da cama, em direção a porta, ele ouve um suspiro suave.

A verdade era: Sentia o inverno chegando. Invadira o quarto do comandante por ser o único cômodo com visão para o sul, de onde a neve viria.

Mas esse era assunto para outro momento.

Naquele dia teriam uma incursão até as montanhas, onde os soldados que quisessem continuar no setor 27 teriam de encarar o que quer que fosse que encontrassem. O comandante orientou-os para que permanecessem em duplas, ou trios, grupos, para que pudessem se ajudar mutuamente.

Depois de algumas semanas de treinamento pesado, seria positivo ter um pouco de realidade, então Morpheu selecionou para a ocasião uma das áreas onde havia a menor incidência de Drones, assim haveria tempo de reação, e se necessário ele poderia intervir.

A guerra do Sul contra o Norte era algo grande demais, e nem ao menos sabia como a situação chegou àquele ponto, com invasões nas muralhas, matando civis...

Gente morrendo sem saber o motivo de sua execução.

Não sabia ao certo se os Drones eram vivos ou se eram só parte máquina.

Monstros de aço e carne, mas não sabia descrever o que eram, apenas quebrados, apenas errados, apenas representavam a morte ao povo do sul.

Aquele dia estava começando a dar-lhe uma impressão muito ruim, sentia que algo daria errado.

Mas isso era muito claro pelo fato de estar levando seus novatos à luta de campo.

Tinha uma tarefa dada pela Ilha Capital, de toda forma precisava fazer algo.

Operações especiais...Deus me ajude.

Prendeu o cabelo rapidamente e se vestiu, algo leve que não comprometesse o movimento que seria obrigado a fazer. Já fazia tempo que chegara a conclusão de que usar as armaduras que parcialmente bloqueavam os tiros dos Drones mais o atrapalhavam do que qualquer outra coisa.

Deixavam-no lento.

Uma vez vestido saiu do quarto com certa pressa, direcionando-se até a sala onde os soldados sob sua guarda aguardavam sua chegada em fileiras organizadas, em grupos de até quatro pessoas.

Estavam cochichando, mas sobre o que?

– Doutor? – sua sobrancelha se arqueou de leve, em certa surpresa que algum tempo não sentia. – O que faz aqui?

– Meu trabalho. Parece bom, não?

– Pare de ser lacônico e me de uma resposta conclusiva, estou começando a me irritar. – ele suspira.

– Vou com vocês.

Eles se olharam por um longo momento, onde os homens pararam temporariamente para olhar as centelhas de atrito flutuando violentamente pelo ar que ficava mais e mais pesado.

– Prometo não ser um estorvo, Comandante. – cuspiu as ultimas palavras com desdém, como se sujasse sua integridade dize-las em voz alta, manchadas de desprezo.

Os olhos do comandante se estreitaram por alguns segundos, como se o desafiassem a dizer qualquer outra coisa que fosse. A sala se fez totalmente silenciosa.

– Muito bem. – ele disse enfim, puxando suas armas e sua espada de cima da mesa num movimento fluido, mas bruto. – Venha.

– Estou logo atrás de você, comandante. – ele diz, com os braços cruzados sobre o peito, caminhando poucos passos atrás, junto dos soldados, contudo com os olhos presos a nuca de seu superior num desdém contido.

O soldados se olhavam em silêncio.