– Isso foi ridículo! 42 feridos? 4 mortos? Num grupo de 70 pretensos “soldados”? – ele caminhava de um lado a outro da enfermaria, cheirava a pólvora, e havia soltado o cabelo do rabo de cavalo alto pouco depois de entrar no aposento.

– Considerando que encontraram dois grupos de Drones, acho que os danos foram pequenos. – o doutor mantinha os braços cruzados no peito, olhando as macas ocupadas com homens em frangalhos.

– Pequeno? Há! São crianças doutor, brincando em seus simuladores de batalha com ar condicionado. Patético. Que tipo de operação Strauss estava ordenando aqui? Um clube do livro?

– Duvido que qualquer um desses homens leia qualquer coisa com mais de seis linhas, senhor.

O comandante para seu caminhar inquieto pela sala, voltando os olhos para o médico sentado sobriamente à janela. O doutor se limita a olhá-lo de volta com desprendimento sutil.

– Doutor, Strauss alguma vez saiu com estes homens para treinamento de campo?

– Não, senhor.

– Mas que raio de espelunca anárquica absurda é essa que me deram?

– Chama-se setor 27, senhor.

– Seu sarcasmo me irrita, Doutor. – ele diz, olhando de soslaio ao homem na janela.

Klaus simplesmente permanece em silêncio, mordendo a língua e segurando o comentário ácido para si mesmo, onde seria mais seguro.

– Como eles estão? – ele diz, olhando vagamente na direção das macas preenchidas.

– Ficarão bem... – o doutor bate os dedos enluvados na mesa. – Com o tempo. Devem acordar em um dia ou dois.

– Não temos todo esse tempo, pode acelerar as coisas?

– De quanto tempo está falando senhor?

– Amanhã de manhã.

Essas são as últimas palavras do comandante antes de deixar a enfermaria, a passos largos e irritados, pegando os cigarros do casaco grosso de inverno preto, o mesmo casaco militar que sempre usava em todos os momentos em que exercia sua função.

– Sim senhor... – arregaçando as mangas três quartos, o homem de cabelos negros sai pela sala a passos contemplativos.

~*~

De volta ao corredor, Morpheu intercepta um de seus subordinados no corredor, olhando-o de maneira resoluta e um tanto hostil.

– Quero todos vocês de pé amanhã as quatro. Todos vocês.

– Senhor? – o soldado endireita a postura com cuidado, olhando metodicamente para baixo e para frente.

– Em grupos de sete.

O soldado se mantem em silêncio, o olhar perdido no encontro entre a parede e o assoalho de pedra acinzentado, liso e antinatural.

– As coisas vão mudar aqui... – ele sai pelo corredor, ignorando a continência apreensiva do soldado que ficara para trás, migrando silenciosamente até os próprios aposentos esfregando os olhos, voltando-os para o teto opaco.

Ele se reclina contra a porta de metal, os músculos doloridos, não se sentia propenso a jantar, não sentia fome, nem sono já que o assunto estava sendo abordado. Apenas aquele constante estado de deficiência que ele constantemente sentia em seus ossos e músculos. Um suspiro longo e cansado deixa seus lábios enquanto ele se senta na cama desnecessariamente grande, ofensivamente confortável. Estava certo de que Strauss pedira aquela cama por conta de sua perna, que necessitava de uma posição especifica para que pudesse dormir, a dor não permitia de nenhuma outra forma que fosse.

Riu sozinho com isso, um riso vazio e baixo, o pensamento simples de Strauss lutando contra os próprios lençóis todos os dias pela manhã.

Os dedos deslizavam devagar pelos botões da camisa, tinha algumas marcas avermelhadas espalhadas pelo torso, provavelmente tinha algumas nas pernas também, havia passado a tarde brigando praticamente sozinho contra os Drones que encontraram na fronteira, e mais do que isso ainda tinha que evitar os tiros de seus próprios homens, que pelo visto, nunca haviam segurado uma arma de verdade antes.

Operações especiais... Sei.

A água fria do banho de horas havia diminuído o inchaço, mas com certeza não o salvaria dos hematomas no dia seguinte, e um pouco do dor o ajudaria a se manter acordado afinal.

Parecia promissor.

Era uma noite perdida afinal.

Deixou-se cair na cama com o peso de todos os seus músculos recusando-se a responder... as horas piscando no relógio digital encrustado na parede... Meia-noite. Haviam realmente gastado muito tempo tentando salvar os restos de seus homens vivos e quebrados, contando os que estavam faltando, não haviam corpos mas estavam dados como mortos.

O cheiro de sangue ainda preso em suas narinas, seu cabelo, seus lençóis, sua vida inteira.

Seus olhos ardiam, fruto ou do sabão ou da pólvora... Talvez de ambos.

Os lados de seu torso doíam especialmente, onde as garras de aço havia tentado esmagar suas costelas, mas não havia dor, não hoje, hoje havia apenas o peso amortecido de seus ossos que pareciam ter desistido de carrega-lo, como se a atmosfera o empurrasse com mais força na direção do colchão.

Drones...

Com tudo, apesar do desconforto de sentir-se imobilizado na cama, ainda preferia isso às dores de ter os ossos quebrados como palitos de madeira exposto, vazando através do sangue e da carne.

Certamente preferia estar assim, anestesiado de suas escolhas, suas memórias, talvez estivesse tão exausto que não tivesse sonho algum essa noite, mas mesmo se tivesse, já não importava tanto.

Sonhos também não podiam fazer o cheiro, o gosto de sangue inunda-lo pela boca, pelos pulmões... Já havia passado por isso, sonhos não podiam mata-lo, só a realidade podia.

E a realidade certamente estava tentando com muito afinco.

Se deixou abraçar, engolir pela inconsciência atordoada, amortecida, surda, quieta... Num sono cheio de vozes e sons... tão sufocadas e febris quanto as dores dos homens que agora permaneciam em silêncio na enfermaria.