Uma semana antes do Solstício de inverno

Sabrina suspirou frustrada apoiando o corpo contra a parede. Ela ainda estava na Academia de Artes Ocultas depois de falar com as Irmãs Estranhas e encarava a estatua do Dark Lord no pátio principal. Seria engraçado se não fosse trágico, ela pensou, todos diziam que tudo ficaria bem depois que assinasse seu nome no Livro da Besta mas desde que o tinha feito, tudo o que ela sentia era tristeza. Tristeza pelo futuro que a esperava, tristeza pela perda de Harvey, tristeza pelo afastamento das amigas, Susie e Roz e agora até mesmo tristeza por ter sido dispensada pelas irmãs sombrias. Sabrina estava cercada por pessoas agora, estudantes e professores, no entanto, nunca tinha se sentido tão só.

Sabrina fechou os olhos e esfregou as têmporas. Era assim tão ruim que ela quisesse ver sua mãe pelo menos uma última vez? Era assim tão egoísta? As Irmãs Estranhas não quiseram ajudar pela quantidade de espíritos que o Natal pode chamar mas e quanto a Susie e Roz? Qual era a desculpa delas?

— Essa expressão não combina com você – Sabrina abriu os olhos para ver Nicholas parado na sua frente, os olhos escuros a analisavam com certa curiosidade.

— Que expressão? – Perguntou a bruxa devolvendo o olhar. Ela lembrava vagamente das Irmãs terem dito que Nicholas tinha ido passar o feriado nas Terras Profanas o que obviamente não era verdade.

— De derrota. Seja o que for, eu duvido que seja mais poderoso que a garota que derrotou as treze bruxas de Greendale de uma só vez.

Sabrina sorriu um pouco mas não se sentia realmente feliz, ela tinha derrotado as bruxas é verdade, mas o preço a se pagar tinha sido maior do que ela tinha previsto.

— Eu acho que eu devia ir, não quero te atrapalhar. E de qualquer maneira, eu já fiz o que tinha pra fazer aqui – disse a garota se afastando da parede. – Tchau, Nicholas.

— É algo que eu posso ajudar? – O feiticeiro perguntou quando Sabrina passou por ele o que a fez virar para encará-lo. A bruxa mordeu o lábio em dúvida.

— Você não tinha que passar o feriado nas Terras Profanas? Eu não quero mesmo atrapalhar.

— Você não atrapalha. E além do mais, eu tenho a impressão de que ficar com você vai me render uma história bem melhor do que alguns dias nas Terras Profanas. Provavelmente vai ser bem mais divertido.

Sabrina sorriu novamente só que de verdade pela primeira vez em dias, apesar do flerte descarado. Ela finalmente tinha encontrado alguém disposto a ajudá-la e de certa forma, não estava surpresa por ser Nicholas; o feiticeiro parecia sempre disposto a fazer qualquer coisa que ela pedisse, por mais absurda que fosse. E dessa vez ela estava ainda mais grata que de todas as outras.

— Obrigada, Nicholas – ela agradeceu o olhando nos olhos e o feiticeiro sorriu minimamente. – De verdade.

— E então? O que nós vamos fazer? Matar alguém? Trazer outra pessoa de volta? Começar uma guerra com demônios?

— Nada disso. Nós vamos fazer uma sessão espírita.

E ao contrário do que Sabrina esperava, o sorriso de Nicholas não vacilou. Pelo contrário, seu sorriso se ampliou como se fosse uma criança que tinha sido permitida comer a sobremesa antes do jantar e a loira sorriu também porque finalmente tinha encontrado alguém que parecia tão sem escrúpulos quanto ela.

Véspera do Solstício de inverno

Faltavam exatamente dez minutos para a meia-noite quando eles se sentaram um de frente para o outro no chão do quarto dela. Uma mesinha de madeira escura entre os dois e o vestido de casamento da mãe da garota em cima dela. A loira parecia ansiosa e agitada, Nicholas notou.

— Você está bem? – Ele perguntou e ela ergueu o olhar para ele parecendo nervosa.

— Estou. É só que... eu nunca pensei que fosse fazer isso de verdade. Eu cresci vendo as outras crianças no Natal com seus pais e eu ficava pensando que era tão injusto que eu nunca sequer tive a chance de conhecer a minha – ela abaixou o olhar. – Talvez eu esteja um pouco emotiva. Desculpe.

Nicholas negou com a cabeça.

— Não tem problema. É um lado novo seu que eu não conhecia. E eu quero conhecer tudo sobre você.

Sabrina desviou o olhar. Ela não era idiota. Percebia os olhares do feiticeiro, mas não conseguia pensar nisso com tanta coisa rondando sua cabeça. E principalmente com um término tão recente machucando seu coração.

— Nicholas – começou, mas ele a interrompeu.

— Não se preocupe, Sabrina. Eu não espero nada de você agora. Você precisa de tempo e eu estou feliz em conceder isso. Mas você não pode negar que nós formamos uma boa equipe.

Sabrina sorriu mesmo que contrariada, ele nunca parava de flertar aparentemente. Mas não, ela não podia negar. Os dois formavam uma boa equipe e ela gostava de ficar perto de Nicholas. Ele a fazia sorrir facilmente e a deixava mais leve. Era fácil gostar dele.

O despertador no celular dela disparou e a conversa morreu. Sem mais uma palavra, os dois deram as mãos e começaram o feitiço. Momentos depois, o vento frio serpenteou por eles como dedos gelados subindo pela coluna, mas não era um vento comum, era sobrenatural, óbvio. Não havia por onde o vento estar entrando. Até mesmo a janela por onde Nicholas havia passado estava fechada agora.

— Você consegue sentir também? – Sabrina perguntou com os olhos fechados. Nick assentiu.

— Tem alguma coisa aqui. Pergunte alguma coisa que só ela saberia.

Sabrina perguntou e quando a resposta veio positiva, Nicholas sentiu as mãos dela apertando as suas mais firmemente, ele devolveu o gesto tentando lhe passar algum conforto. O feiticeiro não tinha ideia de como ela deveria estar se sentindo. Feliz, supôs mas devia ter uma parte um tanto quanto triste também, afinal sua mãe estava ali mas não estava.

— Mãe – Sabrina chamou com a voz embargada. – Tem tanta coisa que eu quero dizer. Tanta coisa que eu quero perguntar.

Diana parecia emocionada também. Ela olhava para a filha como se ela fosse um pequeno milagre. Como se fosse a única coisa que podia enxergar. No entanto quando as luzes começaram a piscar, Nicholas percebeu que algo não estava certo.

— Sabrina, tem alguma coisa errada. Alguma interferência – ele fechou os olhos tentando se concentrar. Tentando dar a elas mais tempo.

— Que tipo de interferência? – A garota perguntou mas mal conseguia tirar os olhos da mulher usando o vestido branco em cima da mesa entre eles.

— Eu não sei. Parecem outros espíritos... eu não sei se estão com ela ou atrás dela... Nós temos que interromper a sessão.

— Não! É muito cedo. Eu preciso de mais tempo...

A porta foi aberta de supetão e quando todos os olhos caíram em cima de Zelda, a conexão enfraqueceu até que se tornou impossível mantê-la e o vestido caiu novamente vazio entre eles. Nick mal conseguia fitar o olhar triste e perdido de Sabrina.

Noite do Natal

Sabrina observou surpresa quando Nicholas atravessou sua propriedade e sentou-se ao seu lado no último degrau de sua varanda. Ela tentou disfarçar e secar as lágrimas recém-derramadas mas era inútil. Ele já as tinha visto.

— Eu perguntaria o que aconteceu mas quando estava chegando vi seu mortal indo embora. Acho que isso responde minha pergunta.

Nicholas tinha visto Harvey? Isso significava que seu ex-namorado tinha visto o feiticeiro também?

— Ele não me viu, não se preocupe – Nicholas garantiu como se tivesse lido os pensamentos dela. – Estava se enfiando por entre as árvores quando eu cheguei. Eu só vi a parte de trás dele.

Sabrina suspirou de alívio. Harvey a magoou quando terminou com ela mas ela não queria retribuir o favor. Mas o suspiro foi de cansaço também. Era incrível como tudo parecia estar dando errado em sua vida, e ela não conseguiu evitar pensar no quanto era injusto que isso estivesse acontecendo bem na noite de Natal. Como uma bruxa ela sabia que não devia se importar com a data mas era algo que sua parte mortal não conseguia ignorar.

— O que você está fazendo aqui, Nicholas?

Ele suspirou também virando de lado para vê-la melhor.

— Eu vim saber como você estava por causa da sua mãe. Agora parece que você está sentindo dor por outro motivo. É sempre assim na sua vida? Tem sempre alguma coisa acontecendo?

Ela balançou a cabeça.

— Não. Eu tenho uma boa vida. E mesmo que não tivesse, eu me recuso a ser um mártir.

Os olhos dele brilharam enquanto a observava e Sabrina achou ter visto algo como admiração neles.

— Eu sinto muito por não ter conseguido ajudar mais com a sua mãe. Eu queria poder ter te dado isso.

— Você fez muito, Nicholas, sério. Foi a única pessoa que pelo menos tentou. E além do mais, eu consegui falar com ela no final – ela contou. Sabrina não queria se estender mas contou sem dar muitos detalhes sobre como as crianças de Gryla invadiram sua casa e como sua mãe a ajudou a se livrar delas. E como elas puderam conversar por alguns minutos depois. – Foi breve mas foi muito importante para mim.

— Isso é bom. Eu fico feliz que você tenha tido pelo menos isso. Mas se você conseguiu falar com a sua mãe, significa que a sua tristeza é única e exclusivamente por causa do mortal – A voz do feiticeiro estava gelada porém, ele respirou fundo antes de continuar. – O que aconteceu?

Sabrina morreu o lábio em dúvida se deveria ou não contar, mas porque esconder? Não tinha porquê esconder uma coisa que não voltaria a ser como antes.

— Ele terminou comigo. E dessa vez não deixou brecha para um “talvez” no futuro. Ele não quer ficar perto de mim agora que sabe que eu sou uma bruxa.

— Então ele é um idiota! – Nicholas levantou tão rápido quanto um raio parecendo muito irritado.

— Nicholas, você não tem o direito de...

— Escuta, eu sei que você o ama, tudo bem? Eu não vou discutir. Mas Sabrina se esse mortal é idiota a ponto de terminar com você e te machucar por causa de uma coisa que você não tem culpa e não pode controlar, então ele não te merece – ele falou de maneira tão intensa que a Spellman não teve como refutar. Ela queria defender Harvey, ela queria. Mas sabia que Nicholas tinha razão. Ela tinha nascido assim. Não tinha culpa e não podia mudar. E mesmo que pudesse, provavelmente não o faria. – Ser bruxa é parte de quem você é. E você é muito boa nisso. Não se sinta mal e nem tenha vergonha dessa parte sua. Porque se alguém não puder te aceitar como você é então foda-se ela!

Sabrina o encarou como se fosse a primeira vez que o estivesse vendo e se permitiu relaxar. Era a primeira vez que alguém dizia aquilo a ela mas fazia muito sentido. Ela era bruxa. Era muito boa. E gostava de ser. Nada poderia mudar isso.

— Obrigada. Parece que eu estou sempre te agradecendo mas obrigada.

Ele balançou a cabeça mas já estava mais calmo.

— Não me agradeça. Me escute – ele se aproximou e tocou o nariz da bruxa com o indicador. Sabrina franziu o cenho estranhando o gesto mas não disse nada, enquanto ele sentava novamente ao seu lado. – Eu tenho uma coisa para você.

— Para mim? – A loira perguntou surpresa.

Nicholas deu de ombros.

— Eu sei que para as bruxas não é comum dar presentes no Solstício mas você é parte mortal e eu posso ou não ter lido sobre o Natal deles. É uma história bonita, eu admito, apesar de falsa.

Sabrina sorriu um pouco com as palavras. Estava ficando óbvio que boa parte do comportamento do feiticeiro era uma fachada e a loira estava cada vez mais curiosa e intrigada para descobrir como o garoto realmente era por baixo de todas as camadas.

Nicholas entoou um feitiço e Sabrina viu o pacote aparecer entre as mãos dele que logo passou para ela. A loira olhou desconfiada para a caixinha redonda azul com cerca de 7cm de altura fechada por uma fita branca com um laço.

— Não é uma joia é?

Nicholas riu.

— Por favor! Eu não sou assim tão clichê. Abra.

Ela abriu.

Era um globo de neve. A cidade de Greendale estava dentro com todas as suas casas e lojinhas e árvores de aparência arcaica. No centro uma garota loira de cabelos curtos e uma tiara preta na cabeça tinha as mãos estendidas para os lados e a cabeça estava jogada para trás como se fizesse um feitiço. E quando você balançava o globo e a espuma imitava a neve, parecia que a garota era quem a estava fazendo. Uma bruxa fazendo nevar através de um feitiço. Sabrina o balançou maravilhada.

— Sou eu – não era uma pergunta. Era bastante óbvio que era ela. Qualquer que a conhecesse saberia. – Quando você mandou fazer isso?

— Eu o fiz – Nicholas admitiu simplesmente. – Não foi difícil. Você sabe que nós bruxos podemos trapacear. Mas ninguém conseguiria fazer exatamente como eu queria e se não ficasse como eu queria você não estaria olhando para ele assim.

Ela tirou os olhos do presente e encarou o garoto. Sabrina já tinha perdido as contas de quantas vezes tinha se surpreendido com Nicholas só aquela noite.

— Bom, eu preciso ir. Eu ainda vou passar o resto do feriado nas Terras Profanas, você sabe.

— Claro, claro – Sabrina tinha esquecido completamente disso. – Eu não quero atrapalhar. Divirta-se.

— Eu vou – Nicholas garantiu piscando para ela e ficou de pé. – Você pode vir comigo se quiser.

Sabrina riu.

— Obrigada. Mas eu vou passar as festas com a minha família. É mais uma das tradições do Natal dos mortais.

Ele fez uma careta.

— Bom, isso não parece muito divertido.

Sabrina riu e se levantou e para surpresa dos dois, ela se aproximou e deu um beijo na bochecha dele. Singelo mas cheio de significado.

— Feliz Solstício, Nick – ela disse ao se afastar minimamente, apenas o suficiente para que seus lábios não estivessem em contato com a pele dele. Os dois se olharam enquanto dividiam o oxigênio. Cada vez que um deles respirava, o outro sentia o ar sendo soprado sobre os lábios. Até que Nicholas se aproximou como se fosse beijá-la e Sabrina estava prestes a dizer “não”, que não era isso o que ela queria, que não estava pronta para começar uma nova história, quando ele desviou o rosto um pouco para o lado e imitando o movimento dela, a beijou na bochecha. Ou quase. O beijo dele foi bem no cantinho da boca. Quase um selinho. Demorado e mais ousado que o dela. Talvez até tivesse uma promessa muda que Sabrina tinha medo de tentar descobrir.

— Feliz Natal, Sabrina – então ele se virou e partiu antes que ela tivesse tempo de se surpreender com ele mais uma vez aquela noite. Feliz Natal. Eram palavras dos mortais.

Sabrina continuou o seguindo com o olhar até ele desaparecer entre as sombras. E mesmo depois de muito tempo naquela noite, percebeu que ainda sorria e ela sabia que era por causa dele.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.