O rei não havia comparecido no café da manhã de hoje. Tampouco no jantar de ontem. E eles não tinham se dado ao trabalho de lhes dar um motivo até agora.

Era domingo de manhã, o que fazia a igreja dentro dos perímetros do palácio estar lotada. O prédio imitava os construídos na Época Antiga, como as das grandes cidades, porém numa versão menor. Mas era grande o suficiente para comportar uma boa parte dos empregados ao mesmo tempo.

Ao contrário delas, que tinham que comparecer diariamente, todos os criados eram obrigados a frequentar qualquer uma das missas palaciais de domingo. A única exceção que sabia era aos guardas, mas em compensação eles tinham que provar seu comparecimento em uma liturgia na sua folga semanal.

E foi durante a uma dessas missas que lhes deram um pouco de explicação. Cardeal Francisco já iniciara a missa pedindo paz e tranquilidade na viagem do rei Antônio para as Ilhas Ocidentais.

Apenas isso. Uma frase apenas para um problema que Ye-na sabia que era muito maior.

Ye-na sabia das animosidades que estava tendo entre os moradores locais e o governo continental. Obviamente nada devidamente comentado pela Imprensa Regia, a única fonte de informação no reino, mas ainda sim perceptível para aqueles que lá moravam.

Vivia na cidade mais colonizada de todo o conjunto de ilhas, Porto Leste, com 80% da população de orientais e sentia o olhar recriminatório destes sob ela. Mas ainda disfarçava bem entre a multidão, tinha cabelos ruivo e seus olhos, apesar de puxados, eram maiores que os dos nativos.

Herança de sua mãe. Chaewon havia sido a primeira mulher em três gerações que não havia se casado com alguém do continente, sua mãe, assim como a mãe de sua mãe, haviam sido vítimas da mesma lei. Desde a Guerra dos 15 anos, o Estado pagava o dote para a família da noiva, de família ocidental pura ou mestiça, caso o noivo fosse de uma família inteiramente continental e desde que eles ficassem na província.

O pai de Ye-na, Ji-min, também havia sofrido com a mesma lei para casar-se com sua esposa. Um homem de origem ocidental teria que pagar 15% do dote para a Coroa para se casar com uma mulher também ocidental, 25% caso a mulher fosse mestiça, 50% caso a noiva tivesse a família continental pura, tendo um acréscimo de 5% caso o noivo não tivesse descendência de orientais e 10% caso eles fossem morar fora das ilhas. As exceções eram os nobres, cujo tributo variava entre 10% até a total isenção dependendo do título do homem, e os soldados, que não pagavam os acréscimos.

Apesar de tudo, Ye-na não tinha grandes sentimentos ruins com o reino, a maioria de sua geração já havia se contentado com a situação. Mas ela tinha motivos a mais. O salário de seu pai mal dava para um mês, mas sempre que passavam por tempos difíceis, seja a Igreja, seja a Coroa nunca lhes deixaram passar fome. Torcia para seu irmão caçula fosse chamado no recrutamento, pois tinha quase toda a certeza que toda essa ajuda estava perto do fim.

Ao lembrar-se da família, sentiu um aperto no peito. Era a saudade pressionando. Assim que tivesse tempo livre, mandaria outra carta.

— Ye-na, está tudo bem? — Era Áurea, segurando seu braço. — Você parecia muito distraída durante a missa.

Áurea, a primeira menina que havia falado com ela e também era o mais perto que tinha de uma amiga lá dentro. Não que as outras não estivessem na mesma situação, “orientadas” a não contar muito sobre a sua vida, era difícil construir laços.

Quantas dali seriam da plebe como Ye-na? Desconhecia a resposta. Sabia que tinha uma Vermon entre elas. Kia, se estava bem lembrada. Seus cabelos platinados eram únicos, exclusivos para alguém de sangue Vermon, assim como os olhos azuis do príncipe eram próprios dos Galkanji.

Quanto as demais, Ye-na podia apenas supor. Áurea muito provavelmente era uma sulista. Ela, assim como uma boa parte da população da região, tinha a pele parda e cabelos encaracolados. O que a mais fazia se distinguir eram seus olhos grandes e emoldurados por cílios igualmente avantajados, em um tom castanho mel puxados para o verde.

Também não era difícil presumir que Ye-na era a única com sangue ocidental, enquanto muito provavelmente o número de nascidas nas províncias nortenhas e sulistas estava bem distribuído. Estava novamente sozinha entre os orientais, mas dessa vez nem sua família estava consigo.

Viu o príncipe caminhando em direção ao palácio, ao lado de sua mãe e na frente das outras Selecionadas. Por fim, virou-se para sua companheira e disse:

— Sim, estou bem. — Segurou em sua mão. — Vamos rápido ou acabaremos atrasadas para a aula de costura, e eu não gostaria de ver madre Matilde irritada.