A última coisa que me lembro é de ter dormido.

Devo estar sonhando, pois não reconheço nada à minha volta.

Estou numa sala quadrada, feita de algum material muito branco, que me dá a impressão de que se eu o olhar fixamente acabarei ficando cega.

Estou deitada numa espécie de cama de metal incômoda.

Me sento, devagar, mas sinto uma tontura súbita e quase torno a cair de costas, mas uso meus braços de apoio.

Sinto uma pontada forte na minha nuca.

Nunca tive um sonho tão realista assim, penso. Costumo sonhar bastante, e quase sempre lembro dele com detalhes.

É raro eu saber que estou em um sonho, mas já aconteceu antes.

Sinto outra pontada em minha nuca, e instintivamente levo a mão à ela. Meus cabelos são curtos, como os de um menino, de uma mistura de loiro-escuro, dourado e bronze. A minha franja, que está sempre penteada de lado, chega à altura do meu queixo, visivelmente ondulada, enquanto o resto do meu cabelo é quase liso. Meus olhos são castanho-escuros, quase negros, e refletem bem a luz, dando-me uma aparência mais jovem, infantil e ingênua, coisas que eu posso afirmar com certeza que não sou. Minha pele é salmão-clara, e tenho uma estatura um pouco mais baixa que a média, esbelta.

Passo a mão devagar pela superfície de meu couro cabeludo e sinto algo, que me faz retrair meu braço imediatamente, mas levo novamente minha mão ao local.

Estou com uma cicatriz ali. Alguém fez uma cirurgia em minha cabeça, e, ao que parece, já faz tempo.

Deixo minhas pernas penduradas para fora da cama. Será que é verdade que, quando sonhamos, se nos beliscarmos nós acordamos?

Belisco meu braço, sem resultado. Então, uso a ponta das minhas unhas compridas. Não gosto muito de cortar as unhas – prefiro deixá-las crescer e quebrar quando bem entendem. Costumo usá-las para assustar priminhas irritantes.

Não acordo, apesar da dor que sinto durante alguns segundos e a marca da unhada que fica na minha pele. No começo, rezo para que aquilo seja mesmo um sonho, mas então, eu penso.

Eu sempre quisera uma aventura. Sair da monotonia do dia-a-dia a que estamos confinados.

Nascimento. Escola. Faculdade. Trabalho. Aposentadoria. Morte. Algo consegue ser mais repetitivo do que isso? Mais irritante?

Eu leio muito. Sempre quis ser como os personagens. Viver aventuras únicas com amigos verdadeiros, e me tornar uma heroína ou vitoriosa no final.

E se a oportunidade tiver chegado?

Logo, já não sei mais o que pensar.

O lado racional da minha mente diz que isso é absurdo. Ser abduzida durante o sono e ir parar numa sala branca misteriosa com uma cicatriz na nuca? Isso parece mais coisa de uma garota delirando do que uma possibilidade real.

Mas meu lado irracional, o lado emocional da minha mente, diz que é possível. Afinal, estou aqui, não estou? Não estou vendo o que estou vendo, sentindo o que estou sentindo?

Eu fico animada com a possibilidade. O lado criativo e emocional da minha mente sempre foi o dominante.

Eu sempre quisera uma aventura. Eu sempre pude afirmar com certeza e determinação que até morreria se pudesse ter uma aventura.

E agora, ao que parece, eu finalmente tenho essa chance.