Em meu sonho, estamos em um reino destruído. Tudo ruía, pois poucos meses haviam se passado desde a rebelião.

Estranho o peso de meus cabelos longos. Vejo com mais clareza a variedade de cores de fios – em meu cabelo, tenho abundantes fios dourados, loiro-escuros, loiros, beges, cobres, bronze e castanho-claros, e, em menor quantidade, brancos, pálidos, loiro-claros, cinzas, pretos, castanho-escuros e ruivos. Há alguns anos, a cor de meu cabelo era motivo de muitas divergências e debates.

Visto uma espécie de top justo de manga comprida e ombros caídos. Uma larga gargantilha faz presença em meu pescoço, e, embora seja levemente incômodo, não me sinto desconfortável com ela.

Visto uma espécie de saia muito peculiar: na verdade, é um short curto e justo, com uma saia que quase chega aos meus tornozelos por cima; de cada um dos 2 lados da saia, há um corte que vai do início da mesma até a sua barra, dividindo-a em duas faixas de tecido. Tudo é vinho com bordados em dourado, mas as cores já estão gastas e sujas, parecendo-se mais com um bege-alaranjado ou laranja-avermelhado.

Meus cabelos estão presos em uma trança de raiz e sobre minha cabeça pende uma corrente de ouro com uma gema polida, circular e do tamanho aproximado de um polegar, de um tom de vinho, que se posiciona em minha testa.

Sam e Mitchel estão vestidos com uma roupa semelhante às roupas simples de Legolas, em O Senhor dos Anéis. Agora, os cabelos de Samantha estão curtos como os meus estão fora deste mundo que criei em minha mente.

Duas espadas pendem em bainhas em suas cinturas. Na minha, pende uma adaga.

Ignorando o fato de estar no meio de uma missão de guerra, giro e me admiro. Sempre me orgulhei de meu corpo saudável, não magro e certamente não gordo. No nível perfeito, com as curvas que sempre há em um corpo de uma pessoa normal – embora a maioria das pessoas geralmente as compare às ‘gordurinhas’. Sobre algumas pessoas, até que essas poucas curvas caem estranhas, mas, em mim, ficam perfeitas. O perfeito corpo saudável.

E a roupa cai perfeitamente.

Sam balança a cabeça, sentindo o peso – ou a falta dele – de seus cabelos. Mitchel olha torto para a espada em sua cintura.

– Tranquilo, Mitch. Mesmo que fôssemos viver o sonho inteiro, você não chegaria a usá-la – digo, rindo.

Ele cora. Então se vira para mim, seu olhar desce até minhas roupas e ele cora ainda mais.

Finjo não notar, e puxo-o, juntamente com Samantha, até uma das paredes caídas próximas. Apalpo-a. É tão realista que poderia facilmente ser real.

Bato com força e sinto as pontadas da pedra áspera e irregular na mão. Sinto exatamente como sentiria se fosse real.

– Show – Samantha exclama. – Então, é mesmo você que causou?

Assinto com a cabeça.

Sam leva a mão à nuca.

– Todos nós recebemos a cirurgia. Me pergunto o que nós podemos fazer...

– Bom, em algum momento teremos que descobrir.

Andamos um pouco, vendo todos os estragos do meu sonho.

– Você sonhou isso, mesmo? – ela pergunta.

– Sim – confirmo. – É um dos meus preferidos.

– Como é? A história?

– Bom, acho que pulei o começo do sonho. No começo, aparece a gente em uma reunião de guerra em uma dessas ruínas. Eu sou a princesa herdeira... ou imperatriz, não sei... desse reino, mas meu trono foi usurpado por alguém. Todas essa destruição aconteceu quando eles invadiram. Depois, nós... na verdade, no sonho éramos eu, Legolas e Ripship... estávamos explorando para ver como entrar no castelo, mas nos deparamos com um largo corredor que cruza nosso caminho. Como tinham três inimigos vigiando desse corredor, tentamos passar escondidos. Primeiro vai o Legolas e depois vai o Ripship. Mas, quando eu vou passar, um deles se vira e me vê. Sabendo que, se eu correr, eles virão atrás de mim e descobrirão o resto de nós, finjo que planejava atacá-los. Sou capturada e meu sonho acaba.

Eles me olham em silêncio por alguns segundos e coro.

– Eu era mais nova. Sempre tive o sonho de ser heroína.

Não contei o final do sonho. Eu era acusada de traição, condenada a morte e amarrada a uma fogueira, mas no último minuto, Legolas, Ripship e meus outros aliados apareciam, mas eu acabava morrendo do mesmo jeito.

As lembranças deles irrompendo pelas portas para dentro da sala escura de pedras velhas sempre fez meu coração bater mais depressa. A verdadeira amizade e lealdade, em primeira mão.

– Você sempre teve sonhos assim? – Sam pergunta.

– Como assim, ‘assim’?

– Legais desse jeito. – ela responde. – Completos, diferentes dos sonhos normais. A maioria das pessoas deve sonhar com histórias bem mais chatas do que isso.

Sorrio. Tomo a descrição como um elogio.

– Na verdade, tenho uma grande variedade de sonhos, mas já sonhei algumas vezes com coisas do tipo.

Conto para eles de como comecei a voar nos meus sonhos.

Certo dia, eu simplesmente pensei ‘nos sonhos, a gente tem que voar’. Naquela noite, eu pulava em uma cama-elástica e balançava os braços. Desse jeito, eu conseguia permanecer no ar por poucos segundos. No sonho seguinte, algumas noites depois, eu tentei fazer a mesma coisa, mas não havia cama-elástica – eu tinha que pular direto do chão. No seguinte, eu já conseguia permanecer mais tempo no ar. Uma semana depois, eu já conseguia voar normalmente por alguns metros, sem balançar os braços. Logo depois eu me arrisquei a tentar acrobacias. E, finalmente, duas semanas depois da minha primeira tentativa, eu já podia voar eternamente.

Meus sonhos não se resumiam a isso, é claro – eram incrivelmente completos e, para ser sincera, nesses sonhos eu nem me lembrava dos anteriores e de todo esse processo. Só o que eu sabia é que queria voar.

Porém, no meu último sonho desse processo de ‘aprendizado’, no fim, todo mundo – amigo ou inimigo – se reuniu e me pediu para ensiná-los, enquanto eu ficava dando piruetas no ar.

Mitchel e Samantha quase riram da minha história.´

– É verdade! Eu juro! – digo, também quase rindo.

– Eu disse, Bel! Você é muito peculiar! –Sam exclamou.

Novamente, tomei isso como um elogio.

Depois de alguns minutos, Mitchel se manifestou.

– Acho que já é hora de voltarmos...

Concordo com a cabeça, mas então penso um pouco.

– Espera.

Vou até uma das ruínas e pego uma das pedras menores caídas.

Com um movimento certeiro, faço um pequeno corte na palma da minha mão.

– O que você está fazendo? – Mitchel pergunta, com a surpresa deixando sua voz mais alta.

– Quero ver se a minha mão continua cortada quando voltarmos.

Nos aproximamos uns dos outros.

– Ok – começo a contar. – Um... dois... três!

Sentimos a queda subida e vimos o cenário à nossa volta se desmanchando novamente.