Corrida de obstáculos.

De alguma forma, sinto como se tivesse sido eleita como uma espécie de líder não-oficial, pois sou eu quem está coordenando os Jogos.

Não vejo Sarah há 5 dias. Não que eu me preocupe muito com isso.

Hoje, Kally se ofereceu para participar da 10ª Prova. Todos olharam instintivamente para mim. Apesar de ter praticado muito para alguma Prova do tipo, dei de ombros e deixei que fosse.

Nunca me arrependi tanto de uma decisão.

A nossa primeira Prova individual. A Arena parece ter ficado duas vezes mais longa. Kally começou bem a corrida – todos os Safira levam certa vantagem sobre as outras em relação à velocidade ou agilidade, devido à nossa forma física.

Mas, mais ou menos no meio da corrida, ela tropeça.

Seu pé se afunda em um piso falso de algum material gelatinoso, que logo começa a se solidificar, em contato com a pele. Ela consegue se reerguer, mas perde vários segundos preciosos no processo.

Antes, apenas a garota Água-Marinha estava à sua frente. Agora, ela é a última corredora.

Ela cruza a linha final quase dez segundos depois do corredor Âmbar.

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Não vimos mais Kally. Não podemos vê-la na linha de chegada e nem depois dela.

Voltamos para nossos quartos, em choque, e a culpa me assalta de uma forma devastadora.

Há vários dias que já nos acostumamos com os Jogos. Nunca perdemos uma Prova até hoje. Tínhamos nos acomodado de um péssimo modo.

Eu devia ter pensado melhor. Kally era rápida, mas não era, nem de longe, nossa melhor corredora; estava muito distraída prestando atenção aos obstáculos mais óbvios, e não conseguiu detectar o camuflado chão-falso.

Quando saio da Arena, estou desolada, mas parece que as outras casas não compartilham da nossa dor.

Estamos no décimo dia. Até hoje, participamos de 9 Provas, e pelo menos 18 Jogadores se foram nas outras Casas, mas nós não ficamos mais do que um pouco deprimidos. E por que ficaríamos? Estávamos vencendo.

Dezoito perdas em 7 Casas, e nenhuma foi dos Safira. A seu ver, não éramos simples concorrentes: éramos o inimigo. Os Jogadores que não perdiam e que seriam o maior obstáculo para sua vitória.

Eu não tinha percebido até agora como tudo deve parecer injusto aos seus olhos.

Tento ver os Jogadores de cada Casa. Em alguns - uma minoria absoluta – vejo compaixão. Mas, numa devastadora maioria, vejo outra coisa.

Vejo vingança.

Vejo justiça.

E Vejo satisfação.

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Estou caminhando pelos mesmos túneis que nos levaram à nossa primeira Prova, guiados por Sarah. Ando cambaleante e curvada, com o olhar baixo, como se o peso em minhas costas não fosse apenas psicológico.

Vejo a porta de meu quarto. Respiro fundo e a abro.

Mal apoio o pé no chão de cômodo, sinto quando alguém se choca com força contra mim.

Jake faz pressão com seu braço sobre meu pescoço, me empurrando contra a parede.

– A culpa é sua! – ele grita. Seus olhos ardem em fúria.

– O quê... – começo, mas a pressão em meu pescoço aumenta.

– Você sabe bem do que estou falando! Ela só foi porque você concordou com ela! Você não devia ter deixado!

As palavras me doem ainda mais porque refletem precisamente a minha maior culpa.

Eu olho para ele, confusa. Ele falava de Kally, mas eu nunca imaginara que o que ele sentia por ela – que agora estava tão claro em seus olhos, palavras e ações – fosse tão profundo. Eu nunca imaginara que Jake era capaz de sentir algo assim.

Ele deve ter percebido o que eu pensava, pois logo fala:

– Ah, você não sabe. Pois bem, vou te contar uma historinha. Era uma vez, duas crianças que se conheceram aos 4 anos. Desde então, eram melhores amigos. Aos 13, o garoto finalmente teve coragem de pedir à garota em namoro, e eles vivem felizes até que ambos são sequestrados por seres humanos para uma dimensão paralela e a garota morre por causa do erro de planejamento de uma garota estúpida!

A cada palavra que ele diz, a pressão em meu pescoço aumenta. Seu rosto está vermelho de raiva.

Enquanto parte do meu cérebro se concentra em respirar, a outra parte pensa na história. Eu acabara de arruinar uma grande e antiga amizade. Por mais que a culpa não tenha sido apenas minha e ambos nunca ficariam vivos até o fim dos Jogos de uma forma ou de outra, é assim que eu me sinto nesse momento.

Num surto, Jake me lança contra a Mesa de Treinamento. Minha cabeça se choca com a superfície lisa com um estrondo. Ouço uma das portas se abrir exatamente quando ele me alcança novamente.

Então, suas duas mãos agarram meus ombros, e eu sinto algo que jamais sentira.

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Primeiro, sinto uma dor interna, mas não muito dolorida, como se alguém estivesse me espremendo inteira, partindo dos pontos em que a pele de Jake tocava a minha. Então, sinto uma dor aguda, que parece atingir até o fundo da minha alma.

Cerro os dentes, tentando conter os gritos, o que de certa forma funciona; ao invés dos gritos doloridos e agoniados que ecoam em minha cabeça, só o que escapam de meus lábios são gemidos.

Em compensação, sinto meu corpo tremendo incontrolavelmente. Não posso dizer que o sangue escapa do meu rosto, pois estaria insinuando que ele foi para algum outro lugar, mas meu corpo inteiro empalideceu.

Depois de vários segundos, Jake é afastado de mim. Jay e Chris agarraram seus braços por trás, e Leo fica à frente deles, tentando acalmá-lo.

Mitchel e Nanda correm até mim.

Eles me perguntam se eu estou bem, mas não consigo responder e, além do mais, é a pergunta mais inútil e idiota que eu já ouvi, em conjunto com a nossa situação atual, mas fico feliz em ver que eles se preocupam.

Em quase um minuto, meu coração começa a desacelerar, e tudo fica escuro.