Memórias

Capítulo único


Os pensamentos do humorista e radialista, Richie Tozier, estavam distantes e levemente perdidos enquanto dirigia com o carro alugado pela estrada vicinal que levava para Derry. Era estranho para ele regressar ao local que havia crescido, principalmente pela falta de memórias sobre a cidade e eventos relacionados a parte de sua infância e adolescência.

Durante vinte e sete anos ficou distante, durante vinte e sete anos esqueceu da existência de Derry e, provavelmente, ficaria mais vinte e sete anos sem pensar no local caso o velho amigo de infância, Mike Hanlon, não tivesse ligado para ele com péssimas notícias. Ele ouviu tudo o que o amigo tinha a dizer, disse todas as palavras que julgava serem certas, respondeu às perguntas e ousou fazer algumas. Conseguiu desligar o telefone fingindo que tudo estava bem, mas não estava e quanto mais aproximava de Derry, mais tinha certeza disso.

Com um suspiro ele soltou uma das mãos do volante e ajeitou a armação dos óculos de aros grossos que usava desde muito jovem. Cogitou em acender um cigarro, mesmo tendo largado do vício a quatro anos atrás, porém com tudo o que vinha acontecendo em menos de vinte e quatro horas, voltar aos velhos hábitos parecia uma boa ideia. Mas não o fez, ao invés disso ligou o rádio, fazendo com que a canção I Heard It Through The Grapevine do cantor Marvin Gaye ressoasse.

A música serviu para ativar uma lembrança, talvez a única lembrança relacionada a Derry que o homem nunca tenha esquecido de verdade. O dia que partiu da cidade acreditando que jamais regressaria.

Era um dia agradável de início de verão quando Richie deixou Derry para o que ele acreditava ser sempre. O senhor e senhora Tozier estavam determinados a conseguirem uma vida melhor, tanto para eles quanto para o filho, principalmente por Richie estar ingressando em seu último ano do ensino médio. Não existia nada que Derry pudesse oferecer para que o rapaz crescesse na vida, tanto acadêmica quanto profissional.

Por mais que soubesse que deixar a cidade era o melhor para sua vida, o coração de Richie doía. Em Derry havia feito os melhores amigos que alguém poderia pedir, um grupo excêntrico de jovens que se auto intitulavam clube dos otários. O grupo já estava desfalcado, pois o primeiro a deixar a cidade foi Bill Denbrough a alguns anos atrás, agora seria ele. Mesmo tendo consciência de que todos um dia deixariam a cidade para seguirem com sua vida, dizer adeus para os membros restantes do grupo não era uma tarefa fácil. Portanto partiria sem uma despedida descente, sem um adeus verdadeiro. Ou era o que imaginava.

O adolescente estava prestes a colocar a última caixa de mudança que havia sobrado em seu quarto dentro do caminhão, quando o melhor amigo Eddie Kaspbrak correu furioso em sua direção. Com certeza Stan Uris, única pessoa de quem se despediu por conta da amizade de sua mãe com a família do rapaz havia contado para o outro sobre a mudança de Richie.

— Hey Edis — Richie sorriu e passou as mãos na calça jeans.

— Não venha com Edis, seu filho da puta — As expressões de Eddie eram de extremo descontentamento, mas não por ter sido chamado pelo apelido que tanto odiava, mas pelo melhor amigo estar indo embora da cidade sem se despedir — Quando ia nos contar?

— Quando já estivesse longe — Richie deu com os ombros e colocou as mãos dentro do bolso.

— Você é um merda — Frustrado, Eddie aproximou do melhor amigo com passos pesados e o estapeou nos ombros e onde mais conseguia alcançar do tronco.

— Para alguém que está sempre doente, você é bem forte — Zombou o outro tentando escapar dos tapas do rapaz. Mesmo podendo facilmente parar Eddie, não o fez. Aquele comportamento era compreensível, caso os papeis estivessem trocados, Richie seria capaz de ter uma reação pior.

— O que deu em você? — Acreditando já ter batido o suficiente, Eddie cruzou os braços sobre o peito e encarou Richie com fúria— Como ousa ir embora sem se despedir?

O moreno ajeitou os óculos enquanto pensava em uma das suas típicas respostas bem-humoradas para responder aquela pergunta, chegou a abrir e fechar a boca duas vezes, mas pela primeira vez suas piadas e comentários sarcásticos pareceram ter um fim.

Dar adeus aos amigos era uma das coisas mais difíceis que existiam na opinião de Richie, principalmente quando o sentimento em relação a um desses amigos ultrapassava a linha do amor afetivo e adentrava no amor romântico. Esse era o motivo que o fazia deixar a cidade sem se despedir, acreditando que as coisas seriam mais fáceis de serem superadas caso não dissesse adeus.

— O que há de errado? — Perguntou Eddie diminuindo o tom irritadiço ao perceber nos pequenos detalhes que algo estava incomodando o melhor amigo. — Você não vai falar nada?

— Eu fodi a sua mãe, por isso estou indo embora — Richie soltou uma risada sem humor ao responder à pergunta de Eddie. No fundo sentia-se estúpido por não ter coragem de revelar a verdade, de dizer o quanto a despedida era dolorida.

— Há! Há! Muito engraçado, seu merda — Eddie revirou os olhos e bufou, ele deveria ter esperado uma resposta como aquela, mas pela primeira vez esperava uma resposta sincera.

— Richie, se despeça rápido e entre no carro — Ordenou o senhor Tozier aparecendo de repente para fechar a porta do caminhão de mudança. — Te dou cinco minutos.

— Sim, comandante — Assentiu Richie fazendo uma continência e imitando uma das suas inúmeras vozes de personagens, o coronel BufordKissdrivel.

O olhar de Richie acompanhou o pai até ele estar afastado do caminhão de mudanças, enquanto o de Eddie permanecia cheio de frustração sobre o melhor amigo. Continuava aguardando uma resposta sincera relacionada as suas perguntas, aquela poderia ser a última vez que conversavam antes de perderem completamente o contato.

— O que foi, Edis? — Perguntou Richie desfazendo o sorriso que estava estampado na face ao reencontrar seu olhar com o do outro.

— Por que você não me contou antes? Como você pode ir embora sem se despedir e esperar que eu fique bem? — Perguntou Eddie soltando os braços — Você... Você está me deixando, Richie.

— Eu deveria ter tido coragem e ter contado antes, mas talvez assim seja melhor — Respondeu Richie após suspirar e sem nenhum tipo de sarcasmo ou ironia no tom de voz, estava sendo sincero pela primeira vez — Se eu fosse embora sem me despedir, talvez não doesse tanto.

— Richie, anda —Gritou a mãe do rapaz dentro do carro.

— Já vou, porra — Gritou Richie grosseiramente em resposta e voltou a encarar Eddie —É melhor ir, antes que eles venham me puxar pelos cabelos.

— Claro, é... — Eddie ainda estava refletindo sobre a resposta dada por Richie, parecendo bem mais calmo. — Vou sentir sua falta, boca de lixo.

— Eu também vou sentir sua falta, fofucho— Zombou Richie o chamando por um dos apelidos que ele odiava.

Os meninos se abraçaram. Um abraço demorado e que, para eles, poderia durar a eternidade. Aquela havia sido a última vez que ele e Eddie haviam se abraçado, a última vez que se viram pessoalmente, a última vez que estiveram juntos em Derry em vinte e sete anos.

— Eddie, eu... — Richie foi o primeiro a soltar o abraço. Em sua garganta existiam palavras que deveriam ser ditas, mas faltava-lhe coragem para tal.

— O que? — Perguntou Eddie curioso quando o outro se calou no meio da frase.

Richie suspirou, voltou a ficar hesitante com as palavras e gestos. Mas algo dentro dele dizia que deveria tentar, que deveria dizer o que realmente sentia em relação ao melhor amigo. Por estar indo embora deveria ser corajoso, caso seus movimentos dessem errado, ele nunca mais precisaria olhar na cara de Eddie.

Tomado por impulso e coragem momentânea, Richie segurou o melhor amigo pelo antebraço e o puxou para frente, depositando um beijo rápido e carinhoso sobre a boca do outro. Através do beijo ele tentava demonstrar tudo o que não conseguia expressar em palavras, todas as coisas que não disse em voz alta, todo o sentimento guardado durante anos relacionado a Eddie. Ele era o seu primeiro amor e seria aquele que sempre estaria em seu coração.

Antes que Eddie pudesse dizer algo em relação ao beijo, Richie se afastou correndo para o carro onde sua mãe já o esperava para partir. Ele fechou os olhos e encostou a cabeça contra o vidro da janela, permitindo que lágrimas salgadas escorressem por sua bochecha e morressem no maxilar.

Atualmente, ao repensar sobre o evento, Richie queria ter tido coragem antes para revelar os sentimentos por Eddie antes de deixar a cidade. Talvez eles pudessem viver uma bela história de amor, talvez eles estivessem vivendo o tão sonhado felizes para sempre nesse instante, talvez ele não tivesse sozinho no carro ao voltar para Derry.

Voltou a prestar atenção total na estrada quando leu a placa que apontava a distância, agora faltavam poucos quilômetros para alcançar a velha cidade, poucos quilômetros para reencontrar seu grande amor de infância. O tempo poderia ter apagado muitas memórias relacionadas a Derry de seus pensamentos, mas nunca foi capaz de fazer com que Richie esquecesse completamente do seu único e verdadeiro amor, Edward Kaspbrack.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.