Memento

Epílogo


Frio e nublado.

Para Sayaka, era longe de ser o clima ideal para estar em uma praia em Hokkaido, mas tinha os seus benefícios. Sentada na areia, agasalhada, sentia o vento como uma melodia de fundo aos seus pensamentos, cadenciados pelas quebras das ondas. A canção crescia dentro de si como um recipiente que estava prestes a transbordar. Ela segurava a tampa com certo embaraço e culpa, mas ela tinha a paz que precisava naquele lugar deserto para lidar com isso...

“Sayakaaa! Olha!”

Não tão deserto. Ela viu Kyouko correndo com uma concha em mãos.

“Esse é bem grande, hein?” A ruiva pôs a abertura da concha no ouvido. “Dizem que dá pra ouvir o mar dentro delas.”

Sayaka já estava acostumada com a excitação de Kyouko, a garota nunca teve a oportunidade de ir a uma praia antes. “Deixa-me ver.” Ela recebeu concha, com uma bela forma de espiral e um pouco rosada. Ela a pôs em seu ouvido e havia um som constante, como uma onda que estava chegando à costa, mas nunca terminava. Para um leigo isso seria o mar, mas ela não podia enganar a si mesma.

“Qual o problema?”

“Huh?” Sayaka ficou confusa com o questionamento da outra.

No entanto, Kyouko estava bem séria agora. “Você tá fazendo uma cara estranha...”

Ela devolveu a concha. “Deve ser porque estou com frio.”

“Vai, fala.”

“Falar o quê?!” Sayaka abriu os braços e franziu a testa. “Que seria bom ter um aquecedor aqui? Haha! Hahaha...”

O olhar de Kyouko ficou mais penetrante.

E a garota de cabelos azuis reconheceu a derrota. “Droga... Você vai achar isso ridículo.”

“Isso eu decido.”

Então ela continuou, “Eu estava pensando, agora que exploramos o Japão e poderíamos retornar para Lei dos Ciclos...”

Kyouko cruzou os braços. “É...”

“Lá as garotas me vêem como uma heroína, já que estou sempre ajudando Madoka.”

“Uhum.” Kyouko já estava com expressão cansada. “E...”

“Não entenda mal, eu não tenho arrependimentos. No entanto, eu estou preocupada.” Sayaka começou a desenhar uma nota musical na areia. “Eu já estou morta nesse mundo, assim como em tantos outros. Essa versão de mim podia não ter conquistado muita coisa, mas ela tinha planos, sonhos... Enquanto eu sou uma heroína, mas e agora?”

“Hã?” Kyouko ergueu as sobrancelhas. “Crise existencial?”

Sayaka espalhou a areia, desfazendo o desenho. “Eu sabia, fui estúpida em compartilhar isso contigo.”

Kyouko sentou ao lado.

E Sayaka ficou surpresa.

Olhando para o oceano, até onde o horizonte permitia, Kyouko falou, “Eu já te contei muitas histórias, mas não me lembro de ter te contado sobre o que aconteceu nos primeiros dias depois que a minha família morreu.” Ela pegou o seu longo rabo de cavalo e deixou sobre o seu colo, tirando a areia nas pontas. “Eu me afastei da Mami, havia mantido minha gema da alma limpa e, com um pouco de magia, roubar e conseguir um teto era até fácil... mas e agora? O resto da minha vida seria isso?”

Sayaka estremeceu, não sabia se era do frio ou a ânsia em fazer aquela pergunta, “Você... encontrou uma resposta?”

Kyouko balançou a cabeça. “Naquela época, se eu continuasse procurando por isso, eu já teria concordado com a morte. Quando pensar pra frente mais prejudica do que ajuda, você se vira com o que tem agora. Apenas acorda e faça o que acha que precisa ser feito. Foi assim que terminei aqui contigo, sendo parte de algo maior, uma melhora, eu acho...”

A canção do mar continuava e Sayaka tinha medo de suas águas, de aparente sem fim, mas navegando nelas, poderia o horizonte desenhar o seu destino?

“Vamo voltar pra Mitakihara.”

Ouvindo Kyouko, Sayaka teve que pôr os seus pensamentos de lado para tratar de assuntos menos nobres. “Você vai pedir para Mami-san mais dinheiro? Contando o que temos, deve dar para mais um mês. Nós podemos revisitar algumas cidades pelo caminho, talvez ainda haja alguma bruxa para resgatar.”

“É o aniversário dela.”

“Já?!” Sayaka arregalou os olhos e coçou a cabeça. “Eu tinha me esquecido...”

“Claro, no ano passado nem teve festa porque o apartamento dela ainda estava sob reparos,” Kyouko reclamou, “eu prometi pra ela que vinha e não tinha nem sequer um bolo!”

Sayaka fez uma careta, “mas nós fomos a uma confeitaria juntas e você parecia feliz.”

“Tu não pode ficar triste se há comida.” Kyouko parecia estar assentindo para si mesma, depois ficou cabisbaixa. “Mas não é algo especial... Quando era aniversário de alguém da família, a gente sempre fazia algo, mesmo com o pouco que tínhamos, pra lembrar que nós tínhamos um ao outro. Não era assim na sua família?”

“Minha família?” Sayaka ficou perplexa, não tanto pela questão, mas por quase ser explícito a relação familiar entre a sua amiga e Mami. “Só quando eu era pequena, depois que meus pais se separaram, minha mãe não tinha tempo para fazer uma festa, mas eu convidava as minhas amigas para ir em alguma lanchonete. Eu até ganhava presentes, Hitomi sempre dava uma peça de roupa cara, já Madoka era algo... fofo.”

“Ah... Tu devia ter me dito antes.” Kyouko deu um sorrisinho. “Heh. No seu próximo aniversário, vamos fazer uma grande festa, com todas do Holy Quintet! Vai parecer um sonho!”

Sayaka compartilhou o sorriso, mas não por muito tempo. “Não precisa de tudo isso, eu já estou acostumada. Aliás, na Lei dos Ciclos você não sente o tempo passar, então eu acho... que não faz sentido...”

“Tch. Isso...” Kyouko apontou para ela. “Isso é estúpido!”

“Ok! Ok!” Sayaka ergueu as mãos. “É só uma idéia, nós podemos usar algo para marcar o tempo.”

“O que aquela idiota está fazendo?”

Sayaka enraiveceu. “EEEiii... O que é isso agora?! Eu não me desculpei? Vai começar falar comigo em terceira pessoa?”

Kyouko não estava olhando para ela.

Então Sayaka notou a égua ao longe, adentrando no mar, desafiando as ondas.

Em um salto Kyouko já estava de pé e saiu correndo. “HOMURAAA! Volta aquiiii!” Assim que pisou na água, uma onda atingiu as canelas e ela quase perdeu o equilíbrio. Com uma dificuldade crescente, ela estava se aproximando. “Homura!”

O quadrúpede finalmente atendeu o clamor e parou, olhando para ela.

As águas começaram a retornar ao mar e Kyouko se sentiu sendo carregada junto. Ela se jogou no lombo do animal para continuar de pé, completamente ensopada, enquanto este não parecia estar fazendo esforço algum. “Droga! Por que eu ainda tento te salvar... Você sempre vai retornar... né?”

A égua ergueu sua cauda e veio um forte jorro amarelo.

Kyouko ficou boquiaberta. “Mas o quê...”

Sayaka havia chegado perto da água e pôs as mãos na cintura, sorrindo. “Aww... Ela estava sendo educada em não fazer isso na areia.”

A ruiva sentiu a água ficar mais quentinha. “Merda! Merda! MERDA!”

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.