Memento

Doppelgänger


As bonecas rolavam pelo chão, entediadas. Elas já haviam explorado cada ranhura daquele quarto, até as travessas com comida parcialmente consumida.

Enquanto isso, a mestra estava em sua cama, medindo a pressão do sangue. “Por favor...”

O medidor estava bem apertado em seu braço, mas o resultado era sempre o mesmo.

60/30

“Por que está tão baixo?” Ela removeu o medidor e o jogou contra o colchão, então cravou as unhas no braço, sentindo que estava duro sob a pele. A dor, mínima que fosse, trazia algum alívio.

O que está acontecendo? Eu deveria estar no controle, eu estou no controle!

Uma melodia, novamente vinha dos andares de baixo. O som era fraco, mas no silêncio daquele quarto era como um lamento lento e falho feito de notas alegres.

Homura tampou os ouvidos, rangendo os dentes, sendo imitada pelas bonecas. No entanto, música agora parecia vir de suas entranhas, lembrando ela o que era esse lugar.

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Ela saiu da cama e se apressou até a porta. Era preciso sair da casa e ficar longe, em um lugar que ela se lembrou que poderia se esconder por um tempo.

Ao abrir a porta, se deparou com o inesperado.

Madoka estava sentada no corredor, de fronte a entrada do quarto, com as costas contra parede e abraçando as pernas dobradas. Sua forma encolhida se abriu ao ver quem havia saído.

“O que está fazendo aqui?” Homura perguntou.

Ela se levantou, carregando uma expressão mais aliviada. “Eu estava esperando por ti.”

“Por que não me chamou?”

“Bem, eu fui um pouco egoísta...” Madoka abaixou a cabeça e juntou as mãos. “Eu pensei que se eu não falasse contigo, você iria sentir saudade de mim e iria sair para me procurar.”

Homura paralisou.

Enquanto Madoka sorriu. “E parece que funcionou, né? E... hihi..”

A face de Homura lentamente foi mudando para um semblante de tristeza.

“Homura?”

Ela virou a cara. “Sim, Madoka, sim... funcionou.”

Madoka a segurou pelas mãos.

Em um ato reflexo, Homura tentou puxá-las, mas o aperto era firme.

Preocupada, Madoka sussurrou, “Você ficou mais um dia nesse quarto.” Então ela afastou as mechas despenteadas sobre a face da outra garota. “Eu sei que você brigou com o seu pai, mas ficar distante de todos não vai trazer nada de bom.”

Homura não reagiu.

“Não gostaria de almoçar com toda a sua família dessa vez?”

Ela fez um pequeno aceno com a cabeça.

Fazendo Madoka sorrir.

Homura então olhou para ela, mais friamente. “Só ficaremos alguns dias aqui e eu estou chamando a atenção desnecessariamente com essa minha atitude.”

O sorriso poderia ter sido maior, mas para Madoka aquilo estaria de bom tamanho. “Tudo bem. Vamos ao banheiro.”

As bonecas saíram do quarto e foram saltitantes pelo corredor.

“Não!” Homura tentou impedir em vão a última de escapar. “Voltem aqui!”

Madoka a abraçou. “Deixe-as, elas precisam de espaço para brincar.”

“Mas...”

A garota rosa deu uma piscadela. “Nós conseguimos ficar de olho nelas, não conseguimos?”

Homura ficou pensativa, respirando profundamente. Ela se desvencilhou e jogou o cabelo para trás. “Certo, mas temos que nos apressar.” Em uma pose firme, ela caminhou sem esperar por ninguém.

Mantendo um sorriso sereno, Madoka a seguiu.

/人 ‿‿ 人\

A mesa da sala de jantar estava completamente ocupada, com Homura e Madoka sentada junto com os irmãos e o pai. Havia um silêncio, que fora mantido mesmo quando as duas garotas apareceram. O máximo que se podia ouvir era o som incidental de um talher batendo o fundo de uma vasilha e o sopro dos sussurros de Chiharu para Hiroshi. A governanta estava de pé, vigilante, sempre ao lado dele.

Ninguém olhava diretamente para os outros, exceto Madoka, que via o homem de idade apenas mover a cabeça com o que a mulher dizia e isso parecia ser o suficiente para ela entender.

Uma das bonecas aproveitou a porta aberta para entrar no recinto. Era Namake.

Homura prontamente acompanhou os movimentos dela.

Ainda entediada, Namake perambulou pela sala, tocando nas estátuas que decoravam o lugar até que uma balançou, mostrando não estar tão firme. Mais curiosa, ela foi inclinando lentamente o pedestal.

Homura agarrou a toalha de mesa, se contendo para não se levantar.

Sentindo a preocupação de sua mestra inútil, Namake olhou para ela e sorriu, finalmente algo interessante estava acontecendo.

O pedestal se inclinou mais e Homura prendeu a respiração.

A boneca estava ameaçando dar o empurrão final, quando notou Madoka olhando para ela, com uma cara de decepção.

As outras bonecas apareceram na porta, chamando a integrante da trupe que faltava.

Entediada e agora incomodada, Namake deixou o pedestal em paz e se juntou a elas. Todas saíram correndo.

Estalos na madeira chamaram a atenção de Chiharu, que chegou a olhar para trás, mas ignorou, era normal em um dia quente e seco.

Alívio preencheu Homura até que notou Ichiro olhando para ela. Ela então abaixou a cabeça e retornou a comer.

Hiroshi se levantou da cadeira sem dizer palavra alguma e se dirigiu a saída. Ele tropeçou e se segurou na vista da porta.

Madoka viu Chiharu se apressar para ajudá-lo.

Quando os dois desapareceram da vista e os passos não podiam mais ser ouvidos, Udo se espreguiçou, sorrindo. “Ufa... Eu não sei o que você fez, irmã, mas parece mais que foi o nosso pai que recebeu uma dura ontem.”

“Isso não tem respeito a você,” Ichiro falou.

“Isso só um comentário, não quero saber de drama. Hoje está um dia ensolarado... bom para passar a tarde na piscina, certo?”

Ao ver que ele estava olhando para ela, Madoka sabia para quem era aquele convite.

“Você tem biquíni?”

E aquela pergunta tão direta. Ela ficou um pouco envergonhada. “Eu não sei, eu trouxe bastante coisa... talvez a minha mãe colocou um nas malas.”

“Qualquer coisa, minha irmã empresta-” Udo ficou surpreso ao perceber como Homura estava olhando para ele. “O que foi? Não pode emprestar uma peça velha? Se tiver ainda uma...”

“Pare...” Ichiro falou, mais sério.

Deixando Udo irritado. “Agora você é a Chiharu-san?! Você não era assim.”

O outro irmão respondeu rispidamente. “Não me lembre disso!”

Madoka pôs suas mãos juntas sobre a mesa, se vendo como testemunha de mais uma discussão de família.

“Por que tudo que eu faço é errado? Só porque eu não quero participar desse eterno funeral em nossa casa?” Udo se levantou e abriu os braços. “Vamos todos pra piscina! Vamos nos divertir! Onde está de errado nisso, Madoka?”

Sendo colocada na conversa sem aviso prévio, ela respondeu, “Ahn... Não. Na verdade é uma ótima idéia!” Então sorriu para Homura. “Não é?”

A outra garota ajeitou os óculos, escondendo boa parte da face com a mão. “Sim...”

Ichiro cruzou os braços. “Eu não quero me molhar, talvez o pai precise de mim.”

“VÁ SE FERRAR!” Udo gritou para ele.

“Uhuhuhuhuhuhu!” Ichiro rangeu os dentes, não conseguindo conter o riso.

“Huh?”

“Com essa você conseguiu assustar a nossa visitante. Huhuhuhuahahaha!”

Udo arregalou os olhos ao compreender. “Seu bastardo... Você não mudou nada. Você ralhou assim comigo de propósito!”

Saindo lágrimas dos olhos, Ichiro balançou a cabeça. “Você é muito previsível, meu irmão, muito previsível...”

Udo sorriu. “Eu vou jogar você na piscina com os sapatos, telefone, tudo!”

“Boa sorte.” Então Ichiro voltou sua atenção para Madoka. “Eu sinto muito por essa ‘briguinha’. Eu não resisti. Como você viu, ele é muito afoito.”

“Você enganou a todos nós...” disse ela.

“Uhum...” O homem confirmou seguro de si diante da jovem garota com sorriso sereno. Contudo, havia algo estranho no olhar que não seguia o resto do semblante dela.

“VAMOS PRA PISCINA!”

/人 ‿‿ 人\

Em seu quarto, Madoka foi abrindo os zíperes das malas. Em um pequeno compartimento, ela finalmente o encontrou o que procurava. “Ah... Este aqui...”

Ela se despiu e de fronte ao grande espelho que tinha na porta do armário, ela colocou o biquíni vermelho. Sua mãe devia ter escolhido essa cor para combinar com os laços em seu cabelo, mas talvez não fosse o mais apropriado para a ocasião.

Ela se envolveu com uma toalha de banho e foi até o quarto da Homura. A porta estava aberta, o que já dava um sinal de estranheza.

Lá dentro quem estava era Chiharu, coletando as bandejas no chão. Ela parou o que estava fazendo. “Você vai para piscina com Udo-san e Ichiro-san?”

“E Homura.” Madoka assentiu. “Sabe onde ela está?”

“Ela também?” Chiharu ergueu as sobrancelhas e então desviou olhar. “Eu não a vi...”

“Eu vou checar se ela já está lá.”

Madoka desceu as escadas e foi até a varanda. Lá ela descobriu que as bonecas estavam no pátio, todas com biquínis ou maiôs pretos. A maioria estava em um círculo brincando com uma bola de vôlei. Manuke e Noroma estavam sentadas na grama, compartilhando uma caixa de lanche, enquanto Mie estava deitada em uma toalha com motivos de diamantes roxos, passando bronzeador em seu corpo.

Não havia sinal de Homura.

Udo estava nadando na piscina e Ichiro sentado em uma espreguiçadeira, falando ao celular. “Eu ainda não entendi do porquê você estar ligando.”

Ela foi se aproximando ouvindo a voz alta dele. Ele estava visivelmente com raiva e dessa vez era real.

“NÃO! Você não vai perder essa ponte! Esse contrato já foi negociado por meses!” Ichiro puxou o cabelo. “Não, eu não vou chamar o meu pai.”

Udo começou a boiar, sorrindo para o que estava acontecendo.

“Nós lhe damos essa responsabilidade, cumpra a sua função!” Ele desligou a ligação e suspirou. “Eu sabia que isso iria acontecer de novo. Ele já deveria ter saído desse cargo há tempo.”

Udo ficou de pé e chacoalhou a cabeça, fazendo seu cabeço respingar para tudo quanto é lado. “Mas ele não é um velho amigo do pai?”

“É por isso que a companhia está estagnada, estamos colocando amizades acima da competência. Nós poderíamos estar expandindo nossos negócios para outros países.”

“Tu tá ambicioso...” Udo deu um sorrisinho. “Mas você sabe que o nosso pai parou no tempo, não?”

Ichiro demonstrou frustração, até notar quem havia chegado. “Oh... Vejam só.”

Udo se virou rapidamente. “Ei... Madoka...”

Ela se cobriu mais com a toalha. “Vocês viram Homura?”

“Não,” Udo respondeu, “não estava no quarto? Então ela deve estar se escondendo.”

“Escondendo...” Madoka abaixou o olhar.

“Eu não acho,” Ichiro falou, “ela ainda deve estar na casa, quem sabe procurando por ti. Chame ela.”

“Eu vou fazer isso,” ela saiu, “obrigada.”

Udo se apoiou na borda piscina, observando os calcanhares da garota enquanto ela se afastava.

“Ela é jovem demais.”

Ele se virou para o irmão, que o estava encarando. “Eu sou jovem também.”

Ichiro balançou a cabeça. “Ela é amiga da nossa irmã, não mexa nesse vespeiro.”

“Olha quem fala! Eu notei como você olhou para ela no almoço.”

O homem virou a cara. “Aquilo... Eu não sei dizer. Ela olhou para mim de um jeito... Era hipnotizante.”

“Tá xonadão e depois diz que eu que sou o lolicon.”

“Deixa de ser besta!” Ele coçou a testa. “Eu só consigo dizer que ela não parecia estar impressionada com nada, mas era como se ela estivesse dizendo algo a mais para mim. Eu só não consegui entender ainda.”

“Ah sim!” Udo apontou para o que o irmão afirmou. “Eu tive uma experiência similar quando conversei com ela.”

“O quê? Só você e ela?” Ichiro semicerrou o olhar. “Você não deu uma cantada nela, não é?”

“Eu não fiz nada, ela nem é tímida! Na verdade, ela fala de um jeito que não condiz com a idade dela.”

Ichiro ficou mais pensativo, com um olhar perdido.

“Ela meio estranha, sim. Eu acho que só alguém assim poderia ter a nossa irmã como amiga.”

Ichiro fechou os olhos. “Cala boca.”

Udo franziu a testa, mas então sorriu e submergiu.

Assim que entrou na casa, Madoka pôs a telepatia em uso. [Homura?]

[Eu estou aqui.]

Com uma resposta tão imediata, Madoka sabia que coisa boa não era. Ela agora podia sentir uma fonte de magia vinda de uma área da casa que ela não havia visitado. Ao abrir uma porta, ela começou a ouvir um distante som contínuo de máquinas de secar roupa trabalhando.

Ela caminhou pelo corredor, certa de que poderia cruzar com algum empregado ou a própria Chiharu. Antes disso, no entanto, ela parou na porta onde a sensação era mais forte.

A porta dava para uma sala fechada e escura, que não estava sendo usada para mais nada além de um depósito. O ar era pesado, com um cheiro de madeira bastante forte. As mobílias estavam cobertas com panos grossos.

Encostada em um deles estava Homura, com um empoeirado abajur aceso ao lado dela, do qual ela devia ter conseguido encontrar ali. “Entre e feche a porta antes que alguém a veja.”

Madoka obedeceu, deixando o ambiente ainda mais escuro. A luz do abajur ajudava, mas também dava um aspecto sinistro para a face da outra garota. “O que está acontecendo?”

“Eu não posso ir para a piscina,” Homura afirmou.

“Por quê?” Madoka ficou confusa, olhando envolta. “E por que tudo isso?”

“Para eu te mostrar isso.” Homura desabotoou alguns botões de seu vestido e o abriu, revelando o seu peito nu.

Franzindo a testa, Madoka se aproximou para olhar mais de perto. “O que foi...? Não há nada aqui.”

Homura continuou a encarando.

Então Madoka teve a epifania. “Ah.”

“Exatamente.” Homura abotoou o vestido. “Era para haver a cicatriz da minha cirurgia. Eu a tinha quando eu era uma garota mágica, mesmo que eu conseguisse curá-la, ela retornava quando eu voltava no tempo. Com esse meu corpo é como se eu a nunca tivesse e não consegui fazer uma imitação convincente. Então, se alguém perceber, teremos um problema.”

“Bem...” Madoka ponderou. “Se você tiver um maiô, nós podemos...”

“Eu não tenho um que me sirva.”

“Então apenas me faça companhia.” Madoka deu de ombros. “Você não precisa entrar na água.”

Homura permaneceu em silêncio.

“Isso é apenas uma desculpa, não é?” Ela concluiu, frustrada, “por que está evitando os seus irmãos? Eu quero entender.”

Homura levantou o queixo e murmurou, “Você precisa?”

Madoka ergueu as sobrancelhas.

“Tudo bem, eu te explico...” As palavras dela eram frias. “As faces das pessoas desta casa são estranhas aos meus olhos, suas vozes meus ouvidos não reconhecem, seus nomes saem vazios de minha boca... O meu tempo está muito distante daqui, é um desperdício com algo tão sem sentindo.”

A garota rosa ficou boquiaberta.

Enquanto Homura mantinha sua impassividade.

Contudo, o semblante de Madoka passou a ficar tenso.

A garota de óculos precisou respirar fundo.

“Você... Você acreditou por um momento no que acabou de me dizer?”

Estava além de seu controle, Homura estremeceu.

“Se eles não significam nada, do que está se escondendo?” Madoka pressionou, “do que você está fugindo novamente?”

Em um passo, Homura a agarrou, fazendo a outra deixar cair sua toalha. Seus dedos cravaram na pele macia dos ombros.

Fora uma leve reação de surpresa, Madoka manteve uma expressão desafiadora, apesar dos ferozes olhos roxos que pareciam que queriam consumi-la.

Com o silêncio e a proximidade, Homura podia ouvir a respiração de ambas. No caso da Madoka ela também podia ver isso, quando a pele se esticava com o peito se expandindo.

Mas nada disso era verdade.

Não havia carne, apenas magia. O mundo que ela almejava agora era apenas um sonho lúcido.

Quando Homura abaixou a cabeça, Madoka continuou séria, mas não era mais algo intenso. Suas mãos acariciaram as duras e frias mãos que a seguravam. Os dedos enterrados traziam dor aos seus ombros. Ela não apagou essa sensação nem a ignorou, pois se fosse uma forma de receber um pouco da dor que a outra guardava para si, ela aceitaria plenamente.

Mas então Homura sorriu. Ela ergueu a cabeça e proferiu em uma voz não tão alegre como sua aparência, “Aproveite.”

Madoka piscou. “Hã?”

“As pessoas daqui irão lhe tratar bem e as acomodações são boas.” Após soltar os ombros dela, Homura notou as marcas profundas que havia deixado. “Você terá uma boa história para contar à sua mãe quando retornarmos.”

Madoka viu ela se abaixar e pegar a toalha.

“Eu já lhe disse.” Após cobri-la de volta, Homura foi em direção a saída. “Não há nada mais importante do que você ser feliz...”

Madoka se virou. “Sem você?”

Ela parou e virou a cabeça, retorquindo, “Não era isso que você esperava de mim?”

Madoka abaixou o olhar.

Vendo-a assim, Homura abriu a boca para falar por um instante, mas então a fechou assim como os seus olhos. Ela abriu a porta e saiu.

Banhada pela luz quente do abajur, Madoka levantou a toalha para ver os seus ombros. Havia veias negras, que foram embora levando consigo as marcas dos dedos e a pele retornou a ser saudável e jovial. Não havia mais dor.

/人 ‿‿ 人\

Dessa vez, Udo foi o primeiro a notar quem chegava. “Deixa eu adivinhar, ela não vem.”

A face de Madoka dizia tudo.

Deitado na espreguiçadeira, Ichiro balançou a cabeça sem esconder seu desapontamento.

Enquanto Udo sorria, dando tapas na superfície da água. “Entra aqui, eu já estou um tempão sozinho.”

Ela se sentou na borda e mergulhou os seus pés na piscina, sentindo a temperatura refrescante, não gelada, no ponto certo.

Udo nadou até onde ela estava. “Qual é! Não finja que é tímida.”

“É profundo,” Ichiro avisou.

“É...” Udo apontou para o que se podia ver através do liquido cristalino. “Mas borda tem um degrau para quem não sabe nadar.”

“Eu sei nadar.” Madoka dobrou a toalha e deixou sobre uma espreguiçadeira próxima, depois desamarrou os laços e colocou no mesmo lugar.

Sob o olhar ansioso de Udo. “Vai saltar?”

“Não.” Ela jogou o cabelo solto para trás e segurou na borda, controlando a descida para dentro da piscina até onde podia. Quando aterrissou no degrau, a água estava na altura do pescoço.

“Bem, o degrau também é fundo para você.”

Ela sorriu. “Eu ainda estou crescendo...” Como cabelo já havia molhado, não havia motivo para não mergulhar a face também. Não havia o cheiro de cloro. “Essa água é muito boa e limpa.”

Ichiro explicou, “Ela é bombeada de um aqüífero que há sob esses morros e devolvida a ele depois de filtrada. Ela sempre está sendo renovada.”

“É como tomar banho de rio,” Udo acrescentou, “é a coisa mais legal desse lugar e agora você sabe que o meu irmão é tapado, pois ele não está aqui dentro.”

Ichiro fechou os olhos. “Eu quero descansar. Essa brisa está ótima.”

“Esse cara é digno de pena, não é?” Udo deu uma piscadela para Madoka.

Acanhada, ela segurou um risinho.

“Ow, mas você realmente sabe nadar? Eu posso te dar uma aula grátis.”

Sorrindo, Ichiro falou, “Kaname-san, aceite se quiser se afogar.”

Aproveitando que o irmão não estava olhando, Udo fez uma cara feia e mostrou a língua para ele, então viu que garota havia deixado a borda.

Madoka nadava de costas, deslizando gentilmente no meio da piscina.

“Você consegue deixar sua cabeça fora da água, bom, mas...”

Madoka viu Udo rapidamente dar um mergulho e passar por debaixo dela. Quando chegou em uma das bordas, ele já estava a esperando.

E pela cara de safado, ele devia ter obtido um ótimo ângulo.

O garoto disse, “Você não está usando muito as pernas, tem que por mais força.”

Ela cruzou os braços. “Eu não queria.”

“E você sabe prender a respiração e mergulhar?”

“Uhum.”

Udo semicerrou o olhar e sorriu. “Isso não soou muito confiante. Quer tentar um pequeno desafio?”

Madoka ergueu as sobrancelhas.

“Que tal chegar ao outro lado da piscina em um mergulho?”

Ela assentiu.

Ele fez uma cara de preocupação. “Veja, é um desafio, não precisa aceitar.”

“Está tudo bem.”

Okay.” Eles se prepararam, respirando fundo. “Quando eu disser.”

Naquele momento, a piscina era como um espelho mostrando as poucas nuvens no céu.

“AGORA!” Udo quebrou o espelho, alcançando as profundezas e tendo a parede adiante como seu objetivo. Ele abria e fechava os braços e as pernas em bom ritmo. Era algo que ele já tinha feito tantas vezes que sua mente estava ocupada com outras idéias. A garota havia ficado para trás e provavelmente desistiria ou até mesmo acabaria em apuros.

Ele deu um sorrisinho.

Nesse caso dava tempo dele chegar até o final e retornar para resgatá-la, sendo uma ótima oportunidade para apalpar o seu corpo.

De repente, uma turbulência. Udo notou Madoka ultrapassando, fazendo um movimento bem diferente do seu. Ela ondulava o corpo inteiro harmoniosamente, como se da cabeça aos pés fosse um membro só. Quando ela alcançou a parede, ele percebeu que estava mais lento. A surpresa quebrara o seu ritmo e até havia perdido um pouco de ar. Em movimentos mais estabanados, ele agora queria alcançar tanto o objetivo quanto a superfície. Quando emergiu, a água entrou junto com ar em sua boca escancarada, atingindo o fundo de sua garganta. “Cof! Cof!”

Madoka perguntou, “Você está bem?”

“Ah... Sim... Ah.. Sim...” Depois de recuperar o fôlego, ele arregalou os olhos. “Como é que tu fez isso?”

Ela desviou o olhar por um instante e então deu de ombros. “Eu pus mais força.”

“OOOOHHHH Grande nadador profissional, admita que fora humilhado por uma garota mais jovem que você.”

Era Ichiro e Madoka não conseguiu resistir. “Wehihihihihihahaha...”

Udo olhou para ele e assentiu. “Eu... Eu estou feliz por ela, é...” A expressão de confusão deu lugar para a de desconfiança. “Ei! Você estava olhando? Você não estava descansando?”

O irmão mais velho abriu um grande sorriso. “E perder isso?”

Enrubescida, Madoka cobriu a boca, mas não parava de rir. “...haaaa... hihi... hiiihaha...”

Udo apontou com raiva para ele. “Ahhhh... Você vai se molhar! Tu tá literalmente pedindo por isso.”

Ichiro fechou os olhos e cutucou a sua têmpora. “Hmmm... Ninguém te ensinou a definição de literalmente?”

“Ninguém te ensinou metáfora, seu abestalhado!”

Madoka se abraçou, finalmente conseguindo se conter.

O celular tocou e Ichiro se levantou para checá-lo.

“É ele?” perguntou Udo.

O homem estava irritado do que surpreso. “Sim.”

Ao vê-lo começar a andar, Udo fez outra pergunta, “Vai chamar o pai?”

“Não, eu cuido disso.” Ichiro passou na frente deles.

“Seu mentiroso de merda. E quanto ao ‘todo mundo na piscina’?”

“Você logo vai entender, irmão.”

Udo jogou um punhado de água contra ele.

Ichiro pulou para desviar, mas acabou com as pernas molhadas. Ele continuou em direção a casa, erguendo um braço e mostrando o dedo do meio.

Com a cara emburrada, Udo resmungou algo ininteligível.

Madoka ficou curiosa. “Do que ele estava falando?”

“Você sabe que o meu futuro como músico vai ser difícil de acontecer.” Ele suspirou e balançou a cabeça. “Então eles querem que eu já comece a me envolver com a empresa do pai enquanto eu estiver fazendo uma faculdade... Engenharia, contabilidade, administração, comércio...”

“Você não gostaria de trabalhar com o seu pai?”

Udo socou a superfície da piscina, formando uma grande ondulação. “Eu quero decidir a minha vida.”

“E você já sabe o que vai fazer se não for música?”

“Eu ainda estou pensando, eu nem falei ainda com resto da banda.” Ele lavou o seu rosto e ergueu a cabeça, deixando a água escorrer. “É complicado.”

“Sim, é...” Madoka fechou os olhos. “Ter que fazer uma decisão que não queremos, mas precisamos...”

O garoto olhou para ela. “Sua família também decide o seu futuro? Você ainda não me contou sobre eles.”

A expressão séria de Madoka ficou mais leve. “Não é algo que discutimos, mas eu me espelho na minha mãe, ela trabalha duro.”

“Você tem uma mãe, isso é um ponto positivo.”

Ela franziu a testa.

“E seu pai?”

“Ahnn... Ele cuida da casa.”

Ele ficou boquiaberto. “Caramba! Isso é curioso... E você tem uma irmã mais velha para te incomodar, que nem o Ichiro?”

Ela balançou a cabeça, sorrindo. “Eu tenho um irmão pequeno.”

Apesar disso, Udo sentiu certo ar de tristeza. “Sua família deve ser mais legal que a minha.”

Madoka pegou uma porção de seu cabelo molhado e começou a puxá-lo, alternando as mãos. “Cada família tem os seus problemas. Meus pais discutem um com outro. Pai quer que nós tenhamos valor pelas coisas simples, mas a mãe algumas vezes vem com algo novo que ela comprou, algo que ele considera supérfluo. Pior quando ele descobre a conta que tem que pagar.”

“Dinheiro... Aqui também brigamos por causa disso.” Ele sorriu para ela. “É claro, os valores são maiores.”

“Eu acredito.”

“Vem! Meu cabelo já está quase seco.” Udo mergulhou.

Eles continuaram a brincar e nadar na piscina. Enquanto isso, Udo se esforçava para não ficar olhando para Madoka toda hora. Era difícil, pois o corpo dela fazia movimentos graciosos e eficientes, como se flutuar fosse sua segunda natureza. Também era difícil, pois ele não conseguia parar de pensar naquela tristeza.

Música é lógica, mas tornar lógica em sentimentos é talento. Ele algumas vezes tinha dúvidas se ele tinha mesmo, mas lógica não definia aquela garota.

Ao se aproximarem de uma das bordas, em momento oportuno, Udo proferiu o que ele mais acreditava, “Você está pensando nela.”

Com aparente confusão, Madoka sorriu. “Hã?”

Ele continuou certo daquilo. “Minha irmã. Você ainda está pensando nela.”

Madoka olhou para longe.

Udo se espreguiçou na borda, abrindo bem os braços. “Ahhh... Me conta aí, como é que vocês duas se tornaram amigas?”

O sorriso de Madoka ficou mais tenro, enquanto ela olhava para o seu próprio reflexo na água. “Foi no primeiro dia que ela apareceu na sala de aula. Ela estava tão nervosa com as outras colegas querendo saber mais sobre ela que eu, como auxiliar da enfermaria, a resgatei. Foi assim que tudo começou...”

“Ela chegou a abrir boca pra falar?”

Ela assentiu. “Você pode não acreditar, mas eu era tímida e não tinha coragem de fazer nada. Eu lutei muito para melhorar, me tornar auxiliar da enfermaria foi parte disso. Então eu me simpatizei com Homura. Também era algo egoísta, pois ela era mais tímida do que eu e eu me sentia mais a vontade, no controle. Ela fazia me sentir importante... mais responsável.”

Udo viu que ela parecia estar em um transe. “Você está bem?”

Ela ergueu a cabeça, ainda sorrindo. “Sim.”

“Ela nunca te assustou?”

O sorriso por um momento se foi e ela abaixou o olhar, mas depois Madoka já estava com a mesma expressão. “Quando ela tem coragem de se abrir, não há nada mais doce.”

“Sérião?!” Udo sorriu em descrédito. “Ela deve ser assim com estranhos. Eu não acreditei quando Chiharu-san me contou que ela estava fazendo amizades naquela escola católica que ela foi enviada, mas deve ser verdade...” Então ele semicerrou olhar. “Mas tenha cuidado, você já não é uma estranha para ela.”

Dessa vez, ela permaneceu séria. “Por que diz isso?”

“Vou te contar uma história.” Udo abriu bem os olhos. “Homura tinha cinco anos na época. Era manhã de natal e eu havia acordado, louco para ver os presentes. Era uma das poucas datas que a gente parecia feliz. Então... eu encontrei uma trilha de algodão no caminho, na mesma hora eu pensei que seria para simular neve. Eu já era esperto, não acreditava mais em fantasias. Eu segui a trilha e então eu notei que algodão agora estava manchado de vermelho.”

Ele fez uma pausa dramática. Madoka continuou prestando atenção.

“A trilha me levou até onde estava a árvore de natal e lá estava minha irmã. No chão envolta dela estavam os bichos de pelúcia que ela tinha, todos decapitados, e também o presente que ela iria ganhar, já destruído. Ela se virou lentamente para mim e em suas mãos havia uma tesoura de jardim ensangüentada.” Udo olhou para o céu e sua voz havia ficado mais baixa, mais melancólica do que assustadora. “Ela era atrapalhada e havia se cortado, o sangue era dela, mas eu não sabia. Mesmo assim eu não corri, eu... não me lembro de ter sentido medo. Eu não estava acreditando, pensei que fosse um pesadelo, nunca ela me olhou daquele jeito enquanto se aproximava de mim. Se não fosse o meu irmão aparecer, eu não sei o que teria acontecido.”

“Ela devia ter um motivo para ter feito isso,” Madoka afirmou.

Udo olhou de relance para ela. “Claro, a morte da nossa mãe.”

Madoka continuou o encarando.

Deixando Udo curioso. “O que foi?”

Ela desviou o olhar. “Ela tinha cinco anos...”

“É...” ele sussurrou, “mas o diabo apenas dorme.”

A expressão dela congelou.

“Finalmente!” Udo sorriu. “Relaxa, eu estava brincando contigo.”

Madoka deu um sorriso sem graça enquanto se abraçava a si mesma.

“Ela melhorou depois que foi para aquela escola. Ela ainda era quieta e ficava a maioria do tempo no quarto dela com uma boneca, mas ela sorria.” Ele fez uma careta. “Bem, agora ela está de mal humor de novo, mas não deve ser a mesma coisa.”

“É... Não deve ser.”

“Ow, não fica assim.”

Madoka viu de relance Udo chegar mais perto. Mesmo magro, ele era grande para ela, alto com ombros largos.

E parecia que ele queria enfatizar isso quando apontou para si mesmo. “Foi mal. Essa história é real, mas eu não achei que você ia acreditar e levar tão a sério.”

“Não, está tudo bem...” Madoka notou que no outro lado da piscina estavam as bonecas, de pé perto da borda, assistindo.

Udo sussurrou, “Ei... Sabia que o seu cabelo fica melhor solto?”

“Oi?” Madoka franziu a testa. “Meu cabelo? Não, o meu é muito crespo, não é que nem o da Homura.”

“Você tem cabelo de cantora.”

Ela olhou para ele, para ver se era outra piada, mas não era o que parecia. “Cantora?”

Ele sorriu. “Cantora de rock. Um rostinho bonitinho, de uma boa garota, mas que na verdade é alguém que luta contra o sistema, que quebra as regras para conseguir o que quer.”

“Hihi.” Madoka juntou as mãos perto de seu peito. “Desculpe, mas eu sou uma boa garota.”

Ele levantou as sobrancelhas. “Todo tempo?”

Ela assentiu. “E em todos os lugares.”

“Mesmo se não tiver ninguém olhando?”

Ela assentiu novamente.

“Hmmm...” Ele semicerrou o olhar e fez um sorriso maroto. “Ah, você deve estar escond-” Uma sombra cobriu os dois.

Chiharu estava atrás deles. O leve vestido dela dançava com a brisa e usava um chapéu chique de abas grandes. Seus óculos escuros ofereciam uma proteção adicional ao sol. “Interrompi algo?”

Com a voz e a expressão dela, Udo só tinha uma pergunta a fazer. “Meu irmão te enviou, não é?”

Ela sorriu. “Você está deixando a piscina muito quente, garoto, é melhor você sair e tomar uma ducha fria.”

Udo rangeu os dentes e golpeou a água. “Droga! Eu não fiz nada!”

Chiharu cruzou os braços. “Ora! Vejam a criança tendo um piti.”

Ele saiu da piscina, olhando para Madoka. “Outra hora a gente fala.”

Vendo-o indo para casa, Chiharu deixou bem claro. “Eu não quero ver você perto do quarto dela.”

Madoka permaneceu em silêncio, enquanto a governanta voltava atenção para ela.

A face de Chiharu ficou menos tensa e ela se sentou na espreguiçadeira, afastando a toalha com o par de laços vermelhos. “Seus pais nunca te avisaram sobre os garotos?”

A garota se apoiou na borda para poder vê-la. “Eles fizeram isso.”

“Que bom.”

Pela entonação da voz, Madoka estava certa de que a mulher não estava feliz em saber.

“Eu estava observando vocês de longe, mas não pude deixar de ouvir o nome da Homura-san.” Chiharu alongou o pescoço, sentindo a pele com os dedos. “O que foi que Udo-san te contou?”

Madoka pressionou os lábios e balançou a cabeça de leve. “Só uma história para me assustar de um natal.”

Chiharu virou o rosto.

Ela viu a mulher murmurar algo entre os lábios, algo como ‘Pelo amor de Deus...’

“Foi devido a esse evento que eu fui chamada por Hiroshi-sama,” Chiharu falou, “eu tenho formação em psicologia e trabalhava no setor de recursos humanos da companhia quando ele me veio com essa oferta. Ele fora muito honesto com o que estava acontecendo.”

“Era os irmãos dela,” Madoka disse.

Chiharu olhou para ela antes de prosseguir, “Ichiro-san e Udo-san estavam hostilizando ela devido ao que aconteceu com a mãe deles. O pai deles os disciplinavam, mas era incapaz de ensinar a amar, pois ele também estava transtornado com a tragédia. Isso só estava fazendo os dois meninos a odiarem mais...” Ela pressionou os lábios e deu um longo suspiro. “Eu não tinha tempo e precisei tomar uma decisão como uma profissional. Eu recomendei que ela fosse removida imediatamente daquele ambiente tóxico e matriculada em uma escola católica que eu conhecia muito bem.”

“Mas essa escola não aceitava apenas crianças órfãs?”

“Homura-san lhe disse isso? Não, eles aceitam qualquer um que possa pagar, mas na verdade eu sou órfã. Alguém me deixou na porta dessa escola quando eu era um bebê e eles me adotaram. Eu estudei e trabalhei dentro da instituição até me tornar adulta, quando então decidi deixá-los para me tornar mais independente,” a mulher assentiu e continuou, “é uma escola que tem alojamentos para dormir. Homura-san só tinha contato com a família em dias especiais, enquanto isso eu tinha tempo para mudar o foco dos garotos para a vida deles.”

“Hmmm...” Madoka abaixou o olhar. “Udo-san também tinha me contado que ela tinha feitos amizades nessa escola...”

“Essa escola ensina bons valores e Homura-san teve a oportunidade de ter contato com garotas da idade dela. No entanto, hoje em dia eu não tenho certeza que foi uma boa escolha, pois ela ainda trata os irmãos e o pai como estranhos.”

“Essa escola também encoraja talentos, não é? Como o balé.”

Um vento mais forte varreu a superfície da piscina e puxou o vestido da mulher. As bonecas abriram mais os olhos.

Chiharu ajeitou o chapéu. “Sim e Homura-san adquiriu gosto pelo balé. Isso a deixava feliz, mas me preocupava.”

“Por quê?” Madoka inclinou a cabeça.

Enquanto Chiharu parou por um momento antes de continuar, “Ai Akemi era uma bailarina profissional, foi assim que Hiroshi-sama a conheceu durante uma viagem na Europa. Homura-san parecia estar querendo seguir os mesmos passos, talvez por culpa. Eu não pude deixar de pensar que ela estava tentando substituí-la.” Ela sorriu. “É claro que devia ser um engano meu e Hiroshi-sama estava mais feliz. Ele voltou dar presentes para ela.”

“Como a casa de boneca?”

Ela sorriu mais. “Era uma recomendação minha. A boneca que vinha com a casa tinha partes encaixáveis. A primeira coisa que Homura-san fez ao por as mãos nela foi arrancar-lhe a cabeça. Você tinha ver como ela ficou maravilhada quando pôde encaixar de volta, quem estava morta voltara a viver.” Então ela olhou para a paisagem, falando, “Fort-da...

“Oi?”

Chiharu balançou a cabeça, condenando o seu lapso. “Ah, não é nada.”

Madoka sorriu com ela. “Eu não vi essa boneca. O que aconteceu com ela?”

Sorriso que desapareceu de imediato da mulher. “O que acontece com qualquer brinquedo, ele quebra.”

Ela então também não sorriu mais. “E Hiroshi-sama?”

Chiharu ficou tensa. “O que tem ele?”

“Eh...” Madoka ficou mais cautelosa. “Você me falou que cuidou da Homura e dos irmãos dela, mas ele não estava transtornado também? O que fez por ele?”

Chiharu levou a mão ao peito. “Hiroshi-sama é um homem determinado, que persegue com paixão pelos seus objetivos, isso inclui pessoas também. Ai era a sua maior paixão e não há espaço para mais nada no coração velho dele.”

A garota comentou, “Eu acho que Homura considera você como parte dessa família e eu vejo que os outros dois lhe tratam como uma mãe.”

As bonecas cochicharam uma para as outras.

A governanta tocou o seu queixo com as pontas dos dedos. “Você gosta de tirar conclusões, não é mesmo?”

“Hã?”

“Alguém que reconhece malícia, sabe usá-la.” Ela ficou de pé e tirou os óculos. “Você não é uma garota ingênua, por isso serei direta contigo.”

Madoka prestou atenção no olhar intenso de Chiharu.

“Apesar de alguns problemas que você possa ter testemunhado, essa é a família de Homura-san. Eu não tenho certeza do que você planeja, mas se você está usando a fragilidade dela para tirar vantagem de nós...”

“Essa não é a minha intenção.” Madoka deixou a borda, se empurrando para o meio da piscina.

Chiharu ficou boquiaberta, piscando os olhos, então inquiriu, “Intenção?”

Madoka apenas continuava olhando para ela enquanto boiava na água.

A mulher assentiu, escondendo seu semblante amargo com os óculos, e saiu. “Não fique muito tempo na água ou sua pele irá murchar.”

Com nada mais além dos sons das árvores balançando, as bonecas entediadas retornaram a brincar. Enquanto isso, Madoka permaneceu deitada sobre a superfície da água, olhando para os pássaros negros que circulavam acima dela no céu.

O frescor da água e a falta de senso de peso traziam um alívio para as preocupações quanto àquela conversa e com que viria. As pálpebras lhe convidavam a entregar seus sentidos humanos ao vazio e fechar a janela daquela realidade.

Uma explosão de branco, que aos poucos se decompunha em cores e imagens, rostos e lugares. Um coro desafinado clamava por seu nome.

“Lootus” “надежда” “Gobeithio” “希” “Manantena” “Fatan” “Spero” “आशा” “Nada” “ಭಾವಿಸುತ್ತೇವೆ” “امید” “Tama” “ελπίδα” “Von?” “Lero?” “Esperança?” “Hope?” “Hoop?” “¿Esperanza?”

Água entrou em suas narinas e Madoka reabriu os olhos, suas costas tocando o fundo da piscina. Contudo, ela não conseguia ver a superfície, pois havia dezenas de cadeiras boiando acima dela, bloqueando a luz.

Ela rapidamente se pôs a remover as cadeiras do caminho, mas era difícil, pois os pés das cadeiras estavam encaixados com as outras. Eram tantas cadeiras e a piscina parecia ser muito mais funda do que antes.

Então veio luz e corpo dela se debateu. Quando se deu conta, ela ainda estava deitada sobre superfície da água e não havia nenhuma cadeira. Ela nadou até a borda e deixou a piscina, certa de que não era apenas um delírio. “Suas dúvidas, não as minhas...”

Madoka estava se secando com a toalha quando notou a bonecas se aproximando dela. Depois pegar os laços vermelhos, ela ofereceu as mãos para elas. De mãos dadas, todas foram para a casa.

No caminho, Madoka viu uma janela no terceiro andar, onde uma cortina balançou por um momento antes de ficar parada.

A sombra da varanda escondeu o seu semblante convicto.