'Precisamos conversar.'

Caitlin deslizou o dedo pela tela do celular e rapidamente digitou a mensagem a Barry, antes de levantar os olhos em direção a Chester, que andava atribulado pelo córtex em expectativa sobre sua nova invenção, uma câmara criada para abrigar Jean Harkness enquanto não fosse seguro manter contato direto com ela.

— Então, Chester, é seguro liberar Barry para falar com Jean sobre a ajuda que podemos oferecer? – Guardou o celular no bolso do jaleco e se aproximou da estação de trabalho.

— Sim, meu bebê está finalizado. – Ele a encarou de maneira falsamente emocionada, levando uma das mãos ao peito. – É o projeto da minha vida.

— É o que você diz toda semana.

— Enfim, Barry pode trazer a Srta. Harkness para conhecer nossas instalações a qualquer momento. – O cientista a encarou cerimoniosamente e Caitlin sorriu, quase revirando os olhos.

— Você é um gênio. – Ela deslizou o dedo pela tela, estabelecendo comunicação com o velocista, que apenas aguardava o sinal verde para se aproximar de Jean. – Certo, Barry, a câmara é segura. Você pode conduzir Jean para cá assim que ela disser ‘sim’, okay?

— Certo, estou nisso.

Haviam traçado um plano de abordagem repleto de gatilhos calmantes para que Jean Harkness não perdesse o controle de seus poderes. Perceberam que, às vezes, ela o utilizava sem que sequer notasse, o que era perigoso para qualquer um ao redor – mesmo metahumanos. Assim, precisavam ter contato com a garota para que conseguissem ajudá-la a controlar tanto poder. Ela não era uma vilã, só precisava de alguém que a compreendesse.

Além disso, de certa forma estariam falhando com o propósito do que faziam, se não utilizassem seus caros recursos para ajudar as pessoas, evitar que bandeassem para um lado que soasse mais fácil porque apresentou soluções fáceis para problemas muito complicados.

Jean Harkness era uma jovem garota, mas havia muitos e muitas como ela. Por isso, quando resolveram abrir o laboratório para acolher mais metahumanos sabiam que era uma decisão arriscada, mas extremamente necessária. Na prática, quando as pessoas se sentem acolhidas por iguais, tendem a não se rebelar. Vinha sendo assim há tempo suficiente para concluírem que tomaram a decisão certa e, agora, eram rodeados por mais pessoas de confiança do que o contrário – o suficiente para que Cisco se sentisse à vontade para deixar o laboratório.

Seu celular vibrou com uma ligação de sua mãe, mas Caitln apenas o ignorou e guardou o celular no instante em que Barry passava para vestir o traje do Flash e saía novamente, sem cerimônias. Sabia que ele a estava evitando pessoalmente desde a semana anterior, quando Carla aparecera no laboratório para conversar sobre a pesquisa que desenvolvia. Assim como ele, percebera que sua mãe estava bastante empenhada em levá-la para Nova York, pois o S.T.A.R Labs já era um local organizado o suficiente para se autogerir por um tempo sem sua presença.

Caitlin não estava tão segura disso, mas também não se via completamente fechada à proposta de sua mãe. A ideia de passar um tempo fora de Central City ou, simplesmente, estudando novos ramos da bioengenharia soava bastante tentadora.

— Você está a tempo demais concentrada em metahumanos, Caitlin. – Sua mãe decretou com superioridade enquanto andava por seu laboratório examinando, pelo vidro, o córtex movimentado alguns andares abaixo. Anos atrás, decidiram que precisavam manter certas coisas particulares, por isso salas específicas para Cisco, Barry e ela. – Já explorou tudo o que há para ser explorado nessa área. O mundo precisa da sua mente brilhante agora.

— Não há nada saturado sobre os metahumanos, surgem coisas novas o tempo todo, especialmente aqui. – Se aproximou dela para acompanhar o olhar fixo que mantinha metros abaixo. Sabia que Carla detestava que fosse tão leal a Barry e, de certa forma, tão ligada ao Flash. – Se... Eu decidir ir para Nova York não será porque não há o que fazer aqui, mãe.

— Você sempre encontra uma forma de se prender a ele.

A ouviu murmurar franzindo o cenho desgostosamente, no que Caitlin apenas mordeu os lábios, ciente de que era verdade. De certa forma, enquanto conversava com Sue, Barry notou ser observado e levantou os olhos diretamente para a plataforma em que se encontravam, o sorriso morrendo aos poucos ao chegar à conclusão, por algum motivo, de que fazia parte naquela conversa.

Assim, ele apenas a observou por alguns instantes, tentando compreender o que se passava ali, mas Caitlin se incomodou com o que viu nos olhos dele e apenas forçou um sorriso não retribuído antes de se afastar da janela, respirando fundo.

Ainda não sabia como lidar com um possível afastamento de Barry e essa era uma realidade tácita, embora muito incômoda que, tanto Caitlin quanto sua mãe, estavam cientes: era um passo que vinha evitando dar para não o magoar e, também, porque simplesmente não conseguia deixá-lo para trás e sozinho.

— Ele precisa de mim aqui.

— É claro. Barry precisa mais de você do que você dele.

Caitlin a encarou com contrariedade por encarar as coisas daquela forma, mas Carla apenas deu de ombros, sem se importar. A verdade é que sabia como Barry tinha medo de ficar sozinho com o laboratório e o Flash em seus ombros, pois sempre havia sido dependente de todos ao seu redor para que as coisas funcionassem, e se sentia egoísta por pensar em deixá-lo.

Enquanto se encaminhava com Chester à sala de testes, sua atenção voltou à voz de Barry, conversando de maneira calma com Jean, que demonstrou alguma resistência no início, mas não perdera o controle de seus poderes.

— ...Temos um lugar em que pode ser acolhida. – Ouviu pelo comunicador. – Se aceitar ir comigo, podemos ajudá-la a controlar seus poderes e não machucar mais ninguém.

— Como sei que não vai querer me explorar e tirar isso de mim? – Caitlin trocou um olhar temeroso com Chester, sabendo a que ela estava se referindo. No ano anterior, o Flash fora alvo de ataques da imprensa e protestos, que diziam estar numa conspiração para exterminar os metahumanos e criar um tipo de monopólio de vigilantes, que estariam sob o controle do S.T.A.R. Labs. A reputação fora manchada e ainda não havia sido recuperada de todo. – Vocês têm uma cura, não é? Como vou saber que não usarão comigo?

— Sim, nós desenvolvemos uma cura. Anos atrás. Mas só a administramos quando há permissão. – Barry ressaltou. – Jean, você estará sob os cuidados das pessoas mais responsáveis possíveis. Se quiser aprender como lidar com seus poderes, eles poderão te ajudar de uma forma segura e você poderá voltar a ter contato com as pessoas que ama.

Caitlin ouviu o choro da jovem e sorriu melancolicamente. Às vezes, a matéria escura vinha como uma maldição. Barry tivera sorte de ter o laboratório ao seu lado no instante em que acordou do coma, como um suporte para compreender seus poderes antes que se tornasse uma bagunça completa; no entanto, nem todos tinham essa oportunidade e, por mais que se esforçassem para melhorar isso, pareciam nunca conseguir fazer o suficiente.

Assim, após mais alguns minutos de conversa, Jean aceitou ser tratada por eles e, em segundos, Barry passou para deixá-la na câmara hermética, espaçosa o suficiente para que ela não se sentisse tão presa, mas ainda assim um aquário de vidro solitário, pois seria irresponsabilidade deixá-la próxima dos outros enquanto não conheciam perfeitamente como seus poderes funcionavam.

— Jean, estes são Chester P. Runk e a Dra. Caitlin Snow. – O velocista apresentou no momento em que estacaram ao lado dele, observando a jovem de postura e feições temerosas encarando-os com desconfiança. – Eles vão te explicar como funciona a câmara em que está agora e como vão proceder para te ajudar com seus poderes, tudo bem?

— Eu conheço você. – Caitlin sorriu quando ela falou. Não era segredo algum que a Dra. Snow era conhecida como aliada do Flash.

— Sim. Se você me deixar, posso começar a estudar seus poderes para que saia desse aquário o mais rápido possível. – Reforçou o que Barry havia dito, vendo-a começar a abaixar a guarda após chegar à conclusão de que não fariam nada que não permitisse.

— E como vai fazer isso, se não pode se aproximar de mim?

— Você terá que nos ajudar nisso.

— Aquela é uma cama inteligente, que eu desenvolvi justamente para esses tipos de casos. – Chester tomou à frente, se referindo a maca próxima a uma das paredes de vidro. – Ela está desligada agora e, como pode ver, não será sua cama realmente, porque se trata de uma tecnologia, que possui diversos tipos de funções essenciais. Basta que se deite nela da forma correta e teremos acesso à sua pressão arterial, oxigenação sanguínea, batimentos, etc.

— Além disso, Chester projetou um acesso logo ao lado da cama para quando for necessário entrarmos em contato direto com você. É quase que 100% vedado ao oxigênio de dentro da câmara, que está ligada ao telhado do laboratório e não ao galpão em que estamos.

Caitlin terminou vendo-a apenas assentir e Barry se aproximou, segurando levemente seu cotovelo.

— Ei, você disse que quer conversar. – Ele manteve o tom baixo para que a conversa ficasse minimamente entre eles.

— Sim, te encontro lá em cima assim que terminar com Jean, okay?

Barry assentiu sob a máscara e lhe deu às costas rapidamente, ao passo que Caitlin respirou fundo, notando o olhar analisador de Chester para o lugar onde o velocista saiu.

— Isso não soou nada animador.

Embora internamente concordasse, Caitlin revirou os olhos e encarou o próprio iPad, se esforçando para retomar a concentração em Jean Harkness e no real problema, que precisavam resolver.