Megamente Mall
Plano 37º - Shopping do Mal
Bate com força a porta do esconderijo secreto. Megamente está irritado e frustrado após sua trigésima sexta derrota para o herói Metro Man.
— Foi tão humilhante! — joga-se na Poltrona Maligna. Os cerebots iluminam suas cabeças e cercam-no. — Agora não, papai está cansado... Tinha tanta certeza de que o tufão de queijo seria capaz de engolir Metro Man e deixá-lo só com a capa e a vergonha de ser derrotado!
— Por que só com a capa? — pergunta Criado carregando um copo d’água numa bandeja.
— Deixá-lo pelado seria aindecêcia! — pega a bebida e engole de uma só vez.
— Aindecência? — balança o corpo tentacular dentro do capacete.
— Ora, Criado... — atira o copo contra a parede para ter as mãos livres ao gesticular. — Há crianças assistindo! E acho impossível Metro Man estar vestindo uma cueca por baixo daquela roupa ridiculamente apertada.
— Ah, quis dizer “indecência” — sorri. — É verdade.
— Ao contrário de mim, ele não tem senso nenhum de moda. — Vislumbra a capa negra do seu uniforme de vilão. Faz poses frente ao monitor do computador gigante usado para telecomunicações, enquanto Criado aplaude a magnificência de sua roupa.
— Eu não entendo... — fita o próprio reflexo com o polegar apoiando o queixo. — Eu sou um verdadeiro gênio do mal! Por que não consigo vencer Metro Man?
— O senhor quase o venceu muitas vezes!
— Não é o bastante! Falta alguma coisa... algo que Metro Man tem e eu, não.
— Seria a força de mil homens? — sugere.
Uma ideia surge dentro da cabeçorra do alienígena azul. A mordida de um cerebot tira-o do transe: Ai! Quero dizer, Sim!
— Sim, o quê? — pergunta.
— Sempre foi só nós dois, Criado! Metro Man pode parecer um, mas na verdade é mil! Eu preciso ser mil; preciso... de um exército de mil humanos! — exalta.
— Senhor, onde vamos arranjar mil soldados?
— O povo de Metro City, é claro!
— Mas eles odeiam o senhor — informa com receio.
— É verdade... — constata como se nunca tivesse notado. — Vamos sequestrar Rosana Rocha! Eles amam a Rosana. Vamos usá-la de refém e fazer todos me obedecerem!
Procura na televisão a jornalista mais sequestrada da cidade. Passa por todos os canais, contudo, não a encontra.
— Ué, onde está Rosana? — ergue uma das sobrancelhas, intrigado.
O amigo folheia o calendário.
— Hã, senhor... Hoje é quarta-feira. É dia de folga da senhorita Rosana.
Revolta-se Megamente:
— Esses humanos e a mania de tirar folga! Assim, como é que vou dominar o mundo?
— Vamos ligar para a senhorita Rosana e perguntar onde ela está.
O homem azul interrompe o passo e vira-se para o dono da ideia:
— Genial! Dê-me a engenhoca.
Criado entrega-lhe o celular.
— Olô, Rosana? — aveluda a voz como quem não quer nada. — Onde está?
— No shopping. Espera, quem está falando?
Ele encerra imediatamente a ligação.
— Eu descobri! Ria comigo, Criado! — solta sua risada maligna.
Criado ri junto.
— Mais alto! — o vilão ri mais alto.
O companheiro acompanha animadamente.
— Ai, ai... – enxuga os olhos lacrimejantes.— O que é esse tal de shopping?
— É o lugar que todos vão no dia de folga.
Pesquisa no computador via satélite. É uma construção grande, repleto de carros, vidraças e panfletos de roupas e comidas. Moças e rapazes formam multidões em direção a ele.
— Você disse todos? — um largo sorriso surge sobre o cavanhaque.
Seu plano mostrou-se mais incrível do que deveria ser. Lembra-se de certa vez ouvir Rosana comentar sobre eles, os humanos jovens. “Adolescentes são o futuro da cidade”, disse ela. Se controlá-los, irá controlar o futuro! Megamente poderá dominar Metro City, até mesmo o mundo! Todos vão ao shopping. Todos gostam do tal shopping. Esses adolescentes vivem para o shopping!
— Criado, vamos construir um shopping, dominar o mundo e então derrotar Metro Man! — O plano mirabolante não parece ter falhas...
— Hã, senhor... Construir um shopping é muito caro.
— Desde quando isso é um problema, amigão? Mãos à obra! — está encantado com a própria genialidade e não nota a expressão preocupada do criado.
— Senhor... Nós devemos cinco meses de aluguel do esconderijo secreto, recebemos até ordem de despejo!
— O quê? Que ordem de despejo? — questiona.
— Aquele que o senhor usou como papel higiênico.
Recorda vagamente o episódio: o sanduíche de picles e geleia de mamão não caiu muito bem.
— Então... Precisamos de dinheiro! Como fazemos para arranjar dinheiro?
— Podemos trabalhar. — O cara de peixe anima-se.
— Onde arranjamos trabalho?
— No... shopping? — palpita.
— Perfeito!
O Shopping de Metro City mostra sua euforia em cada canto das lojas. O lugar estava cheio de pessoas propensas à manipulação de Megamente.
— O que acha desse uniforme?— cochicha para o amigo de vilania.
— Parece seu uniforme da prisão — ele responde sinceramente.
— É por causa da cor?— confere a si próprio na caixa espelhada da máquina de sorvete.
O uniforme do MooHoo, o estande de gelados no meio do principal corredor do shopping, é uma camiseta laranja de botões brancos. O chapéu listrado equilibra-se com eficiência na cabeça azul do tamanho de um globo geográfico.
— Não tem problema. Sabe por quê? — vira-se abruptamente para Criado contemplá-lo. — Porque laranja é a cor do mal!
O outro concorda com aceno frenético do corpo tentacular.
Aproxima-se do estande um rapaz narigudo de olhar sonolento, cabelo crespo e camisa larga.
— Oh, o primeiro soldado... quer dizer, cliente — une as mãos maliciosamente. Apoia ousadamente no balcão e mostra o olhar interesseiro. — Gostaria de um sorvete? Ou está a fim de obedecer a um vilão maligno? Porque eu sou um vilão maligno; o sorvete, não.
O cliente apenas funga o nariz. Fita a placa do menu. Ergue o indicador, abre a boca, ameaça dizer algo, no entanto, volta a fechá-la e pensar mais um pouco. Repete a ação três vezes, intercalada à expressão de total expectativa das íris verdes do alienígena.
Mais uma vez, o jovem ergue o dedo, abre a boca e não diz nada.
— Ah, eu não quero mais! — Megamente berra. Sacoleja os braços. — Você é inútil para mim. Sai daqui. Vaza! Xô!
O rapaz dá de ombros, funga uma última vez e sai da fila.
A próxima cliente é uma loira de regata branca muito justa, os lábios pintados de rosa e calça rosa, que mastiga frenética o chiclete de tutti-fruti.
— Posso ajudar? — dessa vez, é Criado quem atende.
— Tipo, só se você for capaz de dar um jeito no meu namorado — responde seca.
A cara de peixe dentro do capacete mostra-se preocupada.
— O que aconteceu? — pergunta.
— Ah, tipo assim, ele não me liga há três minutos... Quem ele pensa que é? Que é só dizer “vou ao banheiro, me espera aqui” e vou esperar? Tipo, eu não sou mulher de esperar homem nenhum! — E despeja os “problemas” amorosos para o balconista.
— Ah, entendo... O que mais? — Criado comenta aparentemente muito interessado.
Após longos dez minutos segurando uma casquinha, ansiosamente pronto para usar a máquina de sorvete, Megamente estressa outra vez.
— Pára de falar “tipo” o tempo todo! Tipo aqui são só chocolate e baunilha! E não é o seu namorado que tem problema, é você, sua neurásica!
— É “neurótica”, senhor...
— Ai, tio, tipo, nem falo tanto assim. Vocês homens são todos iguais! — bufa irritada e sai rebolando.
Criado segura o vilão que ameaça usar a arma de desidratação na adolescente:
— Dessa maneira vamos perder o emprego! — adverte.
— Quanto tempo mais tenho que trabalhar para conseguir dinheiro suficiente para o meu Shopping do Mal?
— O nosso expediente começou não tem sequer uma hora, senhor!
— Arg!
Para aliviar a raiva, o alienígena reajusta a arma e explode a loja mais próxima. Ganha um olhar de reprovação do amigo.
— Que foi? Era concorrência mesmo — dá de ombros.
O terceiro cliente parece promissor. Rosto fino, nele há muitas pintas e olhos despreocupados. Um conjunto de moletom vermelho cobre-o dos braços às pernas.
— Você! — o adolescente aponta exclamando — É o Megamente, não é? Sei que é! Esse chapéu laranja não esconde o cabeção azul!
— Ora, ora, pelo visto tenho um fã! — arqueia as sobrancelhas para Criado como quem diz: “nem todo mundo me odeia”.
— Eu não! — rebate. Abre o zíper do casaco e mostra a camiseta com a imagem do Metro Man socando o vilão. — Seus planos são ridículos, véi! Tufão de queijo? Fala sério!
— Ridículo? — repete, chocado.
— Óbvio, véi! Só daria certo se Metro Man fosse alérgico a queijo! Não pesquisou no meu blog, não?
— Blong? É alguma arma nova?
— Não, véi! Ó, isso aqui. — Pega o celular, acessa a Internet e mostra sua página na web.
— “Metro Man é invencível”? — perturbado, recua.
— É. Tu não tá com nada! — ri alto.
Megamente fita-o. Sente um misto de humilhação e revolta. É igual ao seu tempo de escola. Todos gostavam do Metro Man por ele ter superpoderes, enquanto desprezavam-no por causa da pele azul e ter sido criado na prisão. Já naquela tempo sabia que não seria amado como o herói era. Nunca. Sua verdadeira vocação era a vilania. Se não pode ser amado, todos devem odiá-lo. Porque ele é um vilão de genialidade insuperável.
Saca sua arma no modo Explodir. Mira a loja de artigos esportivos e explode-a.
— Criado. Encontre e capture Rosana Rocha — ordena.
— Sim, senhor.
O escudeiro desaparece em meio à multidão consumidora.
O fã do Metro Man corre pedindo socorro. Com a bagunça da explosão, os demais clientes direcionam-se desesperados às portas de saída.
O vilão segue atirando. Um por um, o comércio de roupas, o de sapatos e até o de música. Invade a praça de alimentação. Sobe em uma das mesas. Os gritos parecem músicas aos seus ouvidos.
— Temam, porque, eu sou mal!
Respondendo ao chamado do povo de Metro City, o herói adentra o shopping voando.
— Sua onda de terror termina agora, Megamente! — exclama heroicamente.
— Não, Metro Man! A sessão do filme de terror só começou — dispara.
Voando, o super-homem desvia facilmente. Contra-ataca perseguindo o alienígena com a visão de calor.
Saltando de mesa em mesa, o vilão foge. Escorrega no ketchup derramado numa delas e cai na fonte de água, no centro da praça.
— Você não aprende nunca? Seus planos nãos são infalíveis!
Os gestos e as poses de herói são irritantes.
— Senhor! — Criado vem ajudar e traz consigo a jornalista adormecida. Megamente sorri aliviado pela chegada do amigo.
— Ahá! — emerge das águas, vitorioso. — Você é quem não aprende! Eu nunca elaboro um plano sem pensar em sequestrar a Rosana Rocha! Sei que ela é sua amada.
— Engana-se! — Metro Man pousa sobre uma das mesas. — Eu amo todo o povo de Metro City! — E é ovacionado pela plateia popular.
Megamente revira os olhos. — Tanto faz. — Saca a arma, apontando-a para a âncora da televisão. — Se você se mover eu atiro.
— Não! — exclama dolorosamente.
A multidão faz silêncio.
Enfim, um plano que dará certo. Retira do seu cinto de utilidades outra arma. A arma tão potente quanto o sol, capaz de dizimar um exército de mil homens, ou melhor, o Metro Man. Aponta para o peito sob o uniforme colado de herói.
— Um final feliz — murmura.
Atira.
Mas nada sai. Nenhuma luz, nenhum som.
— O quê? — bate na lateral. Verifica o visor de energia. — Você não colocou para carregar, Criado!
Tal distração é o suficiente para Metro Man recuperar Rosana, guardá-la entre a multidão e agarrar o colarinho da camiseta do vilão. Voa alto e atira Megamente ao mar.
— Esse sim, é um final feliz! — mostra o sorriso heroico. Retorna para os aplausos da população, deixando ao longe o grito de lamento do vilão ecoando no céu azul:
— Você me paga, Metro Man! Eu te odeio!
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