Meds

Mudanças


Dante não sabia o que fazer muito menos o que dizer, enquanto Ísis olhava a confusão que ela mesma havia causado na clínica de tratamento pra pessoas que sobrem com doenças psicológicas como sociopatias e outros lapsos que tornavam impossível a integração com a sociedade.

-Como sabe sobre os remédios? – Ele perguntou ainda confuso sem conseguir tirar os olhos do volume no quadril dela, que ele tinha quase por certo se tratar de uma arma.

-Como assim? – Ela perguntou incrédula por ele ainda não ter desconfiado. – Acha mesmo que eles simplesmente esqueceram de um dos pacientes mais problemáticos hoje?

O jovem se assustou ao perceber o que ela estava sugerindo com aquela frase olhando mais desconfiado ainda pra figura feminina.

-E porque diabos faria isso? – Ele perguntou com um tom seco levantando do chão pra se preparar caso ela tentasse qualquer coisa.

-Pra ajudar, oras. E pra te fazer uma proposta. – Ela começou convincente enquanto a confusão lá fora não parecia nem perto de acabar. Ela praticamente deixara todos sem seus remédios de controle. E com a pouca quantidade de enfermeiras, aquilo estava à beira do caos. – Faço parte de uma organização que tem interesse no seu perfil, você aceita entrar e eu te tiro daqui agora mesmo.

Dante olhou desconfiado pra aquela oferta e depois pensou no que estava acontecendo. Ela estava disposta a tirá-lo dali! Que no momento era o que mais queria... e pra onde quer que fossem ele mesmo daria um jeito de sair depois. Mas por enquanto apenas concordaria com tudo que ela tivesse a dizer.

-Que seja então... – Ela o ouviu murmurar e esboçou um sorriso.

A Meds ia ficar chocada com a eficiência dela, ia fazer em um dia o que outros demoravam semanas. Seguir protocolos. Isso sim era idiota.

Ísis tirou o jaleco que a fazia se passar por enfermeira revelando a arma no quadril e uma bolsa nas costas, da qual ela tirou uma calça jeans e uma camiseta estendendo pra ele, que pegou sem tirar os olhos da cintura dela. Ele até pensava em tentar alguma coisa, mas só depois que estivessem fora daquele lugar.

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Selene continuava com sua expressão confusa enquanto o homem franzino a sua frente tentava explicar pela terceira vez a situação.

-A Ísis trouxe o garoto ontem, antes mesmo do anoitecer... – Ele recomeçou nervoso pelo assunto que estava tratando, apesar de nem ter sido ele o responsável pelo acontecido. – Eu avisei Selene, eu juro que avisei pra ela que esse não era o procedimento. Ela tinha que ficar por dias, examinando e entendendo, mas...

-Céus... – Selene comentou em um suspiro finalmente entendendo a situação depois de saber de quem se tratava. - Quem foi o idiota que colocou a Vermont no recrutamento?

-Foi o Senhor Murdoc, ele acreditou que por se tratar de missões que não envolviam eliminação ou limpeza ela não faria bobagem. - O homem explicou ainda com um tom apreensivo.

-Tudo bem Eloy, eu assumo daqui. – A bela morena comentou sorrindo pra mostrar ao pobre Eloy que estava tudo bem, e que ele não precisava se preocupar mais com aquilo. – Eu mesma vou falar com a Ísis e com o garoto.

-Entendi Selene. – Eloy comentou finalizando a conversa acenando com a cabeça antes de virar de costas pra morena e sair.

Selene olhou a ficha que Eloy a entregara á poucos minutos. “Dante”. Pela ficha parecia bem promissor e realmente se encaixava no perfil e ela mesma começaria o procedimento. Mas não era isso que mais a preocupava no momento, e sim a jovem senhorita Vermont.

Como alguém podia ser irresponsável ao ponto de não seguir o procedimento nem quando se tratava de jovens talentos? Que em específico era a principal responsabilidade de Selene naquela organização. Ela podia matar porteiros, identificar vítimas erradas e até mesmo desacatar membros “Alfa”, mas perturbar o recrutamento? Não, aí ela tinha ido longe demais.

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Cibele estava sentada sentindo a cabeça girar. Além de estar a poucos minutos de conhecer a pior mentora que podia existir no mundo, o pai ainda passara horas discutindo com ela a respeito da primeira decisão que ela tinha tomado por si só. E a pior parte, é que ele nunca gritava com ela, então as ultimas horas tinham sido um verdadeiro choque.

Segurou a respiração quando uma figura curiosa parou a sua frente. Ela vestia uma calça preta de um tecido que aparentava ser desconfortável, uma camiseta simples da mesma cor e assim que chegou ao seu rosto sentiu um frio na barriga. Tinha cabelos castanhos longos presos em um alto rabo de cavalo, a sua pele continha um branco pálido e seus olhos, bom seus olhos tinham um brilho sádico que a fazia se sentir no mínimo desconfortável.

-Sou Anne. – Ela falou em um tom vazio fazendo Cibele engolir seco e acenar positivamente com a cabeça.

-S-sou Cibele. – A loirinha se esforçou pra que aquelas palavras saíssem. O que ocorreu em um tom muito fraco.

-Eu sou Lucas! – Uma voz animada à fez ver a figura masculina atrás de Anne. Ele sorria amigável e Cibele não deixar de notar o olhar de censura que Anne fez quanto a isso. – Sei o que deve estar pensando, mas isso vai ser ótimo. Anne não é tão ruim quanto pensam.

-Ah... – Cibele soltou sem saber se correspondia ou não ao sorriso com o olhar pesado de Anne sobre si.

-Você não foi convidado pra isso. Não preciso te aturar se não for numa missão externa. – Anne falou em um tom tão seco que a mais nova se sentiu incomodada pelo rapaz que apenas deu os ombros.

-Eu mesmo me convido pras coisas, e o salão de treinamento é um espaço público assim como esse corredor. – Lucas justificou e por algum motivo ter ele ali fazia Cibele se sentir mais tranqüila.

Anne revirou os olhos, cansada da impertinência do parceiro e simplesmente começou a caminhar para a porta ao lado do corredor onde estavam, onde se encontrava o dojo.

Cibele acreditou que aquilo significava que devia segui-la e assim o fez, mas não sem antes ver Anne virar de costas e abrir um largo sorriso pra Lucas como se agradecesse por ele não ter desistido de participar daquilo.

-Espero que esteja pronta. – Anne começou tirando o coturno que calçava indicando pra loira que fizesse o mesmo. – Alguns minutos pra alongar e vamos ver do que você é capaz.

O meio sorriso que a mais velha deu fez Cibele sentir aquele arrepio de novo.

-Eu te ajudo a alongar. – Lucas comentou e ela percebeu que ele já estava descalço também.

Ela acenou positivamente e ambos começaram a aproveitar os minutos cedidos enquanto Anne sentava no meio do dojo em posição de lótus tentando fazer seu ritual de concentração matinal. Praticamente impossível já que os dois a poucos metros de si não pareciam ter a intenção de se alongarem em silêncio.

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Selene fitava Ísis com a sua usual aparência serena e concentrada. As duas estavam sentadas no sofá uma ao lado da outra na sala de trabalho de Selene.

-Eu só adiantei o trabalho, não precisava estudar o garoto... perguntei se ele queria sair daquela clínica e ele disse que sim. E pronto. Deu pra fazer em um dia o que vocês levam uma semana. – Ísis começou justificando a atitude já sabendo o que Selene queria com ela ali.

-Não me preocupo com nada do que você faça e você sabe disso... – Selene começou buscando o olhar da mais nova. – Mas isso, bom, você pelo menos lembra algo de quando você foi recrutada?

Ísis se remexeu inconfortável no sofá sentindo flashes invadirem sua mente.

“O quarto branco.

A luz intensa.

E a palavra que não conseguia sair da sua mente: Monstro.

-Mamãe não estava bem quando disse aquilo, você não é nada daquilo. Você é meu bebê, minha princesinha... só está doente, e se tomar todos os seus remédios e colaborar em todas as terapias nós vamos sair daqui e passar na sua sorveteria favorita, tudo bem?”

As pílulas eram diárias. Café da manhã com os copinhos, almoço com os copinhos e jantar com os copinhos... mas ela achava bonitinho como as cores mudavam em cada refeição, as pílulas eram coloridas e serviam para deixá-la melhor, e melhor era saudável e feliz, a caminho de casa com a mamãe pra tomar sorvete na Gellato, a melhor sorveteria do bairro inteiro.”

Ísis balançou a cabeça negativamente tentando se livrar daquelas imagens que ela tentava nunca lembrar. Selene se aproximou dela mais ainda colocando o braço em volta do ombro da mais nova.

-Lembra de como te recrutaram? Foi o Irving não foi? – Selene continuou querendo provocar as lembranças da morena ao seu lado.

A jovem Vermont lembrou a figura masculina loira que passara a vida admirando desde que saíra daquele buraco de clínica que a própria mãe a tinha feito entrar. Irving Lenox, ele foi o primeiro a entrar na vida dela e mostrar uma realidade na qual ela poderia se sentir confortável em viver.

“-As pílulas não salvam você, elas inibem você. Sabe o que é inibir?

A menina balançou a cabeça negativamente olhando a figura masculina belíssima a sua frente.

-Elas prendem quem você é realmente, elas mudam você, elas não deixam você ser quem você é.

-Não, não... elas me deixam saudável. – A pequena rebateu fechando os punhos e balançando a cabeça confusa. – Mamãe disse que eu estou doente, eu preciso delas pra melhorar.

-Porque você precisa ser melhor? – Ele perguntou fitando ela levantar o olhar pra fita-lo nos olhos pela primeira vez. – Você realmente acredita que o que fez foi errado?

Ela virou a cabeça pro lado imediatamente evitando o contato visual com ele.

-Você não se arrepende, não é? – Ele incitou sem parar de buscar o olhar dela. – Não se arrepende do que fez, não é? Por que você fez o certo, o que você tinha que fazer.

Ela engoliu seco ainda sem se mover.

-Eu... – Ela começou olhando as próprias mãos. – Eu estou tomando os remédios, logo tudo isso vai passar e eu vou melhorar. Não vou mais ser doente.

-Você não está doente, eles estão. – Ele lançou fazendo-a virar o olhar até o dele depressa. – Eu sou como você, eu faço o que você fez o tempo inteiro.

-Você toma as pílulas?

Uma enfermeira bateu na porta interrompendo os dois fazendo um sinal com as mãos indicando à hora.

Irving Lenox sorriu pra menina comentando em um tom que só a menina pudesse ouvir.

-As pílulas, o quarto branco, a solidão. A única coisa que eles fazem é tentar esconder o que você é, e só se você quiser abrir mão de quem você é, é que deve continuar tomando as pílulas.

Ele deixou a sala com a enfermeira e ela fitou a porta que ele saiu pelos próximos minutos, até olhar pro pequeno copinho ao seu lado.

E agora?

Era tão mais fácil quando a realidade não havia sido contestada, quando tudo o que diziam era verdade absoluta, quando a palavra do que ela considerava autoridade, não podia ser contestada. Quando o que sua mãe e os médicos diziam, era a única versão de realidade que ela conhecia.”

-Eu não sei por que está fazendo isso! – Ísis exasperou perdendo a sua expressão debochada de sempre enquanto levantava do sofá se distanciando de Selene. – Que diferença faz o meu recrutamento! Eu fiz o que me pediram pra fazer com o Dante! Eu o trouxe!

Selene respirou fundo enquanto ouvia Ísis praticamente gritar com ela. Deixou a jovem dizer tudo o que queria até tentar explicar pra ela o quão deturpada e egoísta era a visão que ela tinha.

-Não é isso o que fazemos ao recrutar, nós não apenas trazemos ninguém. Nós apresentamos a nova realidade. – Selene começou e Ísis curiosamente ouvia tudo com atenção ainda de pé. – Nós damos tempo pra que eles se acostumem. Nós inserimos pouco a pouco enquanto os conhecemos e avaliamos o perfil psicológico.

-Mas eu não... Ele disse que queria vir!

-Eu entendo que o perfil dele é bem diferente do que o seu era, por exemplo, mas isso não é motivo pra ter feito o que você fez. Existe um motivo pro procedimento. O protocolo é seguido por diversas razões que você ainda não entende.

-O resultado é o mesmo, eu o trouxe e vai ser a mesma coisa de ter passado a semana explicando baboseiras pra ele.

-Ele tentou fugir três vezes desde que chegou, agrediu cinco incluindo o Eloy e infelizmente ele também está machucado agora. – Selene comentou fazendo Ísis suspirar. – E felizmente sedado na enfermaria. Agora eu te pergunto: quantas vezes você tentou fugir daqui? Ou qualquer outro recruta?

-Nunca e eu não sei... de nenhum que tenha tentado até agora. – Isis respondeu em um tom frustrado extremamente não comum pra ela.

-Tem idéia de por quê?

Ísis ouviu a pergunta e sabia a resposta, que infelizmente era a mesma que Selene queria ouvir sair daquela boca irresponsável da mais nova.

-Porque eles provavelmente seguiram o protocolo... – Ísis murmurou em um tom baixo fazendo Selene sorrir satisfeita.

-Ótimo que percebeu isso, Vermont. – Selene comentou levantando do sofá. – Pode ir agora e eu te chamo assim que o efeito do garoto passar, você vai ajudar a fazer aqui o que não fez na clínica em que ele estava sendo tratado. E antes de ir, ele é responsabilidade sua agora.

-Mas isso não está no protocolo! – Ela reclamou pelo fato de ninguém que traz os recrutas ficar inteiramente responsáveis por eles depois de trazidos pros internos.

-Foi você quem começou a não seguir. – Selene respondeu calma fazendo Ísis bufar e sair batendo a porta com força.

A mais velha sorriu com a atitude infantil e caminhou em direção a sua mesa pra organizar as fichas dos próximos recrutas. Ísis ia começar a ser um pouco mais disciplinada depois de tudo aquilo. Ela estava quase certa disso.

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Cibele estava cansada, suada e sua respiração estava sendo extremamente difícil de manter constante. Os gritos de Lucas não pareciam fazer nenhum efeito nas ações de Anne que continuavam precisas e nada delicadas.

O corpo dela doía e alguns hematomas podiam ser notados espalhados sobre seu rosto, coxas e barriga que estavam à mostra. Ela estava com muita dor e exausta.

-Você precisa manter o foco. – Anne falava fria enquanto Cibele tentava manter uma distância segura enquanto pegava breves instantes pra respirar. – Até agora você não conseguiu bloquear nada, e isso foi o meu alongamento.

A loira tentava calcular exatamente o que sentia. Sua adrenalina estava a mil e ultima frase de Anne não a fazia se sentir nem um pouco melhor com relação á situação. Mas não estava arrependida de ter aceitado ter aquela mentora pra conseguir seu objetivo maior. Não se arrependia por ter se decidido independente da opinião dos outros. Tinha feito aquilo por ela e somente por ela, e nenhum golpe a tiraria o orgulho que sentia por aquilo.

Voltou ao centro de do dojo mostrando a Anne que já tinha respirado o suficiente e tudo começou novamente. Interrompeu pela primeira vez um golpe contra o seu rosto não sendo rápida suficiente pra prever o que vinha contra seu estômago urrando ao sentir o punho da mais velha.

-Anne! – Ambas ouviram Lucas gritar e de repente até ele ficou chocado ao ver o sorriso bobo de Cibele que agora mantinha as mãos ao redor do local atingido. – Viu!? Olha o quanto ela está perturbada com tanta violência! Ela é nova! E pequenininha e você devia ao menos tentar...

Lucas foi interrompido por ver que a loirinha tentava murmurar algo com a voz fraca.

-Eu... defendi... – Ela murmurou fazendo com que até Anne arqueasse a sobrancelha. – No rosto... você viu?

Anne esboçou um meio sorriso surpresa pelo o que ela queria dizer enquanto Lucas se aproximava com um olhar que continha pena, receio e certo orgulho.

-Eu vi Bele! Foi fantástico! – Ele comentou fazendo Cibele dar um meio sorriso, orgulhosa, que ele sentia que seria um sorriso de orelha a orelha se o seu rosto não tivesse com certo inchaço provocado por Anne minutos antes. – Agora com esse desenvolvimento acho que merece uma pausa pra água, não é?

Ele tentou levá-la, mas ela não se moveu olhando pra Anne que apenas tirou o meio sorriso pra que a menina não percebesse e deu os ombros. Que foi suficiente pra se deixar ser levada por Lucas.

Anne viu os dois caminharem pra porta e Lucas virar pra ela com um belo sorriso como se agradecesse. Ela como sempre revirou os olhos fazendo-o sorrir mais ainda. Como era idiota. E o pior é que ela tava começando a se acostumar com tamanha idiotice.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.