Ficamos ali jogados na sarjeta só fumando maconha por umas três horas, e eu me acabava de rir, porra, eles falavam merda demais. Na minha opinião, quem mais brisava era a Lisa. Ela falava umas coisas muito loucas, sobre anarquia e nazismo. O Jesse era o mais novo, era o irmão da Elena; mas era o “mais punk” de todos. Ele usava um moicano muito irado, e tinha um monte de piercings. A Elena... Bem, ela era a mais peculiar. Era meio emburrada. Ou talvez não tenha ido com a minha cara, sei lá. Era morena, prendia o cabelo com uma bandana vermelha, tipo aquelas que o Axl Rose usa. A Kat, eu já conhecia, mas ela só fumou um pouco e foi embora. Acho que ela não podia ficar muito louca, já que ela trabalhava com tatuagem. E o Alex, era o mais normal. Acho que ele ficava lá só pela maconha mesmo.

E o Duff. Até agora não consegui desvendar nada dele. Só sei que ele fumava pra caramba e tinha o nome de um dos melhores baixistas que eu conheço.

Se você não sabe de quem estou falando, favor parar de respirar.

Bem, voltando ao Duff. Ele era muito irado, só não ria muito. Era branquelo, tinha o cabelo arrumado num topete e alargador. Tinha tatuagem nos dedos que nem eu, e mais um monte de tatuagens pelos braços – que eu descobri quando entramos no beco e ele tirou o casaco. No início acho que eu fiquei com um pouco de medo dele. Ele não sorria. Parecia um psicopata.

– Nossa – disse Lisa, terminando o quarto cigarro – tá muito frio aqui. ‘Bora entrar?

– Vamos? – disse Duff, acenando com a cabeça pra eu entrar.

Entrei atrás dele, meio escondida. Eles moravam todos juntos, num sobrado abandonado de dois andares – se tu contar o térreo como primeiro andar. Já tava escuro lá fora, o prédio era todo velho e, diga-se de passagem, estava tudo assustador. Sério. A gente subiu por uma escada – uma escada que tinha umas quarenta voltas e não acabava nunca – e se o Duff não tivesse agarrado minha mão, eu teria batido de cara na parede.

A Lisa abriu uma porta lá no fundão da escada, eu não conseguia ver nada porque só tinha uma luz ali. Quando ela abriu, veio uma luz na minha cara que quase me cegou, mas ninguém ali fez nada. Acho que já tava todo mundo acostumado. Entrei logo depois do Duff.

– Vem – disse Lisa, me puxando pela mão e largando a bituca do cigarro no chão. Imagina que coisa linda (e limpa) que era o chão daquela casa – vou te mostrar os quartos.

Ela me levou por um corredor bem apertadinho, e tinham quatro portas. Ela abriu a primeira, uma porta bem velha com a tinta toda descascada, com uns adesivos do tipo “Keep Out” e “Área de perigo” e caveiras.

– Bem, esse é meu simpático quarto.

Era incrível. Talvez um pouco velho e detonado, mas incrível. A cama estava desarrumada (e algo me fazia acreditar que estava sempre daquele jeito), e tinha um jogo de dardos logo na parede à frente. Tinha uma televisãozinha, um rádio de pilha e muitos, muitos, mas muitos pôsteres de bandas (tinha até uns do Green Day!).

– Uau. – foi só o que consegui dizer.

Ela se jogou na cama e acendeu mais um cigarro. Jesus, essa menina vai morrer de câncer. Olhei o chão do quarto dela, todo canto tinha uma ou mais pontas de cigarro. Ela ficou ali na cama, brisando, e eu parada ali na porta, só olhando pra ela.

– Ah, desculpa – ela disse, se ajeitando na cama – quer um?

Dei de ombros. Me aproximei e ela me entregou um beck que ela tinha acabado de preparar. Olhei pro cigarro na minha mão por um tempo, tava muito bonitinho, ela tinha feito com carinho até. Risos.

Ela me arremessou um isqueiro que tinha embaixo da janela e eu acendi um.

(...)

– Maria? – alguém me chamou.

– Hãaaaaaaaaa...?

Já mencionei que sou fraca pra maconha?

– Vamo’ lá pra baixo. Tá todo mundo esperando a gente.

Só olhei pra frente e comecei a rir. Parecia que a Lisa tava de cabeça pra baixo. Velho, deve ser muito chato ter que aturar guria que não sabe fumar.

– Anda, Maria – ela disse, rolando os olhos e me puxando pela mão. Eu só fiquei ali, jogada no chão, brincando com a fumaça do cigarro.

– Eeeeeeei – falei, assim mesmo, arrastando as vogais – fica suuuuuussa.

– Sussa é teu cu, velho. Vamo’ logo.

Grunhi alguma coisa e fui atrás dela. Andei meio cambaleante, ela teve que me segurar pelos ombros. Quando a gente chegou lá no primeiro andar, ela já tinha me xingado de todos os palavrões que eu conhecia.

– Porra, Lisa – xingou Duff quando a gente encontrou eles; sentados debaixo da sacada. Fumando.

– Foi mal, a guria aqui ainda não sabe fumar.

– Eeeeeeeeeeeeeeeei!

– Tá, esquece. – disse Elena – A gente já se atrasou mesmo.

– Atrasou pra quê? – perguntou Lisa.

É, eu sabia que essa Elena não ia com a minha cara. Aliás, naquele momento, ninguém tava indo com a minha cara. Porra de beck que me deixa maluca.

– A gente tinha uma festa com os caras da boca. Mas agora nem rola mais né.

– Óbvio que rola, eles sempre vêm atrasados quando a gente faz festa, por que a gente não pode chegar atrasado?

A Lisa deu uma última tragada e jogou o cigarro no chão, pisando com o coturno logo em seguida.

– Tá, tá – continuou Elena, espalmando o ar – e essa aí vai com a gente?

Meu raciocínio de fumante demorou pra compreender que com “essa aí”, ela estava se referindo a mim.

– Ou – falei, largando o beck no chão, sem pena. Ok, deu muita (MUITA) pena largar o meu lindo beck no chão, mas... – sacaneia mas não ofende. Essa aí tem nome.

– Tanto faz. Pedaço de merda não tem nome.

– Elena, vai tomar no cu – disse Duff, dando um tapa no ombro dela.

– Valeu, Duff.

– Dá pra gente ir logo? – sugeriu Alex – Os caras da boca vão esfaquear a gente se a gente não chegar lá ainda hoje.

Começamos a andar pela rua. Lisa e Elena se davam super bem, até vi Elena sorrir. Duff andava sempre na frente, de queixo em pé. Jesse ou tava conversando com Alex ou tava no celular, o tempo todo. Eu ficava bem atrás deles, só observando, até Alex vir falar comigo.

– Ei.

– Vai falar com o pedaço de merda?

Ele riu.

– Não liga pro que a Elena fala. Ela gosta de bancar a durona.

Alex era maneiro. Ele era o melhor amigo do Duff, e ele falou pra eu me tranquilizar, porque ele não era psicopata – não que ele soubesse. Conversamos até chegar na boca. Eu, sinceramente, como sempre fui criada dentro de casa (e instruída a não fazer esse tipo de coisa) nunca tinha ido a um lugar daquele tipo. Mas parecia irado. O gosto do perigo, adrenalina, sabe? Fiquei meio insegura, hesitei antes de entrar, antes de Duff me puxar pela mão e me fazer entrar. Era tipo uma rave. A droga rolava solta por ali, e sinceramente eu fiquei com medo de chegar algum policial. Mas foda-se. Só o Duff não tava dançando, tava parado encostado numa parede olhando sério pra mim, com aquele jeito dele. Ele me deu um cigarro e eu fiquei ali olhando a festa, até que chegou uma mina com uns dreads muito loucos e falou comigo.

– E aí!

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Ela tava gritando.

– Oi! – gritei de volta.

– Tá curtindo?

– To!

– Tens cara de novinha.

– Sou. 18.

– Tem muito que aproveitar ainda.

Ela me puxou pra um canto cheio de gente, todo mundo sentado no chão. Sentou e me fez sentar também, logo depois me deu um canudo e eu não entendi pra quê.

– Que isso?

Ela não respondeu. Só deu um tapa na nuca de um cara que tava sentado do lado dela, e ele passou um saquinho pra ela. Tinha um pó branco dentro, e não demorou até eu descobrir o que era. Más lembranças. A festa de Frank. Tsc.

Sacudi a cabeça.

A mina despejou um pouco do pó no chão mesmo, e começou a fazer umas fileiras, ajeitando com um cartão de crédito.

– Nem sei teu nome – falei.

– Clarissa.

Esperei um pouco ela terminar de arrumar as fileiras e, bem... “Usar” uma delas. Depois ela me cutucou e falou pra eu usar o canudo.

Me abaixei e coloquei o canudo numa das pontas da fileira. Tampei uma narina e com a outra dei uma fungada extremamente exagerada, e tossi igual louca depois.

– Nunca mais que eu uso essa porra – falei, esfregando o nariz. A Clarissa só riu e olhou pra mim. Olhei pra trás, o Duff tava encostado na parede atrás de mim, só olhando e rindo de lado.

– Seu merda – falei, me levantando e indo até ele, rindo um pouco. Não, eu não tava nem um pouco feliz, só sob o efeito de alguma daquelas porras – por que me trouxe aqui?

– Tu tem muito que aproveitar.

Ele me deu um beijo na bochecha e saiu. Whatafuck? Fui seguindo ele. Nem lembro como voltei pra casa, só sei que eu tava lá, em cima da cama da Lisa; mais precisamente, em cima da barriga da Lisa. Babando.

Meu celular tocou.

– PORRA! – alguém gritou e eu pensei que tinha sido eu, mas foi a Lisa. Ela levantou com o susto e me empurrou pra fora da cama. Gritei.

– Porra tu, Lisa! – falei, passando a mão na cabeça – Ai.

– Mal.

Peguei o celular. Nem sei como que meu celular ainda tava comigo. Depois de tudo o que aconteceu em um dia só, nem sei como que ele ainda tava no meu bolso.

– Alô? – atendi, com a voz ainda meio embargada por causa do sono.

– Maria?

– Aleluia senhor! – ouvi alguém gritar atrás da pessoa que tava falando comigo. Era o Tré, certeza.

– Cala a boca – era o Mike quem tinha me ligado. Puts, to fodida – Maria, onde você ta?! Eu e o Tré te vimos saindo de casa ontem, igual desesperada! A gente não conseguiu falar contigo desde aquela hora.

– Po caras... Foi mal, foi mal mesmo...

– Ta tudo bem. Só ficamos muito preocupados. O Billie quase teve um filho, de preocupação.

Ouvi Billie xingando Mike e em qualquer outra situação eu estaria rindo, mas eu ainda estava ressentida com Billie.

– Mas ta tudo bem aí? – perguntei, passando a mão no rosto, pra tentar acordar.

– Ta sim. Maria, tua voz ta muito estranha, ta tudo bem?

– Ta sim, só to de ressaca. E acabei de acordar.

– Claro, claro. Ah, o Billie tá falando pra eu fingir que sou um pouco responsável.

– Você?! Até parece.

– Maria Isabella Sketch! – ele disse, fazendo voz grossa, o que me fez rir – Onde a senhorita está? Vai ficar de castigo por cinco anos quando chegar em casa! Não quero saber de desculpas!

– Ui, você até me assustou – risos.

– Não, sério. Onde você está?

– Erm... Num bar.

Mentira, mentira, mentira.

– Onde é? Eu vou aí te buscar.

– Eu não sei, na verdade.

Fui até a janela e vi que tinha um bar bem em frente do sobrado. Que sorte.

– Ah, olha qualquer coisa aí! Eu me acho depois.

– Fica do lado de uma padaria e uma farmácia.

Uma farmácia do lado de um bar? Bem inteligente.

– Ah, é o Blue Bar? Vai aí fora e vê o nome.

Nossa, Maria, ganhou o prêmio de jumenta do ano.

Bem em cima da porta de entrada tinha um letreiro azul meio velho que dizia em letras garrafais “Blue Bar”.

– É, isso mesmo!

– Ok, to indo aí em cinco minutos. Ah, Maria.

– Oi?

– Sua mãe ligou.

Meu mundo parou. Não, pior. Meu mundo parou, e caiu.

– Minha mãe?! Pra quê? E eu nem sabia que ela tinha o telefone daí.

– Pois, o Billie passou o celular dele pra ela, pra casos de emergência, e como ela não conseguiu falar com você...

– Tá, tá, continua.

– Aliás, também não conseguia falar com você. Eu liguei umas trinta e sete vezes e você nem...

– Tá, Mike, tá! Agora lembra, minha mãe ligou. Pra quê?!

– Ah sim. Erm, Maria.

– Oi?!

– Teu irmão piorou.

Naquele momento eu senti meu coração parar de bater. Meu telefone escorregou da minha mão e foi parar no chão. Fiquei ali, estática, só olhando o aparelho e Mike falando por trás da linha, me chamando incessantemente. “Maria? Maria?!” era o que eu ouvia enquanto olhava fixamente para o chão. Minha língua não se mexia. Eu não conseguiria falar.

Me abaixei, peguei o aparelho e coloquei no ouvido, apenas ouvindo Mike me chamar.

– Mike.

– Maria?

– Vem me buscar. Por favor.

Desliguei a chamada e desliguei o telefone logo em seguida. Sentei no chão e passei a mão nos meus cabelos, como se quisesse arrancá-los. O que eu vou fazer se o John morrer? O que eu vou fazer da minha vida?!

Levantei, mas eu estava mais tonta do que eu esperava. Cambaleei e caí em cima da cama; em cima de Lisa.

– Caralho – ela xingou, jogando um travesseiro em mim.

– Foi mal. Eu tenho que ir embora.

– O que aconteceu?

– Tenho que ver meu irmão. Ele... Tá doente.

– Em qual hospital ele tá? Eu te levo.

– Não... Ele tá em San Francisco. Meu amigo já está vindo me levar.

– Quer alguma coisa? Tá com dinheiro?

– To só com meu celular.

– Pega pelo menos um casaco.

Ela me arremessou um casaco preto que tava no chão. Vesti na hora.

– Valeu Lisa. Por tudo.

– Volta aqui depois tá? Por favor.

– Pode deixar. Muito, muito obrigado. – falei, semicerrando os olhos e saindo do quarto.

Saí e esbarrei em Jesse, que saía do quarto na mesma hora, de tão apertado que era o corredor.

– Tá saindo? – ele perguntou.

– To sim. Avisa o Alex e a Elena depois?

– Aviso sim. Mas você volta?

– Acho que sim. Só tenho que ir ver meu irmão.

– Tá bem. Tchau.

Acenei pra ele e saí. Fechei a porta. Devia ser umas dez da manhã, mas a escada estava escura e a única luz que tinha ali, estava apagada. Desci aos tropeços, quando cheguei lá embaixo – um salão com um elevador que não devia funcionar a uns vinte anos, paredes descascadas e o chão com tacos que deviam ser de 1969 – vi Duff sentado embaixo da sacada. Por incrível que pareça, não estava fumando.

– Onde vai? – ele perguntou.

– Vou ver meu irmão.

– Você volta?

– Talvez.

Ele levantou e me deu um beijo na boca. Ok, não vou exatamente na boca, mas foi no cantinho da boca, então eu considerei boca. Foi um quase-beijo então.

– Vou te esperar aqui.

Pisquei uma vez e fui saindo. Fui pro bar e pedi uma água. Nem rolava pedir alguma coisa alcoólica, no estado de ressaca que eu estava. Não consegui beber nem o copo inteiro, eu sentia que a cada gole eu ia vomitar. Tinha um relógio em cima do balcão, já passavam de duas horas da tarde.

– De ressaca em pleno sábado? – perguntou o cara que estava limpando a mesa.

– Cara, eu não sei nem como que eu voltei pra casa. Quanto mais o que eu tomei ontem.

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– Meu nome é Tony. Você mora por aqui?

– Erm... Moro sim, naquele sobrado velho ali.

– Junto com a gangue?!

– É.

– Cuidado.

Revirei os olhos e dei mais um gole na água, mas Tony arrancou o copo das minhas mãos.

– Ei!

– Vou te dar outra coisa.

Ele virou, e pegou uma jarra na geladeira. Me entregou o copo.

– Leite?

– É o melhor pra ressaca.

Ri de leve e bebi. Eca. Sempre odiei leite, mas já estava começando a sentir menos tontura.

– Valeu. – falei, depois de beber tudo.

– Por nada. Vê se não segue muito aqueles caras. Eles só fazem merda, cuidado.

Murmurei um “hm”, e Tony assentiu. Vi o carro de Mike chegando na rua, e fui procurar algum dinheiro no bolso.

– Ó Tony – falei, tirando umas moedas do bolso – tenho 30 cents e... Um botão.

Ele riu. Por que será que eu não to surpresa?

– Não precisa pagar, guria. Só te cuida. Eles são barra pesada.

Revirei os olhos e sorri.

– Pode deixar. Eu me cuido. Tenho que ir agora, qualquer coisa apareço aqui.

Ele acenou, e eu fui saindo. Mike abaixou o vidro e acenou pra mim.

– Oi Mike – falei, quando entrei no banco de trás, onde Tré estava. – Oi Tré.

– Oi Maria – disse a pessoa no banco da frente a qual eu não tinha visto. Billie.

– Hm.

– Parem vocês dois, parecem crianças – disse Mike, arrancando com o carro.

– Você tá bem? – disse Tré, segurando meu rosto – Nenhum arranhão, mordida, tatuagem nova?

– Mordida, Tré?!

– Sei lá.

– Sim, eu to bem – falei, me aconchegando em seus braços. – Obrigada por se preocupar.

– Ei, eu também me preocupei! – disse Mike, rindo.

– Ok Mike, obrigada por se preocupar – falei, me debruçando um pouco no banco dele.

Billie grunhiu.

– Seguinte Maria – disse Tré – a gente conversou e, como você sabe, tua mãe ligou.

Abaixei o olhar.

– É, eu sei.

– Então, a gente vai te levar direto pro aeroporto. A gente já conseguiu as passagens – ele continuou – e o Billie vai com você.

– O QUÊ?

– Olha, Maria... – começou Billie, olhando pra trás.

– Olha você! Vocês não acham que deviam ter me perguntado antes?! Além do mais, não acho que o “Sr. Perfeição” vai querer viajar com uma adolescente rebelde.

– Maria, para com isso – disse Billie – eu vou porque me preocupo com você.

– Se preocupa o caramba, gritou comigo por nada!

– Gente, gente... Vamos acalmar aí. Já to quase chegando. – disse Mike.

– Foda-se também, não vou viajar com esse cara aí. – falei, cruzando os braços.

– Vai sozinha então. – ele disse, virando pra frente e cruzando os braços.

– Mike, encosta aí – falei, quando vi o aeroporto – vou descer aqui mesmo.

– Tchau Maria – disse Tré, me dando um beijo na bochecha – Te cuida.

– Tchau. – falei, sorrindo pra Tré e Mike e dando um olhar frio pra Billie.

Saí do carro, apenas checando se meu celular ainda estava no bolso. Segui andando sem olhar pra trás, pisando duro. Oras, Billie não tinha nada que ir comigo! Eu podia muito bem ir sozinha!

– Porra Maria – era a voz de Billie atrás de mim – não complica. Eu te levo, a gente visita o teu irmão e vamos embora! Pronto! Se você quiser você pega o voo agora e eu vou mais tarde, pra mim tanto faz.

– Não, foda-se também. Vamos logo. Que horas é o voo?

– Daqui quinze minutos. Não fiz mala pra você porque...

– Relaxa.

Nem tinha olhado na cara dele. Comecei a ficar com pena. Ele foi caminhando ao meu lado, olhando pra baixo. Mal olhei na cara dele o voo inteiro, ele também não fez muita questão de olhar pra mim. Só lá pelo meio do voo, eu comecei a ficar com sono e dormi acidentalmente (acidentalmente?) no ombro de Billie. Chegamos no aeroporto de LAX lá pelas seis e meia.

– Ei, Maria – disse Billie, me sacudindo – acorda, a gente chegou.

– Hm – falei, esfregando os olhos e levantando. Acho que levantei mais rápido do que planejei, porque Billie teve que me segurar.

– Não devia levantar tão rápido – ele disse, me largando logo em seguida e indo na direção da saída. Argh, que raiva, porque ele tem que estar certo?

Ele pediu um táxi e eu liguei pra minha mãe. Ela ainda estava no St. Patrick’s Hospital, mas já tinha acabado o horário de visitas, então eu sugeri que fôssemos pra casa. Mas eu estava sem a chave e não tinha ninguém em casa.

– Vamos pra um hotel – disse Billie – conheço um bom na rua principal.

– Eu to sem dinheiro.

– Eu pago, cara. Relaxa.

– Hm.

Ele revirou os olhos. Devia ser bem chato ficar do lado de uma pessoa daquele tipo, mas foda-se também. Já falei que guardo rancor? Mesmo que eu não tenha falado, acho que já deu pra perceber.

Billie entrou e foi direto na recepção. Era um hotel grande, mas simples ao mesmo tempo, não era daquele tipo “hotel onde só rockstars ficam”. Era maneiro.

– Dois quartos, por favor – ele pediu – pra uma noite só.

A mulher ajeitou os óculos e começou a mexer no computador. Pelo menos Billie teve a sensatez de pedir dois quartos separados.

– Hm, senhor – ela chamou – pelos meus registros, só temos uma suíte livre. A outra é a presidencial. Não acho recomendável pedir a presidencial apenas por uma noite.

Billie olhou pra mim, quase suplicando.

– Ora, vamos lá! É só uma noite. – ele disse, fazendo o número um com o dedo.

– Tá, tanto faz – falei, espalmando o ar. Ele terminou de arrumar as coisas na recepção e pegou a chave.

Mas é óbvio que isso ia acontecer! Do jeito que eu tenho sorte, é óbvio que isso ia acontecer! Eu já estava achando ruim ter que viajar com ele, quanto mais dormir no mesmo quarto!

– 2º andar, quarto 208.

Fomos até o elevador e subimos, em silêncio. Billie puxou a chave quando viu o número “208” na porta, e abriu. Ó, que ótimo. Cama de casal.

– Puta que pariu. – resmunguei.

Billie olhou pra baixo e comprimiu os lábios.

– Que legal – ele disse.

– O que a gente faz agora? Porque eu não...

– Escuta, Maria. – ele disse, tentando não me encarar.

– Escutar o quê? – falei, indo na direção da janela. Eu realmente não queria olhar pra ele. Só de lembrar do que ele tinha falado ontem, já ficava com vontade de chorar.

– Eu não quero mais brigar com você. Eu odeio brigar com você, odeio te ver triste, te ver chorar ou o que for mas... Por favor, não fica ressentida. Você sabe que eu não falei por mal.

– Não, Billie, eu não sei – falei, ainda encarando a rua. Tinha começado a nevar – eu realmente não sei. Se você estivesse, sei lá, bêbado, eu podia até te perdoar. Mas... – virei meu corpo pra ele – o que você falou... Me machucou, Billie. Doeu. Você acha que eu não sei que muitas coisas que eu faço são coisas de adolescentes irresponsáveis?

– Mas eu não... Maria, eu nunca reclamaria das coisas que você faz. Eu já fiz igual. Eu ainda faço igual. Não quero que você fique com essa imagem ruim de mim, um adulto chato que só sabe reclamar.

– Eu nunca tive essa imagem de você – falei, ele se debruçou na janela ao meu lado – nunca mesmo. Só não quero que você ache que eu sou uma adolescente irresponsável também. Como você acha que eu fico, quando você fala essas coisas de mim?

Minha voz começou a vacilar, mas eu não ia chorar. Não estava com vontade.

– Te ver triste é a pior coisa pra mim.

Pronto. Era o que eu precisava. Escondi o rosto nas mãos e desandei a chorar. Billie passou um braço em volta do meu ombro e passou a mão nos meus cabelos.

– Não quero chorar na tua frente – falei, secando as lágrimas, ainda aconchegada no abraço dele.

– Eu não quero te ver chorar – ele disse, sem olhar pra mim – por favor Maria, eu não quero te ver chorar.

– Então olha pra lá. – falei, meio seca.

– Por favor, Maria – ele pediu, a voz embargada.

– O quê?

– Me perdoa.

– Faz por merecer.

Não acredito que falei isso. Estúpida, retardada, burra, jumenta!

Ele só puxou meu rosto com as duas mãos, usando certa força, já que eu hesitei um pouco, e juntou nossas bocas. A boca dele com a minha tinha um encaixe perfeito, quando percebi já estava com minhas mãos em seu pescoço e ele ainda com uma mão em meu rosto e uma em minha cintura. O gosto salgado das minhas lágrimas já se misturava com o gosto doce dos lábios de Billie.

– Erm... – tentei pronunciar – tá frio.

Passei as mãos pelos meus braços, o frio que passava pela janela deixava alguns flocos de neve entrarem e pousarem no chão.

Billie tirou sua jaqueta e me deu.

– Sabe, eu senti falta disso – ele disse, com o rosto ao lado do meu. Encaixei meu rosto na curva de seu pescoço, ele me deu um beijo no pescoço, o que me fez rir.

– Não, para, aí faz cócegas.

Ele me deu mais uns três beijos ali mesmo, e eu comecei a rir.

– Gosto da tua risada.

Ele olhou pra mim e sorriu. Sorri também. Gostava muito de vê-lo sorrir. E gostava ainda mais quando ele me fazia sorrir. Mas não, eu não ia insistir no mesmo erro, não ia deixar ele me convencer com aquele sorriso... Perfeito...

Ok, ok, já pode parar com isso, Maria. É sério. Teimosa? Sim. Mas Billie não estava deixando as coisas fáceis. Ele passou a mão pelos meus cabelos, e me deu um selinho. Acho que, no susto, abri a boca um pouco demais, e ele entendeu como permissão para aprofundar o beijo. Quando percebi, já tínhamos feito todo um trajeto até a cama. Billie se sentou na cama e eu sentei no seu colo, sem quebrar o beijo. Eu estava de olhos fechados, mas eu sabia que ele estava sorrindo. De um lado da minha cabeça, uma voz falava “pare com isso sua retardada!” e do outro lado uma outra voz falava “não pensa em mais nada nesse momento, continua!”.

Bem, digamos que eu obedeci à segunda voz.

Billie colocou a mão por dentro da minha blusa, o que me fez arrepiar. Tirei o casaco desajeitadamente e joguei em qualquer lugar no chão. Billie tirou a blusa, tentando não quebrar o beijo – o que não deu muito certo. Comecei a rir quando ele tirou a blusa totalmente sem jeito e jogou no chão.

– Já falei que amo teu sorriso né? – ele disse, me dando um selinho logo depois.

Tirei a blusa, tão desajeitadamente quanto ele, e a joguei no chão. Ri quando ele tentou tirar meu sutiã sem olhar, e caí em cima dele, deitada, na cama. Ele sorriu pra mim e eu dei uma mordida em seu ombro.

– Ai! – ele disse, fingindo estar indignado.

– Desculpa – falei, fazendo bico.

Ele olhou pra cima e me mordeu logo depois.

– Ai! – reclamei, fazendo cara de triste.

– Desculpa – ele falou, me dando um beijo no pescoço.

– Aí faz cócegas, Billie! – falei, rindo.

– Eu gosto de te ver rir – ele disse, me puxando pela cintura, pra mais perto dele. Senti como se fôssemos um só naquele momento. E, mesmo que eu me arrependa totalmente amanhã e queira sair xingando Billie pelos cantos, só queria viver o momento.

E aquela foi a melhor escolha que eu podia ter feito.


Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.