Tinha de se aproximar de Alleras. Ele era o mais prĂłximo de Sansa e Daenerys, e o Ăşnico em que ela sabia que poderia lhe dar algum veneno para matar o marido de Sansa.

Era um plano arriscado, mas era o Ăşnico que tinha.

Teria um novo aliado, e Petyr teria o assassinato que tanto ansiava.

— Será que está louco? Como raios vou matar um Harrold? — ela indagara a Baelish, na noite em que ele adentrara no quarto de Ysilla. — Ele é cercado por guardas! Nunca vou conseguir…

—... Tenho meus métodos, senhora. Métodos esses que vão lhe ajudar a entrar e sair da cela de Harrold sem problemas.

Margaery franziu o cenho.

— Como? Como está aqui? Como ainda tem conta…

— Mesmo a plebe tem bocas para alimentar — ele respondeu. — Sabe, um dragão de ouro pode fazer uma simples plebeia se arriscar a mandar cartas. — Sorriu. — E manter o filho dela sob uma adaga também ajuda.

Ysilla arregalou os olhos castanhos-acinzentados.

— Como…?

— Mercenários não têm a mesma honra dos Stark, temo. Nem simpatia por crianças.

Margaery ficou enojada, fazendo uma careta para ele.

— A criança está mesmo viva? — indagou ela.

Petyr fez que nĂŁo.

— A criança e os pais morreram; não posso correr riscos de que alguém acabasse por falar.

Ysilla deu um suspiro de horror.

— Você matou uma família? — Sua voz revelava seu horror.

— Ora, a criança não sofreu. O travesseiro foi levemente pressionado, garanto. E estava morta muito antes da mãe sequer entregar a carta para Lady Margaery. — Gesticulou em direção a esta.

Margaery sentiu a sua repulsa aumentar. Aquele homem era, talvez, a pessoa mais pervertida que já vira. Lembrava-se de que fora ele quem vendera Jeyne a Ramsay, após deixá-la em seus bordeis.

Esse homem parece pequeno e fraco; entretanto, Ă© o puro mal encarnado.

Teria de se livrar de Petyr, antes que ele se livrasse dela. E ele iria pagar por ter traĂ­do sua famĂ­lia ao levar Sansa para longe apĂłs a morte de Joffrey.

— Chega — disse Margaery, sentando-se na poltrona, sentindo-se enjoada. — Ninguém quer mais saber de suas maquinações, Lorde Baelish.

— Que seja — foi tudo que ele lhe respondeu. Olhou para lady Ysilla, que ainda estava de pé, olhando-o de forma temerosa. — Choquei-a, criança? Ora, não tema. Nunca mato belas donzelas.

Ela ainda parecia receosa por tĂŞ-lo por perto. Olhou para Margaery, como que num apelo mudo para saber o que falar ou fazer.

Respirou fundo, sentindo o calor da lareira aquecer seu pálido corpo. Seu sangue corria frio pelo seu corpo.

Tomando alguma força para si, virou-se para encarar Baelish, ainda de pé, a olhando.

— Lorde Baelish — falou ela —, diga-me, como vai me fazer entrar na cela de Harrold?

Baelish andou até a poltrona ao lado da dela, tocou no respaldo, virou-a um pouco, sentou-se, ficando de frente a Margaery.

O andar de Baelish revelava que não estava em tão boas condições assim: suas roupas estavam um trapo, empoeiradas, carcomidas por bichos e mofadas. Os sapatos também estavam empoeirados, criando uma névoa de pó marrom conforme ele se locomovia.

Isso era bom. Ele precisava dela. Talvez fosse sua última esperança.

Margaery e Petyr se fitaram. Olho Ă  olho. Escuro contra claro. Apenas o crepitar da lareira emitia algum som.

Finalmente, Lorde Baelish quebrou o silĂŞncio.

— Tenho algumas roupas de servente — revelou ele. — Creio que não terá problemas em entrar.

— Harrold é servido por pessoas de Essos — ela pontificou. — Mesmo que não me reconheçam, ainda vão estranhar…

— Acredito que você pode dar um jeito — Petyr interrompeu seu raciocínio.

— Ah, é? Como? Pode me dizer?

Petyr levantou uma sobrancelha, deu um meio sorriso zombeteiro.

— Vi que andou fazendo amigos nesta corte nova em que vivemos.

Margaery apertou os olhos. Esse homem era tĂŁo descarado a ponto de se esconder na vista de todos? Quem ele pensava ser?

Ysilla aproximou-se de Margaery, ficando ainda em pé, tocando o respaldo da poltrona da poltrona.

— Prossiga — disse Margaery.

— Creio que ambos sabemos que minha filha amada tem tido amigos novos.

Ele a chama de filha, notou, assim como notou o tom de mágoa ao falar dos “amigos” que ela fez. Segurou-se para não expôr a perturbação que aquilo lhe infligiu. Petyr Baelish realmente havia ficado insano?

— Sobre esses “amigos” — ela comentou —, imagino que não seja sobre Sandor?

Baelish abanou a cabeça.

— Não. Não sei qual a relação de minha filha com aquele cão selvagem; dúvido que nos ajude.

Margaery esboçou um sorriso perspicaz.

— Imagino que o Esfinge, por outro lado, chamou sua atenção.

Petyr fez uma cara de ranço, como se o nome lhe desse enjoo.

— Aquele bastardo Dornês sujo tenta atracar-se com ela — ralhou Petyr com cólera na voz. — Não está aos pés de minha filha. Por sorte, ela andou longe dele.

Seria esse ódio o ciúmes de um pai? Ou… seria algo mais insano?

— Entretanto — comentou Margaery, dizendo o que esse Lorde acabado queria, mas não tinha coragem —, ele é quem tem os venenos dos quais você precisa.

Baelish fez uma carranca. Se tivesse tentado conseguir algum veneno, fracassou tentando. Provavelmente ele devia ter tentado antes da praga, quando todos os meistres ainda estavam aglomerados; se tivesse feito quando a praga se instalou, talvez tivesse achado algum aposento de meistre disponĂ­vel para pegar algum veneno.

— Esse tal “Esfinge” acredita ser esperto — grunhiu Mindinho. — Acredita que pode subir as custas da minha filha.

Se ele soubesse que Alleras está enamorado, pensou ela, não hesitaria em matá-lo a sangue frio e de forma cruel.

— Infelizmente — continuou Petyr —, creio que não sei muito sobre este tal Esfinge.

Margaery se regozijou ao saber disso. Finalmente, sabia algo que Petyr não sabia — isto é, caso sua intuição estivesse certa.

— Acho que tenho algo que pode me ajudar com Alleras — Margaery disse, apostando tudo em seu palpite.

Petyr ergueu uma sobrancelha.

— Mas como…?

— Deixe que eu jogue meus próprios jogos, Lorde Petyr — disse ela, após se recostar na poltrona. — Após isso, quero saber como vamos entrar em contato com…

— Aguarde, Milady — Petyr disse, depois de levantar-se da poltrona, em um salto. — Até lá, aguardarei seus resultados.

Margaery fez uma expressĂŁo seca. Sabia que ele nĂŁo falaria mais nada para ela.

— E as roupas? — indagou.

— Tudo no seu momento, tudo no seu momento.

ApĂłs tudo isso, Margaery nem conseguiu dormir. Teve de acalmar Ysilla e voltar para seu catre no quarto de Daenerys. Por sorte, a Rainha demorou para voltar ao seus aposentos e apenas Irri a ajudou a se arrumar apĂłs a noite de nĂşpcias.

Tinha de dar um jeito de chegar até Alleras. Tinha de falar com ele, à sós.

Marwyn. Sim, ele ia ajudá-la: bastava ele ir até Daenerys; Alleras estaria logo atrás. Ambos prontos para falar algo sobre Sansa para Daenerys.

Com a doença se espalhando, Margaery temeu que isso acabasse por atrapalhar qualquer contato entre a rainha e seu subalterno — claro que o alastramento da doença iria acontecer: Harrenhal era imenso, e todos estavam dentro dele, e o festejo (um ato desesperado para provar a união matrimonial entre o Rei do Norte e a Rainha Dragão), apenas serviu para agravar a situação. De modo que, apesar de muitos lordes ainda estarem bem, os servos e plebeus estavam sendo afetados pela doença em grande quantidade.

Daenerys era a culpada daquilo. Ela devia saber que era a culpada por aquela doença.

Aparentemente, a culpa estava mesmo corroendo Daenerys: seus olhos estavam com grande olheiras roxas, e ela estava usando roupas que cobriam bastante o corpo. Parecia fraca, doente, triste…

NĂŁo importava. Era melhor que ela ficasse assim, pois permitia que Margaery tivesse tempo livre sem que a rainha reclamasse.

Por sorte, apenas com o passar de dois dias, Marwyn foi até Daenerys, e, com os deuses atendendo o pedido de Margaery, Alleras estava com ele.

Daenerys estava a almoçar, junto de suas damas, em volta de uma imensa mesa de ébano, comendo algumas frutas cristalizadas, quando o arquimeistre foi anunciado.

— Vossa Graça — disse Marwyn, fazendo uma vénia. Alleras fez o mesmo gesto que ele.

— Aconteceu algo, Marwyn? — indagou Daenerys. — É a praga?

O arquimeistre assentiu.

— Creio ser mais seguro que seus aposentos sejam compartilhados com o rei, Vossa Iluminada — ele a aconselhou. — Assim, ambos podem se ver e tratar assuntos de estado sem precisar sair do local.

Daenerys assentiu. Parecia cansada. Desgostosa com tal ideia.

— Certo… — Olhou para as suas damas. Disse algo numa língua estrangeira, depois repetiu as falas para Margaery: — Quero ajudem-me a arrumar as coisas, para ir até os aposentos do Rei.

Margaery, assim como as outras assentiu, mas, depois de ver que Alleras poderia ir embora, se prontificou em dizer:

— Majestade, temo estar um pouco mal hoje — disse, sabendo que seria pouco convincente —, poderia pedir para o belo Alleras me ajudar? — Levou a mão ao ventre. — São problemas… íntimos, temo.

Daenerys, parecendo nem se importar se era verdade ou nĂŁo, assentiu.

— Posso ver seu caso, Milady — se ofereceu.

Margaery deu um sorriso como resposta, desconfortável. Esse imbecil estava a estragar tudo! Como poderia lhe negar ajuda?

— Você e eu temos nossos próprios assuntos a tratar Marwyn — Daenerys falou para ele, antes que Margaery falasse algo. — Deixe seu ajudante falar com Margaery.

Marwyn assentiu. Margaery percebeu que ele parecia um pouco nervoso. Ela não tinha tempo para se importar com isso, porém. Levantou-se, foi até Alleras, sorrindo.

— Podemos ver o meu problema num lugar mais… reservado? — Abaixou a cabeça, fingindo estar envergonhada com a situação.

Alleras deu seu famoso sorriso, largo e caloroso como o primeiro raiar de sol no verão, mostrando seus belos dentes brancos, envoltos pelos lábios generosos dele. Era um rapagão lindo, com uma boca que era uma tentação e os olhos, escuros e oblíquos e hipnotizantes.

O Esfinge estendeu o braço, para Margaery enganchar o dela.

— Nunca poderia negar nada a uma donzela tão bela! — elogiou o rapagão.

Margaery assentiu. Enquanto eles andavam para fora do cĂ´modo, deu uma olhadela para Daenerys, preocupada que ela estivesse os observando, e ficou aliviada ao ver que a rainha estava a conversar com Marwyn.

A caminhada até a torre onde Alleras estava instalado era uma boa caminhada, mas Margaery não se importou. Por sorte, não passaram por nenhum grande conglomerado de pessoas. Isso era bom, porque evitam chances de pegar a praga.

Alleras erguia uma lâmpada a óleo para iluminar o local. Apesar de ainda não ser de noite era impossível enxergar graças, com o ambiente sendo tomado por uma intensa negridão. A luz âmbar que iluminava o caminho era fulgente, mas parecia frágil, sendo um ponto dourado andando a esmo num terreno negrume e açucarado, sendo quase impossível olhar mais do que dois palmos à sua frente.

Além da luz deles, existia algumas fogueiras, feitas pelos sacerdotes vermelhos. Margaery havia visto-os fazer figueiras assim antes, em Porto Real. Ao que parecia, assim como ocorreu na Capital, não apenas pessoas de Essos, mas também de Westeros começavam a prestar atenção nas balbuciadas dos sacerdotes estrangeiros.

Ela detestava isso. Era a religiĂŁo de Daenerys; nada de bom poderia vir disso.

— Tem estado enjoada milady? — indagou o belo rapagão, Alleras, enquanto andavam pelo gigantesco pátio.

— Ontem acabei por vomitar duas vezes — mentiu —, e anteontem tive enjoos.

Alleras assentiu, sem olhar para ela, franzindo o cenho, analisando o que ela poderia ter.

— Tem suas regras regularmente? — perguntou, enquanto eles davam espaço para uma carroça de comida passar. Estavam passando do lado de uma das enormes torres do castelo, mas Margaery se esquecera o nome.

É nessa onde Harrold está, pensou, sentindo sua pele arrepiar. Por sorte, Alleras não pareceu reparar.

— Tenho, embora tenha demorado mais para vir desta vez.

O Esfinge anuiu lentamente, analisando a resposta em sua mente.

— Certo, certo… Creio ter algo que possa lhe ajudar.

Ah, eu garanto que vai.

Quando chegaram nos aposentos, Margaery pĂ´de sentir o cheiro de insenso e outras ervas fortes, que quase fizeram os olhos dela chorarem pela ardĂŞncia. Havia um catre no chĂŁo, que provavelmente pertencia a Alleras, com uma sacola de pano, arco e um alforje cheio de flechas deixados logo ao lado.

Alleras colocou a lâmpada a óleo em uma mesa de madeira, andou pelo cômodo, enquanto batia nos ombros para retirar a camada grossa de neve que os cobria.

— Creio que logo seus sintomas passarão, Milady — ele comentou, enquanto andava. — Talvez o estresse tenha lhe causado tal demora para suas regras. Vou apenas lhe fazer um chá com algumas ervas, logo estará tranquila e o fluxo terminará em breve.

Margaery mal prestou atenção no que ele lhe dizia. Observava o conjunto de ervas e pós deixado em cima da mesa. Havia um almofariz e um pistilo, ambos de madeiras, com uma massa de grãos, rosados e esmagados, dentro da tigela. Havia destiladores, recipientes de vidro de diversos tamanhos e potes cheios de bichos mortos e secos ou ervas que vieram de além do mar estreito.

A visĂŁo fez Margaery formar uma careta. Em algum lugar, no meio de tantos potes, havia veneno. Muitos venenos.

Farta de fingir, virou-se, encarou Alleras que ainda estava de costas para ela, e disse:

— Sente falta de vossa família? — indagou ela.

Alleras virou-se, franzindo o cenho, olhando-a de soslaio, desconfiado.

— Não tenho nenhum parente, Milady.

— Nenhum em Dorne? — Questionou.

Alleras sacudiu a cabeça.

— Nenhum — insistiu.

Margaery sorriu.

— Sabe, sei que já deve ter ouvido isso antes, mas tem um belo olhar.

Alleras ficou empertigado, olhando-a, sem esboçar reação alguma.

— Obrigado — sua voz era monótona. — Sim, já escutei coisas assim.

— Nunca esqueci esse olhar — ela comentou, dando um passo para frente. — Esse olhar único, que vi poucas vezes, na corte onde já fui rainha.

Alleras pareceu engolir seco e ela notou um leve balanço corporal.

— Creio que se enganou, Milady. Eu…

— Nunca esteve na corte. Isso creio que possa ser verdade, apesar dos dorneses não se importarem em expor seus bastardos. — Sorriu. — Ora, sei que nunca esteve na corte, Alleras. Mas creio que seu pai, sim.

Alleras franziu o cenho. Não parecia confuso. Parecia sério, levemente irritado, talvez.

— Meu pai?

— Eu o vi morrer — ela revelou. Lembrava-se de virar a cara no momento, enojada. — Não foi a última vez que vi aquele belo e exótico olhar, entretanto. Houve outras vezes: as primas de Arianne. — A memória lhe despertou um velho ódio. A bela e loira septã que a traiu; a bastarda que zombou dela em sua prisão. — Todas tinham este seu mesmo olhar.

Alleras pareceu ficar mais tenso, com o rosto ficando lĂ­vido e respirando fundo. NĂŁo disse nada.

— Sua prima, Arianne, é, agora, a rainha — Margaery falou. — É o espião dela?

Alleras começou a mover os braços lentamente.

— Não sei do que…

— Se me matar — avisou Margaery, vendo que ele deveria ter uma adaga escondida; Petyr lhe avisara sobre aquilo, e Margaery sabia de como os Dorneses amavam veneno —, saiba que não vai durar muitos. Todos sabem que estive aqui e duvido que possa esconder meu corpo. — Tentava manter-se neutra. Todavia, estava apavorada, sentindo o coração disparar.

Alleras parou de mover os braços. Afastou-os um do outro.

— Vai me entregar?

— Se eu quisesse, já o teria feito — retrucou. — Você é espião de Arianne? — ela insistiu.

Ele abanou a cabeça em resposta.

— Não. Arianne não sabe que estou aqui, acredite. Não tenho nada.

Não sabia se era verdade. Talvez fosse, ou talvez não. Mas, se ele realmente não estava lá pela prima… Por quê mais estaria ali?

— O que quer de mim? — ele indagou. — Não tenho título nobre. E se acha que vai me arrancar alguma informação…

— Oh, Alleras — ela disse —, não sou sua inimiga. Ambos estamos contra a rainha.

Alleras cerrou os olhos, olhando-a de forma desconfiada.

— Não me teste! — avisou-a. — Sei bem os problemas que tem com a minha família, Tyrell! Existe sangue entre nossas casas! — Fez uma cara feia, olhando-a encolerizado. — Foi a sua trama estúpida de matar Joffrey que matou pai. Diga-me, por que não matar-lhe agora, e dar um fim a suas maquinações?

— Sua vida…

— Vale o risco… — Ela percebeu que ele voltava a aproximar os braços. Uma mão aberta indo até a manga da manta verde…

— Minha inimiga é Daenerys — Margaery disse, sentindo o desespero aumentar. Se ele fosse rápido e habilidoso, poderia acertá-la, jogando uma lâmina no ar, antes que pudesse gritar. — Acredite, é dela de quem eu tenho mais ódio.

Os braços pararam. Ele franziu o cenho, perscrutando o rosto de Margaery.

— Como sei que posso acreditar em você?

— Não sabe. Ambos vamos ter de acreditar.

Alleras torceu a boca, receoso. No fim, ele afastou os braços e assentiu.

— Daenerys é uma inimiga em comum — Alleras concordou. — Mas acredite, devemos deixá-la viver. A ameaça que se aproxima…

Margaery revirou os olhos

— Que seja! — ela o cortou. — E não se preocupe, Daenerys não é nosso alvo. Pelo menos, não por agora.

Ele a olhou com mais desconfiança.

— Por acaso, existe mais alguém…

— Tudo a seu tempo, Alleras. — Não ia revelar muito a ele. Não agora. Era melhor ele não saber muito. — Primeiro, devemos livrar os sete reinos de um fardo.

Alleras piscou, confuso.

— Que quer dizer?

— Vamos matar o marido de Sansa — respondeu, sem rodeios. Achou que falar o nome de Sansa, ao invés de simplesmente falar o nome de Harrold, ia ajudar a convencê-lo.

O rapagĂŁo arregalou os olhos e afastou-se dela, parecendo horrorizado com aquilo que havia acabado de ouvir.

— Matar um rei é um pecado mortal!

— Harry é um rei deposto — lembrou-lhe. — Prisioneiro e…

—... Vigiado — pontificou Alleras, olhando-a como impaciência. — Como acha que vamos matá-lo? Ele está cheio de guardas!

— Acredite, vou dar um jeito nisso — garantiu ela, embora não tivesse confiança em Petyr. — Mas preciso de você para o veneno.

— Aaah! — Deu-lhe um sorriso de escárnio. — Então é isso! Claro!

Margaery fechou a cara.

— Não banque o santo comigo, bastardo. Sei bem que você é capaz de ser sorrateiro. — Devolveu o sorriso de escarninho dele com o mesmo gesto. — É de família, até onde sei.

Alleras deixou o sorriso de lado e a olhou, irritado.

— Dobre sua língua para falar da minha — avisou-lhe, entredentes. — Ou farei com que você prove um veneno pior do que o que você serviu a Joffrey.

Margaery também deixou seu sorriso morrer.

— Que seja. Vai ajudar-me a matar Harrold?

Ao ouvir aquilo, todo o asco deixou o belo rosto de Alleras, que fitou-a com descrença, como se tivesse ficado louca. Virou-se, afundou o rosto nas palmas das mãos, abanando a cabeça.

Vendo que ele podia ceder, Margaery disse:

— Seria um livramento para Sansa.

Ao ouvir aquilo, o rapagĂŁo afastou o rosto das mĂŁos e voltou a fita-la, parecendo assustado.

— Eu e você sabemos que ela merece coisa melhor, Alleras. E sei que o querido Esfinge faria tudo para agradar sua princesa.

— Seja lá o que for que queira insinuar, saiba que eu apenas…

— Nem tente negar — avisou-o. — Vejo como a olha, o brilho em seus olhos escuros quando está perto dela; o modo como fala o nome dela; a maneira como você age, caro Esfinge, é o de alguém que ama. Eu sei, mesmo nunca tendo amado ninguém.

Ele pareceu nĂŁo acreditar nela; olhou-a de esguelha.

— Como pode saber?

Por que era assim que meu irmĂŁo agia quando estava com Renly.

— Não importa — respondeu. — Agora, seja sincero, Alleras, você a ama?

A pergunta pareceu chocá-lo, abalando-o.

— Sou um homem, não sou? — defendeu-se. — Desejo como um. É claro que perdi-me em um belo rosto!

— Você não acredita que vou acreditar que é simplesmente isso, não é? O que você sente é mais do que apenas desejo! Admita!

Ele abaixou a cabeça, meneou-a, virou-se, como se estivesse com vergonha de falar daquilo.

— Oh, é a verdade! — ele confessou, e Margaery compadeceu da dor em sua voz. — Eu a amo! Amo como meu pai amou Ellaria! Como o príncipe Aemon amou Naerys, e como o príncipe das libélulas amou Jeyne, amou tanto, que chegou a desistir de seu trono. — Voltou-se, fitando-a nos olhos, aflito. — Sim, eu a amo! Amo-a, mesmo que nunca possa ser o homem que ela deseja! Está feliz!?

A amargura em sua voz era tão carregada, que Margaery assustou, dando um passo para trás. Os olhos de Alleras começaram a acumular água.

Recompondo-se, ela limpou a garganta, ergueu a cabeça, deu um passo para frente, olhando-o nos olhos e disse:

— Então, Alleras, pense nisso: se você ama tanto Sansa, não gostaria de vê-la livre de Harrold? Livre, se não para você, para um lorde que valha a pena para ela?

O Rapagão engoliu seco. Secou os olhos com a manga verde da túnica. A força em seu rosto parecia ter se esvaído quando ele voltou a olhar Margaery.

— Claro que gostaria — respondeu ele, com voz embargada. — Entretanto, a morte de Harrold irá atrair suspeitas para a princesa e…

Margaery gesticulou com o braço, indicando que ele deveria descartar tal leviandade.

— Muitos iriam perdoá-la, acredite. Além do mais, outros mil poderiam ser acusados de matar Harrold.

Alleras suspirou, parecendo cansado.

— Tem um veneno que passe despercebido? — Insistiu ela. — Não pode ser um óbvio…

— Eu sei! — crocitou Alleras, voltando-se a irritar com ela.

Margaery nĂŁo se abalou.

— Vai mesmo conseguir entrar na cela de Harry?

— Se me der as roupas certas, sim — ele respondeu de forma ríspida, mas fraca. — E devem ser de mulher; ajeite-as ao meu tamanho, se precisar. Mas você é alta, deve servir.

Apesar de estar um tanto titubeante, Margaery assentiu.

— Ótimo. Devo ir agora e…

— Espere — Alleras disse. — Antes de ir, quero um juramento.

Ela franziu o cenho, confusa.

— O quê?

— Jure, Margaery Tyrell — ordenou ele. — Jure que, após tudo isso, não irá tentar nada contra a minha casa, e prometo que farei de tudo para a minha família não afetar a sua.

Respirou fundo. Tinha de aceitar fazer as pazes com aquele dornĂŞs.

Ele provavelmente vai me trair logo, ela pensou. Teria de ser mais traiçoeira e mais rápida do que ele. Mais mortal.

— Eu prometo, Alleras. Tem minha palavra.

Ele deu um sorriso de escarninho, desdenhando de suas palavras. Apesar disso, seu rosto ainda continuava belo, para o desgosto de Margaery.

— Que assim seja — ele disse, levando um braço para baixo dentro da manga da veste.

Margaery deu um passo para trás, e quase não conseguiu conter o grito de pavor ao ver o imenso punhal ser revelado.

Ao ver a expressĂŁo de medo em seu rosto, Alleras soltou um risinho.

— Ora, não tema — ele disse —, não é para o que você imagina.

Ele abriu a outra mão, levou a afiada lâmina para o meio a palma aberta, deslizou-a, fazendo um corte se abrir. Logo o local se entumeceu de sangue rubro.

Alleras limpou a mancha rubra em trapo velho e estendeu-a em direção a Margaery.

— Uma promessa de sangue — ele disse.

Apesar de enojada com a selvageria daquele bastardo sangrento, Margaery estendeu a mĂŁo, e deixou-lhe abrir um corte.

A lâmina deslizou de forma rápida, com apenas uma leve pontada de dor, seguida por uma ardência, conforme sangue começou a aparecer.

— Um pacto de sangue — ela repetiu após fechar a palma, olhando para o dornês, que limpava o sangue do punhal com o mesmo trapo que usou antes.

Ele era rápido com a faca, então. Era bom se lembrar disso.