Arianne se reuniu com seu rei e seus conselheiros na sala do Pequeno Conselho. Aegon havia dito que ela nĂŁo precisava comparecer, mas ela insistiu.

— Lorde Varys, como deixou isso acontecer!? — A voz do Rei era furiosa.

Lorde Varys estava em pé, frente a todos do Pequeno Conselho.

Os olhos de Varys eram pequenos e escuros. Aracnonegros. Outrora, aqueles olhos nunca transpareceram qualquer tipo de medo, agora, porém, estavam bem abertos. Vidrados. Nervosos.

— Majestade — e disse, numa voz rápida e atrapalhada, enquanto uma camada de suor acumulava-se em seu corpo —, eu não sabia…

— Exato! Não sabia! — Crocitou Aegon, furioso. — Um mestre da espionagem, não sabia! De que me serve um espião desses? Nossa sorte é que o plano não obteve sucesso absoluto!

Varys se encolheu diante de tal Ăłdio.

— Ora, Varys — Tyrion disse, balançando a cabeça —, como pode deixar toda essa situação acontecer?

Varys o olhou, lĂ­vido.

— Tentei observar Daemon Sand! — defendeu-se. Voltou-se para o Rei Aegon. — Por meses, não, quase dois anos, ele nada fez para parecer uma ameaça. — Deu de ombros. — Eu supus…

— Você supôs! — Escarneceu o Rei. Bateu na mesa, fazendo um som que mais parecia o de um trovão, que fez até Arianne se encolher. — Seu cargo não é feito para fazer suposições — gesticulou para Haldon —, deixe isto para o Grande Meistre. Seu trabalho é para espionar e descobrir coisas! — Mais uma vez, socou a mesa, o que fez Varys se encolher mais uma vez.

Ninguém defendeu Varys; defender a Aranha seria pedir para ser o alvo da fúria do Rei. Além do mais, Varys deixou com que as primas de Arianne morressem; fez o próprio rei parecer um tolo indefeso.

Ninguém seria tolo de defender a Aranha. Ninguém o faria antes, não o fariam agora.

Arianne não gostava de Varys. Ele estava do próprio lado; apoio os Targaryen, depois os Baratheon, e, agora, os Targaryens novamente. Claro, ele poderia estar apoiando Aegon — seja pelo motivo que fosse — desde o começo, mas não mudava o fato de que ele era uma mácula na imagem do Rei; com Varys por perto, sussurrando em seus ouvidos, vários nobres iriam ter dúvidas sobre seu monarca.

A Aranha era uma praga a ser exterminada. Seu veneno deveria ser extirpado da coroa.

Aegon levantou-se da banqueta. Não deixou de olhar para Varys com seu olhar colérico em nenhum instante.

— Sua falha para com a coroa é inaceitável! — declarou o monarca. — Não posso crer que deixou-se ser ludibriado por Baelish!

— Baelish é um homem imprevisível, Meu Rei — insistiu Varys. — Suas tramas…

— Suas tramas não teriam acontecido se tivesse se livrado dele há tempos — redarguiu Aegon. — Por qual motivo o deixou continuar com suas fintas?

— Eu nunca tive como imaginar o quão longe ele iria, vossa graça. Petyr tem seus métodos; ele…

— E os métodos o fizeram de bobo, Lorde Varys — ralhou Aegon. — Se tivesse dado um basta nele há tempos, nada disso teria acontecido! — Pegou no cabo da espada Blackfyre. — Devia matá-lo por tudo isso!

Vendo que aquilo estava se alongando, a Rainha Arianne se levantou e pousou uma mĂŁo apaziguadora no ombro de seu marido.

— Meu Rei — disse ela —, peço-lhe que poupe Varys.

Aegon a olhou de soslaio, surpreso.

— Tem ideia do que me pede, Arianne? — indagou ele, como se ela estivesse louca ao pedir aquilo. Aegon acenou para Varys com a cabeça. — Este homem deixou vossas primas morrerem!

Arianne aspirou profundamente, segurando a onda de dor que aquelas palavras causaram nela. Fechou os olhos por instante, e foi como se tivesse voltado no tempo. A tosse das primas, o agonizante som estalido que elas faziam ao tentar respirar, o rosto se escurecendo, o desespero mudo no olhar, o arranhar das unhas nas gargantas, como se as mulheres tentassem abrí-las…

Lembrava-se de se agarrar ao corpo de Tyene, de gritar, chorar, xingar…

Mas, acima de tudo, o que mais lhe fez sofrer foi a sensação de impotência; estar ali, vendo pessoas que tanto amavam morrer em agonia extrema, e sem sequer poder fazer nada para impedir suas mortes. Sem conseguir sequer diminuir a dor.

As filhas de Oberyn estavam agora com o pai. Arianne, porém, ainda estava bem viva.

Daemon também estava morto. Ele, quem um dia amou Arianne, quem lhe tirou a virgindade, quem chegou a ousar pedí-la em casamento para Doran, passou seus últimos momentos de vida tentando envenená-la e deixá-la sufocar — ele até mesmo se sacrificou para que isso acontecesse.

Arianne sabia o que ele estava prestes a se fazer, mas nunca imaginou o quĂŁo longe ele iria.

Essa era uma culpa que ela carregaria consigo.

Agora, porém, tinha de seguir em frente em sua vida, e enfrentar a realidade.

Abriu os olhos escuros e redondos, encarou seu marido-rei nos olhos.

— Sei que os erros de Varys causaram morte e dor… — Parou de falar, respirou um pouco, para evitar que a voz se quebrasse. Quando se sentiu melhor, continuou: — Entretanto, ele sempre apoiou a sua casa, mesmo após a derrocada. — Apontou para o eunuco careca com a mão. — É por causa dele que você está vivo, meu amor.

As palavras pareceram perturbar Aegon, mas Arianne sabia que havia obtido o resultado que queria. Voltou-se a sentar-se, sentindo-se cansada.

Aegon inspirou e expirou. Olhou para Varys, esmiuçando o perfil do eunuco. (Arianne, enquanto observava a imagem dos dois homens se olhando, perguntou-se: será que ele o vê como um tio? Será que era por isso que Aegon o manteve por perto? Eram essas e outras mil e uma indagações que a Rainha acabava por ter ao pensar o que poderia passar na cabeça de seu marido.)

Por fim, Aegon largou o cabo da espada e falou:

— Minha Rainha faz bem em lembrar-me de seu valoroso trabalho como meu protetor; é uma dívida que nunca poderei pagar, Lorde Varys.

O Eunuco assentiu, sem falar nada, com um semblante fechado. Era Ăłbvio que ele sabia que havia mais por vir, e que nĂŁo seria bom.

O rei nĂŁo o decepcionou quanto a isso:

— Entretanto, sei que o que aconteceu no salão não poderá ser esquecido. Existe sangue em nossas mãos, e minha imagem como Rei foi perturbada. — Levantou a mão quando a Aranha tentou falar, indicando que devia ficar de boca fechada. — Por isso, devo retirá-lo de seu posto como Mestre dos Sussurros. Mas não deve se preocupar, a coroa ainda lhe dará uma boa mesada, e te concedo a honra de viver com seu velho amigo, Illyrio, se assim lhe aprouver, ou, caso queira, uma moradia própria. — Finalizou: — Ambos sabemos que a corte não será segura para você.

O queixo flácido de Varys tremeu um pouco, Arianne pode observar. Por sorte, o misterioso homem teve o bom senso de se controlar. Apenas assentiu.

— Seria de meu agrado viver com meu velho amigo, Vossa Graça — disse Varys. — Temo que não sou dado a opulências — suspirou —, mas será bom ter um pouco de paz e estar com um amigo após tanto tempo.

Aegon assentiu.

— Ótimo. — Fez um gesto com o braço, dispensando o eunuco. — Agora saia, já pode preparar as suas coisas. — Voltou-se a sentar-se na cadeira.

Lorde Varys apenas fez uma vénia profunda.

— Que os deuses o guiem, majestade — disse, após se aprumar. Varreu os membros do conselho com seus olhos escuros. — E eu estarei sempre por perto, caso precise.

Arianne nĂŁo gostou do que aquelas palavras insinuaram, mas nada falou sobre.

Quando Varys se foi, nĂŁo tardou em falarem contra ele.

— A Aranha deve ser executada — demandou Randyll, com sua típica voz áspera.

— Concordo com o lorde careca, majestade — Aurane ecoou as palavras de Tarly, embora o seu apelido para Randyll tenha feito o lorde de Monte Chifre o olhar feio.

— Temo estarem certos, Vossa Graça — disse Haldon, o meio meistre.

O Rei virou-se para o seu Mão. Tyrion o encarou com seus olhos desiguais. O rosto do anão era uma máscara do horror: sem nariz, uma barba negra desgrenhada, cabelos pálidos com algumas mechas pretas, uma testa enorme que fazia com seu cabelo tivesse um aspecto de palha rala e grudada no topo.

— O que minha Mão acha? — indagou.

Tyrion deu de ombros.

— Varys ficará de olho em nós, e nós, ficaremos de olho nele. — Deu um sorriso torto e cheio de escarninho. — Além do mais, se essa aranha tentar nos picar, nós vamos esmagá-la com facilidade.

Aegon assentiu, introspectivo. Arianne sabia que ele devia estar abalado; a própria morte de Jon Connington já foi um golpe, não em seu reinado, mas em seu coração. Aegon podia não ter amizade com Varys e Illyrio; todavia, isso não tornava o fato de se afastar deles mais fácil.

— Varys vive — ele declarou —, até eu dizer que não.

Muitos podiam não gostar, mas ninguém ousou falar contra. Nem mesmo Randyll.

— E quem será o novo Mestre dos Sussurros? — indagou Tyrion, mesmo que ele e Arianne já soubessem.

— Minha Rainha fez certo ao me avisar sobre Varys — disse o Rei, gesticulando para a esposa. — Eu confiei nele, mas ele se mostrou inadimplente para o seu cargo. Entretanto, temos alguém que acredito que será um bom substituto para o cargo.

O Rei Aegon VI levantou a cabeça e falou para um guarda:

— Traga Lysono Maar.

Lysono trajava um magnífico manto escarlate, com renda de ouro e pérolas de d’água doce. Seu vestido era trançado, brilhante como ouro, e incrustado de jades. Seu rosto era pálido, com belos olhos púrpuras, que combinavam com as ametistas em suas orelhas. Seus cabelos branco-loiros caíam até um pouco além dos ombros.

Não era um homem feio, Arianne pensou, mas seus traços não eram o que ela acharia um chamativo — pelo menos não em um homem.

Era possível notar que a imagem elegante — e um tanto feminina — do estrangeiro pareceu deixar a maioria dos homens desconfortáveis — Em especial, lorde Randyll, para variar. (Embora Arianne realmente tivesse ficado surpresa com o fato de Tyrion ter sido o principal opositor contra Lysono ter um assento no Conselho.)

O novo mestre dos espiões fez uma vénia ao parar poucos passos antes da mesa do Pequeno Conselho.

O Rei limpou a garganta e falou:

— Fez muito bem ao me informar sobre a finta de Sor Daemon Sand.

— Fiz apenas meu trabalho para com o reino, majestade.

Aegon assentiu.

— De fato. Por isso, você será, de agora em diante, o novo Mestre dos Sussurros. Receberá um assento em meu conselho, um pouco de ouro, e poderá ter um novo cômodo na fortaleza.

O Mestre dos Sussurros meneou a cabeleira loira.

— É uma honra, majestade — agradeceu Lysono. Virou-se para Arianne: — lamento não ter conseguido impedir o assassinato de suas primas, minha amada rainha, assim como o de Lady Olenna.

A rainha apenas acenou para ele, sem esboçar nenhuma reação, e voltou-se para o Rei. Devia evitar contato com Lysono, pelo menos aos olhos de todos.

— Você fez o que podia — o Rei defendeu-o. — Infelizmente, o envenenador deu um jeito de burlar nosso preparo. — Virou-se para a sua consorte e pegou na mão dela. — É um descuido nosso, por termos apenas pensado que apenas eu, Arianne e os lordes Rowan e Tarly eram o alvo.

— Nós nos arriscamos — Arianne falou. — Nossos algozes fizeram um bom trabalho para que o envenenador nos passasse despercebido.

Aegon assentiu e enrugou os lábios.

— E tudo à toa — lamentou-se ele.

O assassino apenas ingeriu o veneno antes de ser pego. Ele também nunca planejou fugir; quando descobriram quem ele era, descobriram que sua casa estava vazia e a família havia sumido. De certo os algozes fizeram a esposa e filhos do pobre homem como reféns, para garantir que ele seguisse os planos.

Se a famĂ­lia ainda estava viva, apenas os deuses sabiam.

Mas como envenenaram as Serpentes de Areia? Olenna e Elinor realmente haviam cometido suicídio? Sabiam de Elinor no plano, mas nunca Olenna…

Havia algo ali, mas Arianne ainda nĂŁo sabia o que era. Faltava algo.

Lysono Maar se sentou na banqueta ao lado da Rainha Martell.

O MĂŁo do Rei fez um Muxoxo.

— Essa corte está cada vez mais esquisita e parecida com um bordel... — ralhou Tyrion, num múrmurio.

Arianne, apesar de ter se segurado e nĂŁo olhado para o anĂŁo, ficou chocada com as palavras dele.

Se o Rei, o prĂłprio Lysono, e os outros membros ouviram, nĂŁo se deram ao trabalho de comentar.

— E quanto aos Tyrells? — indagou Lorde Randyll, ignorando o clima agressivo do ambiente, indo para um assunto mais urgente.

— Nada — Aegon o respondeu. — Que a família da jovem que morreu voltar para a casa e enterrar a jovem.

Todos no conselho se entreolharam, parecendo nĂŁo gostar da decisĂŁo real.

Antes que alguém pudesse se encorajar e falar algo, Aegon falou:

— Willas nada teve a ver com as mortes, disso tenho certeza. Além do mais, tenho confiança de que Lorde Tarly e Rowan cuidaram da região. — Ao ver que muitos ainda pareciam titubear, ele continuou: — Lorde Willas não é tolo; sabe que a Campina está em apuros, e que brigar comigo não trará nada de bom.

— Então o plano de levar Tyrek e Edric para os outros reinos continua? — indagou Tyrion.

Aegon assentiu.

— Não sabemos como as coisas serão daqui para frente; entretanto, mesmo que os inimigos ao Norte fiquem parados por um tempo, não podemos nos dar ao luxo de ficarmos parados. — Ele fitou o anão por um tempo, até dizer: — Confia que Tyrek será bem aceito no Oeste?

Tyrion riu.

— Será mais bem aceito do que eu. Inclusive, eu sei como terminar o sangue entre a minha casa e a Casa Tyrell.

Aegon levantou uma sobrancelha.

— Que tem em mente agora, Tyrion?

O sorriso de Tyrion ficou mais largo, deixando-o ainda mais assustador.

— Elinor não passava de uma traidora medrosa; mas a prima dela tem mais guerra ao meu ver.

— Alla? — indagou Arianne, franzindo o cenho. — Concordo que ela é a mais gentil das tyrell, mas…

— Gentileza é para tolos — ralhou Tyrion. — Ela tem ambição, boas ancas e uma mente afiada demais para ser esposa de um qualquer. Não, aquela rapariga é perfeita para Rochedo Casterly.

Aegon franziu o cenho e o olhou de soslaio.

— Seu primo tem a visto? — indagou.

— Diversas vezes — admitiu o anão. — Ele a adora.

O Rei bufou. Apontou para Tyrion.

— É cheio de truques, anão. Mas juro por todos os deuses, se acha que vou deixar que continue com essas suas fintas impune, está errado.

Tyrion fez uma carranca.

— Eu apenas quis unir…

— Você pede a mim quando quiser unir pessoas em matrimônio — avisou Aegon. — Se te pegar em tramoias de novo, arranco-lhe essa sua língua venenosa. — Deu um riso de escarninho. — Já tem sorte que não corto o seu pau; anda a perder muito tempo com putas ao invés de se cuidar e fazer o seu trabalho.

Aurane Velaryon deu um risinho abafado ao ouvir a pilhéria do Rei.

Tyrion fitou o rei. Era possĂ­vel ver o Ăłdio queimando em ambos os olhos de seu rosto.

— Como quiser, meu rei — respondeu, com a voz ríspida, segurando o ódio.

— Ótimo. Agora, se meus senhores estiverem de acordo, vamos encerrar essa sessão. — Deu um suspiro. — Estou muito cansado.

— Antes — interrompeu o Grande Meistre —, majestade, o que enviaremos aos nossos inimigos?

Aegon nem pensou duas vezes ao responder:

— Fale apenas o que houve — disse. — Se Daenerys e Jon estavam por trás… o que acho difícil…, saberão que fracassaram. Caso eles tenham conspiradores entre eles, que eles fiquem sabendo disso e quebrem a cabeça pensando sobre.

— Não vai avisá-los sobre a possibilidade de ser Baelish? — indagou Arianne, temendo as possibilidades do que aquilo poderia causar no futuro. —Ou mesmo do possível envolvimento de Margaery?

Ele meneou a cabeça.

— Deixe-os com suas próprias tramoias, nós já temos as nossas. — Finalizou: — Que se destruam.

X O X O X X O X O X O X O X O X O X X O X O X X O X O X O X O X O X O X

Arianne nĂŁo falou com Aegon apĂłs o fim da reuniĂŁo. Seu rei sabia que ela estava indisposta; perdida em luto.

Arianne sentia-se cansada. Fazia tempo que nĂŁo dormia. Precisava dormir e relaxar.

Precisava chorar.

Sua dama de companhia, Valena Toland, estava Ă  espera em seu cĂ´modo. A herdeira de Nymella Toland era alta, ruiva e dele pele clara, o oposto de Arianne.

Ao ver a rainha adentrando nos aposentos, a herdeira de Monte Espírito levantou da cadeira onde estava, pegou uma jarra de cerveja preta, verteu o líquido em uma taça de estanho, e ofereceu-lhe a rainha.

Arianne fez que não com um meneio da cabeça. Estava enjoada demais para beber aquilo.

— Deu tudo certo, Vossa…?

— Preciso de um tempo para mim, Valena — disse Arianne, com a voz embargada.

Valena a olhou de forma hesitante, como se nĂŁo gostasse da ideia.

— Ari…

— Por favor — Arianne falou, um tanto irritada, mas sabendo que sua amiga só estava preocupada com ela —, deixai-me. Agora.

A contragosto, Vanilla assentiu e saiu do cĂ´modo.

Arianne sentou na beirada da cama.

Ainda era estranho pensar que tudo aquilo aconteceu. Tyene, Obara, Nymeria estavam mortas.

Mortas.

Suas primas estavam mortas. Assim como o pai delas, assim como Sor Daemon, Sor Arys, assim como Elia e Rhaenys…

Devia ter mandado Valena pegar um pouco de Sonodoce com algum meistre. Arianne nĂŁo queria pensar em nada daquilo ao dormir.

Enquanto seu companheiro não chegava, ela pensou em como as coisas estariam de agora em diante; devia tomar cuidado com as damas da Campina. Elas poderiam odiá-la ainda mais depois daquilo, mesmo que a escolha fosse de Elinor.

E, agora que a doce Tyene se fora, teriam de andar mais em gelo fino em relação ao Alto Septão. Apenas a septã Lemore estaria falando por Aegon naqueles ouvidos velhos do líder da Fé.

E, é claro, muitos odiaram que ela tivesse indicado Lysono Maar para o cargo. Mestres dos Sussurros nunca foram amados; desde a insidiosa Tyana da torre, até o próprio Lorde Varys.

Arianne tinha certeza de que a odiavam pir ser Dornesa e dar algum destaque para o seu principado na Corte de Aegon VI. Agora, mais do que nunca, a odiariam e atentariam contra a sua vida: a morte dos Tyrell cairia sobre ela, assim como o fato de nem sequer ser virgem, se aliar a Lysono Maar.

Arianne tinha que despachar Ellaria e Elia dali, para que elas voltassem o quanto antes para Dorne. Suas vidas também poderiam ser ameaçadas caso permanecessem na Capital; talvez usadas como refém.

Ellaria talvez servisse para ser regente de Dorne, agora que Doran estava ficando insano pela dor e pelo leite de papoula.

— Minha rainha?

Arianne ergueu os olhos e varreu o quarto. Demorou para ver Lysono, até que ele saiu das sombras.

Ele facilmente poderia me matar se assim o quisesse.

— Lamento pelas suas perdas — disse Lysono novamente. — Digo isso com sinceridade.

Arianne assentiu.

— Pelo menos você evitou a minha morte e a de outras pessoas — ela redarguiu. — Acha que o assassino queria mesmo nos matar? Ninguém o pegou tentando nos envenenar. Além do mais, minhas primas estavam tão alertas quanto eu.

Lysono deu de ombros.

— Isto ainda me aborrece. Meus espiões procuraram outros envenenadores, mas não acharam nada. — Suspirou. — Se haviam outros, ou estão mortos, ou fugiram.

— Creio que nem se tivéssemos pegado o assassino que se matou, saberíamos muito. A família dele era refém, ele nunca os entregaria.

O mestre dos sussurros assentiu.

— Pelo menos, nos livramos de Varys.

Aquilo fez Arianne voltar a ficar alerta. Ela se empertigou.

— Fique de olho na Aranha — avisou-o. — Ele…

— Seus passarinhos já estão sendo mortos, majestade — revelou o espião. — Mandei alguns soldados confiáveis da Companhia Dourada matarem algumas crianças que havia na corte.

Ela arfou ao ouvir aquilo.

— Crianças? — Arianne ficou horrorizada.

Ele assentiu.

— Varys usava crianças para espionar. Nenhuma tinha língua, então pude achar algumas com certa facilidade: basta perguntar-lhes algo, e elas nunca poderão responder. — Continuou: — Claro, existem várias, não conseguimos achar nem 50, e temos de fazer isso nas sombras, mas já é algo.

— E o que mais planeja? — Arianne quis saber.

Os olhos de ametista de Lysono pareceram brilhar de divertimento ao ver a linha de raciocĂ­nio.

— Aegon não poderia ter escolhido uma rainha mais sagaz! — O tom na voz de Lysono revelava que ele falava com sinceridade.

— Vai matar Illyrio e Varys?

— Bem, é o melhor ao meu ver.

— Não pode ser óbvio! — crocitou ela, farta daquele assunto, mas não querendo pontas soltas.

O homem assentiu.

— Pensei na praga. Ela tem aumentado em algumas áreas…

— É muito óbvio — ela o interrompeu. Parou de falar, analisando a situação. — O povo comum detesta estrangeiros tanto quanto os seus lordes.

Lysono a olhou, pensativamente. Ela viu aquilo como um sinal de que devia continuar:

— Varys parece que ajudou o povo a se irritar contra a falsa realeza de Joffrey — pontificou. — Facilmente podemos fazer o mesmo.

Ela continuou:

— Pense bem: a guarda da cidade pode ser facilmente comprada para não proteger Illyrio e sua aranha; o povo pode ser convencido de que eles que tentaram matar o Rei; a mansão de Mopatis está longe da fortaleza.

Seu comparsa assentiu, lentamente, enquanto escrutinava as palavras que acabou de ouvir.

— E as passagens? — ele indagou.

A rainha franziu o cenho.

— Isto é com você! De certo, pode cuidar disso!

Lysono riu e assentiu.

— Claro, majestade. Seu desejo é uma ordem para mim.

— Agora saia — ela ordenou, sentindo uma pressão aumentar em seu peito e subir, apertando sua garganta. Sentia o gosto do bílis.— Deixai-me, agora.

Ele fez uma vénia e deixou-a, entrando nas sombras.

Quando ele saiu, a rainha arrastou para dentro dos lençois da cama e se enrolou neles.

Finalmente, podia chorar.

X O X O X X O X O X O X O X O X O X X O X O X X O X O X O X O X O X O X

Tyrion estava de frente a lareira de seus aposentos como mĂŁo rei, saboreando um bom hipocraz.

A sua raiva em relação ao rei havia diminuído um pouco. Na verdade, achava até divertido ver como aquele rapazildo arrogante pareceu perceber antes de muito o perigo da ambição Lannister — ou melhor, que a ambição de Tyrion era perigosa, mesmo para aqueles que eram seus ditos aliados.

Talvez esse falso Aegon nĂŁo seja tĂŁo estĂşpido, afinal.

Mas, acima de tudo, pior que ficar contra a ambição de um Lannister, era despertar seu ódio. Isso era algo que Tyrion Lannister já havia mostrado para muitos — seu pai, sua irmã, as Serpentes…

E o povo de Porto Real logo iria descobrir, também.

— Milorde Mão — Lysono falou.

Tyrion se virou, sobressaltado, erguendo a cabeça para fitar o homem que mais parecia uma bela mulher. — Pelos deuses, homem! — ralhou Tyrion. — Você quer me matar?

Lysono deu um sorriso afável. Os lábios eram generosos, como os de Shae, o que fez Tyrion ter mais nojo daquele homem — com sorte, logo se livraria dele e de todo o seu ar feminino.

— Lamento, Milorde — desculpou-se Lysono, falando na língua comum com quase perfeição. — Apenas vim lhe dizer que nossa pequena donzela conspiradora está aqui, como me solicitou.

— Perfeito.

Alla se aproximou. Estava vestido com um simples vestido marrom de uma serva. As mãos à mostra mostravam sua realidade: perfeitamente pálidas e finas, nunca tendo feito qualquer tipo de trabalho braçal.

Tyrion achou divertido pensar que aquelas eram as mĂŁos de uma assassina.

Ela afastou o capuz puído, revelando seu belo rosto de porcelana, olhos de corça e cachos de bronze, seu cabelo era brilhante, como a crina lavada de um cavalo de corrida.

Seus olhos de corça estavam inchados e avermelhados, mostrando que a rapariga havia chorado.

Tyrion achou interessante receber uma donzela, tĂŁo bela e chorosa, em seus aposentos, com ambos podendo ser pegos a qualquer momento e tendo ambos sangue nas mĂŁos.

Ah, excitante, de fato, mas ele se controlou, ignorando seu membro ficando duro — havia tempos que não ia a bordeis, ao contrário do que o insípido rei pensava.

NĂŁo importava, logo poderia desfrutar de todo o prazer que quisesse.

— Você agiu muito bem — Tyrion disse, voltando a fitar as chamas, bebericando hipocraz.

— Obrigada. — A voz dela era fraca.

Tyrion a olhou e riu.

— Ora, deixai esse semblante triste! Sorri, agora.

A donzela forçou um sorriso fraco, mostrando os dentes perfeitos.

Bem, Tyrek não vai deixar de tentar consolá-la, ele pensou. Quem sabe algumas granadas e esmeraldas aqueçam o coração dela?

— Muito bem! — zombou ele. — Sabe ser obediente, como um cão, sim! — Jogou a cabeça para trás e riu. (Devia estar na quinta taça, então imaginou que era por isso que estava tão alegre.)

A jovem Alla forçou-se a manter o sorriso.

— Bem — disse Tyrion —, nós, Lannister, sempre cumprimos nossas palavras; você terá o que lhe prometi. — Ergueu uma taça. — Um brinde a futura Senhora do Rochedo! — Bebeu o restante da bebida e limpou os lábios com as costas das mãos.

Alla o fitou por um tempo, parecendo pensar no que deveria falar agora.

Talvez a jovem Tyrell quisesse saber mais coisas sobre os planos do Tyrion — como por exemplo, quem iria administrar as ervas para a Rainha, já que Alla não iria mais administrar os ingredientes de Chá da Lua separadamente na comida e na bebida de Arianne, mas Tyrion já tinha algumas ideias sobre como resolver isso.

De qualquer forma, ela nĂŁo ousaria perguntar nada na frente de Lysono; ela sabia que ele era fiel como um cĂŁo de guarda para com seus monarcas, e a mataria sem hesitar.

— O… Obrigada, milorde.

— Tyrek vai partir amanhã, e você vai com ele.

Alla assentiu. Permaneceu em pé.

Tyrion a olhou de soslaio.

— Algo mais? — indagou.

— Nós… Nós fizemos o certo?

— “O certo”? — Ele começou a gargalhar. — Ora, claro que não! Mas e daí? Vinguei meu sobrinho, e também dei cabo naquela buceta velha que sua prima Margaery chamava de avó.

Alla cerrou os punhos e apertou os lábios, formando um fina linha retilínea. Ele quase voltou a rir ao ver ela segurando o ódio em sua língua.

— Sim, Alla?

— Milorde… Os Lordes que traíram minha casa…

— Fique tranquila — ele falou. — Eles irão para a guerra; dificilmente voltarão dela.

— Mas, milorde…

— Saia — ele ordenou, voltando-se para uma jarra de vinho dourado da árvore que ele deixara numa mesinha ao lado de seu cadeirão, vertendo a bebida na taça.

Ouviu a jovem bufar, furiosa, mas ela apenas assentiu, girou os calcanhares e saiu dali

Tyrion sorriu. Aquela rapariga nunca iria entregá-lo: falar aquilo seria delatar a si mesma, além do mais, a jovem tinha ambição. Havia sentido fome, desilusão, horror, medo, perdas… Sim, ele sabia que coisas assim mudavam as pessoas. Por isso Elinor resolveu arriscar tudo para matar os monarcas, por isso Lady Margaery uniu-se a Petyr (ou seja lá quem fosse) para matar os seus inimigos, mesmo que ela mesma e seus familiares pagassem por isso.

Ódio, desilusão, temor, mágoa, asco… Essas, entre outras coisas, são capazes de transformar as pessoas — e Tyrion sabia disso muito bem.

Alla não era só esperta o bastante para aceitar a derrota, engolir o orgulho e tentar um pouco de paz com os inimigos; era também capaz de perceber o que lhe aconteceria caso estivesse do lado perdedor.

— Milorde — falou Lysono, após Alla se afastar —, ficará feliz em saber que a Rainha Arianne tem um ótimo plano para matar Illyrio e Varys; ela é uma mulher muito inteligente.

O AnĂŁo sorriu. A rainha era outra calejada pelo pesar.

— Ah, sim? — Tyrion falou, sem virar. Tomou um pouco do vinho dourado. — Tenho certeza de que o cérebro dela é maior do que seus peitos.

Virou-se para encara o homem afinado ao seu lado.

— Nosso plano deu muito certo, não?

Lysono assentiu.

— Graças as mortes das Serpentes e Olenna, Varys está fora das graças reais — falou ele, sorrindo. — Aegon está furioso com ele.

— E logo nos livraremos deles — ecoou o Lannister.

Logo, ele pensou, estaria tudo acabado. Tyrion teria sua vingança, e garantiria que sua vingança fosse finalmente concretizada.

— Sabe que falei bastante contra você no conselho, não é? — indagou ele. — Que defendi Varys…

— Não esperaria menos, Milorde. Ninguém pode saber de nossa aliança, então fico satisfeito em cumprir este papel para o bem de meu rei.

Seu título, então, deveria ser Putinha Real, pensou, e seu assento deveria ser o colo de Aegon, bichona patética.

— Agora, diga-me — Tyrion indagou —, como você envenenou as Serpentes? — Deixou que Lysono lhe contasse os detalhes depois, para ter alguma diversão. E ele sabia que esse homem adorava falar.

— Meus espiões acharam o envenenador há tempos — revelou Lysono. — Garanti-me de fazer com que ele achasse que alguns deles faziam parte do plano, de modo que ele lhes entregou um pouco do veneno. — Continuou: — Depois, os meros servos simplesmente serviram o veneno para as Serpentes, quando estas acharam que estavam seguras.

— E o homem acreditou mesmo que eram espiões?

Lysono deu um risinho abafado, como Varys.

— Todos do complô foram deixados no escuro. De certo, nem mesmo Elinor sabia quem era o envenenador; apenas este sabia dos outros envolvidos, e, graças ao desespero pela sua família, ele resolveu arriscar-se e acreditar nos meus impostores.

Tyrion assentiu.

— Muito bem. Mas, sobre esses seus espiões…

— Todos mortos e jogados aos peixes, milorde. Achei melhor do que fazer parecer um suicídio coletivo, pois quase todos poderiam ser ligados a mim. — Deu de ombros. — Bem, talvez não, mas por que arriscar? Envenenei-lhes as moedas de ouro, mandei degolá-los, atraí outros para dentro das passagens falsas… — Deu de ombros. — Todos mortos.

Tyrion assentiu ao tudo ouvir aquilo, lentamente.

— Sua frieza me surpreende, Lysono — sua voz era fria.

O Mestre dos Sussurros pareceu perceber o tom monĂłtono na voz dele.

— Isso é bom, Senhor? — indagou ele, ainda sorrindo.

NĂŁo, mas talvez nem tenhamos tempo para isso.

— Depende — respondeu —, ainda somos colegas, meu caro Lysono?

Ele redarguiu com um sorriso.

— Eu luto pelo Rei que acho legítimo — falou Lysono, com altivez e orgulho. — Enquanto estivermos lutando por ele, não temos inimizade alguma.

Tyrion assentiu.

— Bom — respondeu. Sorveu um pouco do dourado da árvore e ajeitou entre as peles quentes que o cobriam. — Agora, por que não damos a noite por encerrada?

Lysono assentiu.

— Pode descansar, milorde. Eu começarei o plano para derrubar Varys e Illyrio. Gostaria de saber os detalhes?

— Conte-me depois, pode ser? — sugeriu. — Tenho certeza de que será bem criativo.

O conspirador assentiu e voltou a sumir nas sombras.

Tyrion suspirou ao ver que estava sozinho. Esperava nĂŁo ter de se livrar desse comparsa. Por sorte, desde que ele permanecesse distraĂ­do com outros planos, as fintas de Tyrion iriam seguir normalmente.

Logo toda aquela corte de pantomima desse falso Aegon VI iria ter um fim.

Apesar de tudo, Tyrion não desgostava de Aegon — ele era um rei até surpreendentemente competente, sabendo lidar com certas situações. Arianne também não era uma péssima rainha…

… Mas Daenerys ainda tinha o exército maior e um dragão maior.

E Tyrion nĂŁo era do tipo que apostava no time perdedor.

Este Ă© o Ăşltimo capĂ­tulo disponĂ­vel... por enquanto! A histĂłria ainda nĂŁo acabou.