É a verdade. Essa é a minha "maldição" numa família que foi liberta há pouco tempo. Ser a terceira Natural da família, a primogênita da segunda Natural da linhagem com um Mortal, acresce esse fardo sobre mim.

– Como assim? - pergunta Mit. Ele está de olhos arregalados. Suspiro e começo a descer as escadas.

– Eu nasci assim, Mitchel. Não é algo que posso controlar. Minha mãe... Dizem que ela é a Conjuradora mais forte que já existiu. Antes de mim.

Mitchel me segue descendo as escadas. Caminho rápido em direção ao carro, segurando o enorme livro que tia Ridley me deu. Eu ainda não sei o que tem ali, mas sei que uma pessoa pode me ajudar. Liv.

– Vamos, Mit. Precisamos ir até a Biblioteca.

– À biblioteca?

– Sim, agora fique em silêncio.

– Tá bom, mãe.

Fecho os olhos, ignorando a provocação de Mitchel. Estou tentando rastrear Liv com o meu pensamento, um dos meus outros tantos poderes. Claro, quase todos os Conjuradores sabem fazer o Kelt, a comunicação por mentes, uma forma de nos escondermos dos Mortais. Mas o meu poder vai além. Consigo rastrear qualquer Conjurador ou Mortal, saber onde está, sem que ele nem perceba.

– O que está fazendo? - pergunta Mitchel. Sua voz parece ecoar em um túnel.

– Tentando encontrá-la.

Sinto uma fagulha na minha cabeça. Finalmente!

Liv, aqui é Liz. Preciso me encontrar com você. Onde você está?

Ela demora um pouco para responder. Sinto sua surpresa passando como ondas em seu cérebro. Liv é só uma Mortal, por isso não tem essa ligação Kelt com todos os Conjuradores.

Liz? Liz Duchannes? Sua família sabe que está tentando se comunicar comigo?

Uma parte dela sabe.

– Conseguiu? - Mitchel murmura.

– Shhh...

Olha, preciso da sua ajuda, Liv. Onde você está?

Isso não importa. Onde você quer que eu a encontre? Tenho meus truques.

Tudo bem. Encontre-nos em frente à Biblioteca. E, por favor, leve tudo o que puder sobre a família Wight.

Ok.

Perco Liv, mas sei que ela irá comparecer. Por isso, mando Mitchel acelerar e logo estamos em frente à Biblioteca.

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– Gostou do visual? - pergunta uma mulher atrás de mim. Viro-me rapidamente, dando de cara com Liv.

Corpo curvilíneo, cabelos completamente negros, muito parecidos com os de minha mãe. Saia longa preta e uma blusa branca, quase transparente, dão um ar mais sóbrio a seu olhar provocante. Eu não lembro como ela era antigamente, mas agora parece uma daquelas modelos que já não desfilam mais.

– O tempo traz muitas transformações - diz. - Nossa, você é incrivelmente parecida com sua mãe, Liz!

Puxa-me para um abraço e me dá um beijo no rosto. Quando finalmente me solta, seu olhar cai sobre Mitchel.

– E quem é esse?

– Este é Mitchel Wight.

– Wight?

– Sim. Esse que você está pensando.

Ela assente devagar com a cabeça e me mostra a pasta que trouxe.

– Vamos - digo.

Entramos no carro e Mitchel dá a partida.

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Durante todo o caminho, Liv faz perguntas. Conto sobre meus poderes especiais e Mitchel fala sobre a família dele. Quando falo sobre o que meu poder pode causar sobre um Cataclista, a mulher se cala por uns instantes.

– O que houve? - pergunto.

– Nada, só estou pensando.

– Aonde devemos ir? - Mitchel indaga.

– Para a saída da cidade - diz ela. - Vocês terão que partir logo.

– E para onde vamos, afinal?

– Para Chicago.

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Paramos sob uma enorme árvore perto da bifurcação que daria para minha casa. Exatamente no ponto onde Mitchel sofreu o acidente. Exatamente sob a árvore onde me escondi e onde nós nos vimos pela primeira vez.

Liv é a primeira a sair do carro e se jogar na grama alta, junto com seus papéis. Eu e Mitchel encaramos um ao outro, e então nos sentamos lado a lado. Ela olha sugestivamente para nós, perigosamente próximos.

– Tudo bem - diz. - O que querem saber?

Penso no livro que Ridley me deu. Devo confiar na mulher que está à minha frente, por isso mostro a ela. Com todo cuidado, abre o livro e o folheia.

– Mas... Está em branco.

– O quê?! - grito, tomando o livro das suas mãos.

Observo aquelas páginas em branco. Liv está certa, não há nada ali. Mas... Por que tia Ridley me daria um livro em branco? O que isso quer dizer?! Demoro-me, encarando as páginas.

Uma letra.

Pisco os olhos com força. Não. Só pode ter sido uma ilusão. Olho para Mitchel, mas ele está atento à Liv.

– Vocês devem ir a Chicago. Talvez à sua casa paterna, Mitchel. Descobrir um pouco mais da sua família, da sua árvore genealógica.

– O que é exatamente minha maldição? - ele pergunta.

– Ninguém sabe como surgiu. Muitos especulam que foi traição. O amor proibido entre um Cataclista e uma Natural. Há muitas histórias. Veja bem, Cataclista e Natural são dois seres completamente opostos. A família dele era completamente contra. E um Cataclista homem... Já era raro desde aquela época.

As palavras dela penetram a minha mente, enquanto ainda encaro as palavras que surgem devagar na página. Imagino que estou ficando louca, mas não. Palavras estão se formando. Palavras entrelaçadas pelo o que parecem galhos.

– O que se sabe é que todo homem da família Wight, ao chegar aos 21 anos, morre. E que a cada 6 homens, o sétimo será um Cataclista. Ou seja, o sétimo homem a linhagem, o décimo quarto e por aí vai... foram Cataclistas.

Uma árvore genealógica. É isso que está se formando. Os nomes vão aparecendo um a um, entrelaçados. No topo da página, há uma grande brasão acompanhando o sobrenome de Mitchel. A cada 6 nomes masculinos, o sétimo está escrito em caligrafia vermelha. Primeiro surgiu, em vermelho, o nome Andrew Wight. O décimo quarto da linhagem foi David Wight. Aos poucos, mais cinco nomes aparecem em caligrafia negra.

– Com os poderes de Liz, talvez haja um saída para você. Mas não sei o que acontecerá com as gerações futuras.

O sexto nome aparece, mas não é o nome de Mitchel. Fecho os olhos, deixando as palavras de Liv vagarem por minha mente.

– Talvez ela possa salvá-lo. Vocês precisam encontrar a sua árvore genealógica.

Abro os olhos e encaro a folha. O último nome em vermelho, o vigésimo primeiro homem da linhagem.

– O poder dela pode salvá-lo - diz Liv.

– Não - falo, olhando para a página. Os dois voltam-se para mim. - Meus poderes não podem salvá-lo.

– Por quê?!

Levanto a cabeça e encaro os olhos de Mitchel. Estou a beira das lágrimas, mas forço-me a falar:

– Porque você é o vigésimo primeiro homem da linhagem, Mitchel. Você é um Cataclista. E eu posso matar você.