~POV Mitchel

Abro os olhos e me vejo de pé em frente a uma montanha. Liz está parada ao meu lado. Ela me encara, sua expressão me indagando onde estávamos. Mas não posso respondê-la. Não faço ideia de que lugar é aquele.

– Por que será que estamos aqui? – pergunto.

Ela aponta para um buraco no meio da montanha.

– Você só pode estar de brincadeira, né?

– Acha que eu quero entrar aí? – ela me pergunta de volta.

Olho para trás. Uma floresta se estende ao longe, sob o céu azul. Um corvo voa acima de nós, em círculos.

– Não podemos voltar? – indago, suplicante.

– Não acho que deveríamos estar aqui. Se estamos, é porque ainda não acabou.

– Como assim?! Quer dizer que estarmos mortos não é o bastante? Seremos torturados também?

Vejo-a revirar os olhos e se abaixar.

– Olhe, não quero atravessar isso aqui tanto quanto você. Mas se, em todos os lugares que poderíamos estar, chegamos aqui, é porque temos que fazer algo. – Ela suspira. – E meu pai já me falou sobre esse lugar, uma vez.

Liz entra naquele buraco claustrofóbico e eu não tenho escolha senão segui-la.

– Até que enfim! – exclamo.

Finalmente podemos ver uma luz no fim do túnel, literalmente. O ar fresco me atinge aos poucos e aperto meus olhos até eles se acostumarem com a claridade. Liz sai primeiro e logo depois, jogo-me na grama também.

Até ver os pés.

– Quem são vocês e o que vocês querem? – Uma voz me surpreende.

Meu olhar vai subindo por aquele corpo, enquanto um arrepio desce pelo meu. Por um momento, fico com medo, mas então lembro que já estou morto. Qual a pior coisa que pode acontecer?

– Xavier? – a voz de Liz sai baixa.

Aquele ser a encara. Seu corpo deformado me causa náuseas. Parecia ser o resultado de um cruzamento entre um humano e um morcego.

– De onde me conhece, menina? – pergunta o tal que Liz diz se chamar Xavier. Noto um tom diferente em sua voz. Não tão rude. – Eu deveria conhecê-la?

– Não... Não. O senhor não me conhece... Mas conhece o meu pai.

– Seu pai? – Xavier aproxima-se mais de nós. Toco no braço de Liz, por instinto, pronto para puxá-la pra trás.

– Sim, senhor. Ethan. Ethan Wate. – Pausa. – Ele lhe deu O Livro das Luas. Ele matou Angelus.

– Ethan?! O Ethan meu amigo? – Xavier sorri, o que o torna ainda mais sobrenatural. – Ele está bem? Conseguiu encontrar a amada dele?

Desta vez, é Liz que sorri.

– Sim. A minha mãe.

Xavier ri de maneira contagiante. Faz que vai abraçá-la, mas se contém.

– Quanto tempo! Você é filha dele? Bem, não se parecem muito. Exceto os traços dos olhos, talvez. – Ele olha para mim. – E este, é seu irmão? Vocês não se parecem...

– Não, ele é meu... amigo.

– E em que posso ajudá-los? Não me diga que vocês querem entrar no Registro Distante, assim como seu pai fez.

– Não, não... Nós precisamos é de uma coisa que você guarda.

Ele nos olha desconfiado.

– Vocês querem levar um dos meus tesouros? Porque, se for isso, a resposta já é não.

– Não queremos levar nada. – Liz olha para mim. – Olha, nós vamos explicar.

~POV Liz

Depois do que pareceram horas explicando, finalmente Xavier nos leva para dentro da sua caverna dos tesouros.

– Então – diz ele –, vocês precisam dos livros. Pelo menos sabem o que fazer com eles?

Olho para Mitchel. A verdade é que não sabemos nem o que estamos fazendo neste momento.

– Nós meio que seguimos nossa intuição – Mit intervêm. – Só descobrimos o que fazer na hora.

O homem-morcego dá de ombros e vai até uma estante no fundo da sala. Reparo nas coisas em volta e começo a ouvir a voz do meu pai, contando-me sobre aquele lugar.

– Ah, aqui está! – exclama. Mitchel aperta meus dedos, e eu falo com ele por meio de Kelt.

Respire.

Parece que a ansiedade dele está passando para mim, porque começo a ficar ofegante. Meu coração salta, como se quisesse sair do meu corpo. É estranho porque, para começo de conversa, meu coração nem deveria bater. Com o canto do olho, vejo Mit colocando a mão sobre o próprio peito.

– Xavier... – arquejo, com a voz fraca.

Mas Xavier parece estar tendo seus próprios problemas. Ele já estava perto de nós, quando os Livros começaram a vibrar em suas mãos. O homem tenta segurá-los, mas não está tendo muito sucesso. Ele tem que...

– Solte-os – sussurro, enquanto Mitchel desaba no chão e meus joelhos cedem. – Solte-os, Xavier....

– O quê? – O olhar dele está assustado. Vejo a sua preocupação, sem saber se deve segurar os seus tesouros ou nos ajudar.

– Ficará... – Respiro fundo. Minha garganta parece fechar. – Tudo bem...

Mitchel está se debatendo no chão e estou ficando sem energia.

– Por favor... – tento dizer, mas minha voz não sai.

Então as mãos soltam os Livros e eles voam até nós, caindo à nossa frente, abertos na página...

– Mit?

Estamos de volta aquela espécie de limbo, em que não há nada e há tudo, ao mesmo tempo. O espaço é tão branco que quase me cega.

– Por que estamos aqui de novo? – pergunta Mitchel.

– Não sei.

– Será que fomos evaporados ou sei lá? Banidos para essa existência que não é existência? Porque, se for, isso é mesmo uma droga!

– Mitchel! Dá para parar um minuto?

Ele dá de ombros e volta o olhar para adiante.

– Vê alguma coisa?

– Não – respondo.

Mas foi só fechar a boca, que duas formas tremeluziram à nossa frente.

– Parece que não foi tão difícil... – diz a primeira.

Camila. E o outro, claro, Victor.

– O que estamos fazendo aqui? Não foi tão difícil?! Nós morremos! – exclamo.

Victor dá de ombros, como se aquilo não fosse nada demais. Não sei por quê, mas aquilo me deu raiva.

– Por quê? – Mit pergunta.

Acho que aquilo define tudo. Por quê? Por que nós tivemos que morrer? Por que tudo isso? Eu deveria salvar Mitchel, e não morrer junto com ele. Certo? É assim que deveria ser.

Ok. Até teria lógica tudo isso se pelo menos Mit continuasse vivo. Mas e agora? O último homem Wight está aqui, preso em algum mundo mítico onde nada e tudo coexistem. Morto. E eu também.

Mas que droga de vida injusta é essa!? Sinto vontade de gritar.

– Vocês precisavam devolver o que não lhes pertencia. Não eram presentes. Seus poderes eram, por falta de palavra melhor, emprestados – fala Camila.

– E tínhamos que morrer? – Minha voz sai mais rude do que eu gostaria.

– Infelizmente sim. Os Livros já não estavam mais no plano Mortal. Só assim a maldição poderia se quebrar.

Fico calada, mas Mit resolve se pronunciar:

– Uma coisa que não entendo... é o porquê de nossos poderes terem a ver com a minha maldição. Quero dizer, Liz não possui nenhum laço comigo. Como ela pode estar envolvida nisso tudo...?

– Quando fomos embora, Camila trouxe o Livro das Estrelas – é Victor que fala. – Estávamos desesperados por causa da maldição que meu pai jogara sobre nós. Conjurei logo após a ele, tentei de tudo, mas o peso caía sobre mim também. – Ele olha para Camila e continua: – Então Camila teve a ideia de usar O Livro.

– Em que O Livro ajudaria vocês? – pergunto.

– Nós não tínhamos poderes para quebrar, nem Conjurar, uma maldição tão forte. Palavras são palavras. Mas quando são colocadas com sentimentos, adquirem um significado diferente, mais forte. Tudo pode acontecer. – Pausa. – Eu não poderia falar em nome da Magia. Somente das Trevas. Mas fiz. E estava morrendo.

– Ainda não compreendo em que isso envolve Liz.

– Camila começou a estudar o Livro das Estrelas. Não havia muito para nós. Mas entendemos nosso erro. Magia não é está acima de Luz e Trevas. Magia é Luz e Trevas.

– Como assim? – Mit indaga.

– A Magia é a moeda. E uma moeda possui dois lados – pronuncia-se Camila. – Victor amaldiçoou a si mesmo, ao tentar quebrar a maldição dos nossos descendentes. Eu sabia que havia uma saída. E a saída estava nas palavras de Victor, na noite em que fugimos. Se ele falara em nome da Magia, eu também deveria fazer. E fiz.

– Então Camila ficou grávida. Era um menino. Ele viveu feliz, sem saber da maldição. Quando completou vinte e um anos, até pensamos que nada iria acontecer... – Ele respira fundo. – E dois meses depois, ele simplesmente adoeceu e ficou cada vez pior. Chamava-se Luca.

– Luca faleceu e eu... Eu enlouqueci. Não tínhamos mais filhos. Nosso amor não poderia morrer ali. O fruto do nosso amor. Nosso nome não duraria por gerações... Seríamos apagados, esquecidos na História, como se nunca tivéssemos existido... Então usei o Livro das Estrelas.

Paro, pensando naquelas palavras. Entendo o desespero deles, mas... Parecia que ela só tinha feito tudo aquilo por orgulho. Para que seu sobrenome não morresse... E como se tivesse lido minha mente, Camila fala:

– Eu sei. Era apenas orgulho. Mesmo uma Conjuradora da Luz é orgulhosa. – Pausa. – Não vai adiantar eu lhes contar toda a história. Saibam que usei o Livro para dar ao meu filho uma chance de viver e se perpetuar. O Livro deu, a todos os Cataclistas descendentes de Luca, poderes da Luz. Porque ele era um Cataclista.

– O Livro sempre pede algo em troca – digo.

– Não. Dessa vez, eu ofereci – responde ela. – Chegaria um tempo em que um amor como o nosso iria nascer e nós iríamos retornar. E então aquilo que o Livro nos emprestou, seria devolvido.

– E tínhamos que morrer.

– Vocês não estão mortos – entrega Victor.

– Oi?!

– Nós estamos. Eu e Camila. Vocês não.

– Mas que tipo de brincadeira é essa? – pergunta Mit, desesperado.

– Os poderes de vocês. Somos nós. Nós estivemos com vocês todo o tempo. E agora que vocês se encontraram, temos que ir.

– Não estamos mortos? – pergunto, num sussurro.

– Não.

– Mas... E o que temos que fazer?

– Já fizeram. Vocês estão indo para casa agora.

Olho para meus pés e os vejo sumindo, como fumaça.

– Espere! – peço. – O que vai acontecer agora?

Eles sorriem. Sinto-me aflita e tranquila ao mesmo tempo, como se isso fosse possível.

– Agora? Só depende de vocês – diz Camila.

Mitchel pega a minha mão, sério. Entrelaço meus dedos nos seus, passando-lhe confiança.

– E, Liz – Victor me chama. – Obrigado.

Eu assinto, nervosa, enquanto voltamos...

Estamos em frente à autoestrada 9, nos portões de Ravenwood. Meus dedos ainda estão entrelaçados aos de Mitchel, e ele se vira para mim.

– Oi – diz.

– Oi.

Ele sorri e parece que tudo o que vivemos em menos de 24 horas não passou de um sonho ruim.

– Parece que estou liberto.

– Sente-se diferente? – pergunto.

Ele olha para o lado, fingindo concentração.

– Hmm... Diferente do tipo eu-não-vou-mais-morrer-depois-de-amanhã? É, acho que sim.

Eu rio e Mit me toma em seus braços. Sua mão voa para a minha nuca e ele me beija ali mesmo, apertando-me contra seu corpo. Estremeço com a sensação da sua boca na minha. Quando finalmente me solta, sorri novamente e mantém sua testa colada à minha.

– Tenho que ir – digo.

Ele assente e atravessamos os portões da casa. Estou tão anestesiada com o beijo, que só quando já estamos bastante perto, é que vejo três silhuetas na varanda da casa.

– Droga! – reclamo, baixinho.

– Que foi?

– Minha mãe. Minha tia. E meu pai.

– Já vou conhecer meu sogro? – Ele faz cara de medo e eu dou um tapa em seu braço.

– Idiota! Isso é sério! Estou ferrada, muito ferrada.

– Vamos! – Mit tenta me puxar.

– Não! Enlouqueceu?

– Bom, você acabou de salvar a minha vida hoje. Irei quebrar esse galho para você, dessa vez. Mas não se acostume!

– O que vai fazer?

– Salvar você, é claro.

– Você o quê?

Mas ele já estava lá na frente, subindo as escadas e apertando a mão do meu pai.

O que está fazendo?!

Eu te amo, chatinha. Confia em mim.

– Oi, senhor. Meu nome é Mitchel Wight. E sou o namorado da sua filha, claro, se o senhor permitir.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.