Marcas da Alma

Marcas da Alma: Parte 3


Sua marca pulsava de uma forma diferente agora.

Desde o confronto na base dos clones, Keith sentia que estar perto de Shiro era mais intenso, mas não havia lhe ocorrido que isso poderia ser um indicativo de que seus sentimentos eram correspondidos. Para ele, aquela sensação reconfortante no peito era apenas um plus devido à relação fraternal de ambos, que havia se estreitado após o encontro na consciência do Leão Negro.

Depois de lutarem contra Lotor no plano Quintaessencial, toda a preocupação de Keith se dirigiu a Shiro. Eles precisavam achar alguma forma de trazê-lo de volta – o mais rápido possível! –, mas quando os poderes alteanos de Allura não foram suficientes para curá-lo, Keith se viu na obrigação de implorar por ele mais uma vez.

— Resiste! Eu não vou desistir de você!

Enquanto o grupo de paladinos se responsabilizou por vasculhar aquele planeta alienígena, Keith decidiu que ficaria ali em pé, ao lado da cápsula alteana, até o momento que Shiro apresentasse alguma melhora. Não importava quanto tempo fosse necessário.

O toque quente em suas costas, bem como o sorriso amoroso de Krolia, fez seu coração pulsar contente. Ela sabia o que Shiro significava para si e estar consigo naquele momento tão decisivo o fazia se sentir amparado. No entanto, a Galra sentia que aquele era um momento particular do filho e por isso disse a Allura que os deixasse, a princesa programou a cápsula para avisar qualquer mudança no estado do paladino negro e depois se afastou com Krolia. O ex-paladino ouviu seus passos ao longe, mas manteve sua atenção direcionada a Shiro, ele colocou suas mãos no vidro da cápsula desejando, na verdade, poder sentir a pele quente e o braço forte ao redor do seu corpo, assim como o coração pulsante contra o seu.

Preocupar-se com a vida de Shiro tinha sido praticamente um hobby nos últimos anos. Havia aprendido a suportar a dor, mas aquela angústia de não saber se ele sobreviveria jamais deixaria de ser desconfortável. Como poderia de qualquer maneira? Ele já devia ter acordado há horas!

Após aproximadamente quarenta minutos, Krolia entrou na cabine de novo interrompendo seus pensamentos.

— Allura usou muita energia para trazer a consciência do seu humano de volta, ela disse que vai descansar um pouco agora.

Ele anuiu, mas não se moveu. Suas mãos continuavam tocando o vidro, rogando para que aquilo provocasse alguma mudança positiva no quadro do amigo.

— Keith – Krolia chamou – Você deveria dormir também, está há mais de um dia acordado.

Negou. Nada disso importava no momento, nem mesmo se sentia com sono! Na verdade, tudo que precisava era de algum sinal de Shiro!

Ele era sua única preocupação.

Keith... – Krolia tocou seu ombro, tentando convencê-lo, mas o jovem negou avidamente e se afastou.

— Não! Eu vou ficar! Aqui, com ele... – ditou firme – Até Shiro acordar!

As íris roxas dela fitaram-no com pesar. Krolia havia acompanhado toda a jornada daquela relação apenas pelos relatos do filho, mas ver como ele se desestabilizava quando Shiro era posto em questão, a fazia compreender um pouco melhor sobre o amor dos humanos. Ele não era tão diferente assim dos Galras, afinal.

— Caso ele acorde, o dirá quais são seus verdadeiros sentimentos? – questionou curiosa.

Seu filhote normalmente não era assim tão expressivo, por isso imaginava que essa experiência o faria ter coragem para tal declaração. No entanto, Keith apenas grunhiu e focou seu olhar na cápsula enquanto franzia as sobrancelhas.

— Eu disse... na estação espacial... eu... eu disse a ele.

— E como seu humano reagiu?

— Não quero falar sobre isso, Krolia. Por favor.

Keith...

Estou bem, eu só...preciso que ele fique bem – admitiu, olhando-a com os olhos úmidos e revoltosos.

Krolia tombou a cabeça para o lado, estudando a feição do mais novo. Ela nunca o havia visto chorar desde que se reencontraram e vê-lo dessa forma a fazia sucumbir ao seu lado maternal. Abraçou-o e arrastou sua bochecha sobre a dele conforme arranhava a base de seu pescoço, outro gesto tipicamente carinhoso dos galras.

— Estou aqui, ao seu lado.

Keith se aconchegou nos braços da mãe e aproveitou o apoio enquanto pôde, ao menos até os visores da cápsula começarem a piscar e sons irritantes chamassem sua atenção.

Os minutos seguintes foram simplesmente caóticos.

Keith gritou para que Krolia chamasse Allura e em questão de segundos a princesa apareceu na cabine para checar a cápsula que mostrava os níveis vitais de Shiro caindo e que ele estava morrendo. Keith sentiu seu peito afundar, como se ele próprio estivesse morrendo junto dele. A marca de Keith queimou tão intensamente que o fez gemer de dor e se desequilibrar, obrigando Krolia a ampará-lo.

— Keith! Você está bem?! – sua voz tinha uma notória preocupação.

— Mãe! Shiro! – Keith chiou enquanto olhava desesperado para a mais velha.

— Keith...

— Allura! – ele chamou, e a alteana o fitou pesarosa.

— O corpo do clone está rejeitando a consciência do Shiro...

— Você tem que ajudar ele de alguma forma! – gritou.

— Eu não posso fazer nada... – Allura sabia que estava impotente naquela situação, mas ainda assim doía pensar que logo perderiam Shiro de vez.

Keith ofegou com a resposta dela se sentindo novamente desamparado. A respiração se tornava mais pesada a cada segundo, a garganta se fechava, o corpo tremia e a marca enviava choques elétricos por seu corpo.

Ele se recusava a acreditar que havia cruzado o universo com Shiro, enfrentando batalhas e combates fatais ao seu lado, e que seria bem diante de seus olhos que ele viria a morrer, quando um mísero vidro alteano era a única barreira entre eles. Em segundos, Keith estava sobre a cápsula com os olhos fechados batendo contra o vidro, implorando para que o mais velho reagisse.

— Shiro, por favor, resiste! Não faz isso comigo de novo, cara!

Os chamados incessantes surpreendentemente funcionaram. Nem mesmo Keith pôde acreditar quando viu os níveis vitais de Shiro começaram a aumentar. Keith suprimiu um gemido aliviado ao olhar para Allura e a ver sorrindo, dando-lhe a confirmação de que seu pedido havia alcançado Shiro.

Shiro não o deixaria sozinho de novo.

Quando a capsula abriu, Keith achou que seu coração poderia atravessar o peito e ir ao encontro de Shiro. As batidas fortes zumbiam em seus ouvidos, ele estava suando e um leve incômodo surgiu em seu estômago, mas assim que os olhos castanhos do seu humano abriram, ele não se segurou. Keith praticamente se jogou dentro da cápsula, puxando o corpo de Shiro para um abraço forte e necessitado. Ao imprensá-lo contra si, Keith sentiu a marca praticamente vibrar e arrepios eletrizantes atravessarem seu corpo.

Era uma sensação nova, mas ele considerou normal dada a situação.

E tudo que importava era que Shiro estava bem.

— Você me salvou – Shiro disse fraco, rente ao seu ouvido como se estivesse compartilhando um segredo importante, arrepiando seus pelos da nuca.

— Nós salvamos um ao outro – Keith o apertou mais forte, se é que aquilo era possível, e escondeu seu sorriso aliviado no pescoço do outro.

Krolia os observava completamente fascinada. Toda a preocupação de Keith assemelhava-se a dela própria quando havia encontrado o pai dele ferido após explodir a nave galra no passado. Refletindo sobre isso, Krolia estava prestes a pedir para que Allura e ela os deixassem a sós de novo, sabendo que aquele momento de reencontro era importante para ambos, mas no mesmo instante ela ouviu as vozes dos outros paladinos se aproximando. Eles entraram animados e comemoraram a melhora do paladino negro.

A galra ficou satisfeita com a reação deles. Ao que parecia, eles defenderiam o humano de seu filho se preciso fosse e, para Krolia, defender Shiro era o mesmo que defender Keith.

Assim que a euforia do grupo passou e eles perceberam que estavam sem o Castelo, bem como qualquer comunicação com as bases aliadas de Voltron – incluindo a Espada de Marmora –, decidiram que deveriam retornar à Terra e lá buscar mais informações. Todos se mostraram alegres com aquilo, mas Krolia notou o olhar pesaroso de Keith direcionado a Shiro.

— O que houve? – ela questionou ao filho.

— Shiro tinha um noivo na Terra. Ele achava que Shiro tinha morrido.

— Oh. Você acha que Shiro irá voltar para ele?

Keith pensou por alguns minutos. Shiro não havia mencionado Adam desde que eles foram para o espaço e se tornaram paladinos, Keith também nunca perguntou sobre o antigo parceiro porque era como mexer na própria ferida amorosa, então ele simplesmente havia deixado o assunto para trás. No entanto, voltar para Terra trazia esse tema à tona de novo. Shiro deveria estar feliz em poder voltar, se tornar o herói da galáxia mais uma vez e reencontrar o antigo amor, mas o olhar tristonho dele para o céu daquele planeta o fez reconsiderar aquilo.

— Eu não sei.

Ele realmente não sabia quais eram os pensamentos de Shiro no atual momento. Ele estava morto há menos de um dia e graças aos poderes de Allura foi revivido. Keith imaginava que voltar com Adam era importante, mas talvez não fosse a principal prioridade de Shiro agora.

Keith caminhou até ele, deixando Krolia para trás. Ele precisava saber como Shiro estava depois de tudo.

— Shiro?

— Keith?

Havia uma ternura característica na voz dele, que fez a marca de Keith aquecer.

— Como você está?

Shiro passou a mão pelo cabelo jogando a franja para trás, claramente frustrado. Ele poderia mentir sobre como se sentia, mas no fundo precisava compartilhar seus pensamentos com alguém e estava grato por Keith estar ali consigo.

— Eu não sei... – Shiro suspirou e depois formulou uma resposta mais adequada – Você me salvou, de novo. Obrigado.

— Você não precisa me agradecer por isso, Shiro. Tenho certeza que faria o mesmo por mim – falou enrubescido, tocando o ombro dele.

Shiro sorriu com a frase, sabendo que era verdadeira. Keith, por sua vez, se sentiu “derreter” apaixonado por aquela visão. O mais velho estava ainda mais bonito com o cabelo branco ao passo que os olhos cansados deixavam-no com um ar mais sério e também etéreo. O calor característico de quando estava com ele retornou, espalhando a sensação reconfortante por sua marca e peito.

— É bom te ter de volta – Keith disse ameno e nostálgico.

— É bom estar de volta.

Keith desviou o olhar envergonhado, lembrando-se de quando o salvara do Garrison assim que pousou na Terra com a nave galra e também do abraço saudoso que recebeu no deserto.

— Shiro? – ele pigarreou – Você tem planos para quando voltarmos? Digo, você passou por tanta coisa com os galras, se não quiser contar à Patrulha, irei te apoiar.

O sorriso de Shiro diminuiu e então ele negou a sentença com um movimento sutil de cabeça.

— Todas as nossas informações são importantes para nossa luta. Eu só estive pensando em Adam recentemente...

— Oh... – Keith tocou seu braço esquerdo, pesaroso – Ele deve estar sentindo sua falta.

— Eu não tenho tanta certeza – Shirou riu conformado, mas diante do olhar confuso do amigo, resolveu se explicar – Nós terminamos antes da missão Kerberos, ele não queria que eu fosse e me deu um ultimato: a missão ou ele.

— E você escolheu a missão?! – Keith prendeu a respiração chocado. Ele realmente não sabia daquilo e isso o deixou estupefato.

E o mais importante, talvez a marca de Adam estivesse enegrecida porque ele havia rompido com Shiro, e não porque acreditava que ele tinha morrido!

— Era importante pra mim... – Shiro riu – Adam estava certo mais uma vez, eu arrisquei minha vida inúmeras vezes desde então.

— Shiro...

— Eu sei, não tínhamos como prever isso. Mas agora eu estou pensando que Adam irá culpar a si mesmo pelas coisas que aconteceram comigo, por não ter me impedido de vez.

— Shiro... – Keith chamou de novo – Tenho certeza de que ainda há uma chance para vocês – doeu para ele dizer aquilo, mas era verdade.

Adam seria muito estúpido se não o quisesse de volta.

Aliás, quem não iria querer Takashi Shirogane?

— Oh, não! Eu não o amo mais – Shiro confessou tristonho, e Keith suprimiu um grito espantado quando o maior puxou a gola da camisa para mostrá-lo sua marca enegrecida. Keith sabia que a marca dele ia do tríceps ao ombro direito e tinha o formato semelhante a de um raio cruzando o céu, mas agora com seu braço amputado restavam apenas alguns resquícios dela.

— Quando...?

— Após alguns torneios galras. Eu acho que... as batalhas... o antigo Shiro não existe mais.

Keith o olhou espantado. Ele não conseguia imaginar quais atrocidades tinham sido feitas com mais velho, mas elas definitivamente não eram suficientes para apagá-lo assim. Impulsivo – como sempre, se tratando de Shiro – Keith deu um passo à frente e afagou a bochecha dele, sentindo arrepios atravessarem seu braço marcado.

— Você sempre existiu pra mim. Não desisti de você um minuto sequer.

O antigo paladino sentia o coração disparado e a garganta se fechando, mas ele precisava dizer aquilo. Enquanto esteve no deserto, no espaço, sendo líder de Voltron, com Krolia, Keith nunca havia desistido de encontrá-lo.

— Keith, tem uma coisa que eu preciso te dizer...

— Eu preciso te dizer algo primeiro – interrompeu.

Krolia estava certa, ele deveria se declarar de uma vez antes que algo acontecesse e se arrependesse de ter desperdiçado aquela oportunidade. Keith puxou o próprio braço de volta e levantou a manga, deixando sua marca à mostra.

— Uma marca?! Quando?

— Eu ganhei ela no primeiro dia em que te vi, Shiro. Você foi meu irmão, minha família, meu amigo e líder, mas antes de tudo isso, você sempre foi aquele que teve meu coração. Eu não posso mais esconder isso, não depois da base dos clones e de quase tê-lo perdido ontem... Você é a pessoa mais especial em todo o universo pra mim, Shiro... Eu...Eu te amo, Takashi.

O sorriso límpido e espontâneo que lhe foi direcionado roubou seu fôlego. Ele estava preparado para as mais diversas reações do outro, mas jamais imaginava que o paladino levantaria a bainha de sua camisa em resposta e lhe mostraria sua nova marca vermelha, que descia pelo flanco esquerdo. Keith tinha os olhos arregalados e assim que olhou para a própria marca, ele a viu se tornar vermelha e em seguida brilhar, da mesma forma que a de Shiro.

Ele estava sendo correspondido.

— Takashi... – sua voz falhou, mas ele tinha certeza que Shiro o ouviu.

— Quantas vezes você vai me salvar antes que isso acabe? – ele refez a pergunta de outrora, o tom de voz suave como um afago em seu coração.

— Quantas vezes forem necessárias... – Keith sussurrou em deleite, tocando a marca dele com seu braço marcado.

O toque fez com que ondas de calor e arrepios se espalhassem por seu corpo, as sensações que vinham daquela simples conexão eram muito intensas e estavam-no deixando atordoado. Sua respiração estava pesada, os ouvidos zuniam, os olhos estavam úmidos e o coração batia tão forte que Keith considerou a possibilidade de vê-lo atravessando seu peito. E ao olhar para Shiro, sentiu vontade de chorar. Os olhos doces e castanhos estavam nublados, como reflexo das mesmas sensações que ele sentia naquele momento.

— Eu também amo você, Keith – Shiro falou doce, inclinando sua cabeça.

Keith começou a rir e chorar ao mesmo tempo, absorto demais para fazer qualquer outra coisa. Ele sabia que deveria beijá-lo, mas ao ter ciência de que era correspondido suas emoções ficaram descontroladas e sequer conseguia respirar com propriedade. As lágrimas escorriam por suas bochechas, a visão estava embaçada e não conseguia se controlar mesmo que quisesse.

— Oh, quiznack! Beijem logo! – Lance gritou ao fundo e um coro de vozes surgiu para repreendê-lo.

Shiro riu consigo, enxugou suas lágrimas com delicadeza e depois selou seus lábios de modo rápido. O beijo fez com que um curto-circuito acontecesse no cérebro de Keith e, como consequência, sua visão começou a escurecer.

Porra, o que está acontecendo comigo?!

— Takashi, eu acho que vou desmaiar.

— Oh, não, não! Keith! Keith! Keith!

Quando acordou, Keith percebeu que estava dentro da cápsula alteana e em poucos segundos o rosto de Shiro apareceu à frente do visor. Ele aparentava estar preocupado e assim que Keith se lembrou do que havia acontecido, a máquina começou a apitar pelo aumento considerável de seus batimentos cardíacos.

— Keith?! – a voz de Shiro era abafada pelo vidro, mas ele conseguia identificar a preocupação em sua voz.

O antigo paladino tocou o vidro da cápsula e praticamente no mesmo instante ela se abriu. Shiro o puxou para um abraço apertado, fazendo sua marca esquentar de maneira confortável.

— Você nos assustou – Shiro falou ameno.

— Desculpe... o que houve comigo?

— Krolia levantou a possibilidade da marca conflitar com sua descendência galra, algo como experimentar sensações muito intensas – Shirou riu, enrubescendo – Ela disse que é comum “ômegas” terem esse tipo de reação quando são “marcados”. Eu não entendi muito bem.

Keith suspirou, balançando a cabeça.

— Não se preocupe, Shiro. Estou bem agora – sorriu.

— Isso quer dizer que posso beijá-lo sem o risco de que você desmaie novamente? – sua voz tinha um tom brincalhão que fez Keith rir divertido.

Ele sentia o peito aquecido e um sorriso espontâneo surgir em seus lábios conforme observava o rosto etéreo daquele que sempre amou.

— Você pode me beijar quantas vezes quiser, Takashi. Almas gêmeas fazem isso, não?

Shiro encostou suas testas e concordou. Sim, almas gêmeas se beijavam e as marcas luminescentes em seus corpos eram o aval mais bonito para aquilo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.