Acho que nunca estive tão distraído.

As horas se passavam e eu nem sequer percebia, estava em um mundo distante e particular, onde os lábios doces de Zoey comandavam meus pensamentos. Mal consegui dormir, mal consegui comer, tampouco me concentrar em algo. Meus amigos tentaram conversar comigo durante praticamente toda a manhã, na hora do café, mas eu não lhes dava ouvidos. Estava ocupado demais revivendo a sensação quente de nossos beijos ontem à noite.

Como pude pensar que era apaixonado por Afrodite? Eu tinha de ser muito louco para sequer cogitar uma barbárie dessas, mas, felizmente, meu erro pôde ser corrigido a tempo, e em grande estilo. Só achava muito engraçado o fato de eu poder mudar tanto em tão pouco tempo, ou... Bem, não mudar de fato, mas sim em relação a meus sentimentos. Afinal, de um cara que não resistia a um par de pernas abertas, transformei-me em um grande idiota romântico.

Não que eu me importasse, na verdade.

Se tudo isso significasse ficar ao lado de Zoey, eu estaria extremamente satisfeito. Eu tinha certeza de que tê-la comigo seria muito melhor do que...

– Desembucha logo, Erik.

A voz de Drew interrompeu meus pensamentos bruscamente, fazendo-me pular em minha cadeira com o susto. Isso foi o bastante para que a névoa gostosa de meus pensamentos se dissipasse, dando lugar à realidade mórbida da sala de aula, onde eu deveria estar fazendo mais exercícios de espanhol. Eu realmente não queria ser tirado de lá tão cedo, muito menos que fosse por causa de uma conversa direta com Drew. Tudo bem, eu exagerei um pouco. Eu não estava me lamentando por ter de falar com ele nem nada disso, mas sim porque eu estava muito a fim de voltar ao mundo encantado de meus pensamentos, desta vez sem interrupções, porque a sensação era tão boa, que eu quase me esqueci de onde eu estava. Quase.

Ah, tudo bem, eu admito. Eu acho que me esqueci de onde estava.

– Como assim? – Perguntei, fingindo surpresa. Entretanto, a sobrancelha que se ergueu na sua testa me provou que ele não acreditou nenhum pouco na minha atuação fajuta. Passei as mãos pelo meu cabelo, bagunçando-o de leve. Eu não queria contar a ele o que houve entre Zoey e eu, ao menos, não ainda. – Ah, bem, eu ainda estou pensando nos lances de ontem, sabe? A cara do Keith foi hilária. Eu nunca vou conseguir me esquecer.

Tentei esboçar um sorriso, cutucando seu ombro de forma animada, mas logo me lembrei de que estávamos na aula de espanhol e a professora Garmy era conhecida por odiar conversas.

– Aham, vou fingir que acredito. – Ele disse.

– Mas é verdade, Drew! Ou vai me dizer que aquela cena não foi digna de um Oscar?

Ele deu uma risadinha, rendendo-se à lembrança.

– Ok, ok. Admito que Cole tenha se superado ontem e que eu nunca ri tanto na minha vida, mas eu tenho certeza de que não é sobre isso que você estava pensando. – Ele fez uma breve pausa, coçando o queixo de modo pensativo. – Claro, a não ser que você tenha mudado para o lado rosa da força. Porque, se aqueles suspiros não forem causados pelo corpo nu do Justin, eu não tenho ideia do que...

– Tudo bem. – Eu o interrompi com um aceno. – Você venceu. Eu admito! Sou culpado, acabei de sair do armário, mas eu estava morrendo de medo de assumir isso, e não queria que você ficasse sabendo tão cedo. – Ele me olhou incrédulo, sorrindo largamente da minha brincadeira. – Na verdade, isso ainda é um pouco novo pra mim, sabe? Quer dizer, quando é que eu iria esperar me atrair pelo mesmo sexo e...?

– Erik, fala sério. – A esta altura, Drew já tentava segurar as risadas. – Fala aí o que realmente aconteceu.

Sorri de volta com um olhar sombrio. Eu não tinha mais como evitar esse assunto mesmo.

– Tudo bem, eu falo. – Fiz uma pausa para suspense, mas Drew se irritou com isso e me deu um soco no braço. – Ai, isso dói! Tá legal, eu vou dizer, mas não se apavore, ok? – Ele revirou os olhos e assentiu. – Eu beijei Zoey noite passada.

Eu podia jurar que seu queixo despencaria do rosto. Drew me encarou com os olhos arregalados, parando de se mexer completamente. Cutuquei-o levemente no ombro, mas ele não se moveu.

– Drew? – Sussurrei. – Você tá legal?

Alguns minutos irritantemente longos se passaram até ele dizer:

– Espera aí, vamos voltar àquela parte em que você era um homossexual e...

– Há, há. Muito engraçado, palhaço. – Dei um soco nele. – Agora é sério. Eu beijei Zoey ontem à noite.

– Tudo bem, me conta essa história direito. Quando você encontrou Zoey, pra início de conversa? Foi antes da seção Star Wars? Mas você nem parecia muito feliz lá, claro, isso antes daquelas merdas que o Cole aprontou, mas...

– É, você tem razão. Eu encontrei Zoey depois que voltei pro meu quarto.

– Oh. Então você deu um jeito naquele encontro, afinal? – Ele me lançou um sorriso malicioso. Por mais que eu quisesse acompanhá-lo, não consegui. É que a coisa não tinha acontecido exatamente daquela maneira.

– Na verdade, não. – Respondi. – Eu a encontrei no jardim... Longa história. – Me apressei em dizer quando ele estava prestes a me interromper. – Nós conversamos, colocamos algumas coisas nos eixos e eu, finalmente, consegui com que ela confiasse em mim o suficiente... O resto é, bem, você já sabe.

– Ah, então rolou...? Você sabe...?

– Não! – Eu quase gritei. – Ela não é desse tipo. Mas é claro que uns bons amassos eu consegui.

– Meu deus, eu não consigo acreditar. Parece surreal demais.

– Por quê?

– Ah, sei lá. Ela mal chega na escola e você já consegue ficar com ela, quer dizer, e eu tento e tento a mesma coisa com Stevie Rae... Só que não consigo.

– Você precisa ser um pouco mais incisivo, Drew. – Eu o olho seriamente. – Você já tentou falar com ela?

– É claro! Quer dizer... Bem, não exatamente. Foi na aula de Feitiços e Rituais, eu acho. Ela me perguntou sobre algumas ervas ou sei lá o que, mas eu não tinha ideia e... Fiquei meio que um pouco nervoso... – Ele suspirou. – Eu sou um idiota!

– Não, você não é. Só... Aja naturalmente.

– Mas como?

– E como é que eu vou saber se eu nunca falei com St...?

– Erik! Drew! – A voz de Garmy chegou rápida como um chicote a meus ouvidos, sobressaltando-me. – Silêncio, por favor. Estamos no meio de uma aula.

– Desculpe. – Dissemos a ela.

Depois disso, Drew não tocou mais no assunto "Zoey", muito menos no de "Stevie Rae", o que eu agradeci imensamente. Eu poderia estar parecendo animado ou mesmo disposto a contar tudo o que aconteceu entre ela e eu ontem à noite, mas algo sempre me segurava. Era como se eu quisesse preservar a sua imagem e tudo o que vivemos apenas entre nós dois, sem que todos ficassem sabendo.

Tudo bem, eu sabia que não havia razões para tamanho alarde, afinal, meus amigos sempre ficaram sabendo de tudo sobre todas as garotas que eu já fiquei, mas eu sentia que era diferente desta vez. Não sabia ao certo, mas Zoey conseguiu despertar outros tipos de sentimentos em mim – eu realmente não mentira para ela sobre isso. E eu sabia que eles estranhariam o fato de que, repentinamente, eu não revelaria mais nada, porém, estava disposto a seguir essa linha.

Quando o primeiro período de aulas finalmente acabou, caminhei lentamente até o salão para o almoço. Evitei brandamente me encontrar com meus amigos, seguindo diretamente para o buffet sem me importar com seus chamados. Eu queria evitá-los ao máximo possível, justamente, para não ter de contar nada. Porém, meus esforços foram vãos, uma vez que, assim que posicionei o prato na mesa e me sentei, pronto para comer, pude ouvir a voz de Drew dizer em alto e bom som:

– Ei, atenção, pessoal, o Erik tem uma novidade pra contar.

Quatro pares de olhos curiosos se voltaram para mim imediatamente. Lancei um olhar quase homicida na direção do traidor, mas ele mal se importou, apenas deu de ombros como se não tivesse culpa de nada. Desgraçado!

– Que tipo de novidade, Erik? – Perguntou Keith.

– Não me diga que você entrou pro time biba também. – Sussurrou Cole, fazendo com que todos rissem imediatamente e Keith se voltasse para ele com um olhar semelhante ao que eu lancei a Drew.

– Cala a boca, idiota. – Ele disse enquanto tentava socar Cole. O problema era que eles estavam frente a frente, e o movimento de ataque de Keith combinado ao de esquiva de Cole resultou em uma mesa quase virada.

– Nossa, será que vocês podem deixar de ser idiotas uma vez na vida? – Resmungou Thor, com raiva. Então, ele se voltou para os dois. – Cole, dá pra parar com as piadas? Isso já está cansativo. – Cole murmurou algo quase ininteligível, como "reclama agora, mas estava morrendo de rir ontem", que todos ignoraram. Keith estava rindo, mas se calou quando Thor voltou-se para ele. – E você, tenta superar isso. Ninguém mandou dar bandeira sobre as preferências homossexuais se não queria que nós descobríssemos.

– Mas eu não... – Ele tentou dizer, mas foi interrompido por TJ.

– Chega, seus merdas! Sou só eu que estou morrendo de curiosidade sobre o que o Erik tem a dizer? – Depois disso, todos pareceram se aquietar, olhando-me como se nada tivesse acontecido. Merda.

Eu estava prestes a dizer que eu não tinha nenhuma novidade quando alguém me interrompeu. Confesso, aquela não era a minha voz mais querida no mundo, mas eu poderia beijar sua dona em agradecimento se eu pudesse.

Tá, tudo bem. Nem mesmo assim eu beijaria. Eca.

– Será possível que vocês nunca estejam prontos quando eu preciso? – Afrodite resmungou. – Eu não entendo qual é a dificuldade de irem diretamente ao Centro de Recreações para arrumarmos tudo até o Ritual. Parecem um bando de lesados!

– Oi pra você também, Afrodite. – Drew disse com um sorrisinho forçado. – Estamos muito bem. E você?

Ela revirou os olhos de maneira teatral e disse:

– Se vocês não fossem tão insuportavelmente dementes, eu até seria mais educada. Mas, no momento, estamos sem tempo. – Agora, foi a vez de Drew revirar os olhos. Segurei a risada. – Será que dá pra levantarem essas bundas preguiçosas e me seguir?

Dizendo isso, ela virou-se e começou a caminhar a passos largos para fora. Eu geralmente odiaria ter de segui-la como um idiota, mas agradecia imensamente por sua interrupção, já que todos pareceram se esquecer completamente do que eu tinha a dizer.

Foi assim durante todo o tempo em que ficamos arrumando o Centro de Recreações; que não foi muito, entretanto. Nós não ficaríamos ali para o ritual que comemoraria a data de Samhain, onde a linha divisória entre o mundo espiritual e o vivo estaria mais fina. Por isso, logo tudo estava posicionado como Afrodite queria. Só que nossa tarefa não estava acabada, para o meu azar. Hoje, seria a noite em que finalmente poderíamos sair da House of Night para comemorar em grande estilo, e tivemos de seguir até o mirante do Museu Philbrook a fim de organizarmos tudo também.

Confesso que sair para rituais era o que eu mais gostava em ser um Filho das Trevas, mas a parte da arrumação era muito chata, principalmente, quando você tem um amigo como TJ, que não cala a boca um segundo sequer.

– O que será que Afrodite está bolando para hoje à noite? – Ele perguntou mais uma vez – eu já havia perdido a conta de quantas. – Não, porque eu escutei ela dizendo à Enyo que esse seria o ritual mais inesquecível de todos, e pra dizer isso, ela deve estar pensando em algo sensacional. Tudo bem, eu admito que tenha um pouco de medo do que pode ser, sabem? Quer dizer, não que eu tenha medo mesmo, mas quando se trata de Afrodite, tudo é possível e...

– Ah, eu não aguento mais! – Drew berrou, erguendo as mãos para cima. – TJ, será que dá pra calar a boca por, tipo, cinco minutos?

– Nossa, quanto estresse. – Ele respondeu sem se afetar. – Eu conheço uma técnica de Watsu incrível se você quiser...

– Dispenso. Muito obrigado. – Drew respondeu mal-humorado, porém, o sorriso logo tratou de aparecer em seu rosto. Oh, ou. Eu conhecia essa cara. Nada que viesse dele seria bom, eu tinha certeza. – Mas tem algo que com certeza me faria bem melhor.

– E o que é? – TJ perguntou.

– Se o Erik contasse pra gente o segredinho que ele tanto teima em esconder.

– Contar? – Seu cenho se franziu imediatamente, mas logo que a compreensão se fez presente em sua mente, ele arregalou os olhos. – Ah, você tinha aquele lance pra nos contar, não é, Erik? Foi mal, cara, mas eu me esqueci completamente disso.

– Sem problemas. – Respondi de mau humor. – Não era muito importante mesmo.

– Como não? – Drew disse. – Desde quando ficar com Zoey Redbird não é algo importante?

Se minha vida não fosse tão trágica, eu até poderia rir da cara de abobado que estava presente nas feições de meus amigos. Suas reações foram tão parecidas com as de Drew que eu temi o fato de que eles jamais fossem voltar ao normal, porém, por experiência própria, eu sabia que era uma questão de tempo até que o jorro de perguntas começasse a sair.

– Espera um pouco. – Cole disse. – Você ficou com a Zoey? A mesma Zoey Redbird que eu estou pensando que seja? Aquela Zoey?

Revirei os olhos.

– É. Essa Zoey mesmo.

– E quando é que você pensava em nos contar sobre isso? – Questionou Thor. Vi que os demais balançaram suas cabeças, como se estivessem com a mesma dúvida.

– Nós conversamos ontem, eu e ela. – Eu disse. – E decidimos que seria melhor não sair espalhando por aí. – Tudo bem, aquilo não era totalmente verdade, mas eu não precisava dizer isso. – Além do mais, o que vocês têm a ver com isso? Bom... Não é como se fosse um mistério que eu estava a fim dela. Eu apenas consegui um tempo pra conversar e... Rolou. Foi isso.

– Mas como assim, Erik? Você está louco? – Keith exclamou. – Mesmo sabendo que a gente estava morrendo de curiosidade pra saber sobre você e a Zoey, ainda assim decidiu não nos contar nada? Poxa, sacanagem, viu?

– Que nada. – Drew disse. – Se a Zoey pediu ao Erik que não contasse nada, o que ele podia fazer?

Meus amigos logo concordaram, mas eu pude perceber que eles ficaram um pouco ressentidos por eu não ter dito nada. Tudo bem, eu sei que foi meio idiota, afinal, eles jamais me entregariam dessa forma, mas como já disse, eu não queria estragar a imagem de Zoey daquela maneira. E também não me arrependi pela minha escolha.

Depois da cena um pouco trágica com meus amigos, no entanto, tudo pareceu voltar ao normal. Eles aparentemente entenderam meus motivos e respeitaram isso, para minha surpresa, sem mais tocar no assunto o restante do dia. Claro, se você não contar que Cole dera um jeitinho de me perguntar coisas sórdidas sobre Zoey, mas eu nem me importei com isso, afinal, não sou totalmente de ferro. Fora que eu estava louco para dividir pelo menos um pouquinho da noite espetacular que eu tive.

As aulas seguiram seu curso normal, todos ansiosos para o que Afrodite estaria bolando para o ritual de Samhain, mas eu pouco me importava. É óbvio que sair sempre era bom, mas a minha agitação poderia facilmente ser explicada por um simples fato: eu encontraria Zoey mais uma vez. Não era segredo nenhum que ela me deixara completamente viciado, desde em seu cheiro, seu sabor, seus toques sutis, sua voz... Tudo nela me fazia quase roer as unhas de ansiedade para vê-la mais uma vez.

Foi pensando nisso que eu segui para o meu quarto a fim de tomar um banho, trocar de roupa e, ainda pensando sobre isso – como o belo idiota apaixonado que sou, admito –, parti, finalmente, para o Centro de Recreações. Encontrei meus amigos conversando em um canto um pouco afastado, todos vestidos de maneira semelhante a minha, por isso, aproximei-me deles imediatamente. Porém, não consegui prestar atenção ao que diziam, pois meus olhos se viravam a cada cinco segundos na direção da porta, apenas esperando o momento em que aquela cabeleira negra emergiria salão adentro.

Algo que não tardou, felizmente.

Zoey vestia as mesmas roupas de ontem: o vestido preto de Afrodite e sapatilhas combinando. Porém, eu não pude deixar de babar como o imbecil que eu sou mais uma vez. Mas foi logo depois de ela colocar seus pés dentro do ambiente para que a vaca dos infernos resolvesse se pronunciar:

– Belo vestido, Zoey. Igualzinho ao meu. Ah, espere aí! Ele era meu. – Ela deu uma risada escabrosa, como se fosse superior a Zoey de alguma forma. Porém, Z. não se afetou com isso, mostrando-se não afetada ao devolver o sorriso cínico e dizendo na maior cara de desentendida:

– Oi, Afrodite. Nossa, eu estava lendo um capítulo no livro de sociologia 415 que Neferet me deu que fala sobre como é importante que a líder das Filhas das Trevas faça todos os novos membros se sentirem bem-vindos e aceitos. – Então, ela se aproximou do ouvido de Afrodite e sussurrou algo que eu não pude captar, mas que a deixou pálida e rígida. Eu não tinha ideia do que ela dissera, mas pude perceber o arrependimento em seus olhos quando ela sussurrou um "desculpe".

Sinceramente? Não entendi o motivo pelo qual Zoey se desculpou. Afrodite merecia ouvir aquilo – seja lá o que fosse – e muito mais, com certeza. Porém, a habilidade de Zoey em se colocar como alguém diplomático em qualquer situação me deu um repentino sentimento de orgulho. Era bom saber que, mais uma vez, as duas se provavam extremamente opostas uma da outra.

Entretanto, aquilo não durou muito, já que Afrodite logo a revidou.

– Foda-se, sua anormal. – Ela berrou, como se aquela fosse a resposta mais genial do mundo, e começou a rir debochadamente quando alguns idiotas acharam graça de sua declaração. Revirei meus olhos. Ela era tão idiota que eu nem sabia mais porque me surpreendia com essas coisas.

Afrodite caminhou para o meio do salão com os braços erguidos e todos olharam imediatamente para ela, como se fossem atraídos por um tipo de ímã. Naquela noite, ela trajava um vestido vermelho que se moldava as suas curvas como se tivesse sido esculpido junto a ela. Ela estava gostosa demais.

– Uma novata morreu ontem, e outro morreu hoje. – Afrodite disse, interrompendo meus pensamentos indevidos. – Todos nós os conhecíamos. Elizabeth era legal e tranquila. Elliot foi nossa geladeira em vários dos últimos rituais. – Ela sorriu de uma forma sinistra e, em seguida, balançou os ombros de forma despreocupada. – Mas eles eram fracos, e vampiros não precisam de fraqueza em seu covil. Se nós fossemos humanos, chamaríamos isso de sobrevivência do mais forte. Graças à Deusa não somos humanos, então, vamos chamar apenas de Destino e nos alegrarmos por ele não ter descartado ninguém daqui.

Fiquei enojado com suas palavras, mas, mais ainda, quando percebi os grunhidos de aprovação ao meu redor. Está certo que eu não conhecia Elizabeth, e que eu achava Elliot estranho, mas nada disso dava algum direito a Afrodite de rebaixar suas mortes como se fossem algo tão mesquinho. Eu estava com cada vez mais vontade de dar no pé dali e nunca mais voltar, porém, ao olhar para Zoey mais uma vez, aquela ideia pareceu se esvair da minha mente. Eu não poderia deixá-la ali sozinha, principalmente, em uma noite de Samhain, onde todos nós sairíamos da House of Night e faríamos o ritual ao ar livre.

– Mas chega de morte e tristeza. – Ela continuou. – É Samhain! Noite em que celebramos o fim da estação da colheita e, mais ainda, hora de lembrarmos de nossos ancestrais – todos os grandes vampiros que viveram e morreram antes de nós. – O seu tom de voz era cada vez mais confiante, como se ela estivesse adorando as próprias palavras. Que vaca. – Essa é a noite em que o véu entre a vida e a morte se torna mais fino e delicado e quando os espíritos têm mais probabilidade de caminhar sobre a terra. – Ela fez uma pausa e olhou para cada um de nós com expectativa. Então, ergueu a voz e disse: – E o que vamos fazer?

– Sair! – Todos berraram em resposta. Eu permaneci calado, revirando os olhos para a empolgação exagerada deles.

A risada de Afrodite alcançou meus ouvidos. Havia algo de estranho nela, e eu me lembrava de já tê-la ouvido antes. Parecia algo sensual, provocante... Olhei em sua direção pouco antes de me arrepender por completo, pois, quando meus olhos pousaram em sua silhueta, os dela encontraram os meus e seu sorriso se alargou, enquanto ela passava a mão pelo seu corpo deliberadamente. Tudo bem, eu era um homem, e tinha de admitir que aquilo me excitasse como o inferno, mas, naquele exato momento, uma sensação esquisita de enjôo se misturou ao tesão, deixando-me um pouco mal. Portanto, eu não sabia se continuava olhando ou ia direto ao banheiro vomitar.

Por fim, decidi desviar o olhar, antes que eu fizesse besteira.

– Isso mesmo. – Ela disse. Eu ainda podia ouvir resquícios de sorriso em sua voz. – Eu escolhi um lugar impressionante para nós esta noite, e temos até uma nova geladeirzinha esperando por nós com as meninas. – Por um momento, a menção à “geladeira” não me pareceu mais tão convidativa como há algum tempo. Eu só conseguia pensar quem fora o coitado que caiu nas garras de Afrodite a ponto de se oferecer dessa maneira. – Então, vamos sair daqui, mas lembrem-se: fiquem em silêncio. Focalizem suas mentes em estar invisíveis, assim, nenhum humano que possa estar acordado nos verá. – Percebi quando ela mirou Zoey fixamente. – E que Nyx tenha piedade de quem quer que revele nosso segredo, porque nós não teremos nenhuma. – Afrodite voltou a sorrir. – Sigam-me, Filhas e Filhos das Trevas!

Eu nem tive muito tempo para refletir sobre a estranheza da afirmação de Afrodite, pois, segundos depois, ela seguiu para a porta dos fundos do Centro de Recreações, seguida por todos os calouros, que se dividiram em silenciosos grupos pequenos. Notei que meus amigos me chamaram com gestos de mão, mas eu neguei com a cabeça quando vi que Zoey permaneceu parada no mesmo lugar. Eu a olhei por alguns momentos, analisando sua expressão cansada. Ela parecia considerar seguir o grupo ou ficar ali mesmo, mas, depois, ela soltou um suspiro fundo e pareceu despertar do transe.

Aproximei-me devagar.

– Vamos lá, Z. – Eu disse com o que esperava ser um tom de voz animado. – Você não vai querer perder o espetáculo, vai?

Ela me olhou de volta com diversão.

– Você está brincando? Garotas detestáveis, totalmente empolgadas com a possibilidade de constrangimento e sangria, como não amar tudo isso? Não posso perder nem um minuto.

Eu não disse nada, também achei que não seria necessário, já que eu tinha medo de estragar nosso pequeno avanço falando alguma besteira. Ela parecia estressada demais com toda a situação, por isso, deixei-a se aproximar de mim e rumamos atrás dos outros até a porta secreta, de onde sairíamos para o mirante. Pouco a pouco, o grupo desapareceu pela entrada, o que pareceria meio sinistro se fosse sua primeira vez. Foi quando me lembrei de que, estranhamente, esse era o caso de Zoey.

– Mas que porra é...?

Eu não esperei até que ela terminasse.

– É só um truque. Você vai ver.

Zoey olhou para o alçapão com um misto de curiosidade e espanto. Na verdade, eu já estava acostumado a sair por ele em noites de ritual como essa, tanto que nem pensava muito sobre o que estava fazendo. Entretanto, de alguma forma, eu voltei a analisar a construção camuflada no muro de pedras e me permiti recordar minhas primeiras vezes ali. Eu ficara realmente assustado, porém, com o passar do tempo, aquele lugar secreto, digno de filmes de mistério, mais parecia apenas uma das portas que eu tinha de atravessar para as travessuras idiotas de Afrodite no meio da noite. Repentinamente, com Zoey, eu meio que voltei a enxergar aquilo com excitação. Ou, talvez, fosse apenas a sua presença ao meu lado, que me deixava um pouco nervoso.

É, eu achava que preferia a segunda opção.

Nós dois fomos os últimos a sair, e a porta fez o mesmo ruído suave de todas as vezes. Zoey a olhou por alguns segundos.

– Está ligada a um teclado numérico automático. – Eu expliquei. – Como uma porta de carro.

– Ahn, quem é que sabe disso? – Ah, então ela estava preocupada com o fato de alguém nos pegar? Sorri internamente com sua ingenuidade.

– Qualquer um que tenha sido Filha ou Filho das Trevas. – Sussurrei simplesmente.

– Oh. – Foi sua resposta. Vi que ela ainda olhava para trás com receio.

– Eles não ligam. É uma tradição da escola que nós saiamos para alguns rituais. Contanto que não façamos nenhuma besteira, eles fingem que não sabem que estamos indo. – Eu dei de ombros, sem me importar muito com isso. – Acho que funciona assim.

– Contanto que não façamos nenhuma besteira. – Ela repetiu. Eu estava prestes a responder, quando ouvi uma voz irritante chiar:

Shhh.

Olhei para frente com o cenho franzido, mas não consegui reconhecer o idiota por causa do capuz que usava. Bem, aquilo também não me importava muito, uma vez que a pessoa tinha um pouco de razão em nos mandar calar a boca, afinal, teríamos de tomar o máximo de cuidado possível a partir daquele trajeto. Aquela era uma área nobre, construída por humanos que se encheram de grana com o negócio favorável do petróleo, mas raramente eram vistos em casa. Quer dizer, eles estavam ocupados demais viajando, trabalhando ou indo as suas próprias festas para se importar com uma movimentação estranha de vampiros nas redondezas.

Confesso que eu estava impressionado com as condições favoráveis ao nosso ritual. A lua brilhava no céu escuro de uma maneira espetacular. A luz projetada era forte, regando a noite com sombras espiraladas. Distraí-me com o lindo cenário que se estendia além das minhas vistas. As ondulações prateadas sobrevoavam de uma maneira espectral sobre o lago que engolfava o mirante logo a frente, deixando tudo ainda mais místico e agradável. Olhei para o lado a fim de observar o que toda aquela cena magnífica estaria representando a Zoey, mas não havia ninguém ao meu lado. Confuso, girei a cabeça até encontrá-la um pouco mais ao fundo, ainda sobre a ponte, maravilhada com tudo o que seus olhos captavam.

– Vamos, Z. – Eu chamei.

Ela pareceu se surpreender comigo ali, pois seus olhos se voltaram para mim como se ela estivesse assustada. Olhou-me por um longo tempo antes de caminhar mais rápido na minha direção, voltando a me acompanhar no trajeto. Bom, isto é, antes que seus olhos vissem a fachada do museu.

– Erik, isso aqui é o Museu Philbrook! – Ela parecia espantada. – Vamos ter sérios problemas se nos pegarem aqui.

– Eles não vão nos pegar. – Respondi, andando rápido para conseguir acompanhar o restante do pessoal. Mesmo sem querer, a lentidão de Zoey nos custara alguns metros adiante de todos eles.

– Muito bem, isso aí não é apenas a casa de um ricaço. Isto é um museu. Tem guardas vistoriando o lugar vinte e quatro horas por dia.

Estava tão apressado em chegar perto do grupo à frente, que mal percebi a besteira que saiu da minha boca:

– Afrodite vai dopá-los.

– O quê?! – Ela gritou.

Shhh. – Sussurrei, temeroso por alguém nos escutar. Por que eu disse isso mesmo? Ah, sim, porque sou um idiota. – Isso não vai machucá-los. Eles apenas vão ficar grogues por um tempo e depois, quando voltarem para casa, não se lembrarão de coisa nenhuma. Nada de mais.

Ela não disse mais nada depois disso, o que me preocupou. Do jeito que Zoey demonstrava ser uma garota de bons princípios e tudo o mais, temi que minha imagem ao seus olhos poderia se tornar distorcida, porém, logo tratei de ignorar isso. Z. não poderia me culpar por algo que Afrodite fez. Poderia?

Entretanto, antes que eu pudesse pensar muito sobre isso, as silhuetas dos Filhos e Filhas das Trevas, organizadas em um círculo ao redor do mirante me fez parar. A visão era incrível, para não dizer o mínimo: o aclive ficava no topo de enormes escadas em forma de caracol, como se fosse um trono, e era feito de colunas brancas entalhadas, com uma cúpula que ascendia de cima para baixo. O local era tão detalhista que você imaginaria que o próprio Pártenon tivesse mudado de lugar.

Afrodite escalou o mirante para assumir seu lugar para o círculo, acompanhada das escudeiras, que a auxiliariam no processo. Com espanto, localizei uma sexta pessoa sentada atrás delas, mas eu não conseguia vê-la por estar coberta. E meu corpo estremeceu imediatamente ao perceber que aquela deveria ser a geladeira.

– Vou projetar o círculo e chamar os espíritos de nossos ancestrais para que dancem nele conosco. – Disse Afrodite, fazendo-me sobressaltar.

O quê?! Ela iria convocar fantasmas para este ritual? Então era esta a surpresa impressionante que ela tanto dissera? Confesso que a ideia de ter fantasmas por ali não me era muito agradável, ainda mais se quem os estivesse convocando era Afrodite. Sua aura era tão escura e detestável, que eu tinha medo de que tudo desse errado. E nem mesmo o sentimento acolhedor e bom tomou conta de meu corpo enquanto os elementos eram convocados um a um para o círculo. Tudo me parecia bizarro e assustador, principalmente, enquanto Afrodite dançava em volta do círculo até chegar à mesa onde o último elemento seria convocado.

Ela segurava uma longa trança de grama seca sobre a chama da vela roxa do espírito, que se acendeu rapidamente. Afrodite deixou queimar um pouco e depois a soprou, agitando ao redor de si mesma enquanto começava a invocação:

– Nesta noite de Samhain, ouçam meu chamado, espíritos de todos os nossos ancestrais. Que minha voz seja projetada por esta fumaça ao Outro Mundo, onde espíritos luminosos brincam na memória da erva-doce americana. Nesta noite, eu invoco os espíritos de nossos ancestrais humanos. Não, que eles durmam; não preciso deles em vida nem em morte. Nesta noite de Samhain, eu invoco os ancestrais mágicos, os ancestrais místicos, aqueles que já foram um dia mais que humanos e que, em morte, são ainda mais fortes.

Totalmente em transe, observei a fumaça se enroscar e se transformar, dando lugar a formas espiraladas e estranhas. Primeiramente, pensei que estivesse imaginando coisas, piscando os olhos repetidas vezes na tentativa de clarear a visão, entretanto, quando tudo permaneceu como estava, pude perceber que nada tinha a ver com minha visão defeituosa. Havia pessoas se formando na fumaça. Eram opacas, indistintas, mais como se fossem contornos de corpos, mas à medida que Afrodite continuou a agitar as ervas, elas foram ficando cada vez mais substanciais. Então, subitamente, o círculo foi tomado quase que completamente por figuras espectrais de olhos escuros e bocas abertas.

Eu jamais vira algo tão magnífico e assustador ao mesmo tempo. Eles não pareciam espíritos naturais – seja lá o que isso significasse –, estavam mais para algum tipo de demônios malignos ou algo assim. E eu não sabia me decidir entre ficar ali encarando-os como um idiota ou correr para longe como um maricas.

Por fim, decidi que correr não seria uma opção, principalmente, quando Afrodite baixou a trança de ervas e levantou a taça que estava em cima da mesa. Mesmo de onde eu estava, podia perceber sua pele pálida – e quando digo pálida, não me referia à brancura natural de sua pele, mas sim uma palidez de quem está extremamente assustado com algo. Ela e seu vestido vermelho praticamente reluziam diante a luminosidade do círculo de fumaça cinza e névoa.

– Eu vos saúdo, espíritos ancestrais, e peço que aceitem nossa oferta de vinho e sangue para que se lembrem do gosto da vida. – Afrodite levantou a taça e as formas fumegantes começaram a soltar ruídos de contentamento. – Eu vos saúdo, espíritos ancestrais, e de dentro da proteção do meu círculo, eu...

– Zo! – Uma voz conhecida irrompeu pela noite, interrompendo as palavras de Afrodite. – Eu sabia que encontraria você se procurasse bastante! – Todas as cabeças (inclusive as dos espíritos sinistros) se viraram para dar de cara com o babaca bêbado e ex. namorado da Zoey.

E é claro que eu deveria saber que aquilo não acabaria bem.