É uma sensação gostosa acordar e só ficar de manha na cama. É uma sensação mais gostosa ainda não ter noção alguma do tempo, que dia é, que horas são, quanto tempo eu apaguei, me perguntar coisas como “devo eu estar em algum lugar?” ou “tenho algo pra fazer?” e constatar que não. Foi uma bela de uma dormida então.

E é um belo acordar. Sou recebida por um sorriso maroto e um carinho no rosto. Inspiro, preguiçosa, me esticando. Parecia que a bateria tinha recarregado uns 70%.

– Há quanto tempo você tá aqui?

Deitado ao meu lado na cama do quarto de hóspedes, Vinícius dá de ombros e puxa os fones de ouvido. Acomoda-se melhor ao ajeitar o travesseiro dobrado debaixo da cabeça, de maneira que ficasse ainda mais alto e só se recostasse lá, sem de fato ficar deitado.

– Um tempinho.

– Sei.

Embromando uma desculpa, ele se explica:

– Vovô ainda tá dormindo, o Murilo foi atrás da Aline...

Na verdade, meu mano foi ver o jogo do Fluminense no apê do Filipe (e aproveitar pra entregar aqueles documentos todos da investigação), mas isso é outra história. Baixo os olhos ao pensar nisso e guardo comigo a sensação de fazer disso um segredo.

– ... minha mãe tá de chamego com o outro, eu não tinha nada pra fazer.

Quem sorri marota sou eu agora.

– Obrigada pela parte que me toca.

Palhaço condescendente que se mostra, Vinícius só acarinha minha bochecha novamente. Logo mais ele faz mais graça.

– De nada, amor.

– Então você ficou só me olhando dormir?

– Dormir? Você não dormiu, você apagou, Lena. Mas sim, fiquei aqui ouvindo música. Não invente monitorias novas tão cedo, viu.

Assim que ele aponta o dedo para mim com esse pedido, agarro sua mão, rolando os olhos, ainda um pouco cansada de todo esse movimento repentino que foi essa maratona de monitoria. Enquanto a conversa se traçava, brinco fácil com seus dedos e, sem mesmo que nos atentemos a isso, fazíamos batalha de quem permanecia por cima, a minha mão ou a dele. Esperei tanto por esse domingo que na madrugada de sexta para sábado eu acreditei que já era domingo. Só hoje mesmo capotei dignamente na cama – que nem era minha – sem preocupações mais.

Estávamos no quarto de hóspedes da casa do vô-sogro.

– Acho que já compensei por toda uma vida acadêmica, consegui bastante créditos. Te prepara, bonitinho, que tu ainda vai ter correr atrás dos teus.

Vinícius franze o rosto só de pensar que ele terá que se prestar a coisas assim na faculdade. A ideia basicamente da vida universitária era de que se você acha ruim, é claro e absolutamente que vai piorar e tudo que acontece pelo começo ou meio, que antes parecia tão difícil ou complicado, será (ou parecerá) fichinha. Os anos da faculdade podem ser os melhores da sua vida, mas nada confirma se o curso sambará ou não na sua cara. Muito provável sambará.

– Ouvi falar que esse semestre os professores vão fazer chamadas para bolsas de iniciação científica, mas não me interesso muito por essas coisas não. É mais a cara da Susana, por exemplo... Falando nela, demos um encontrão ontem quando fui no banco.

Eu já tava me concentrando na batalha e em vencê-la quando me distraio ao voltar o rosto mais pra cima para poder olhar melhor para ele quando toca no assunto “Susana”. Susana, quem andara ligando muito pra ele, quem perguntava coisas e ficou no meio da guerra fria entre Vinícius e Anderson.

– Ela ainda pergunta sobre aquela... sinuca?

– Ela ainda quer saber por que eu não tô falando com o Anderson, o motivo exato, quer dizer. A gente sentou e conversou um pouco. Tava começando a me sentir mal de ficar afastando a garota por causa disso. Quer dizer, ela é minha amiga e eu não devia fazer pouco da preocupação dela.

Inspiro e assinto, voltando-me novamente para nossas mãos. Vinícius havia deixado de guerrear, agora só fazia carinho. Lembro inevitavelmente do outro dia, que tanto desejei dar com o grampeador na cabeça de Susana por sua insistência e inconveniência, e agora parecia maldade. Ela se importava com ele. Com os dois.

– Como Susana ainda insistiu um pouco no assunto, eu tive que, de alguma maneira, esclarecer pra ela um pouco da situação, que ela tava no escuro mesmo. Confirmei que as coisas estavam estranhas entre a gente – eu e o Anderson – e que meus motivos eram fortes e concretos pra reagir assim. Aí ela me perguntou o que ele tinha feito.

– O que você respondeu?

– Disse que foi algo pelo qual eu não podia perdoá-lo, que ele agiu de má-fé e pelas minhas costas. Que... ele fez algo de ruim pra você. Aí ela quis saber se Anderson tinha dado em cima de você ou algo do tipo, mesmo hesitante de imaginar algo assim.

Vini leva uma mão ao rosto, a outra, aperta a ponte do nariz e fica assim, desconfortável. Sua cabeça devia estar se enchendo novamente das imagens daqueles dias, julgo eu ao vê-lo ficar tenso. A minha mão que continuava naquela dele simplesmente a aperta, delicada. Ele suspira por fim, baixando o braço de volta à cama.

– E eu disse não, não... Não é algo dessa ordem. Foi algo mais baixo. Disse também que a história era longa e não pertencia a mim. Aí, para minha surpresa, ela chutou certo. Quer dizer, muito próximo. Perguntou se era algo do passado, porque ela lembrava que vocês se conheciam, de faz muito tempo. Perguntou se a história era longa porque era antiga. Só assenti dando aquele sinal de “mais ou menos”.

– E ela?

Voltando-se para mim, ele me toca mais uma vez na bochecha e estaciona no meu queixo. Seu toque era tão terno quanto seu fitar intenso sobre mim, pedindo desculpas por ela.

– Pediu desculpas por insistir... e por ter se comportado de maneira imprópria quando esteve com vocês. Ela não quis te colocar numa má situação, Lena. Na verdade, estava colocando o Anderson contra a parede, pra ver se ele soltava algo.

– O que, por óbvio, ele não o fez. Bom, entendo ela. Na hora fiquei com raiva, claro, mas... compreendo. Mesmo.

Enquanto Susana foi pega no meio da guerra fria, eu tinha sido pega no meio do fogo cruzado. Ou algo próximo disso.

– Ela é uma boa amiga.

– E eu sou um idiota.

– Por que diz isso?

Sei que minha expressão se franze e se franze mais por ele dar de ombros, aceitando essa descrição de si.

– Porque sou. Eu afasto as pessoas. Autopreservação, sei lá.

– Vini...

– É verdade. Eu quase não tenho amigos.

– Você só é um pouco reservado, isso não qu...

– Eu realmente me senti mal com isso, Lena. Me sinto um idiota. Susana quase não quis falar comigo, estava chateada por minhas desculpas e evasivas constantes. Não posso culpá-la por isso.

– É... Você não foi exatamente justo com ela. Mas já tá tudo bem, não?

– Sim, agora está. Ao menos isso, pois não sei o que esperar desse semestre que vem aí. Eu que já tinha poucos amigos, perco mais um.

Vinícius resignava-se com isso, era essa sua expectativa para um novo semestre na faculdade. Eu tivera a sorte de me livrar da praga do André, mas Anderson, apesar de seus feitos, não era alguém que se afastaria dessa maneira – e talvez nem deveria. Ele mesmo tinha dito naquela nossa conversa que sentia por ter perdido uma amizade valiosa, o que eu não cheguei a mencionar ao Vini, pois, à altura, não significaria nada.

Mas não haveria por que comparar André e Anderson se em nada fossem próximos em suas atitudes. Anderson era no máximo como Sávio. Aquele que traíra por razões egoístas e depois voltara atrás, quando era tarde demais pra consertar a merda que fizera. Não haveria desculpas que pudessem justificar, o jeito era só aceitar que haviam feito merda, que tudo acontecera.

Sávio estava tentando se restabelecer desde então, esperando a poeira baixar. Já Anderson, eu me perguntava, se seria corajoso de tentar reaver algo. Eu era ruim de perdoar, mas descobri que Vinícius era pior ainda. Enquanto eu me enchia de dúvidas antes de cortar definitivamente uma relação, ele apenas se conformava que era uma perda e seguia em frente. Sim, isso é algum tipo de reserva e autopreservação, mas sobre ser a conduta certa, acho que agora isso estava se quebrando um pouco por dentro dele. Susana era esse começo.

Podia ser, não podia?

– Você sente falta dele? Como amigo?

– Não sei. Às vezes e-eu...

Alguém bate na porta e Vinícius se interrompe. A voz do vô-sogro chega ao cômodo abafada:

– Espero não estar interrompendo nada, só quero saber se já posso confirmar para dona Fanny sobre o lanche da tarde. Não precisam abrir, só digam sim ou não.

Um sonoro “sim” de Vinícius chega ao outro lado e seu Júlio diz “ok”. Quando o namorado se volta para mim de novo, me encontra ruborizada e sem jeito.

– O que foi?

– Seu avô... dando a entender... coisas.

– Ah, relaxa, ele sabe.

Como assim? Como assim ele sabe?

Quase salto da cama. Já Vinícius, nenhum pouco abalado, nem pela conversa de outrora, nem pela de agora, ergue-se e senta-se na cama pra calçar o tênis.

– Sabe o quê? Quer dizer, c-como?

– Um dia ele só perguntou se a gente se “protegia”, e eu acenei que sim.

– Ai meu Deus. Vini!

Com que cara vou encarar o velho senhor traquina agora?

– O quê? Não é nada demais. E não estamos fazendo nada demais, Mi.

– Não é isso, é que... estamos na casa dele, na... suposta cama dele. Parece... desrespeitoso, sei lá.

– Desrespeitoso é negar o lanche da dona Fanny, sabe como ela fica, se acostumou aos seus elogios. Agora vamos, vamos que você não vai querer uma segunda chamada do meu avô, não é?

Mas neeeeeeeeeeeeeeeeeeeem.

~;~

Alguém me aperta o nariz e só assim que eu volto ao mundo. Sofá, sala de estar, minha casa. Filme na tv, sabe-se lá que filme, eu devia prestar atenção, o relógio de parede marca 22h e meu irmão não tinha voltado. Não que estivesse preocupada, só constato isso mesmo. Deve ter ido enfim pra casa de Aline depois de ver o jogo com Filipe.

Vinícius me analisa com cautela, passando os braços por mim, aninhando-me, que estava apoiada nele, vagando em algum lugar da minha mente.

– Te chamei cinco vezes.

– E quantas realmente foram verdade?

– Três.

Me espanto, sem dar muito na cara. Nem sei onde tava com a cabeça, juro, não ouvi. Me pergunto se três chamadas foram feitas mesm...

– Você ficou chateada, eu sei.

– Eu? Pelo quê?

– Pelo que comentei na saída da casa de meu avô, sobre meu pa... sobre Filipe. Toda vez que algo envolve ele, você simplesmente se cala. Às vezes por horas.

Eu faço isso?

– Fico besta é que sua mãe caiu naquela desculpa esfarrapada de maratona de consultoria na empresa. Ou isso ou ela se fez que acreditou. Deve tá tramando uma vingança já, por tanta enganação.

Djane não podia ter conhecimento do movimento no departamento, nem a míiiiinima noção. A gente conhecia bem a figura e o que ela poderia fazer. Logo agora que sua raiva tinha amainado e ela estava começando a ficar bem de novo com Renato, isso seria um baita balde de água fria. Sem falar que aí que ela me deserdaria mesmo... Mas eu fico mais aliviada de ter tirado ela do trabalho em tempo. Arrastar Djane no meio de uma situação daquelas era pedir por um homicídio doloso. Então, no que constava, eu estava participando de um evento na empresa. Já Renato, de alguma conferência de Economia.

– Eu sei que foi por aquilo que eu disse, só admite, Lena.

Quando estávamos saindo da casa de seu avô, Djane fez um comentário bobo sobre Filipe estar se aproveitando de seus funcionários (no caso, eu), ao qual Renato só afirmou que eu provavelmente tiraria de letra qualquer desafio, mas Vini... meu Vini foi debochado. Resmungou algo como “ele que não invente”, o que era provável que não gostaria de ter dito alto e claro, só que ele disse e nós ouvimos.

Eu realmente não tinha culpa nesse cartório. Quer dizer, eu não tava calada por isso. Não foi, claro, a melhor coisa a se dizer, mas, ok, eu tava de boa com isso. Já tinha me acostumado, acho. Tudo o que eu sempre pedia era que não desrespeitasse Filipe, e lá e cá Vinícius deslizava. Tinha ele aceitado que Filipe era seu pai, isso em termos biológicos e olhe lá. Era um passo grande, na verdade, tão grande que ele hesitava em permanecer nesse ponto que havia chegado. Por mim estava tudo bem, era normal.

Mas achar que fico calada toda vez só por causa disso... era muita... presunção? Eu só tava vaga. Lerda, avulsa, que seja. Só isso. Não tinha nada a ver uma coisa com a outra, Vinícius tava era “colando cabelo em ovo” pelo jeito.

De qualquer forma, não cabia a mim censurá-lo. Então tento levar de boa mais uma vez:

– Pensei que você fosse pouco imaginativo.

– Lena...

– Não foi nada demais, não é? Acho que só estou cansada.

– Não era pra sair daquele jeito, ok? Soou diferente na minha cabeça.

Ele não precisava ficar tão na defensiva, nem se justificar. Mas o que respondo, dando de ombros, relaxada e fazendo movimento de que ia me levantar, é:

– Ok.

Mas Vini me segura, de repente, nervoso, como se eu tivesse botando pressão por psicologia reversa. Bom, eu não tava. Não podia mais ficar lerda sem alguém perder a cabeça por isso?

– Espera, Lena, não foi... n-não era... ok?

– Por que tá tão preocupado com minha opinião?

– Porque... sim. Não quero você chateada com isso.

– Mas eu não tô.

Ele faz cara de “até parece” com uma parceria de “me engana que eu gosto”. Me levanto e, de certa forma revoltada por ele entender as coisas de outra maneira, seguro as mãos na cintura.

– Mas eu não tô. Sério. Você é livre pra fazer, dizer, dar entender... o que quiser.

Eu não diria, mas ele parecia um pouco paranoico com isso.

– Vai dizer que não vai confrontar o que eu disse?

– Não.

Por quê? Ele queria que eu confrontasse?

– Vai dizer que achou oportuno?

Suspiro e solto meus braços, sento de novo, agora de frente para ele.

– Eu não diria isso. O caso é que eu não fiquei chateada, não tomei mal e me admira um pouco você achar que sim, só isso. Eu só tava voando mesmo, Vini.

Às vezes acho que tem tanto na minha cabeça que esqueço que pode ter muito na cabeça dele também.

– Quer me contar alguma coisa?

Um pouco envergonhado de ver o que fazia, Vinícius balança a cabeça sem me olhar. Esparramando-se mais no meu sofá, ele tinha cara de quem pedia “vai, me dá um soco, agora, vai, manda mais um”. Eu, por outro lado, só o beijo delicada no rosto. Ele não se anima muito mesmo com isso. Mas com meu comentário...

– Não, eu só achei... Eu sou um idiota mesmo.

Ele vinha falando tanto isso ultimamente.

– Então fazemos uma bela duma dupla, pelo jeito. Acho que descobrimos assim porque o universo nos uniu, pra um anular a idiotice do outro.

Só assim para um esboço de sorriso ganhar seu rosto e sua expressão se suavizar.

– Não fala do universo que ele apronta, lembra?

– Ô se lembro, só acontece comigo. Tu é o sortudo que só leva a boa.

Bato de leve em seu ombro e finalmente Vinicius ri, mais relaxado. Ergue-se um pouco do sofá e se aproxima de mim, tanto que fica cara a cara comigo e passa uma mecha pendente de meu cabelo por trás de minha orelha.

– Você que acha, bonitinha. É bem difícil te dobrar quando mete algo nessa cabecinha... É bem difícil também resistir às suas ideias malucas. Bem mais difícil é ser merecedor de toda sua atenção. Pior, ter toda sua atenção.

– Sei. Dramático nenhum pouco, né?

Ele me acusa, que eu sei, e eu acuso o outro.

– Tenho a quem me inspirar.

– E a mancomunar. Ainda não esqueci aquela de vocês dois na loja, viu.

Não tem como esquecer!

No dia que eu e as meninas fomos comprar nossos vestidos para o casamento, o bonitinho e a coisa por quem chamo de meu irmão foram pegos em certo flagra. Com as compras feitas, Flávia foi a primeira a ir embora, então fiquei com Aline enquanto os meninos não chegavam. Perambulando pelo shopping, entramos numa loja de moda íntima.

Foi quando eu saía do provador de roupa e topei com ela no pequeno corredor da loja, saindo do seu provador também, fomos conversando qualquer coisa até alcançarmos o balcão de atendimento e à vendedora que detinha nossas sacolas para confirmarmos o que iríamos levar. Foi aí que vimos. Vimos dois palhaços de pé, um do lado para o outro e ambos de braços cruzados, de costas para nós, muito entretidos no desfile de moda que passava na tela, na parede da loja.

Seria uma cena qualquer se não fosse um desfile de moda íntima.

Antes que Aline dissesse algo, entreguei logo meu lado:

– Eu disse pro Vini esperar do lado de fora.

– Eu também disse pro Murilo. Tu mata ou eu mato?

Sorri, isso já tava virando um bordão entre nós. Cedemos as peças para a vendedora enquanto ainda observávamos aqueles dois fingindo que não estavam assistindo. Aí tive uma ideia.

– Pra que matar se a gente pode torturar, né?

– Adooooro como você pensa.

– Então vai na frente, que lidar com isso com o Murilo do meu lado nãaaaao dá.

Aline aceitou a proposta e foi lá, divertida, caminhou até os dois, muito alheios naquele ambiente. A um passo deles, ela virou, acenou pra mim e vestiu sua expressão de suspeita. Ela pigarreou e eles nem se tocaram. Ela pigarreou mais alto e aí sim eles se viraram, com caras de quem foi pego.

Do balcão, eu entregava o cartão para a atendente e ria, assistindo os dois se revirando pra dar uma desculpa decente, um apontando pro outro e Aline fazendo-se toda de má.

– Namorados de vocês?

A atendente me fez voltar-me para o balcão, puxou assunto apontando com o queixo para os palhacinhos lá que, de longe, ainda pareciam dar suas desculpas, tinham até panfletos nas mãos. Ela era outra que segurava o riso enquanto processava a compra.

– Aham. E um deles é meu irmão.

– Complicado.

– Nem me diga.

Apenas enfatizei levantando a sobrancelha, tendo em mente várias e várias situações que já me deixaram desconfortável com Murilo por causa de algo íntimo com Vinícius. Ele ainda discutia comigo sobre shorts e pijamas curtos de vez em quando. Mas acho que nada foi pior que aquela vez que topei com ele e Aline se agarrando na cozinha. Credo! Aline quase não pôde me encarar depois dessa, isso sem falar que aí o Murilo “descobriu” de mim e do Vini e foi um rolo danado que terminou em vídeo postado no youtube. Diante disso, o que é pegar os dois vendo desfile de moda íntima numa loja feminina, né?

Não que eu fosse contar, eu e Aline tínhamos o trato de sempre evocar esse flagra pra deixar os dois desconfortáveis de embaraço. Como Vinícius está agora.

Era tão adorável que eu lutava para meu olho não brilhar de traquinagem.

– Mas foi o Muril...

– Sei, sei, sei... ficam um jogando pro outro. Mas na hora de olhar as mulheres de calcinha e sutiã desfilando no Victoria’s Secret, vocês arrumaram olho e atenção.

Derrotado pelo argumento, ele tenta se sair da saia justa reinventando o que acabo de dizer. Mais que isso, pelo modo com que me olha, ele quer mudar de assunto. Já eu, eu continuo a provocar.

– Você sabe que só tem uma pessoa para quem arrumo olho e atenção.

– Sei, é?

Segurando-me então pelo queixo, Vinícius aproxima nossos rostos e de repente com uma respiração mais urgente, ele roça os lábios nos meus, que sorriem lindamente pela reviravolta que ele tenta aplicar.

– Façamos assim, eu te confirmo no meu beijo e você anula toda e qualquer idiotice minha.

– Você tem... 4 minutos.

– Quatro?

– Se meus ouvidos estão certos, esse é o Murilo mexendo no portão da garagem pra estacionar. E uma vez que ele entr...

Não é preciso terminar meu argumento, é claro que ele me beija. Me tasca um beijão daqueles que se dispensa até respirar. Bem sabia mesmo ele que os minutos ali estavam sendo contados. Ô se pudéssemos anular todas as besteiras que fizemos (ou fazíamos) com um simples e intenso beijo desses...

Mas beijos também podem ser subestimados.