Se eu ao menos cogitasse que um soco do Murilo fosse a cola para uns vasos quebrados, já teria entregado aquele palerma do André há tempos! Mas quem poderia imaginar que uns socos a mais iriam harmonizar relações que por sempre insistiam em deixar um rastro de desastre, senão decepção?

A primeira coisa que pensei quando vi Filipe na sala com Iara foi de procurar o Vini, e quando este encontrei, noutro canto da casa, e perguntei sobre sua mãe, afirmou-me muito calmo que Djane iria se atrasar porque chegaria com Renato. Somei 1+1, 2+2, 3+3 e achei aquele expoente imaginário que o professor fazia pegadinha com a turma e não gostei do que poderia ser aquele resultado. Quer dizer, Filipe, Iara, Vinícius, Djane e Renato numa mesma mesa no almoço de domingo na casa do vô-sogro? Segurem as pratarias e os vasos, que aquela casa ia tremer!

Não minto não, achei que aquilo ia desandar de alguma maneira. A última vez que rolou uma reunião parecida, no aniversário de Vini, tinha dado mais prejuízo que lucro. Claro que me preocupei de imediato, achei que não estaria preparada o suficiente para o arranjo-surpresa do dia, e foi isso que deixei transparecer para Vinícius. Quer dizer, só queria mesmo um descanso e éramos assim bombardeados? Era alguma brincadeira de mau gosto? Ninguém viu que daria nisso?

Meu susto felizmente foi passageiro, nem precisou Vini ter se manifestado ou meu vô-sogro – sim, eu ia atrás de respostas! – pois, logo que Djane chegou com Renato, tudo mudou de perspectiva. Assustadoramente parecia uma reunião comum em família, tranquila, em que toda a serenidade vinha do simples fato de que todos queriam um mesmo bem. O bem de Murilo. E isso me fez tão tão feliz que acho que brotou até água demais nos meus olhos. Era simplesmente muito bonito de presenciar e fazer parte.

Como um acordo mútuo discreto, ninguém estava ali para julgar, para brigar ou para questionar. Djane cumprimentou Filipe e Iara, assim como apresentou Renato a eles e, embora Vini preferisse se manter um pouco afastado, até ele não via aquilo com maus olhos. Cheguei até a me perguntar se eu sonhava ou quão forte tinha batido minha cabeça na geladeira essa manhã – ainda doía, aliás. Foi basicamente o primeiro riso de Murilo em dias.

Ninguém tocava no assunto em si sobre o rolo dessa semana, às vezes só perguntavam como estávamos e se precisávamos de algo, logo a conversa tomava outros rumos e... era bom, sabe? Renato se integrava bem ao círculo, puxava assunto e seu Júlio pareceu gostar muito dele. Vi uma hora que ele piscou para Vini e fez sinal de ok, e seu neto só deu de ombros e assentiu, algo que provavelmente já tinham discutido sobre Djane. Em nenhum momento vi qualquer ameaça, principalmente quanto à presença de Filipe ali, que era, por assim dizer, um indesejado para minha sogra e namorado, mas ambos se comportaram, não levando aquilo para seus lados e isso que vim a admirar mais. Como todos estavam respeitando seus espaços.

Tá, era um pouco estranho. Mas bom de qualquer maneira.

Iara não descolava de Murilo. Quando chegamos, ela foi a primeira a dar um pulo no pescoço dele, que estranhou o entusiasmo e aceitou de bom grado. Ela de alguma forma o animava e eu só podia agradecer por isso, já que nos últimos dias ele mesmo mal havia falado comigo. Quer dizer, demorou um pouco para ele ter “acordado”. Mas também quando “abriu o olho”, foi direto no Vini e acabou com qualquer chance de dormimos numa mesma cama na casa. Bom, era de se esperar, claro, só não pensávamos que seria tão rápido e ficamos com aquela vontadezinha de abusar da exceção que Murilo havia aberto, de permitir que Vini ficasse comigo.

Aline até riu da carinha de Vini quando recebeu a “notificação”. Ela quis nos ajudar, mas disse que era melhor concordar com aquilo, afinal, o pior já havia passado e era hora de retomar a normalidade, assim, nada de dividir um quarto ou uma cama enquanto houvesse regras rígidas – e que ela mesma iria seguir. Aí não deu outra, tive que lidar com a falta imensa que Vini fazia ao meu lado, duas noites foram o bastante para restabelecer aquele velho bom mau hábito nosso. Por outro lado, Murilo pôde me encarar e juntos arrumar uma maneira de passar os dias. Digo, a gente mais se distraía do que realmente conversava. Era o jeito dele, eu aceitava.

Aline foi quem mais me explicou sobre o caso. Como Vini avisou que Filipe ia aparecer lá em casa, que eu dormia pesado, era umas 9h30 da noite. André havia sumido o dia todo, ninguém sabia de seu paradeiro, nem ninguém de sua casa, Filipe basicamente fez plantão na porta desse malandro, por isso demorou tanto a dar notícias. Foi no final da tarde que André foi dar o ar de sua graça, acompanhado de um cara que vinha discutindo com ele. Filipe aproveitou o momento e pediu para conversar, que era importante e do interesse de ambos.

André pediu que o outro que o acompanhava permanecesse ali, apresentou a Filipe como seu advogado. Meu sogro estranhou, mas assentiu, sem importar com tal presença ou com o fato de que o André ainda tava todo quebrado e inchado, por isso, antes que o verme começasse seu mimimi pelo dia anterior, Filipe jogou logo o acordo para ele: qualquer queixa que tivesse sido feita contra o Murilo deveria ser retirada e assim ele, diretor da empresa que teve prejuízos pelo ataque daquele idiota, não o denunciaria para a polícia. Filipe fez pressão e declarou também que tinha mais que provas, além das câmeras de segurança, tinha testemunhas e uma vítima muito disposta a falar. Não sei se isso era só para assustá-lo, mas diante das circunstâncias, eu ia mesmo fazer o B.O.!

O filho da mãe bateu o pé. Como se tivesse muito no direito! Filipe se manteve sério, orgulhoso e, por óbvio, ignorou toda aquela prepotência de André. Foi quando este viu que o teatrinho não funcionava, que partiu para outra abordagem. Uma péssima na verdade. Não sei dizer com as palavras exatas, porque não estava lá e acompanhava a história por terceiros, mas o que André disse foi mais ou menos o seguinte:

– Tudo por culpa daquela vadia.

Ele nem pôde prever com sua cabecinha tão limitada senão urrar mais uma vez de dor quando o punho de Filipe foi certeiro naquele rosto já arrebentado, levando-o a cair bruscamente por cima do advogado que só mais observava do que mediava o encontro. Aline até teve que conter a raiva súbita que tomou Murilo e Filipe continuou seu relato. Disse para não se preocupar, que aquele desgraçado nunca mais iria se referir a mim daquela forma, pois foi muito claro quando afirmou para André “lavar a boca com sangue” antes de falar de mim.

Wow! – eu sei.

André tentou revidar, só que não no punho. Com ordens. Sério, eu não sei como aquele ser vive nesse mundo, não me entra na cabeça. Ele “ordenou” que o advogado fizesse alguma coisa, mas este já não tinha muitas opções senão apenas afastar um do outro. Filipe voltou a perguntar do acordo e André disse que não, que se tinham acabado com ele daquele jeito, ele faria pior. Nesse momento que o advogado calado se manifestou, tentou dobrar um pouco seu cliente, convencer que era o melhor que conseguiria, dado ao que Filipe mesmo já havia descrito sobre o prejú material na empresa e, acho que não tendo como ou pra onde, André aceitou o acordo. O advogado disse que acompanharia aquele caso, que Filipe não precisava fazer coisa alguma para provar seu ponto, deu um cartão de contato e em breve teria notícias sobre a queixa retirada.

Murilo mal podia falar, ainda cheio de raiva e confusão, mas lá com ele deu seu jeito de agradecer pelo que Filipe havia feito, pela consideração, pela prontidão e, acima de tudo, o carinho que o movia tão decididamente. Já emocionado, Murilo até abraçou o homem. Aline disse que foi uma das coisas mais lindas que via em horas de caos e também foi levada pela emoção, juntando-se a meu irmão em encher Filipe de agradecimentos. Por causa disso, por estar tão atenta e alerta sobre meu mano, ela diz não ter se atentado muito para Vini ou ter prestado atenção no que foi a reação dele sobre aquilo, ele basicamente se manteve calado.

Não teve quase nada demais depois disso, Filipe apenas esclareceu que quando saiu finalmente daquela casa, o tal advogado saiu logo em seguida também. Estava no celular e confirmava a alguém que tinha tirado André da cadeia. Ao que parece, tinha sido preso por desacato e a demora se deu por causa de sabe-se lá o quê, isso Filipe já não ouviu e nem queria saber. Estava enfim bem e disposto a dar as notícias. Que demoraram, pois teve um problema com seu carro e teve de passar primeiro num mecânico.

Houve um momento, porém, Aline não deixou de mencionar, que após a despedida, Vini acompanhou o pai até a saída e por um tempo eles conversaram fora de casa. Quando ele retornou à sala, Murilo ainda se continha sobre tudo aquilo e Aline perguntou apenas se sentia bem, pois Vini voltou com uma expressão que ela... bem, não tinha como definir.

Vinicius desconversou, disse que não era nada demais e que era melhor checar como eu estava, se ainda dormia, se teria acordado, algo do tipo, provavelmente estaria bem desnorteada e tal. Nessa hora o Murilo o parou e fez um pedido. Muito desconfortável, pediu que ficasse comigo e cuidasse de mim, porque via que não estava em condições como irmão para prestar alguma assistência e Vini... Bom, Murilo confiava nele. Pediu também para ajudar a tranquilizar-me e se fosse possível, ainda não tocar naquele assunto, pois Aline havia lhe dito que eu me sentia fraca, era melhor que eu descansasse. Meu mano não pediria aquilo se não achasse necessário, assim permitiu que aquela noite e a seguinte, unicamente para meu bem.

Eu... fiquei estarrecida. Por tudo. Fiquei sem ter o que dizer, se não fazia muito tempo que tinha pirado e se não fosse por Aline me contando tudo aquilo, digamos que eu estaria em maus lençóis. Afinal, ainda era um grande abalo. Até mesmo para respirar com alívio era uma atividade corporal feita com muito cuidado, era apenas muito para digerir e, realmente, não tive como me amparar quando de fato despertei e o mundo parou de rodar. Só que o mundo continuava girando, havia vida rolando lá fora, eu não iria atrapalhar Vini na faculdade, mas também não queria perturbar Murilo. Alívio mesmo era ter Aline ali comigo. Flávia podia ser minha melhor amiga, porém, naquele momento, Aline quem me salvava e me cedia a sanidade necessária.

Infelizmente ela não podia comparecer a esse almoço de domingo, quis tanto que estivesse conosco para ver o que era aquela cena, ficaria tão feliz quanto eu, imagino. Ela também merecia, mas merecia mesmo era um descanso, já que também tinha uma família complicada (quem não, né?) e foi duro exigir uma atenção maior dela. Quanto a isso, ela acabou se abrindo junto naquela conversa, pois perguntei se ela se sentia diferente em relação a meu irmão depois do que ele tinha... feito. Por uns segundos primeiro ela se manteve calada, como que pensando bem naquela resposta, e então, como uma mania que já havia notado nela, pôs uma mecha do cabelo para atrás da orelha e segurou a ponta e então me fitou. Muito firme e doce, embora surpresa, expôs o que mais parecia uma afirmação para si mesma e ao mesmo tempo que absurdo, sensato:

– Eu o amo. Sei que é cedo para afirmar assim, mas... sinto isso. Às vezes ele é um idiota, e parece que consigo amá-lo mais por ser esse idiota. Quer dizer, não é idiota, é só que... acho que sei como a cabeça dele funciona. E não me dá medo, não de querer sair correndo e acabar as coisas, não, às vezes tenho medo é de não ter... um coração suficientemente bom para unir ao dele.

Eu ia interromper porque não podia acreditar que ela pensasse aquilo de si mesma, só que, mal tomando novo fôlego, Aline se empolgou e acabei lembrando de histórias que meu irmão havia me contado. Que ela não conseguia se relacionar fácil com as pessoas, porque muitos caras já a tinham enganado e no começo, com o histórico de Murilo, ele foi interpretado como “mais um” que a faria sofrer. Muito pelo contrário, dessa vez ela tinha acertado. Só demorou a perceber.

– Porque o dele tem muita bondade, e respeito, e... ele é lindo por dentro e por fora. Não penso que ele surrou uma pessoa, penso que defendeu aquela que ele mais ama e por sua atitude mesmo arrepende-se terrivelmente. Vejo que ele é extremamente protetor e seguro e ainda assim, carente. Murilo se importa demais com as coisas. Entender e aceitar isso é a base para entender a cabeça dele. E eu o amo. Por isso e tantas coisas mais.

Quase que eu disse que eles já podiam casar, só por força de amor e carinho que eu via nela, além do que eu sabia dele também. Como uma vez eu disse para Flávia, Aline seria aquela que tiraria meu mano do meu pé, e minha melhor amiga foi mais longe, disse que seria aquela para casar. Era cedo, muito cedo para isso, claro, e embora aquele rolo todo da gravidez que não era gravidez, pareceria certo. Murilo levava a sério mesmo, o que me deixava mais feliz, e não só por Aline o distrair por mim. Ficava feliz pelos dois.

Como ela havia dito, ninguém naquela sala pensava num Murilo violento e incontrolável. Não, ali, sofrível e finalmente calmo, ele permanecia um genuíno protetor, ainda que dessa vez inseguro. Mas tinha toda uma família para cuidar e ampará-lo. Uma família que podia não ser a nossa, contudo havia nos adotado e defendido, tal qual faria se fosse sua própria cria.

Éramos muito bem acolhidos.

~;~

Nem tudo são flores, mas talvez beijos e abraços?

Escapada é escapada, não é feita para durar. O caso é que não dá pra contabilizar o tempo enquanto ele passa, senão a gente conta e perde a chance de aproveitar.

O almoço de domingo estava sendo... incrivelmente bom. A conversa geral fluía, Vini não participava tanto, por motivos – e presenças – óbvios, Murilo parecia reconquistar um pouco de sua vivacidade perdida e seu Júlio era um avô muito contente pela mesa cheia. Muitas vezes Vinicius apertou sua mão na minha debaixo da mesa, quando Renato perguntava sobre algo diretamente para ele, ou Djane era muito meiga em responder, senão quando Filipe interagia facilmente com o professor. Eu tinha impressão até que Renato iria algum dia quebrar a cara de Filipe, por questões do passado, mas ver Djane conversando de boa com o homem... bom, até eu achava surreal.

Havia certamente algo que eu perdia ali e tão logo iria dar umas investigadas, porém, assim que a sobremesa foi servida, bolo de laranja com pudim e calda de chocolate, as pessoas levantaram para buscar, já que ficava na mesa do outro lado do cômodo e essa foi a deixa perfeita para Vini me sussurrar um plano rápido e esperar pelo momento certo.

Não demorou muito, afinal, Renato quis saber se Murilo estava sabendo do jogo do dia do Fluminense, time por qual ambos torciam, e logo ligaram a tv, que por um milagre terreno, passaria o jogo mais cedo que o normal por causa de alguma programação sei lá das quantas, eu já não prestava atenção porque aquela sobremesa estava divina. Mas aí Vini me chamou a atenção e seguiu-se um mini teatro:

– Hey, Vini, onde você disse que guardou o carregador da última vez? Minha bateria está para arriar.

– Ah, não sei se foi na primeira gaveta ou na terceira. Vou lá verificar.

Seu Júlio aproveitou a deixa também e se retirou para o quarto. Essa semana ele havia pegado uma leve gripe, mas como todo cuidado era pouco naquela idade, o médico ordenou repouso e ele já tava muito alegrinho pelo dia todo, não poderia abusar. Eu e Vini os acompanhamos até seu quarto e passamos para o de visitas logo em seguida. Assim que entramos, ele fechou a porta. E sorriu largamente antes de me beijar.

Ele agia como se não nos víssemos há dias, quando na verdade eram apenas horas, as horas de sono. Entendia sua “sede”, no entanto. Ontem mesmo a gente meio que avançou o sinal e foi arte minha, que de repente não quis esperar pela comemoração e surpresa que Vinícius tanto fazia suspense e avancei nele. No período da tarde estávamos a sós na minha casa, pois meu irmão tinha dado uma saída para resolver umas paradas no seu serviço, não dava para deixar para segunda-feira, quando voltasse às suas respectivas atividades. Ele nem podia estar faltando, não com umas transições da direção que ocorriam nessa época, seu colega Armando que dava seu jeito de segurar a barra. Mas foi muito bom Murilo sair de casa para respirar um ar diferente e bom por... sim, eu queria ficar com Vini.

Só que ele ficava me driblando! Primeiro acusou que era melhor eu não me exceder, se ainda tinha umas fraquezas aqui e acolá, e segundo, às vezes ele notava meu desconforto por certas “vulnerabilidades femininas” que me massacravam o útero. Mas elas também trabalhavam com meu desejo e não precisávamos ir até os finalmentes, tirar umas casquinhas já saciava um pouco. Dado momento eu consegui desarmá-lo, que se deixou empolgar-se e logo me vi tirando sua camisa. Tocá-lo simplesmente me tirava do sério. Porém, mais uma vez controlado e retomando sua postura, não me permitiu avançar mais que aquilo. Vinícius só não era besta de não tomar-me para si.

Já hoje, parecia que algo tinha mudado. Seria mais um mistério? Bom, não tive muito tempo para pensar. Ainda que não avançasse demais, ele bem que tava sabendo entrar na brincadeira. Como o tempo era bem curto, não papeamos nem nada, só nos beijamos e de repente não tínhamos noção de onde estávamos. Era bom depois de muito tempo ter ele como meu descanso e, por uns dias, eu que não queria saber de mais nada.

Só que há mais vida no mundo do que se pensa, e vida essa que notava nossa ausência. Sequer tinha ouvido qualquer batida na porta, porém, logo uma presença se fazia desconfortável ali. Iara pigarreou e... é, daquele jeito que fomos pegos, encostados na parede ao lado da porta, era constrangedor sim. Tipo muito.

– Licença?

– Iara! Hã... Errr... Oi.

Nessas horas que os avisos de Vinícius caíam como uma ficha e faziam meu cérebro voltar a funcionar. Dessa vez, no entanto, ele não reclamou nada.

Recompondo-me, faço uma nota mental de lembrar de não mais agarrar o Vini assim quando estivermos com visitas, é embaraço demais, tanto para nós, quanto para o cidadão que nos flagra. Ou cidadã. O problema é que quase nunca tínhamos momentos próprios, o que nos metia certeiramente nessas situações. Iara faz que não se importa, ainda que se importe sim, pois vira o rosto para não nos encarar e comunica:

– Desculpa interromper, é que o Murilo queria saber de vocês e ia vir aqui e presumi que... hã... fosse melhor eu aparecer do que ele.

Com toda a certeza do mundo!

Embora devesse ser muito estranho ela pegar o “irmão” dela aos beijos. Infelizmente compartilhava dessa “sensação”, por uma vez ter pegado o Murilo e a Aline na cozinha e... fecho os olhos e penso fortemente em Vinícius e somente nele, pois eu não queria resgatar aquela cena tensa de novo. Não, muito obrigada.

– Tudo bem, nós... já vamos.

Quando Iara sai, dou um pequeno murro sem força no ombro de meu namorado, quem ria como um bobo. Que disparate! Se fosse o Murilo, aposto que não ficaria vermelho e risonho assim. Mais provável que lhe faltasse a cor.

– Viu o que você aprontou?

– Eu?

Ele se fazia de inocente ainda por cima, enquanto eu tratava de me ajeitar. Meu colete estava desabotoado e minha blusa um pouco levantada. Eu que não ia aparecer toda descabelada me denunciando pra plateia toda. Poxa, até Renato estava lá, seria um mico. Duvido que Vini gostaria de encontrar Djane dessa maneira com o professor! Só não comento isso porque seria injusto tomar aquele sorriso lindo daquele rosto, não depois de um almoço amistoso e misterioso como aquele.

Falando em mistério...

– De onde saiu tanta vontade hoje, hein?

– Não posso mais beijar minha digníssima namorada?

Apenas levantei uma sobrancelha para ele e o fitei esperando pelo resto.

– Ok, ok, só não quis fazer sala. Quer dizer, até Renato... Renato apareceu no almoço de hoje. Minha mãe deve estar louca.

Louca de amor? Mais uma vez prefero não expor um comentário mental que envolvesse o relacionamento de Djane. Ela podia ser minha amiga, mas ali eu estava com seu filho, meu namorado, e limites devem existir. Fitava Vini através do espelho do quarto enquanto repassava um gloss que eu trazia ao bolso do short. Nunca se sabe mesmo quando pode se precisar.

– Mi, não me olha assim. Só quis curtir um pouco a gente, tá? Hoje tá sendo um dia bem estranho e um pouco de normalidade, senão de loucura do tipo que eu gosto, já me acalma.

Senão de loucura do tipo que eu gosto. Ele queria me atiçar, percebo. Mas torno a tentar me focar de volta na questão do mistério desse almoço.

– Então também não sabe o que tá rolando pra... esse acontecimento de hoje?

– Tô boiando tanto quanto você, acredite. Meu avô só disse que seria bom dar um apoio pro Murilo. Nunca que eu ia imaginar que ele convidaria o Filipe. E Renato.

Rá! Estava lá a indignação dele. Ao menos disfarçava perante os outros.

Dou de ombros.

– Bom, Filipe é o filho dele, né?

Vini suspira quando nos encaminhamos no corredor já.

– Mas ele não vinha mais para os almoços e...

– Ele costumava vir antes.

– Você viu no que deu... Olha, não é que eu esteja expulsando o cara ou algo do tipo, só... sei lá, o fato de ele ter feito uma coisa boa na vida não vai o redimir de outras trocentas.

Mais próximos da sala, ouço Renato discutir sobre a programação com Iara enquanto o jogo estava para começar na tv. Com o professor, qualquer um se tornava mais comunicável, era o jeito dele.

– E umas trocentas não deveriam condenar tanto. Sei como se sente com relação a isso e quer saber? Estou contente por não ter o destratado. Ele pode não ser ou parecer a melhor pessoa do mundo, mas ainda é seu pai e pelo menos um respeito acho que deve haver. Não precisa também ficar de papo com ele e nem me agarrando por aí pra compensar, sendo educado já é o bastante. O mesmo para Renato.

– Tudo bem. Mas só aceito o acordo se antes de eu fazer esse tamanho sacrifício, me der um último beijo. Um que garanta todo o tempo avulso que ficarei naquela sala.

– Quem disse que estou oferecendo acordo?

– Mi... um último beijo, sim?

– Diria que você anda muito exigente, mas...

Sei lá qual era meu argumento. Quando Vini me puxou para seus braços e me tomou os lábios antes de terminar o que dizia, apenas sorri e permiti que me apertasse daquela maneira. Eu também não era besta nem nada. Ao menos deu tempo de entrar no escritório do vô-sogro para não fazermos show perante o corredor.