Há uma pessoinha de uns poucos quilinhos nos meus braços e, velando seu sono quieto, eu sequer me mexo.

— Respira, Milena. Ela deixa.

Aline passa por mim aos risos enquanto cata fraldas e roupas e sei lá mais o quê. O furacão Lia fez da casa uma zona. Era engraçado como uma figurinha tão minúscula como ela detinha esse poder de deixar tudo de cabeça pra baixo e deixar tudo que é adulto maluco.

Quão malucos eu deixei meus pais quando nasci?

Lisbela estava no banho, então Aline ofereceu colocar Lia nos meus braços para que eu pudesse conhecê-la melhor. Vez que estava sonolenta, a pequena dormiu. Assim, simplesmente. Era engraçado e desesperador ao mesmo tempo. E eu, toda sem jeito, paralisei porque não sei nada sobre bebês. Nem sobre como me mover com eles.

Acho lindo e fofo a sintonia dos pais de primeira viagem (Lisbela e seu marido, digo), assim como de Aline e Murilo, mas eu... Sou um completo desastre nesse setor. Sempre fui. Não sei como Aline tá confiando Lia comigo assim. Também por isso quase fiquei sem respirar, só olhando a garotinha. Era linda, mas também assustadora.

Talvez agora entenda um pouco do que o Murilo tanto fala. Só que o Murilo tem jeito com crianças. Meu caso é um pouco mais complicado.

Ainda não vi Lia berrando e sinto que não vai demorar muito. Com calma, me ajeito melhor na poltrona, sem deixar um segundo de fazer contato visual e de vigiar solenemente seu soninho.

Se eu soubesse dirigir, teria me candidatado a comprar o almoço, e deixaria meu irmão babando junto de sua menininha. A diferença entre os dois babões é que Murilo não tem uma fralda de pano para acompanhar.

Lisbela aparece de volta à sala e toma a filha nos braços para dormir um pouco mais. Ambas. Suspiro de alívio por isso. É como dizem em Friends— quando a neném dorme, a mãe deve dormir também. E cansada como Lis estava, ela logo some pelos quartos.

Para não ficar sozinha, vou atrás de Aline. Encontro-a no quintal, estendendo e ajeitando no varal as roupinhas, mais fraldas, fronhas e um mundo mais de pano da bebê. Com graça, ela pergunta:

— Lia já te liberou?

— Ao que parece. Quer ajuda?

— Pega a caixinha de pregadores ali.

Busco e volto para acompanhá-la na atividade. Ficamos silenciosas por um tempo. Eu acabo pensando em Flávia e como em poucos meses será ela a tia catando e estendendo coisas de bebê. Será que até lá aprendo a segurar uma criança?

Será que a Flá poderia me ajudar nessa? E sem rir de mim, pobre nobre alma?

É então que Aline me tira dos devaneios... com uma pergunta complicada.

— Milena, você gosta de bebês? Ou crianças?

— E-eu? Gosto, ué. A-acho. Gosto da Lia.

Gosto mesmo. Mas acho que posso dizer que gosto mais da harmonia que ela traz ao ambiente e às pessoas do que realmente da pessoinha. Quer dizer, eu não a conheço tão bem assim. Mas gosto dela. Tenho grande estima. Só que de longe.

Como eu posso dizer isso sem ser rude ou parecer uma louca?

Minha cunhada apenas me olha de rabo de olho. Enquanto puxa mais um pano e coloca no varal com um pregador, ela meneia a cabeça e completa:

— Tá tudo bem se não gostar. Eles choram, gritam e preparam grandes presentes naquelas fraldas descartáveis. Lia prepara cada coisa pra dinda dela!

Aline passou a falar em terceira pessoa tem um tempo e eu acho isso uma graça. Eu provavelmente faria o mesmo. Eu acho que faço o mesmo, às vezes. Em outras situações, claro.

Mas o caso é que se ela abordou o assunto, é porque eu tô dando na cara o quanto não sei lidar com crianças, sendo pequeninas principalmente. E também não quero que as pessoas pensem que eu odeie crianças. Por isso me exaspero um pouco em explicar:

— Não é que eu não goste, eu só... Não sei me comportar com elas, só isso. Nunca sei o que é pra fazer, como fazer, o que não fazer. Me sinto atrapalhada. Então... fico distante. Não quero fazer besteira.

Fincando mais um pregador numa fronha estendida, Aline me responde sem me olhar.

— E isso é perfeitamente normal. Mas... Não sei. Sinto que há algo.

— Algo? Algo como?

Aline para de mexer na bacia de roupa molhada que traz aos braços e divaga um pouco. Assisto suas expressões de preocupação e inquietação.

— Não sei explicar bem. Acho que ainda estou tentando entender.

— Mas... Gosto da Lia. E gosto da Lia com o Murilo.

— Sim, também vejo isso. Mas também vejo outra coisa.

Fico sem resposta porque não sei mesmo o que dizer a mais.

— É como se... Como se estivesse algo te incomodando. E não é só quando você está perto da Lia, por exemplo. Fica... nervosa. É, bem isso, nervosa. E eu não entendo bem. Quer dizer, desde lá da maternidade, sinto que você foge. Ou fica reclusa. E não acho mais que é só impressão.

Antes que eu possa dizer algo, ela se complementa, desta vez virada para mim:

— E o que quer que seja, Milena, quero que você fale comigo. Eu só quero ajudar. Mas preciso entender o problema pra poder fazer alguma coisa.

Eu? Fico mais uma vez sem palavras. Aline está sendo super gentil e compreensiva, aberta e prestativa, e eu estou no fim da linha. Me vejo sem alternativa. Porque não tem mais mesmo como enrolar ou desviar do assunto.

Até porque driblar pessoas... essa não sou mais eu.

A nova Milena fala as coisas. A nova Milena não quer mais esconder as coisas.

Mesmo desconfortável, resolvo falar de uma vez por todas. Não era como se fosse só eu que se sentia estranha assim, a Iara também tinha ficado um tanto perturbada.

Ok, lá vai.

— Não é bem a Lia.

— Não é?

— Não... É mais com o que ela... representa.

Hesito.

— Você fala do Murilo?

E olho para o nada, à frente, à baixo, à cima, o que não for a Aline, enquanto minhas mãos descem nos bolsos traseiros do meu short e chuto umas pedrinhas do quintal.

— Na verdade, sobre mim. E o que o Murilo me falou. E o que Filipe me falou.

Espio a expressão de Aline de rabo de olho e o que vejo é confusão. Continuo.

— É que eu meio que surtei quando a Lia nasceu. Não por ela, claro. É só que me senti... pressionada.

— Pressionada a quê?

Coço a cabeça, meio sem jeito.

— A ter filhos. Quer dizer, eu nem sei se eu quero ter. Eu nunca pensei sobre isso. Sobre ter filhos e os filhos me terem. Eu sempre imaginei isso pro Murilo. Ele tem totalmente jeito pra isso. Eu não.

Aline deixa a bacia no parapeito ao lado e me puxa as mãos, com um sorrisinho bobo no rosto.

— E eu aqui surtada sobre você não gostar de crianças.

— Apenas mal-entendidos.

Sorrio de volta, sem graça.

— Entendo bem a situação. Aliás, já até inventaram que eu estava grávida.

Lembro rapidamente do caso, que o Murilo se enganou e a coisa toda virou uma bola de neve que explodiu no pior momento – quando ele estava no hospital, com catapora, e a gente preocupado com algum tipo de contágio. No final das contas, foi por conta dessa história que Aline chamou ele para ser padrinho.

Sorrio com mais vontade, embora não devesse.

Aline continua, ainda segurando as minhas mãos nas suas.

— E agora, é você quem indiretamente está me pilhando sobre filhos. Afinal, quem carregaria na barriga não seria o Murilo.

— Ai, é mesmo! Desculpa!

— Tudo bem. Só fico aliviada por não ter a ver com a Lia, propriamente. Mas acho que essa sensação não vai passar se você não falar com alguém sobre isso. Sobre seus planos e expectativas.

— Meio que conversei com a Iara, ela foi outra que surtou.

— Como assim?

— É que foi... Bem, tudo começou no dia do nascimento da Lia. O Murilo me ligou, eu tava no trabalho, consegui ser dispensada. E aí na hora que eu tava saindo, Filipe fez um comentário sobre ser... vovô.

— Ah. Foi como um alerta, não foi?

— Mais ou menos. E olha que ele já tinha comentado sobre isso um tempo atrás, e com graça, claro, mas nessa época a Iara ainda não tava com o Sávio, então fez um efeito diferente quando ele disse. Porque seria ou ela ou eu. Ela também ficou super sem graça.

— Posso imaginar que sim. Eu teria ficado.

— Mas quando cheguei na maternidade, falei por um acaso sobre no ano passado ter encontrado uma pessoa na mesma maternidade e o Murilo insinuou que a próxima vez poderia ser a minha vez. No próximo ano. E aí uma coisa foi levando a outra e de repente eu tava no quarto, a Lia tava ali, e o Murilo tava chorando, e o Vini tava todo bobo, e eu só queria fugir. E fugi algumas vezes. Do quarto e do assunto.

Naqueles dias fiquei bastante afetada quanto ao assunto maternidade e família e ainda aflorada quanto aos hormônios. Foi uma temporada de TPM que me deixou mais sensível. Tive bastante cólicas, não muito fortes, mas o bastante pra me deixar mais quieta. Aproveitei essa moleza para fugir de algumas situações.

Mas a coisa toda não passou batido, porque o Vini também percebeu. Lembro de uma de suas investidas para investigar. Estávamos um dia no carro, quando ele disse:

— Queria te perguntar uma coisa.

Eu só esperei, um pouco atenta.

— Tá muito quieta hoje. É só cólica mesmo?

— Por que pergunta?

— É que, não sei, talvez seja só impressão minha. Vi uma troca de olhares diferente entre você e a Iara. Tô perdendo alguma coisa?

Ele tava falando do dia que fui ver o Gui depois que descobri sobre o assalto.

— Talvez.

— E posso saber do que se trata?

— Hã... Eu não me sinto muito confortável no momento. É um pouco bobo, mas me deixa sem jeito.

— Hm. Mistério. A Iara sabe. O Murilo sabe?

— Não e não vai saber.

— Hm. O Murilo não sabe. E o meu pai tem algo a ver?

Tremi na base nessa.

— Porque teria?

— Porque notei que...

E aí o celular dele tocou e não voltamos mais a essa conversa.

— Acho que isso, esse incômodo, não vai passar se você não conversar a respeito, Milena. Mas não comigo ou com a Iara. Fico mega aliviada de não ter nada a ver com a Lia, mesmo, mas também quero ver você mais tranquila. É a sua vida, afinal.

— Acho que não consigo encarar o Vini e dizer “não sei se quero filhos, não sei se quero casar” e depois ter que encarar Djane ou Filipe.

Encolho os ombros e cruzo os braços, tensa só de pensar. Aline, por outro lado, me dá um soquinho no braço.

— Ei. É a sua vida. Seu corpo, seus planos e suas expectativas. Você e o Vini podem traçar juntos, mas só vocês e ninguém mais. E se eu consegui encarar o Murilo, você também consegue. Dessa vez pelo menos não vai ter gritaria.

Rio um pouco.

— Você gritou com o Murilo mesmo?

— No começo... sim. Eu tava com muita raiva. Muita mesmo. E confusa. E surtada. E seu irmão não tava facilitando tanto estando como estava, doente. Mas a gente conversou. Falamos sobre nossos planos e expectativas. Sobre nosso relacionamento. É bem melhor do que ficar nessa indefinição e um buraco no nosso estômago, captando mal-entendidos. Só seja sincera. Diga que não está pronta, não é o momento, o que seja. Mas divida isso com ele, ok?

Não tenho ideia de como fazer isso, porém, ouvindo isso de Aline, sinto que preciso realmente colocar esse assunto pra fora.

— Obrigada, Aline. Muito obrigada mesmo.

— E pode deixar que vou te ensinar algumas coisas.

Rio, mais uma vez agradecida. Ela pega a bacia de volta e estende a última peça.

— Falando assim, até parece que eu sei alguma coisa, né? Tô aprendendo. Estamos todos aprendendo.

Eu ia dizer mais alguma coisa, mas então um “cheguei, família” vindo da cozinha é ouvido. Era o Murilo chegando com o almoço. Aline só ri um sorriso bondoso e seguimos de volta para a casa.

Estamos aprendendo.

~;~

Eu não sabia dizer se o imprevisto de Dani, que fez com que desmarcássemos nosso encontrinho musical, me beneficiava ou não. Eu iria conversar com o Vini sobre o grande lance em algum momento, mas queria ter um tempo a mais pra pensar. Quer dizer, não sei nem como as coisas estão na minha cabeça direito, vou nem saber falar.

Ai, Deus, como as coisas aconteceram tão... rápido?

— Alguma coisa nesse celular? Tá quieta.

Murilo pergunta, enquanto dirige. Estávamos chegando na casa do Vini. Meu mano só tava dando uma carona mesmo.

— Só pensando algumas coisas aqui. Posso ver a Dani amanhã.

— Bom ver vocês recomeçando. Tá entregue!

Na porta da casa de Djane, observo a casa e tiro o cinto de segurança. Pra dispersar, dou um beijinho de agradecimento na criatura.

— Sabe, eu ainda tô ouvindo o raio do toque do teu celular. Pode, por favor, trocar? Por favor?

A carinha do meu mano me diz que ele tá sendo bem sincero em suas súplicas. Tava incomodando de verdade. Depois que ouvi seu relato, começou a me incomodar de verdade também. A música grudava na minha cabeça de modo que várias vezes pensava estar tocando e não estava. Mas, novamente, não revelo nada porque ainda gosto de provocar.

— Tá, seu chato. Mas vou contar pro Vini.

— E quem disse que eu já não contei? Eu só quero um pouco de paz.

— E o que ele disse?

— Que você é a dona do celular, você que decide. E você tem esse poder nas mãos. E pode fazer uma boa escolha com ele.

Murilinho me manipulando de maneira bondosa? Cerro o olho pra ele, desconfiada. Que seja, dou o braço a torcer. Estaria beneficiando os dois.

— Tá, tá, eu troco. Só porque sou nobre alma.

— Minha nobre alma. Agora sai do meu carro que tem gente me esperando.

— A pessoa é de uma delicadeza, né?

Saio, dando língua pra peste. Pelo menos ao encarar a porta da casa, me sinto mais descontraída. Ao apertar a campainha e esperar, tento não aumentar minhas expectativas e o buraco no meu estômago. Não é nada demais, Milena. Você não precisa falar tudo agora, Milena. Aproveite o dia, Milena.

Quando Vini surge na porta e seu sorriso me abraça e sua mão me puxa para segui-lo, não sei dizer o que sinto. Feliz e nervosa. Receosa. Sem graça e sem noção. Mas o Vini tem um antídoto maravilhoso quando para na porta do seu quarto, se vira e me encara com o melhor sorriso do mundo, com uma felicidade que me contagia.

— Eu tô até com medo de perguntar.

E aí ele me abraça o rosto e me beija, lenta e apaixonadamente. Ao encostar nossas testas, diz:

— Quero te mostrar uma coisa.

— Isso você já me disse. Mas não explicou o motivo desse sorriso que não te larga e desse... beijo diferente.

— É um agradecimento.

— De nada?!

Digo, com graça e alterada de amor.

— Você me deu um dos melhores presentes da vida.

— Um cordão?

— A fita.

— Hm. Mas não fui eu qu...

— Tudo começou com você.

Diante de seu grande sorriso, beijos e olhar penetrante, quem sou eu pra discordar de alguma coisa?

Ele, por fim, me puxa para o quarto. A luz estava ligada, assim como seu notebook na escrivaninha. Sento na cama enquanto ele mexe alguma coisa ali.

— Mas você não tem ouvido a fita tem um tempo? O Murilo nem tinha voltado ainda. O que tem de diferente agora?

Ele se vira pra mim e então vem sentar ao meu lado, desta vez, comedido.

— Lena, eu ouvi a voz da minha mãe.

— Ué, mas antes não era? Quer dizer, as músicas e...

Vini captura uma de minhas mãos nas suas e aperta levemente, sem me olhar.

— Eu ouvi a voz dela... sem estar cantando. Ouvi uma conversa aleatória.

WOW! Isso sim muda tudo.

— É ela conversando com o Silveira sobre alguma coisa que caiu lá, no espaço onde estavam, e ela ri um pouco. Em outro momento, um dos funcionários chama ela para ver alguma coisa da casa.

Eu ainda estou em choque. E imaginando o choque dele.

— Mas... como?

— No outro dia eu tava conversando com o Renato sobre como funcionavam as fitas e comentei que tinha umas tracks que não tinham som algum. Ele então disse algo que fez muito sentido.

Renato? É tudo tão inesperado. E bom.

— O que ele disse?

— Que teve um amigo que gravava umas coisas em fitas e algumas passavam batido como silenciosas, mas na verdade continham um áudio muito baixo. Às vezes erros de gravação, às vezes algumas mensagens escondidas.

Mesmo tendo comprovado a teoria, ele ainda soa e aparenta incrédulo. Vini tem um olhar vago, mas ao mesmo tempo significativo e extasiado. E posso apostar que estou meio assim também, pois a única coisa que consigo dizer é:

— Caramba!

— E aí eu fui verificar o som que tava gravado no meu celular, porque eu não tava com a fita na hora, e conectei no carro pra ajustar o volume. Coloquei no máximo e ouvi um som baixo de conversas num trechinho. Não dava pra entender exatamente o que diziam, mas... era isso. Antes, pensava que a fita tava com algum defeito de gravação. Mas era um áudio. Alguns áudios na verdade.

Salto à sua frente, impressionada, maravilhada, embasbacada. Vini, por outro lado, permanece quieto, na ponta da cama, embora contente.

— Ai-Meu-Deus! Vini! Quando foi isso?

— No dia que a gente tava indo pro aniversário do Sávio.

— Era por isso que você tava tão ansioso pra me ver?

Ele se levanta, cuidadoso e gracioso, medindo palavras e expressões.

— Eu precisava te ver, te contar, mas as coisas não saíram... não saíram bem como eram pra ser.

— Meu Deus. E eu indo pra delegacia ainda por cima! Que péssima namorada sou.

Levo as mãos ao rosto, perturbada. Tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo e... Vini surge no meio das névoas de minha cabeça afastando toda coisa ruim com seu sorriso apaixonado e, acima de minhas mãos preocupadas, seu toque ao meu rosto.

— Você é a melhor, Lena. E eu totalmente iria te buscar no fim do mundo.

Brinco, porque ainda tô me sentindo uma estúpida e porque vejo como seus olhos estão marejados e gratos:

— Acho que ser buscada na delegacia pode ser considerado ser buscada no fim do mundo.

— Você é a melhor, Lena. Apenas isso.

Ele me beija a testa e desce pelo rumo do meu nariz, tão perto.

— Só acho que tem mais gente pra agradecer e que o Murilo nã...

Então noto, pela sua respiração de repente paralisar e seu semblante truncar como se estivesse sentindo uma dor terrível, que suas emoções estavam encontrando saída, finalmente. Abraço-o de imediato, tornando-nos um só bolo de comoção.

— Ei, tá tudo bem.

— Eu sei, eu s-sei.

Deixo-o chorar, apertando-o contra mim e ele me apertando de volta. Parecia que precisava segurar algo, alguém. Eu. Deixo que deite ao meu pescoço enquanto eu deito sobre seu ombro e sinto aquele arroubo junto a ele.

Por uns minutinhos, ficamos assim, até que o peito dele esvazia. Ao se desvencilhar de mim, vejo um misto de impressões ao seu rosto, avermelhado e molhado. Estava como antes, ainda pasmo, atordoado, mas admirado. Faço um carinho ao seu rosto, passando por suas bochechas e queixo, onde parava o caminho das lágrimas que desceram. Eu ali estava como fortaleza para ele, apoiando da maneira que precisasse, silenciosa e observadora. Seu olhar era doído e grato.

Em algum tempo, Vinícius consegue esboçar um pequeno sorriso afetado. Ele enxuga o restante da água do próprio rosto com as mãos e a camiseta, e logo alarga mais esse sorriso.

— Eu ouvi, Lena. Ouvi! A-acredita?

— Acredito.

— Ouvi uma voz... linda. Divertida e suave. Achei que não seria possível.

— Até s-ser possível.

É claro que tava só água nos olhos também.

— Não poderia imaginar essa felicidade depois de tudo.

— Nem eu, amor, nem eu.

Ele me abraça dessa vez, a respiração ainda entrecortada, apesar de mais suave, e dividimos novamente as emoções. Dele ouço:

— O-obrigado. Obrigado por ter ficado, obrigador p-por...

Desvencilho-me dele só para poder responder cara a cara:

— Te amo, Vini. Eu totalmente iria até o fim do mundo pra te trazer essa felicidade.

Ele me acaricia o rosto, emocionado.

— E você foi até o fim do mundo. Porque eu tava no fim do mundo, perdido.

Eu, que vinha cheio de dúvidas, que tinha tido umas surtadas, que estava fugindo de expectativas e planos, de repente me sinto plena. Como posso temer qualquer coisa, qualquer futuro com ele?

Não poderia trazer o assunto agora, óbvio, mas acho que já não me sinto insegura. Quer dizer, não temos porque ter pressa alguma. De verdade. Tomo um fôlego e digo:

— Eu também não tava num lugar muito bonito. Mas com você, me sinto equilibrada. Segura.

— Te amo.

— Eu te amo.

— Muito.

— Do tamanho do universo.

Rimos e selamos essa verdade com beijos e mais risos e mais choros mútuos.

— Você quer ouvir?

— Quero. Se não for muito pra você.

Vinícius faz que não e se volta para a caixa de som. Mexe em alguns botões, puxa uns fios e leva-os para a cama. Quando me sento onde estava, ele sai um minutinho.

Pela porta entreaberta, vejo que ele entra no banheiro, que fica exatamente em frente ao quarto. Me ajeito onde estou para lhe dar um pouco de privacidade. Em minutinhos, ele retorna de rosto lavado. Ainda tem umas marcas avermelhadas pelo choro, mas parece mais disposto. Ao chegar perto de mim, puxo-o para um abraço e mais um beijo de total suporte.

— Você contou pra mais alguém? Sobre esses áudios?

— Ainda não. Nesses dias eu nem tava acreditando e demorei a ouvir, porque achava que não estava preparado. Mas aí quando você me disse que estava vindo pra cá, sei lá, eu só... fui ouvir.

— Então eu cheguei bem na hora mesmo.

— Sim. Vou passar para um CD. Ou vários. Guardar várias cópias.

Diz ele, animado, sentando-se melhor na cama. Depois completa, me sondando, como se estivesse procurando uma maior razão.

— Mas... quero mantê-las só comigo por um tempo.

— Se é isso que quer, tudo bem. Guardo segredo.

— Acha que estou sendo egoísta?

Passo a mão por seu rosto, semblante, fios de cabelos macios.

— Você está descobrindo sobre sua mãe. Tem todo o direito de ouvir a fita, ou CD, e ficar com o áudio só pra você. Tem todo o direito de respeitar seu tempo.

Os olhos dele marejam mais uma vez nesta tarde.

— E eu vou te beijar, te abraçar e te cobrir de todo amor possível.

— Obrigado.

— Obrigada a você pela confiança.

Ele ainda não sabia, mas era eu quem estava mais grata.