Estava tão relaxada que, quando finalizei a ligação com Vini e companhia, me surpreendi. Depois de um dia agitado de preparativos, salão, conversas e brincadeiras, apenas me manter presente estava sendo suficiente. Sorrio boba por ter chegado a esse estado de espírito tranquilo. Como se estar longe significasse longe para outras coisas também – problemas principalmente. Era uma boa sensação. Descanso. Gostaria de me agarrar a isso por mais tempo.

Pra combinar com essa calmaria, deixei minha playlist do celular tocando. Parece que hoje o modo aleatório estava me compreendendo certinho, pois só mandava aquelas músicas não muito agitadas, nem muito calmas, apenas leves, leves para o momento, e era tão gostosinho que eu queria que toda a arrumação durasse mais um pouquinho pra eu aproveitar bem. Tento cantar um pouco da letra da música que começara, mas essa eu tinha capado da Flávia e seus franceses, e não tinha jeito para entender o que estava sendo dito ou cantado, eu só seguia a boa vibe.

Trilha indicada: Margaux Avril – Toucher Le Soleil

A Flávia perdia esse momento por ter tido que voltar ao salão, pra ajeitar seu penteado, que não fincou direito. Lá mesmo disse que faria sua maquiagem, pra ganhar tempo. Ainda bem que o salão era bem na esquina, assim ela poderia voltar andando sem muito desespero. Tínhamos tempo acho.

Termino de passar o blush, meio alheia ao espelho, e reúno meus itens de maquiagem na nécessaire. Logo coloco um par de pontos de luz dourados nas orelhas e sorrio sozinha ao ver que era hora do toque finale: o cordão de ouro que ganhei do Murilo no Natal passado. Retiro-o com tamanho zelo da caixinha e o seguro como se pudesse fazer um desejo e pedir pela presença do meu irmãozão. Até optei pelo mesmo vestido do Natal, para poder fazer esse rearranjo. Após quase um ano aqui estava eu, tão decidida, sossegada e feliz pelo que estava acontecendo. Saudosa, claro, três homens da minha vida – mas certa de que eles estavam bem. E por isso, eu estava bem.

Trilha indicada: Shake Shake Go – Doors To Heaven

Começa Doors to Heaven, do Shake Shake Go e me embalo fácil. Hipnotizada pelas lembranças agridoces de meu irmão, sinto um pouco por ele não me ver estrear seu presente. Vou usá-lo mais, penso comigo. Prendo o cabelo e coloco o cordão em meu pescoço. Ao fechá-lo, toco o pingente, um M por cima de outro M, em letra cursiva. Um sentimento avassalador me toma de repente, que me enche os olhos e preciso repetir mentalmente que está tudo bem.

Vai ficar tudo bem.

— Está linda, minha menina.

Pulo de repente, sem ter percebido a presença de minha avó. Trato de me recuperar rapidamente, junto os outros acessórios e guardo na maleta ao lado. Acho que ela me salvou a tempo de pausar os feels antes que se prologassem. Não era hora para se emocionar. Não ainda.

— Estava pensando longe como sempre. Um dente de ouro meu por seus pensamentos, querida.

— A senhora não tem dente de ouro, vovó... Ou, pera, AGORA TEM?!

— Deus me livre! Era só um bordão antigo que reacendeu anos depois na redação.

Minha avó ri gostosamente enquanto segura seus cordões, também um tanto longe pela lembrança repentina. Observo a cena aliviada e sorrio junto, mas mais por vê-la tão deslumbrante e alegre neste momento. Após tantos anos de batalha pela saúde ela mantém seu porte como ninguém, dura na queda. Está até mais cheinha, gloriosa. Meus olhos voltam a se encher, porém, de orgulho.

— Sabia que a senhora está maravilhosa, dona Marília?

— Quando não estou, minha querida?! Não responde!

— Nem vou perguntar se está nervosa. Mas pergunto o que é essa surpresinha.

— É surpresa, não posso contar.

— Mas nem pra mim?

Vovó apenas balança a cabeça em negação, dificultando minha sondagem.

— Tá, não digo mais nada, pra não aumentar a ansiedade. Minha e sua... Ah! Assina meu exemplar? Antes da festa? Terminei de ler outro dia e está... incrível. Totalmente sua cara.

— Uma honra assinar seu livro. Principalmente se contribuí para você continuar lendo.

— Leio pouco sim, mas pretendo mudar esse hábito. Depois daquela crônica sobre certa pessoinha lendo então, posso dizer que entendi a mensagem.

Na verdade o texto era sobre uma garotinha que o eu-lírico percebeu numa livraria. A garotinha parecia estar tendo dificuldades em ler o livro que trazia em mãos, daí uma boa alma, prestando atenção na cena, se ofereceu para ler. Quando se deu conta, tinha outras crianças ao redor interessadas na leitura também. A imagem remeteu a uma lembrança, que pra mim ainda era vívida, de umas tardes que eu passava com a vovó, na cabana.

Às vezes eu enrolava para fazer o dever de casa e ia ler para ela. Mamãe brigava comigo, acusando-me de preguiçosa, mas a verdade é que eu queria aproveitar todo o tempo que estava ali, mesmo que isso significasse eu cair na escola. Mas é que vovó Marília estava tão fraca com o tratamento, que nem pegar uma revista para ler ela conseguia. Ok que às vezes eu exagerava mesmo, ficava mais tempo do que eu podia. Com o tempo, mamãe entendeu – vulgo vovô contou-lhe – e diminuiu a tensão quanto ao quesito escola. Passou até a sentar para ouvir também. Outras vezes vovô ou papai. Murilo. Eles participavam como leitores-ouvintes.

Com o agito pela faculdade, acabei deixando de ler um pouco. Ok, consideravelmente. Também pensei pelo lado de optar viver loucuras com histórias dos livros do que viver em confusão. Como o Vini me dissera no outro dia, chega um momento na vida que a gente tem que se deixar sossegar. Escolher melhor as batalhas. O texto só corroborou todo esse sentimento. Todo o livro, pra falar a verdade.

Vovó apareceu com sua caneta especial em mãos num piscar de olhos e tomou o livro de minhas mãos. Sentou-se na escrivaninha ali, rabiscou algo, fazendo pequenas pausas, acho que pra pensar melhor em como escrever. Lembro ainda de como ela dizia que era um mal de jornalista... checar sempre suas palavras.

— Não leia antes do lançamento, viu.

Assinto, curiosa. Guardo o exemplar, pequeno, na bolsa que coloco aos ombros e não resisto. Parabenizo ela pelo livro, pelo lançamento, pela conquista. Ela merecia demais. Logo mais a abraço com minhas emoções já dando “olar”. Lembro novamente das vezes em que lia não só revistas, mas livros e jornais, às escrevia até. Foi um momento tão delicado, mas importante pra mim. Foi muito difícil ter que deixá-la quando tive que me mudar com o Murilo pra capital. Foi difícil crescer longe de seu colo, seu carinho e seus beliscões. Sim! Ela ainda me puxa da orelha, literalmente. Reclamava, mas até que gostava (e ela saía me arrastando só porque eu ria). E, fora de tudo que era esperado, vovó conseguiu manter o trabalho, realizar-se novamente e agora mais uma vez. Quando saí de casa, me disse para achar meu caminho e seguir em frente. É isso que tenho tentado fazer há anos. E acho que tenho conseguido. Meu caminho era, principalmente, com a peste do Murilo.

Não posso deixar de dar uma fungadinha por tudo isso. Vovó se desvencilha de mim e passa a mão em meus cabelos, alisando-os com carinho. Olho no olho dela e também vejo que ela está assim, e nem um pouco constrangida.

— Eu sei, eu sei, minha Milena.

Risonha, pra quebrar o gelo, pergunto:

— Sabe o quê, vovó?

— É uma noite e tanto. Gostaria que todos os meus netos estivessem aqui.

— Bem, uma foi presa.

E por causa dela, estamos assim, desfalcadas.

— Não falo dessa garota. Sempre soube que tinha algo errado com ela. Acho que não me espantei tanto por ela sair nos maiores jornais do país, me surpreendi mais foi por demorarem pra descobrir.

— O que quer dizer, vovó?

Nessa hora, minha mãe e Flávia chegam pelo corredor falando alguma coisa sobre a incrível coincidência (e sina) de aparecer espinhas em locais desfavoráveis sempre que aparece uma festa para ir – que foi na verdade o que fez a Flá voltar para o cabeleireiro, porque o penteado que deveria cobrir a bendita, não estava bem seguro – e vovô veio logo atrás apressar todas. Quando dou por mim no meio das conversas sobre o fato do Luke já estar na porta esperando, mamãe falar que o relógio da sala estava adiantado e Flá terminando de preparar a bolsa, me volto para vovó, já no corredor:

— Vovó? Lá no quarto, a senhora estava dizend...

— Nada, nada. Não vamos estragar esse momento.

De novo, somos interrompidas pelo destino. Luke aparece na sala para rebocar todo mundo. A começar pela minha avó.

— BORA, DONA MARÍLIA! Todo mundo no carro agora!

Fosse o que fosse, realmente, aquela era um noite e tanto, e eu não queria perder nem um minuto dela. Me certifiquei de estar com o celular e as chaves e parti para o carro. Já na calçada, ouvindo o alvoroço de mamãe sobre fechar todas as janelas e desligar o gás, e de Luke no celular respondendo sobre materiais de som, vovó bate sua cintura na minha, graciosa, e diz:

— Sabe aquela sua ideia sobre filmar para seu pai e o Murilo? A festa, digo. Você tem meu “tudo bem”. Desde que também viva o momento.

— Sério, vovó?

— Não me pergunta isso, senão mudo de ideia.

Não digo mais nada. Apenas grito para o movimento na minha casa:

— BORA, MÃE!

~;~

Mal pisamos no salão da recepção e a organização roubou vovó da gente. Por alguma razão, Luke foi junto. Estava um alvoroço, de fotos e flashs, música ambiente um pouco alta, muitas conversas. Mamãe e vovô foram cumprimentar uns conhecidos. Eu e Flávia ficamos passeando pelo local, curiosas sobre a decoração. Tinha um banner enorme com uma imagem linda da vovó! Tirava fotos ao lado, pra mandar pro Murilo, quando uns jornalistas vieram conversar com a gente. Fomos entrevistadas!

Tô vendo dona Flávia se gabando disso até o fim da vida.

Ok, eu também.

Também filamos uns petiscos na mesa de canto, observando a noite, a festa, a muvuca. Estava... incrível. A pilha de livros estava diminuindo rapidamente, conforme os convidados iam adquirindo seus exemplares e pegavam senha para a fila de autógrafos, que se formaria dali a um tempo. Enquanto conversava com Flá, me demorava nos detalhes para poder contar depois. Até que um momento minha amiga me chamou atenção, fazendo graça. Eu estava olhando para o canto do palco, onde vovó estava com Luke e mais dois organizadores.

— O que é, hein, já está com ciúmes?

— Ciúmes? Eu? De quem?

— Do vizinho gato com sua vó.

— No que consta, aqui não está quente para você aflorar seu lado pedreiro, viu. E não tenho ciúme não. Sou uma Lins, mas nem pra tanto. Tenho admiração. Eles fazem uma bela dupla, não? Olha ali.

Ela olha mesmo e assente.

— Eu sei. Lembro do Natal do ano passado. Naquela vez no casamento do enfermeiro bonito, que a gente se encontrou, acho que ele mencionou algo também. Sobre estar tão próximo da sua avó. Que eles estavam repassando alguns textos, não?

— Foi. Foi mesmo. Estavam fazendo maratona, disse ele.

— Ih, vai começar!

Encho a boca com mais um salgadinho e corro para perto do palco, já pegando meu celular da bolsa. O anfitrião, presidente do jornal, toca no microfone para chamar atenção de todos e logo as conversas vão parando devagar, a música abaixa consideravelmente. Tento acionar a câmera do meu aparelho, mas, por alguma razão, a tela não faz o câmbio. Travou! Bato no aparelho, viro, aperto botão, tento desligar, e nem isso! Simplesmente não sai da minha pasta de imagens. Não consigo nem fazer aparecer o teclado. Nem consigo ouvir o que está acontecendo no palco e me desespero pra fazer esse negócio funcionar. Não morre aqui, celular. AQUI NÃO, CELULAR!

— Lena, o que você tá fazendo?

— O celular não quer pegar. Travou. Ah, meu deus, travou. Me dá o teu celular.

Justo nessa hora a plateia explode em risadas e a Flávia não me ouve.

— O quê?

Tento demonstrar que meu celular tinha pifado, batendo que nem uma louca na tela, e ela ainda me olha como se não estivesse entendendo. Espio o palco e o presidente já passou o microfone para a redatora, e quase posso chorar pela hora mais oportuna possível. Não posso perder isso, não posso. Eu tenho... eu tenho que...

Quando acho que não pode piorar, alguém esbarra em mim e o celular vai de cara no chão. Solto um grito abafado que ninguém percebe por uma nova leva de risadas que toma o salão e busco o aparelho aos meus pés antes que alguém chute. Levanto-me e me recupero, meio perdida sobre o que estava acontecendo. Flávia volta a tentar falar comigo:

— O que você tá fazendo? Eles já vão anunciar os autógrafos.

— Eu tô... é que... tô...

Tava tentando ressuscitar o bendito, que agora tinha saído pra tela principal, mas não obedecia ao meu comando e acho que tinha arranhado a tela e... A Flávia toma o aparelho das minhas mãos.

— Flávia! Eu tenho que...

Nessa hora a redatora anuncia minha avó para subir ao palco e palmas se alastram por toda a festa. Vovó Marília sobe com cuidado, com ajuda de Luke, e eles caminham passo a passo lentos até centro do palco, onde estava o microfone. Eu apenas paro no tempo. Era esta a surpresa! Ela falar no microfone! Como que acordando pra vida, lembro-me do que ela falara antes de sairmos de casa. Que podíamos filmar, mas que acima de tudo, era para aproveitar aquele momento. Sem interrupções. Me arrependo de ter gastado um tempo brigando com meu celular pra registrar os discursos, principalmente por ter perdido boa parte. Já quase posso sentir o puxão na minha orelha que vovó vai dar.

Enquanto ela terminava de se aprumar para falar, com cartões em mãos e sussurrando algo com Luke, olhei para os lados e vi que estavam filmando. Filmando e tirando fotos. Era uma festa grande do jornal, e o que não faltava eram jornalistas pra todo lado, cinegrafistas, fotógrafos e... Como fui boba!

— Boa noite.

Palmas tomaram de conta do salão mais uma vez.

— Gostaria de agradecer a cada um que veio prestigiar o evento e... antes de tudo, tenho um presente a vocês. Por anos vocês leram meus textos em suas casas e, ao que parece, poucos me ouviram falar de verdade. Então, nesta noite, vou ler um trecho e espero que vocês gostem.

Palmas novamente tomaram de conta do salão e eu... bem, mais me emocionava que batia palmas. Espio a Flá do lado e ela está tal qual eu. Não consigo avistar meu avô, nem mamãe, e nem preciso, pois tenho quase certeza de que estão assim também. Por anos a fio vovó, além de sofrer pela saúde, tinha fobia de microfone e palco. Eu também tivera, mas arriscava de vez em quando. E dessa vez, vovó...

— “Nunca é tarde demais para começar algo novo. Nunca é tarde demais também para recomeçar algo velho. Nunca é tarde demais pra colocar a vida no lugar. Quantas vezes for necessário.”

Desta vez ela detinha a atenção de todos e, apesar do nervosismo, estava demonstrando um pouco de si além de suas nobres palavras. Era um dos primeiros textos do livro e um dos meus preferidos. Era, de fato, um presente. Para guardar e revistar sempre na memória.

Ouvia avidamente cada palavra; vovó e Luke alternavam olhares e textos. E enquanto isso, os sentidos iam encontrando novos lugares, novos entendimentos. Não poderia deixar nada mais me escapar depois desta noite. Não o que valia a pena.

Abraço o cordão ao pescoço com uma mão e me permito sentir tudo, mesmo que por um breve momento. Sinto que Flá me abraça de lado e... algo explode. Tudo dentro de mim reafirma que é isto. A beleza e a graça da promessa de um novo amanhã.

Assim que o texto é finalizado, Luke sorri para a plateia antes de anunciar a fila dos autógrafos. Enquanto eles se aprumam para sair do palco com todo um ovacionar, troco um olhar significativo com minha avó. Acho que nunca iremos nos perder por completo. Obrigada, vovó, obrigada é o que lhe digo com um mínimo movimento dos lábios enquanto todo mundo se movimenta para seguir para a sessão de autógrafos. Só acordo mesmo quando Flá me puxa de volta pro mundo.

— Vem, Lena!

Imensamente feliz, eu vou. Mais que pronta pra tudo.

Nunca é tarde demais pra colocar a vida no lugar.

Quantas vezes for necessário.

~;~

Depois de 87 pessoas na fila, eu parei de contar. Bem, porque perdi a conta. Flávia e Luke tagarelando, o alvoroço do evento, mamãe toda toda. Como eu já tinha assinado meu livro, não precisava ficar na fila, mas queria tirar minha foto e Flá que não ia permitir eu sair do lado dela. A não ser quando mamãe me arrasta para conversar com a imprensa. Depois de mais um papo, vou ao banheiro pra choramingar as pitangas do meu celular, que jazia na bolsa. Ele ainda não tinha voltado e eu mal podia pensar no tanto de arquivo importante que constava lá. Flávia disse que parecia destino – e Luke, praga da minha avó. Se ela tivesse ouvido, as orelhas dele já estariam esticadas.

Me bate a lembrança de um evento no ano passado em que ele interviu para que o microfone dela falhasse. Me lembro de Murilo levando a culpa. Eu tava tão magoada com meu irmão naquela época que mal o deixava respirar o mesmo ar que eu. Me olho no espelho do banheiro e novamente seguro o cordão, passando o dedo pela letra cursiva do M em cima de outro M. Fecho os olhos, inspiro e expiro, devagar. Ouço a festa lá fora, um som um pouco longe, e repito comigo que está tudo bem. Mesmo de celular morto.

Faço que ajeito meu cabelo assim que uma moça entra. Aceno pra ela quando fica ao meu lado pra retocar a maquiagem. Antes de sair, checo se a minha está ok. Mesmo de rímel à prova d’água, parece que nunca é o bastante dar uma olhadinha, principalmente se rios de emoção jorraram minutos atrás. Pois é, ainda dei uma chorada na fila, como a bela emotiva que eu estava. Bem, depois daquela dedicatória da minha avó, que espiei, foi muito difícil!

À minha mais querida neta, menina-mulher, que cresce, convicta, entre números e cálculos. As letras também são para você, minha menina. Leia mais, ouça mais, ligue-me mais! Obrigada, mais uma vez, por todas as leituras. Você me manteve lúcida quando achei não mais estar, me deu mãos quando não pude mais escrevinhar (sim, essa palavra AINDA existe), e, melhor de tudo, me dá orgulho quando acho que não é mais possível me orgulhar. Este livro é para guardar, lembrar, folhear, um pouco de tudo, de nossa história; é meu presente. Espero que a leitura – e as releituras – fale sempre algo novo. Fale algo quando eu não mais puder. Sucesso sempre no seu caminho. Nada fácil, mas simples ele pode ser. Te amo. Do tamanho do universo. Coisas de sua mãe. Ass: Vovó Marília.

Por isso Flá e Luke tagarelavam demais, pra dispersar aquela tristeza que me abatera de pronto. Me abraçaram e contaram besteiras. Eram as melhores companhias, com certeza. Que não acho mais, ao dar uma boa olhada no salão cheio.

Dou uma olhada na fila e nenhum sinal dos dois. Pelo tempo que passei fora, achei que pelo menos a Flá estaria na fila, mas só se minha avó foi mais rápida pra autografar. Perambulo mais um pouco, encontro vovô, depois mamãe, e saio de novo na procura da minha amiga. Belisco uns salgadinhos mais nesse vai e volta pelo salão até estacionar no bar, sentar no banquinho e pedir um coquetel. No primeiro gole, alguém se atreve a roubar um salgadinho que eu colocara no balcão. Com um sorriso traquina, Luke sobressalta antes de eu lhe atingir. De boca cheia, ele diz:

Roi, suída.

— Vocês que sumiram. Cadê a Flá?

Aproximando-se de volta, ele pede uma bebida ao barman e me responde:

— Sumiu pra ir atrás de ti. Tá melhor?

— Tô. É só que... hoje... tem sido intenso. Obrigada.

— Eu sei que sou intenso, baby. Disponha.

Dessa vez ele não escapa da minha cotovelada – de amor. Ao receber sua bebida, bato minha taça na sua, em um brinde.

— Tô falando pela surpresa. Pelo seu apoio. Por estar aqui. Por ela.

— É um grande prazer, você sabe. E só porque você não está aqui – não o quanto queria – não quer dizer que não está fazendo sua parte. Está seg...

— Seguindo meu caminho.

Nada fácil, mas simples ele pode ser.

Luke assente, compartilhando um sorrisinho por ser algo que conhecemos bem, de tanto que minha avó fala. É possível estar com saudades enquanto se mata umas? Ao que parece, sim.

— E o seu celular morreu mesmo?

Tiro da bolsa e lhe mostro. Aperto o botão lateral de ligar e só acende uma luz na tela, uma luz branca, que nem exibe mais a tela principal, e depois desliga sozinho. Com um bico, guardo de volta. Luke solidariza.

— É, acho que esse não volta ma...

— Aí que tu tá, né, bonita! Tô te procurando faz uma hora!

Flá chega já com as mãos nos quadris. Divertida, rebato:

— Mentira, que foi só meia!

— Como que tu sabe, se teu celular apagou?!

— Pela música ambiente, ué. Dá pra conferir o temp...

Antes que eu pudesse embromar mais um pouco, ela me reboca.

— Vamos, tua avó tá te esperando.

— Mas ela não tem mais um monte de livro pra autografar?

— Por isso mesmo. Ela pediu pra te chamar, pra ela tomar um break, senão ela só sai dali no fim da festa.

— E por que tu não disse antes, bonita? Teria feito isso faz temp...

Novamente, ela não me deixa terminar. Dou um tchauzinho pro Luke pelo menos. Nos embrenhamos pelo salão e só assim ela relaxa. Não só relaxa, como ri, ao lembrar de algo.

— Tenho que te contar uma também. A Iara ligou. Até o Vini ligou!

— Como assim? Aconteceu algo?

Flávia estala a língua e segura o riso, com um tamanho mistério.

— Aconteceu.

Logo que ia exigir respostas, vejo minha avó e ela faz um sinal para a assessora. Flávia parece que faz questão de não me dizer nada e novamente sou puxada de um mundo pra outro, com a curiosidade a mil. Meu pensamento imediato é “vou contar!” e, entremeio à conversa da vovó com a assessora e mamãe sobre fazer uma pausa para renovar as forças, percebo o quanto ando efusiva de contar as coisas para as pessoas – Murilo principalmente. Talvez eu tenha chegado finalmente em um estado de melhor comunicação, em que as coisas já não caibam só em mim. Não que fofoca seja minha impulsão. Eu só sinto uma maior necessidade de dividir as coisas.

Com quem importa.

Só por isso não planejo jogar o corpo da Flávia numa vala quando ela decide guardar todo um babado pelo resto da noite.