Make a Memory

Capítulo VIII – Cristiano




— Quem é você?

...

Congelei.

O olhar frio do Félix para mim me perguntando quem eu era me congelou por dentro. Me matou.

Não consegui responder. Não consegui me mexer. E por um instante, acho que nem consegui sentir-me vivo.

— V-Você... – Eu não queria acreditar, não conseguia. – Se esqueceu de mim?

Ele continuava me olhando com aquela expressão confusa que estava me matando mais e mais.

— Desculpa, mas... Não me lembro de você.

O Jonathan e os outros já haviam se afastado, me deixado chegar mais perto dele. Mas, naquele segundo minha vontade era fugir e fingir que nada daquilo era real. Aquele homem sequer parecia ser meu Félix, parecia um desconhecido pelo jeito como me olhava e falava comigo.

— Você não... N-Não lembra mesmo quem eu sou?

— Não.

Juro que senti um não sei o quê muito ruim naquele momento. Afastei-me dele, pois eu mal estava aguentando ficar de pé. Parecia que haviam roubado o chão de debaixo dos meus pés e eu estava caindo num abismo profundo. Fui para o local mais distante do quarto e me encostei à parede, me segurando para não desabar.

Vi o Lutero passando depressa e indo para perto dele. Ele viu tudo que ocorreu ali, por isso entrou dizendo: - Ele deve estar com grandes falhas de memória! Acalmem-se, não é bom pressioná-lo.

— Vamos ver se você está bem. – Ele começou a examiná-lo enquanto nós olhávamos. – Me diga... De quem você se lembra?

Félix apertou os olhos e falou: - Lutero?

— Você se lembra de mim?

— Sim... Você é amigo do meu pai.

Todos nos olhamos. A essa altura eu já não sabia se éramos nós ou o Félix quem estava mais confuso.

— Você se lembra do seu pai? – Lutero perguntou.

— Lembro.

— Qual o nome dele?

— César. Doutor César Khoury.

Todos nos olhamos de novo, e dessa vez até o Lutero pareceu assustado.

— Me diga... Você lembra que seu pai é médico?

— Sim. Ele é dono de um hospital. – Félix olhou para os cantos do quarto. – Eu estou no San Magno?

— Está!... Então, você se lembra do San Magno?

— Acho que sim... Do nome apenas.

— Ouça, quem é essa mulher? – Lutero pegou no ombro de Pilar. Félix prontamente respondeu:

— É minha mãe.

— Qual o nome dela?

— Pilar.

— E essa aqui? Quem é?

— Minha avó, Bernarda.

Os três se olharam. Ele havia respondido tão naturalmente que parecia lembrar perfeitamente deles. E o que eu me perguntava era... Por que ele não se lembrava de mim?

Lutero fez sinal para os outros se aproximarem. Eu permaneci onde estava apenas observando. Félix estava muito estranho, seu jeito de falar era diferente! E eu só sabia que eu estava com medo não sei bem de quê, só estava.

— Eu vi que você se lembrou desse garoto. Sabe quem ele é? – Lutero perguntou trazendo Jonathan para frente.

— Eu acho... Acho que é meu filho, não é? Eu não lembro muito bem, mas algo me diz que ele é meu filho.

— Sim, ele é. E essa mulher? Você sabe quem é? – Perguntou pegando nos ombros de Paloma.

Félix olhou para a mãe e a avó e respondeu: - Vocês me disseram que é minha irmã, mas... Eu não me lembro!

— Não se lembra dela?

— Nem me lembro de ter uma irmã.

— Você também não se lembra dessa menina, então? – Trouxe Paulinha para frente.

— Não. – Ele olhou para Paloma e perguntou como qualquer desconhecido: - É sua filha?

Ela engoliu o choro para responder. – É. É minha filha.

Eu poderia apostar que no coração dela estavam misturados tantos sentimentos quanto no meu. Pensar que o próprio irmão, que outrora lhe havia tirado a filha, agora sequer recordava da existência das duas, não devia ser nada fácil. Para mim era terrível ver que o homem que amo, que tanto me ajudou, que me deixou apaixonado, agora sequer me reconhecia.

— Ela é a sua irmã, Paloma, e essa é sua sobrinha, a Paulinha. – Lutero as apresentou, mas a reação de Félix continuou a mesma.

— Ainda não me lembro delas.

Agora era minha vez de passar pelo teste das perguntas. Quanto Lutero me convidou a me aproximar eu titubeei. Algo me dizia que eu me machucaria ainda mais. Eu já tinha visto que o Félix não se lembrava de mim. Será que tinha como piorar?

— Você se lembra dele? – Lutero perguntou me colocando na frente de Félix. Quando vi seu olhar para mim, soube a resposta.

— Não.

— Não sabe quem ele é?

— Não.

— Félix, ele é o seu...

— Quê? – Ele interrompeu Lutero com uma expressão ainda mais confusa, chamando a atenção de todos. – Como me chamou?

— Te chamei de... – Lutero pareceu perceber algo que nós não havíamos percebido ainda. Ele chegou mais perto dele nos deixando para trás. –... Félix. – Ele apenas falou seu nome, enquanto Félix permanecia com a mesma expressão confusa. – Esse nome te diz alguma coisa?

Ele olhou para todos nós. Parou o olhar em mim e eu quase vi renascer a esperança de que ele me reconheceria, mas, para minha surpresa, ele perguntou:

— Ele é Félix?

— Hã? Não, não... Ele se chama Niko. – Novamente ele me olhou antes do Lutero perguntar: - Você não sabe quem é Félix?

Ele voltou a olhar para Lutero e perguntou:

— Não!... Quem é Félix?

...

Um minuto de silêncio. Silêncio mortal que tomou conta daquele lugar.

A sua pergunta deixou todos nós em choque. E o pior é que ele perguntou como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Mas, como assim quem é Félix? Se ele não havia perdido completamente a memória, como podia não se lembrar do próprio nome?

Foi então que Lutero fez a pergunta que deveria ter-nos feito compreender, mas nos deixou ainda mais abalados.

— Você não sabe mesmo quem é Félix?

— Não.

— Me diga, então... Qual é o seu nome?

— Meu nome?...

— Sim. Como você se chama? Você sabe?

— Sei... Claro que sei.

— Sabe? Então, como se chama?

— Eu me chamo Cristiano.

...

...

...

... - Sabe... Eu fiquei muito tempo da minha vida me perguntando o que eu tinha feito de tão errado para o senhor não gostar nem um pouquinho de mim, mas hoje eu sei o que foi... Foi o simples fato de eu nascer, não foi, doutor César? O senhor nunca me suportou! ... Fala! Não foi isso? Você nunca me suportou, nunca me quis...

— Não! Eu nunca suportei esse seu jeitinho, suas manhas, seus problemas. E o pior de tudo foi quando perdi meu outro filho e percebi que você jamais seria igual a ele. ...

Em casa, César recordava-se da última briga com Félix e, mesmo que quisesse, não conseguia deixar de se sentir culpado. Afinal, foi depois dessa última briga que Félix sofreu o acidente. E agora César não sabia sequer como ele estava. Se bem ou mal, consciente ou inconsciente, vivo ou morto. Ele não queria admitir que, ao contrário do que jogava na cara de Félix, se preocupava com ele.

... - Mais uma vez você dormiu fora de casa.

— Não sou mais nenhum adolescente para o senhor se preocupar com isso.

— Nunca me preocupei com o que você faz ou deixa de fazer, não vai ser agora que vou me preocupar. ...

Sim, César se preocupava. Do jeito torto dele, mas se preocupava. E queria o que ele achava melhor para o filho. Não queria que aquela briga fosse a última imagem que Félix teria dele, não queria que as palavras duras que lhe lançou fossem as últimas palavras que Félix ouviria...

... - Você não entende? Eu estou aqui, eu estou tentando te ajudar, eu estou vivo! O Cristiano morreu, entendeu? Morreu! Ele morreu e não vai mais voltar! Sou eu quem está aqui, quem sempre esteve, e quem o senhor ignorou a vida inteira!

— Cale a boca, Félix! Você não sabe, não conhece a dor de perder um filho...

— Se fosse eu, papi, se fosse eu que tivesse morrido, se fosse meu carrinho de bebê que tivesse caído na piscina e eu tivesse me afogado, o senhor sentiria essa mesma dor?

—... Provavelmente. ...

— Sim, sentiria. – Foi a resposta tardia que César deu a Félix... Ou a ele mesmo. Sim, ele sentiria a mesma dor. E passaria a vida inteira imaginando como seria o filho que havia perdido... Da mesma maneira que aconteceu. Só os nomes seriam trocados, mas a dor seria a mesma. E ele sabia disso! Finalmente, ele conseguia ver isso! Só agora! Só quando existia a possibilidade de perder esse filho que ele tanto ignorou.

Ignorou a vida inteira...

E passou a vida sem sequer dizer um “eu te amo, meu filho”.

... - Você não sabe o que diz!

— Ah! Eu que não sei o que digo? É o apocalipse mesmo!

— Pelo menos eu amei a Aline e você que só está com esse tal aí por safadeza.

— Safadeza? O quê?! Eu amo o Niko!

— Ama?... Faça-me rir, Félix! Você não ama ninguém.

— Eu não amo? Eu que não amo, doutor César? Vamos recomeçar essa briguinha então? É assim? Ok. Então, escuta. Eu amo minha mami poderosa, amo o meu namorado, amo os filhos dele, amo meu filho Jonathan, até a Márcia, minha ex-babá, eu amo de paixão. E você, hein? Que não foi capaz de amar nem o próprio filho, hein? Fala! Quem aqui que não ama ninguém? ...

Sentindo o peso enorme das palavras não ditas. Era assim que César estava. E, naquele momento, fez algo realmente raro para ele... Deu importância ao filho.

Chamou um empregado e quando este chegou, pediu para ligar rápido para o hospital.

— Está se sentindo mal, seu César? Quer que ligue para a dona Pilar ou a dona Paloma?...

— Não! Não quero falar com elas. Quero saber do... Ligue para o meu advogado apenas, me dê o telefone e saia. Ah! E não comente isto com ninguém.

Feito. O empregado saiu deixando César com o telefone, falando com Eron.

— Doutor César, fiquei surpreso quando falaram que era o senhor. Precisa de alguma coisa?

— Preciso. Preciso saber como o Félix está.

Eron, obviamente, se surpreendeu.

— É... Pensei que o senhor não quisesse saber nada sobre ele.

— Esqueça o que eu disse. Apenas diga como ele está.

— Bom... Doutor César, pelo que fiquei sabendo, ele acordou esta manhã.

— Então... Ele não corre perigo?

— Não sei, mas acredito que não. Tudo que eu soube foi que tiveram que medicá-lo de novo porque ele acordou muito agitado. Parece que ele não reconhecia as pessoas, não sei bem...

— Como não reconhecia?

— Eu não sei explicar, doutor César. Eu também estou evitando ir até a área onde ele está. O senhor deve saber que eu tive meus conflitos com o Félix e também tem o... É... E-Eu prefiro não me intrometer demais.

— Ouça aqui, eu quero que você vá saber como ele está agora e me conte, entendeu?

Eron respirou fundo. Não queria desobedecer ao patrão, mas, por outro lado, não queria encontrar de novo Niko chorando nos corredores por Félix.

— Eu vou ver o que consigo descobrir, doutor César...

— Descubra tudo que puder e me diga. Eu... Não quero surpresas.

— Surpresas?

César sabia muito bem as várias sequelas que poderiam vir de um traumatismo craniano.

— Eu não quero que, de repente, Pilar, Jonathan ou qualquer um chegue dizendo que Félix não pode mais andar, enxergar ou que vai ficar vegetando. Não quero ser pego de surpresa, entendeu?

— Acho que entendi, doutor César...

— Você não tem que entender nada, tem que cumprir minhas ordens! Vá descobrir como ele está e me ligue.

— Sim, eu já vou. E assim que tiver informações retorno a ligação para o senhor.

César desligou e Eron, já que não tinha outro jeito, foi procurar onde era o quarto de Félix.

...

...

...

Após a revelação de que o Félix achava ser o Cristiano, estávamos todos na sala da Paloma, completamente desnorteados. Muitas pessoas estavam ali esperando o Lutero conversar com alguns especialistas, creio que um psicólogo e um neurologista, tentando desvendar ou entender melhor o que o Félix tinha para poder nos explicar.

Havia muita gente na sala esperando respostas. Vi o Eron entrar e também o doutor Atílio. Simone e Patrícia também vieram. O Rafael já estava aqui junto à família Khoury e eu, claro. Nunca pensei que tanta gente se solidarizasse com a situação do Félix, ou, pelo menos, sentisse curiosidade o bastante para vir até aqui tentando saber o que ocorria.

Para mim não importava quem estava ali, eu só conseguia ver repetidamente na minha cabeça a imagem do Félix olhando para mim, confuso, e perguntando quem eu era. Antes de sair de casa eu havia prometido a mim mesmo que faria tudo que estivesse ao meu alcance para ajudar o meu amor fosse qual fosse a consequência que esse acidente o traria. Mas, essa consequência!... Como lidar? Como ajudá-lo se ele não lembrava mais de mim?... E nem dele mesmo!

Lutero entrou na sala com uma expressão preocupada, junto a dois outros médicos. Ele foi diretamente para perto da dona Bernarda e da Pilar, apresentando os doutores e pedindo para eles explicarem a situação. Eu não consegui me concentrar o suficiente para entender o que estava acontecendo com o Félix, tudo que fui capaz de entender foi que, provavelmente devido ao traumatismo craniano e a possíveis outros traumas não físicos, o Félix havia deixado de lado sua própria personalidade e tomado para si a personalidade do irmão morto, o Cristiano. Assim sendo, ele não havia se esquecido das pessoas que fariam parte da vida do Cristiano, como a própria mãe, o pai e a avó, mas havia esquecido tudo que era da vida do Félix.

E que dolorosa era essa parte para mim. Eu era parte da vida do Félix. A vida que ele havia apagado da memória.

...

Antes de voltar para casa, passei pelo quarto onde ele estava mais uma vez.

Os médicos haviam explicado que ela precisaria, mais que tudo, de compreensão e paciência. Ninguém sabia dizer ao certo quando ele recuperaria a memória... Nem se recuperaria um dia. Senti meu coração doer amargamente ao imaginá-lo esquecendo-me para sempre.

Eu não queria acreditar... Não podia ser verdade!

Ao passar pelo quarto, abri a porta e me contive apenas a observá-lo. Ele estava dormindo de novo. Disseram que ele ficaria sonolento durante uns dias ainda, até que estivesse mais forte e recuperado.

Fiquei ali... Olhando-o... Sem ação. O que fazer diante de uma situação dessas? Esperar por um milagre, talvez... Era tudo que me restava.

Por um minuto a esperança voltou a mim quando recordei o que meu filho havia me dito...

... - Papai, você vai visitar o Félix no hospital?

— Eu... Vou. Por quê?

— Diz pra ele que eu mandei um abraço e que ontem eu rezei pra ele melhorar. ...

Pensando nisso, me aproximei dele. Um milagre já havia acontecido uma vez, ele se salvou. Por que não poderia acontecer de novo?

Cheguei bem perto e com cuidado o abracei. Abracei-o suavemente e com muito carinho. Queria poder passar todo meu amor naquele abraço.

Encostei minha cabeça em seu peito e falei baixinho:

— Esse é o abraço que o Jayminho te mandou.

Nessa hora, meu coração deu um pulo quando ouvi sua voz me chamar!

— Niko?

...

...

De volta a sua sala...

Eron ligou para o César.

— Já sabe como ele está?

— Sei, doutor César. E... O senhor não vai acreditar.

— O que aconteceu com o Félix?

— Eu ainda não sei bem explicar, mas...

— Afinal, você sabe ou não sabe como ele está?

— Sei sim! Mas, é complicado. Para começar... É... Como dizer?...

— Fale de uma vez.

— Ele perdeu a memória.

César não esperava ouvir algo assim.

— P-Perdeu... A memória?...

— Sim, mas não é só isso.

—... O que mais?

— Parece que ele se lembra de algumas coisas, de algumas pessoas, eu acho. Mas, ele não se lembra dele próprio.

— Como é?

— É isso mesmo, doutor César. O Félix está achando que é outra pessoa. Pelo que eu entendi, ele acha que se chama... Como é mesmo o nome?... Ah! Cristiano.

César não aguentou tal surpresa e deixou o telefone cair.

— Doutor César? Doutor César? – Eron chamou-o, sem resposta. Começou, então, a pensar: - Será que o doutor César passou mal com essa notícia? O que foi que eu fiz?! Eu não deveria ter dito isso por telefone, assim!... Já sei! Eu vou vê-lo. Se ele tiver passado mal, talvez eu possa ajudá-lo de alguma maneira e ainda será melhor para mim. Se eu ficar aqui de braços cruzados e descobrirem que eu fui o último a ligar para ele... Eu serei culpado caso algo pior aconteça.

...

...

Enquanto isso, no quarto...

Como uma fênix renascendo das cinzas minhas esperanças se reacenderam dentro de mim ao ouvi-lo pronunciar meu nome.

Levantei-me e o olhei nos olhos. Os meus, brilhavam, eu tinha certeza. Os deles... Eu não sabia explicar como olhavam para mim.

— V-Você... S-Se lembra de mim?

Indaguei esperando de todo coração uma resposta positiva, entretanto, descobri que o seu olhar era aquele mesmo olhar confuso de antes e vi minhas esperanças morrerem outra vez.

— Eu lembro que... O Lutero disse que esse era seu nome. Niko. Não é?

Definitivamente, eu havia voado alto demais achando que seria tão fácil.

—... É. É meu nome.

— Niko... O que você é meu?

Eu já estava tão machucado que aquela pergunta foi mais como sal na ferida. Doeu, mas nada pior do que o quê eu já estava sentindo.

— Eu? Eu sou... Eu sou seu... – Parei, sem coragem de contar-lhe a verdade, pois os especialistas nos recomendaram não falar nada para ele que pudesse impactá-lo, deixá-lo nervoso ou contrariado. Deveríamos evitar emoções fortes também.

— Eu sou s-seu... Seu amigo.

Resolvi responder, então, não com uma mentira, mas, com meias verdades. Eu não aguentaria mentir para ele ou fingir que não existia nada entre nós. Mas, se era para o bem do meu amor, eu me contentaria em ser só o seu melhor amigo.

— Meu amigo?

— Sim.

— Por que eu não me lembro de você?

— P-Porque... Seu acidente... Não foi tão simples.

— O que eu tive?

—... É melhor você perguntar para o Lutero depois, ou algum outro médico, eles vão saber te dizer melhor que eu.

— Que tipo de acidente foi?

— Foi um acidente de carro. Você... Devia estar com pressa para chegar... – Engasguei com as palavras.

Ele ficou me olhando com aquela expressão totalmente inexplicável para mim.

— P-Por que me olha assim? – Perguntei.

— É que... É como se eu já te conhecesse...

— Você me conhece, eu já disse. Somos amigos.

— Eu sei, mas eu não me lembro. E mesmo assim... É como se eu te conhecesse a vida inteira.

Engraçado... Eu sentia o mesmo. Sempre senti. Desde que o conheci eu senti como se o conhecesse a vida inteira. E, no entanto, agora eu não podia lhe falar isso.

Apesar do sorriso que dei pelo que ele falou, chorei. Tentei segurar, mas não consegui.

— Por que chora? – Ele me perguntou.

— É que... Estou feliz que você tenha acordado... Que esteja fora de perigo, mas... É triste que não se lembre de mim.

Ele, outra vez, ficou me olhando até comentar:

— Para você chorar por mim, é porque deve ser mesmo muito meu amigo.

— Muito. Não faz ideia do quanto gosto de você.

—... Você não faz ideia do quanto eu queria me lembrar de você.

— Sério?

— Sim.

— Por quê?

— Não sei... Acho que eu também devia gostar muito de você antes de me esquecer de você.

Era difícil descrever os sentimentos envolvidos naquele instante. Parte de mim queria beijá-lo e fazê-lo entender que nós nos amamos e que ele não poderia ter esquecido isso. Outra parte de mim, só queria vê-lo bem, com saúde e feliz, mesmo achando que eu era apenas um simples amigo.

Infelizmente, ouvi a parte que me mandou deixá-lo em paz.

— Eu... Acredito que você vai recuperar suas lembranças. Que ainda vai se lembrar de mim e de tudo que... De tudo que precisa.

— Eu espero que sim. É horrível ver as pessoas te dizendo quem são e você não lembrar que elas existem.

— É. Deve ser tão horrível para você quanto é para nós. Eu vou rezar pela sua melhora.

— Obrigado.

—... Eu preciso ir agora.

— Já vai?

— Vou. Daqui a pouco alguém da sua família vem ficar com você. Tchau.

— Tchau, Niko.

Acenei, abri a porta e saí. Saí quase como um zumbi, sem vida, sem sentir meu coração batendo, sem amor. Acho que até me chamaram pelos corredores, mas eu nem dei atenção. Não queria olhar para ninguém, falar com ninguém... Só queria chegar em casa e chorar... E sentir o perfume do meu Félix ainda na minha cama antes que se perdesse como as memórias dele.

Fui embora então... Sentindo naquele dia o peso de uma despedida.

Quando eu voltaria a vê-lo?

Eu não sabia dizer.

E se ele voltaria para mim... Se aquele homem voltaria a ser o meu Félix...

Eu não fazia a menor ideia.

...

...